O Maior Amor escrita por Sâmara Blanchett


Capítulo 24
Capítulo 24


Notas iniciais do capítulo

Todos prontos para ver as rãs tocando o terror no palácio?
PS: O início deste capítulo é narrado em terceira pessoa.
PS²: Desculpem por ser um capítulo muito extenso. Só percebi que ficou grande demais depois de pronto.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/691593/chapter/24

   As milhares de rãs que saíram do Nilo sob o comando do cajado de Arão, irmão de Moisés, invadem cada uma das casas do reino e espalham-se pelas ruas, deixando os filhos do Egito amendrontados. Nenhum egípcio ousa tocar ou fazer mal a uma rã sequer, pois temem a fúria da deusa Heket. Assim sendo, a única escolha que têm é fugir dos animais impertinentes, que entram até nos lugares mais improváveis.

 

   Na casa do grande faraó a situação não é muito diferente. Nem mesmo os portões fechados impediram que as rãs entrassem e que agora tomem cada dependência do palácio. É impossível não notar o espanto nos olhos de quem vê o enorme número de rãs se aproximando. Algo assim nunca se viu antes em toda a história do Egito.

 

  —Soberano! Soberano! — O sumo sacerdote entra eufórico na presença do rei.

 

  —O que houve, Paser? — Ramsés pergunta. — Para deixá-lo assim só pode ser algo grave.

 

  —O palácio está sendo invadido por rãs, majestade. — Ele revela, para surpresa do rei e de sua sobrinha. — Centenas, milhares delas.

 

  —Impossível! Eu estava com meu tio esta manhã, quando o ritual para a deusa Heket foi feito. — Hadany fala. — Pedimos a deusa que mantivesse as rãs no sagrado Nilo.

 

  —Não fomos atendidos, princesa. — Paser fala com certa tristeza.

 

  —VOLTE AO SANTUÁRIO! — O rei ordena em um grito, fazendo com que sua voz ecoe pela sala do trono. — Ore aos deuses, todos os deuses!

 

  —Como quiser, meu senhor. — O sumo sacerdote reverencia o rei, antes de retirar-se para cumprir suas ordens.

 

  —Como é possível que milhares de rãs tenham deixado o Nilo e estejam dentro do palácio? — A jovem princesa questiona. — Isso jamais aconteceu.

 

   Enquanto a princesa procura uma explicação para tal fenômeno surpreendente, a grande esposa real repousa tranquila em sua cama, entregue a seu sono leve e despreocupado. Até que sente algo úmido em seu braço e vários grunhidos tomam o ambiente. Ela então abre seus olhos, que demonstram intenso espanto com o que vêem. Um grito estridente sai de sua garganta, enquanto ela se coloca de joelhos sobre a cama, cercada por inúmeras rãs que estão por todos os lados de seus aposentos reais.

 

   Em seus aposentos, a sacerdotisa desperta lentamente. Seus olhos se abrem devagar, impedindo que ela veja com clareza o que está sobre a almofada. Ela então esfrega os olhos e depara-se com uma rã bem em frente ao seu rosto, olhando-a com curiosidade. Anat assusta-se de tal forma que, ao afastar-se do animal, acaba caindo de sua cama. O chão certamente seria uma fuga, se não estivesse completamente tomado pelas muitas rãs. Os pequenos animais incovenientes pulam em direção a sacerdotisa e, para cada rã que encosta em sua pele, um novo grito apavorado escapa de sua boca.

 

 

   Por Hadany

 

   É inacreditável! As rãs estão por todas as partes do palácio, tomaram a sala do trono e isso deixou meu tio furioso, procurando uma explicação para a invasão desses animais. Mas, eu deixei a sala do trono antes que qualquer explicação fosse dada ao soberano, o que me levou a me deparar com algo ainda mais assustador. As rãs estão por todos os lados, tirando o sossego das pessoas que vivem aqui. No entanto, enquanto caminho pelo corredor, nenhuma rã se aproxima de mim ou pula em minha direção. Ao me verem, os animaizinhos se afastam, como se abrissem caminho para que eu passe.

 

  —Hadany! — Mayra exclama ao me ver entrar no harém e vem correndo até mim.

 

  —Você está bem? — Pergunto.

 

  —Sim, estou. Não tenho medo de rãs, mas nunca vi tantas assim. — Ela responde e segura com firmeza minha mão esquerda, fazendo com que eu me depare com seus olhos assustados. — Não aguento mais ficar aqui! As mulheres gritam como loucas e as rãs ficam pulando em mim.

 

   Meus olhos percorrem todo o harém em meio a gritaria histérica das mulheres, que até sobem nos móveis como forma de fugir das rãs. É então que noto que as rãs não mais importunam minha prima desde que ela se aproximou de mim.

 

  —Venha comigo. — Falo.

 

(...)

 

  —Hadany, a porta! — Tany exclama asim que faço com que Mayra entre nos aposentos de nossa mãe. — Entre depressa e feche a porta!

 

   Por mais que eu feche as portas com rapidez após passar por elas, um pequeno grupo de rãs passa por mim e invade o aposento. Os olhos de minha mãe se tornam enormes ao ver que os animais vão em sua direção. Ela sobe em sua cama, até se ver encurralada entre as almofadas e as rãs.

 

  —Tirem elas daqui! — Minha mãe pede, assombrada com as rãs que insistem em pular em sua direção.

 

  —Mantenha Mayra perto de você. — Peço para Tany ao me dar conta de que as rãs também não se aproximam de minha irmã.

 

   Então, com a ajuda de Leila, faço por onde afastar as rãs de perto de minha mãe, que com o rosto próximo aos joelhos e abraçada as próprias pernas tenta se esquivar dos animais impertinentes. Só então percebo que as rãs também recuam diante de Leila. Isso é no mínimo estranho, muito estranho. Minha cunhada e eu pegamos as rãs e as jogamos para fora dos aposentos pela janela, até que não resta uma só rã dentro do quarto.

 

  —A senhora está bem, tia? — Mayra pergunta a minha mãe ao subir na cama e se sentar ao lado dela.

 

  —Sim, não se preocupe. — Minha mãe envove Mayra em seus braços.

 

  —Eu não entendo como tantos desses animais invadiram o palácio. — Falo.

 

  —É outra praga, princesa. — Leila fala e então eu entendo que o que está acontecendo é obra do deus dos hebreus. — E as rãs estão por todo o Egito, não somente no palácio.

 

  —Pelos deuses! O que será de nós? — Minha irmã pergunta, mesmo que saiba que não há resposta. — O palácio vai se tornar um caos.

 

  —Já está se tornando. — Minha cunhada acrescenta.

 

  —As rãs... — O olhar de minha mãe é pensativo ao ser dirigido para mim, minha irmã e Leila. — Elas não importunam vocês.

 

  —Talvez não tenham simpatizado conosco. — Tany brinca.

 

  —Há uma explicação melhor. — Leila fala.

 

  —E qual é? — Mayra pergunta.

 

  —A praga é destinada somente aos egípcios. — Leila responde.

 

  —Mas, minha irmã e eu somos egípcias. — Argumento.

 

  —Mas, têm também o sangue de seu pai em suas veias. — Minha mãe se manifesta. — Hur é hebreu, por isso a praga não atinge vocês.

 

  —Não adoramos ao deus dos hebreus para que sejamos poupadas da praga. — Tany argumenta.

 

  —Mas, ainda assim são parte do povo escolhido do Senhor, mesmo que tenham também sangue egípcio por serem filhas da princesa. — Leila explica e eu fico grandemente impressionada com a capacidade desse deus de proteger seu povo, até mesmo aqueles que não são puramente hebreus, como minha irmã e eu.

 

  —Então, as rãs não incomodam Hur, nem Uri. — Mayra conclui.

 

   Ao ouvir o nome de meu pai, imediatamente me lembro do que houve entre nós ontem a noite, da forte discussão que tivemos e da mágoa que sinto por ele ter gritado comigo, sabendo que eu tinha razão em tudo o que disse. Talvez não seja a melhor decisão a tomar, mas eu não irei perdoá-lo tão cedo.

 

  —Preciso falar com Ramsés. — Minha mãe fala ao descer da cama e se coloca de pé. — Tenho que convencer meu irmão a deixar os hebreus partirem antes que a situação piore.

 

  —Espere! — Tany interrompe os primeiros passos de minha mãe que a levavam a deixar os aposentos. — Tem um número infinito de rãs esperando pela senhora lá fora se sair do quarto.

 

  —E o que quer que eu faça, Tany? — Ela olha para minha irmã com certa indignação. — Que fique aqui trancada sem fazer nada?

 

  —É o melhor, mãe. Dá para ver em seus olhos o quanto está assustada. — Falo. — Fique aqui, Tany e eu iremos falar com o soberano.

 

  —Vocês não conseguirão convencê-lo. — Minha mãe afirma.

 

  —Somos suas sobrinhas, para as quais ele nunca negou nada. — Tany fala. — Convenceremos nosso tio a aceitar o pedido de Moisés e colocar um fim a esta praga.

 

 

   Por Anat

 

   Por todo o palácio é possível ouvir os gritos apavorados de mulheres e crianças misturados ao grunhido irritante das rãs. Se esse é de fato mais um truque do deus dos hebreus, devo afirmar que essa divindade tem encontrado péssimos meios de convencer o faraó a ceder.

 

  —Eu não acredito que deixei o templo de Om para dividir espaço com centenas de rãs. — Alon fala, enojado com os animais.

 

  —E por acaso acha que elas não invadiram Om? — Pergunto. — As rãs estão por todo o Egito, sem exceção.

 

  —Ouvi dizer que na vila dos hebreus não há uma só rã. — Ele fala. — A divindade invisível dos escravos está os favorecendo.

 

  —Eu só espero que esta praga não dure tanto quando a primeira. — Falo.

 

  —Pelos deuses! Primeiro a água vira sangue e agora essas rãs por todos os lados. — Ouço Simut falar assim que entro no santuário. — Mestre, me responda uma coisa. Essas daqui são todas sagradas ou posso dar uns pontapés em umas e outras?

 

  —Silêncio, Simut. — Meu tio ordena, concentrado em suas orações aos deuses.

 

  —Senhora Anat. — O assistente de meu tio nota minha presença e vem até mim. — Veio orar aos deuses ou está fugindo das rãs?

 

  —As duas coisas, Simut. — Respondo. — Mas, é impossível fugir delas, estão por toda a parte.

 

  —Tomara que os deuses ouçam o mestre e façam com que esses animais voltem para o rio sagrado. — Ele fala. — A senhora já pensou como vai ser dormir com esse barulho infernal?

 

  —Acho que ninguém terá um sono tranquilo esta noite. — Falo ao me esquivar de uma rã que pulava em mim, pois, como todo egípcio, temo que a deusa Heket amaldiçoe quem fizer algum mal mal as rãs, mesmo sem querer.

 

  —Simut... — Alon tenta abafar o riso, ao mesmo tempo em que o olha fixamente.

 

  —O que foi? — Ele pergunta. — Por que está me olhando assim?

 

  —Na sua cabeça. — Alon responde.

 

  —O que tem minh... — Simut não completa o que diz ao se dar conta de que há uma rã em cima de sua cabeça. Ele se assusta e acaba empurrando o animal, que em um pulo volta ao chão.

 

  —Anat? — Meu tio se surpreende com minha presença.

 

  —Eu o atrapalho? — Pergunto ao me aproximar dele.

 

  —De maneira alguma. — Ele responde e então olha para Alon, que tenta se livar das rãs que pulam nele. — Elas também não lhe deixam em paz, meu jovem?

 

  —Nenhum egípcio está livre de ser importunado pelas rãs, senhor Paser. — Alon fala. — Se minha senhora permite, gostaria de procurar um lugar onde as rãs não me incomodem tanto.

 

  —Pode ir, Alon. — Falo e logo meu guardião se retira do santuário, com várias rãs pulando atrás de si. — Ele não vai encontrar esse lugar, não é?

 

  —No momento, creio que não. — Meu tio responde. — Gostaria de orar aos deuses? Você é uma sacerdotisa de Seth, talvez os deuses a atendam com mais rapidez.

 

  —Espero não desapontá-lo. — Falo ao me colocar em frente aos deuses, junto com meu tio.

 

 

   Por Tany

 

  —Não quero ser pessimista, mas duvido muito que qualquer coisa que dissermos convencerá nosso tio a ceder. — Caminho pelo corredor com minha irmã e noto que nenhuma rã ousa se aproximar de nós. — Ele está completamente cego pelo orgulho.

 

  —Eu concordo, mas vamos ao menos fazer uma tentativa. — Hadany pede. — Como você mesma disse, o rei nunca negou nada a suas sobrinhas.

 

  —Vai começar a negar agora.

 

  —Minhas filhas... — Meu pai nos vê e vem correndo em nossa direção. — Estava preocupado com vocês.

 

  —Estamos bem, a praga não atinge os hebreus. — Falo.

 

  —Eu já havia me dado conta disso, mas não sabia se era válido para vocês por terem também sangue egípcio. — Ele fala. — E sua mãe, ainda está trancada no quarto?

 

  —Sim, Leila e Mayra estão com ela. — Respondo. — Estamos indo até a sala do trono falar com meu tio, tentar convencê-lo a ceder.

 

  —Tomem cuidado. O soberano está furioso por causa dessa praga. — Meu pai fala. — Ouvi comentários de que os magos também fizeram aparecer rãs e acusaram Moisés de impostor, mas não puderam fazer com que elas desaparecessem.

 

  —Isso certamente deixou meu tio ainda mais furioso. — Afirmo. — Parece que o deus dos hebreus derrotou os nossos deuses pela segunda vez.

 

  —Está tão calada, Hadany. — Meu pai nota o silêncio absoluto de minha irmã. — Você está mesmo bem?

 

  —Estaria melhor se não me dirigisse a palavra. — Ela responde com grosseria.

 

  —Hadany! — Eu a repreendo.

 

  —Sua irmã está chateada comigo e com razão. — Ele olha nos olhos de Hadany. — Filha, quero te pedir perdão pela forma como falei. Eu perdi o controle, não deveria ter gritado com você. — Meu pai toma as mãos de Hadany nas suas. — Você me perdoa?

 

  —Não, eu não perdôo. — Ela puxa suas mãos bruscamente. — Nada justifica a sua atitude, ainda mais porque sabe que eu estou certa.

 

  —Eu me arrependo muito do modo como agi, filha. — Ele fala. — Você estava certa, eu quem estou errado e deveria ter me calado.

 

  —Mas, não foi o que fez! — Hadany esbraveja. — Aquele grito ainda ecoa em meus ouvidos, pai.

 

  —Eu reconheci o meu erro e lhe pedi perdão. — Meu pai tenta se aproximar de minha irmã, mas ela se afasta. — Não pode simplesmente me perdoar e esquecer o que houve?

 

  —Não, porque não é tão simples como pensa. — Hadany volta sua atenção para mim. — Fique se quiser. Preciso falar com o rei e não posso perder mais tempo.

 

  —Hadany, espere! — Chamo por minha irmã ao vê-la se distanciar a passos rápidos.

 

  —Deixe que ela vá sozinha, Tany. — Meu pai me impede de ir atrás dela. — Talvez a fúria que agora sua irmã sente ajude-a a fazer o soberano mudar de ideia.

 

  —Não vai ajudar se ela bater de frente com a fúria do próprio soberano. — Falo. — O que houve? Por que Hadany está brava com o senhor?

 

  —Nós discutimos e eu perdi a cabeça. — Ele fala entristecido. — Acabei gritando com ela.

 

  —O senhor nunca perdeu a calma conosco, nem mesmo quando éramos crianças e fazíamos as maiores travessuras. — Olho para meu pai. — O que minha irmã fez para tirá-lo do sério?

 

  —É melhor que não saiba, minha filha. — Meu pai acaricia meu rosto e em seguida me dá um beijo na testa. — Fico feliz em saber que ao te dar o meu sangue, poupei você do tormento que está sendo esta praga.

 

   Flash back on

 

  —Não se torture com esses pensamentos, meu amor. — Minha mãe faz com que meu pai olhe em seus olhos.

 

  —Há seis anos eu tento não pensar. A cada sorriso que vejo iluminar o rosto de nossas filhas eu tento esquecer esse receio, que para você parece ser tolice. — Meu pai fala. — Cada vez que os olhos que elas herdaram de você me contemplam, eu tento fingir que minha realidade é outra, Henutmire. Mas, não consigo.

 

  —Olhe para mim, Hur. — Ela pede ao vê-lo baixar seu olhar e ele assim o faz. — Você me deu a maior alegria de toda a minha vida. Entende isso?

 

  —Você é a princesa do Egito e o que eu lhe dei foi duas filhas com sangue de escravos. — Ele novamente leva seu olhar ao chão.

 

  —Olhe para mim! — Minha mãe agora ordena e meu pai prende seus olhos aos dela. — Você não é um escravo. Você é o meu marido, o homem que eu amo, aquele que me deu duas filhas e me proporcionou os anos mais felizes de toda a minha existência.

 

  —Eu não mereço você, Henutmire. — Ele fala com voz embargada. — Não sou digno de ser marido da princesa.

 

  —Eu não sou o título que possuo. Sou a mulher que por tantos anos você amou em segredo e que hoje é sua esposa. — Ela segura o rosto dele entre suas mãos. — Nunca mais se menospreze por suas origens ou por tê-las dado a nossas filhas. Hadany e Tany não poderiam ter um pai melhor.

 

  —Eu temo que no futuro elas sejam alvo de preconceito por serem filhas de um hebreu e que por isso se sintam envergonhadas do sangue que carregam.

 

  —Isso nunca irá acontecer, meu amor. — Minha mãe fala com doçura e sorri. — E sabe por que? Porque elas o amam e jamais irão renegar o sangue do próprio pai.

 

   Flash back off

 

   Observo meu pai se distanciar, enquanto a lembrança desaparece lentamente de minha memória. Eu tinha apenas seis anos quando, sem querer, ouvi aquela conversa pela porta dos aposentos que ficara entreaberta. Foi então que eu me dei conta do quanto meu pai se preocupava com o fato de minha irmã e eu termos o seu sangue. Mas, diante desta praga, ele pôde reconhecer que o sangue que julgava indigno das descendentes da princesa do Egito é na verdade o único motivo que está nos poupando dessa espécie de punição do deus dos hebreus.

 

   Todavia, minha atenção se volta novamente para as muitas rãs espalhadas no corredor. Estou sozinha em meio a essa multidão de animais que aterrorizam o palácio e todo o Egito. É então que uma ideia surge em minha cabeça, que de tão terrível faz com que eu me pergunte se sou capaz de algo tão repugnante.

 

  —Que a deusa Heket me perdoe, mas é por uma boa causa. — Falo ao me abaixar ao chão e pegar uma rã em minha mão. — Você até que é simpática, sabia? Vou levá-la para dar um passeio.

 

 

   Por Anat

 

  —Eu não aguento mais o barulho desses animais! — Falo irritada. — Já é noite. Será que não se cansam?

 

  —Parece que não. — Alon responde rindo. — Pelo visto as rãs conseguiram te tirar do sério.

 

  —Não preciso de grandes motivos para perder a paciência, Alon. — Falo. — Se as rãs não fossem sagradas, eu já teria matado centenas delas.

 

  —Certamente teria, se antes matasse o medo que sente delas. — Ele volta a rir.

 

  —Do que está falando? — Pergunto.

 

  —Não se lembra daquele dia no rio? — Ele responde com outra pergunta, que me faz lembrar um belo momento de minha vida.

 

   Flash back on

 

  —Veja, Anat! — Alon chama por mim. — Encontrei uma rã.

 

  —Deixe-a em paz, Alon. — Falo. — As rãs são sagradas, não pode fazer mal a elas.

 

  —Não vou machucá-la. — O menino então olha com atenção o animal em suas mãos. — Ela é engraçada.

 

  —Não vai ser engraçado quando a deusa Heket castigar você.

 

  —Se é assim, melhor que a deusa castigue você. — Ele joga a rã em mim e ri com vontade ao me ver cair dentro do rio na tentativa me esquivar do animal. — Por essa eu não esperava.

 

  —Pare de rir ou sofrerá as consequências, rapazinho. — Advirto.

 

  —Tinha que ter visto a sua cara. — O menino mal consegue falar tamanha é a risada que o domina.

 

  —Ah, é? — Me aproximo devagar de Alon. — Nós viemos aqui para nos banhar no rio e eu não serei a única a voltar para o templo molhada.

 

  —Não! Não faça isso. — Alon tenta escapar, mas eu o agarro entre meus braços. — Anat, não!

 

  —Agora vai sentir o peso da vingança da futura esposa de Seth. — Entro no rio com Alon e me jogo dentro da água, segurando-o junto a mim.

 

   As risadas do menino conseguem me contagiar e eu me rendo ao riso cada vez que ele joga água em mim e eu nele. Alon conhece um lado meu que muitos julgam inexistente. O lado que consegue ser amável, carinhosa, que sorri com sinceridade e olha a vida com um pouquinho mais de alegria do que ela realmente tem. Não sei explicar o que sinto por esse menino de apenas dez anos, mas é algo tão forte como eu jamais senti. Mais forte até que o ódio que sinto pela princesa Henutmire. O que tenho por Alon é um sentimento tão puro que não condiz comigo, mas mesmo assim habita em meu coração.

 

  —Me segure! — Alon fala ao se jogar em meus braços e assim nós dois caímos na água, o que faz o menino rir. — Anat, se eu tivesse uma mãe, gostaria que ela fosse como você.

 

   Flash back off

 

  —Eu nunca lhe disse, mas naquele dia o meu maior desejo foi ser seu filho. — Alon fala, me trazendo de volta de minhas lembranças.

 

  —Não sei se eu seria uma boa mãe, Alon. — Falo com tristeza ao recordar algo de meu passado. — Essa oportunidade foi tirada de mim.

 

  —Porque sacerdotisas não podem ter filhos. — Ele fica pensativo. — Sabe, Anat... Por mais que eu tenha sido bem cuidado pelas sacerdotisas desde bebê, nenhuma delas me olhou com os olhos que você me olhou. Você viu em mim mais do que um menino que estava sendo preparado para ser um guardião.

 

  —Não espera que eu chore, não é? — Disfarço a emoção que as palavras de Alon me causam com um sorriso.

 

  —Seria pedir demais de você. — Meu guardião sorri. — Eu nunca vi uma lágrima escapar de seus olhos.

 

  —Uma vez... Uma única vez eu permiti que lágrimas fossem mais fortes que eu. — Dirijo meu olhar para o vazio. — E elas me mostraram o quanto eu fui fraca a ponto de não impedir...

 

  —Não impedir o quê? — Alon pergunta ao ver que me calei.

 

  —Com licença, senhora. — Um servo entra em meus aposentos, com uma bandeja nas mãos e sobre ela uma jarra e uma taça douradas.

 

  —Pois não?

 

  —Sua alteza, a princesa Tany, lhe manda um presente. — Ele fala. — Uma jarra da melhor safra de vinho do Alto Egito.

 

  —Coloque ali, por favor. — Peço e o servo coloca a bandeja sobre a mesa.

 

  —A princesa espera que a sacerdotisa de Seth aprecie a bebida. Com sua licença, senhora. — O servo se retira de meu quarto.

 

  —Desde quando a princesa Tany lhe faz agrados? — Alon pergunta. — Pelo que já notei, ela não simpatiza nem um pouco com você.

 

  —Estou tão surpresa quando você, meu querido. — Me sirvo de vinho. — Mas, não se recusa um presente vindo da realeza, não é mesmo?

 

  —Você disse que não podia beber bebidas desse tipo.

 

  —Eu só não posso me exceder e beber ao ponto de ficar embriagada.

 

   Levo a taça a meus lábios e bebo um gole do vinho. Realmente é a melhor safra que já provei, o sabor é único e indescritível. Todavia, me detenho a tomar o segundo gole ao ver algo estranho dentro do líquido, algo que não consigo identificar. Afasto a taça do rosto para ver melhor e é então que sinto uma imensa ânsia de vômito diante do que vejo. Minha única reação é atirar a taça contra o chão.

 

  —O que houve, Anat? — Alon se aproxima de mim, assustado com minha atitude. — O vinho é tão ruim assim?

 

  —Eu não acredito que bebi isso. — Falo e levo uma de minhas mãos a boca, tomada pelo nojo e repulsa.

 

  —Ora, ora, ora... O que temos aqui. — Ele se abaixa até o vinho derramado no chão. — A princesa Tany colocou a cabeça de uma rã no vinho que lhe presenteou.

 

  —Tire isso daqui, agora! — Esbravejo, enquanto tento conter o revirar de meu estômago. — Desta vez essa princesinha foi longe demais.

 

 

   Por Henutmire

 

  —Eu vou enlouquecer com esse barulho irritante! — Falo com as mãos em meus ouvidos, afim de tentar silenciar o grunhido das rãs. — Ramsés precisa fazer alguma coisa.

 

  —Vamos esperar que nossas filhas consigam fazer o rei mudar de ideia. — Hur fala, esperançoso. — Ao menos as rãs não importunam você.

 

  —Somente porque estou trancada neste quarto, escondida como uma covarde. — Falo, nervosa.

 

  —Se acalme, meu amor. — Ele me abraça.

 

  —Hur... — Olho nos olhos de meu marido. — Se Ramsés chegar a deixar os hebreus partirem, você irá com seu povo?

 

  —Não iria a lugar algum sem você.

 

  —Mas, e se não tivesse escolha? — Pergunto. — Se o rei não permitisse que um só hebreu ficasse no Egito?

 

  —Eu levaria você comigo. — Hur responde com segurança.

 

  —Meu irmão nunca permitiria, Hur. — Falo. — Seria vergonhoso para o rei do Egito ter sua irmã entre os hebreus, vivendo no deserto.

 

  —Então, o soberano teria que me matar. — Ele fala, me assustando. — Pois se eu não pudesse levar você comigo, também não colocaria meus pés para fora deste reino.

 

   As palavras de Hur demonstram que ele prefere a morte a ser obrigado a passar o resto de sua vida longe de mim. Leila estava certa quando disse que Hur seria capaz de renunciar à própria vida por minha causa. Mas, eu não quero vê-lo morto como prova de seu amor incondicional. Não! Eu não seria capaz de resistir a morte de meu marido. Se os hebreus realmente forem embora do Egito e não houver como Hur ficar de forma pacífica, eu o convencerei a ir embora, seja qual for o argumento que terei que usar para isso. Sou capaz de pedir o divórcio e dizer olhando em seus olhos que já não o amo, para que ele vá e sua vida seja preservada na terra que foi prometida ao seu povo.

 

  —Mãe! — Hadany entra eufórica em meus aposentos. — Meu tio deixou os hebreus partirem. Eu consegui fazê-lo mudar de ideia.

 

  —Mas, como? — Pergunto, incrédula. — Ramsés estava irredutível.

 

  —Discutimos por um longo tempo, mas no fim o rei me deu razão. — Ela fala contente. — Mandou chamar Moisés e Arão e anunciou que deixará o povo ir, se as rãs voltarem para o Nilo e nos livrarmos desse tormento.

 

  —E quando isso irá acontecer? — Pergunto.

 

  —Amanhã. — Minha filha responde. — Meu tio assim pediu, pois já é noite e estamos sem a proteção de Rá.

 

  —Finalmente meu irmão fez a coisa certa. — Falo. — E Moisés? Você o viu?

 

  —Sim, ele estava preocupado com a senhora, mas eu disse que está bem. — Ela fala. — Ele pediu que eu lhe desse isso.

 

  —Um abraço... — Sorrio ao me ver envolvida nos braços de Hadany. — Os hebreus voltarão daqui a três dias?

 

  —Não foi esse o pedido de Moisés? — Minha filha pergunta, confusa.

 

  —Sim, é claro. — Respondo, disfarçando que sei que os hebreus querem a liberdade e não apenas três dias no deserto. — Sua irmã onde está?

 

  —Não sei, ela não foi a sala do trono comigo. — Hadany responde. — Houve um imprevisto e fui sozinha falar com o rei.

 

  —Pensei que Tany tinha ido atrás de você depois que a deixei sozinha. — Hur finalmente diz alguma coisa, pois permanecera em silêncio desde a chegada de nossa filha.

 

  —Vou me recolher, estou cansada. — Minha filha se aproxima de mim e deposita um beijo em meu rosto. — Boa noite, mãe.

 

  —Bons sonhos, minha filha. — Sorrio para ela. Hadany então faz menção de se retirar dos aposentos. — Não vai dar boa noite a seu pai?

 

  —Não. — Ela fala friamente, sem olhar para nós.

 

  —Não é necessário, Henutmire. — Meu marido fala. — Ela está cansada, deixe-a ir.

 

  —Pelos deuses! Vocês ainda estão brigados? — Pergunto com certa indignação. — Você não falou com ela, Hur? Não lhe pediu perdão?

 

  —Sim, ele pediu. — Hadany responde no lugar do pai e então olha para nós. — Mas, eu não fui capaz de perdoar.

 

  —Hadany, seu pai errou sim. Mas, se arrependeu e lhe pediu perdão. — Caminho até minha filha. — Guardar essa mágoa só vai fazer mal a você. Perdoe o seu pai.

 

  —Diz isso porque não foi o seu pai que gritou com a senhora. — Ela argumenta.

 

  —Tem razão, meu pai não gritou comigo. Ele fez coisas muito piores. Foi culpado de todo o meu sofrimento quando me tirou o meu único filho. — Falo, triste. — Mas, quando ele me pediu perdão eu fiz como você está fazendo agora. Deixei a mágoa e o rancor falarem mais alto. E sabe o que aconteceu? Ele morreu. — Olho nos olhos de minha filha, olhos que refletem os meus próprios. — Não faça como eu, Hadany. Não espere ver o seu pai morto para se dar conta de que o erro não é maior que o amor que ele sente por você.

 

  —Mas... — O olhar de minha filha demonstra que ela está dividida entre a mágoa e o perdão.

 

  —Eu perdoei o meu pai quando já não podia mais abraçá-lo para dizer isso ou chorar em cima de seu corpo para que ele levasse consigo para o mundo dos mortos as lágrimas de meu perdão. — Me afasto para que ela veja Hur. — Seu pai está ali, o coração dele ainda bate e um dos motivos disso ainda é você.

 

   Os passos de Hadany são cautelosos ao se aproximar de Hur. Ao estar frente a frente com ele, ela o olha com receio por alguns instantes, mas em seguida se joga nos braços do pai, que a recebe em um caloroso abraço pleno de amor. Eu sorrio ao presenciar tal cena, mas também para esconder uma lágrima de emoção de brotou em meus olhos.

 

  —Eu te perdôo, pai. — Hadany fala, ainda abraçada a Hur. — Me desculpe pela minha teimosia, eu não queria magoar o senhor.

 

  —Ah, minha filha... — Ele desfaz o abraço e olha nos olhos dela. — Você nunca me magoou, eu magoei você e fico feliz que tenha me perdoado. — Hur limpa as lágrimas do rosto de nossa filha. — Eu te amo muito, Hadany. Você é uma parte muito importante de mim, nunca se esqueça disso.

 

  —Não vou esquecer. — Ela sorri, antes de abraçá-lo novamente. — Boa noite, pai.

 

  —Boa noite, minha filha. — Hur deposita um beijo carinhoso na testa de Hadany e em seguida ela se retira. — Obrigado.

 

  —Por que agradece? — Olho para ele sem entender.

 

  —Por ser a melhor esposa que existe e uma mãe ainda melhor. — Ela fala e suas palavras estampam um enorme sorriso em meu rosto.

 

 

   Por Hadany

 

   Viro de um lado para o outro na cama, sem conseguir pegar no sono. As rãs não entraram em meus aposentos, mas o barulho delas lá fora está conseguindo me deixar irritadíssima. Ao menos eu consegui convencer meu tio a aceitar o pedido de Moisés e amanhã estaremos livres desse tormento ou qualquer outro que o deus dos hebreus pudesse inventar caso o rei continuasse irredutível.

 

  —Desista, Hadany! — Falo para mim mesma. — Você não vai dormir esta noite.

 

   Me levanto e saio de meu quarto, sentindo o chão gelado em meus pés descalços. Mais uma vez as rãs se afastam ao me ver, mas agora eu já entendo o porquê. Sequer tive o cuidado de colocar minha peruca e ando pelos corredores com meus longos cabelos livres, afinal não há ninguém acordado no palácio que possa me ver, ou se há está acordado dentro de seus aposentos e não se atreverá a sair. Então, entro na cozinha real a procura de algo para comer. Vejo um cacho de uvas dentro de uma bandeja em cima da mesa e vou até ela.

 

  —Saiam, eu quero me sentar. — Falo rindo para as rãs, que de imediato saem do banco e eu me sento. — Acho que vocês vão me fazer companhia esta noite.

 

   Tomo nas mãos o cacho de uvas e aos poucos desfruto de seu doce sabor. As rãs não se aproximam de mim, mas ao mesmo tempo me olham com curiosidade. Talvez estejam estranhando a presença de um criatura acordada no meio da noite egípcia.

 

  —Princesa? — Chibale aparece de repente, o que me assusta e faz com que eu me levante no mesmo instante. — Perdão, não queria assustá-la.

 

  —Não é o que parece.

 

  —O que faz acordada a essa hora? — Ele pergunta.

 

  —Não consigo dormir por causas das rãs. — Respondo. — Me levantei e quis vir até a cozinha. Há algo de mal nisso?

 

  —Não, claro que não. — Ele fala. — Eu só não imaginava que a encontraria aqui no meio da noite, sozinha.

 

  —Não estou sozinha, estou? — Um sorriso toma meus lábios.

 

  —Certamente. — Meu amigo ri ao concordar comigo. — Eu... Eu quero pedir perdão pelo que houve entre mim e vossa alteza naquele dia. Eu sempre fui muito tímido, não sei o que me deu coragem para beijá-la. — Chibale baixa o olhar, envergonhado. — Eu peço humildemente que me perdoe.

 

  —Eu quem devo pedir perdão pelo meu silêncio e por ter me afastado de você. — Falo e ele me olha. — Eu achei que evitar te ver ajudaria a desfazer a confusão que aquele beijo provocou dentro de mim.

 

  —Eu não deveria ter dado lugar a uma atitude tão impulsiva, deveria ter lhe contado de meus sentimentos de outra meneira. — Chibale dá um passo a frente. — Passei os últimos dias me martirizando por ter afastado minha melhor amiga de mim.

 

  —Você nunca vai perder minha amizade, aconteça o que acontecer. — Sorrio. — Mas, vamos dar tempo ao tempo. Eu não sei se posso corresponder ao seu amor.

 

  —Se eu tiver sua amizade, já basta para mim. — Ele segura minha mão com carinho e eu sinto meu coração acelerar. — Se um dia estiver certa que o sente por mim é mais do que amizade, estarei aqui esperando pela princesa.

 

  —É melhor eu ir. — Tiro minha mão da sua. — Já é tarde e se nos virem juntos podem pensar mal a nosso respeito.

 

  —Claro, eu entendo. — Chibale então me olha com atenção e surpresa. — Vossa alteza tem cabelos longos?

 

  —Sim. Só agora notou? — Pergunto rindo. — Mas, por favor, não conte a ninguém. Não quero ser obrigada a cortá-los por causa das tradições egípcias.

 

  —Posso? — Ele pergunta ao aproximar sua mão de meus cabelos. Eu permito e então Chibale toca com cuidado meus fios castanhos. — É uma pena que tenha que escondê-los... A princesa fica ainda mais linda usando-os.

 

  —Minha mãe diz o mesmo. — Sorrio. — Promete que não contará a ninguém?

 

  —Pela minha vida... — Ele olha em meus olhos, o que me deixa sem ação. — E pelo amor que sinto por vossa alteza.

 

  —Se me dá licença, vou me recolher aos meus aposentos. — Faço menção de me retirar.

 

  —Espere! — Ele segura meu braço suavemente, interrompendo meus passos. — Sei que sou apenas um cozinheiro do palácio apaixonado pela filha da princesa. Mas, se um dia vossa alteza chegar a me amar, eu poderei ter esperança de tê-la como minha esposa?

 

  —É um desejo audacioso, mas sim. — Respondo e ele se surpreende. — Se eu amasse você com toda a plenitude que este sentimento pode ter, lutaria contra todo e qualquer obstáculo para ficar ao seu lado. — O sorriso de Chibale ilumina seu rosto. — Agora, preciso ir.

 

  —Boa noite, alteza. — Ele faz um simples reverência.

 

  —Boa noite, Chibale. — Sorrio para ele e em seguida deixo a cozinha real.

 

 

   Por Henutmire

 

   Um novo dia amanheceu e com ele o fim da praga. Mas, o cheiro de rãs mortas pelo palácio é terrível e está conseguindo me causar náuseas sem que nenhuma delas esteja dentro de meus aposentos. Todavia, é reconfortante saber que Ramsés finalmente aceitou o pedido de Moisés e que os hebreus oferecerão sacrifícios ao seu deus no deserto. O que me preocupa agora é se eles voltarão daqui a três dias, pois se não voltarem eu perdi meu filho novamente sem sequer ter a chance de me despedir.

 

  —Princesa! — Leila entra afoita em meus aposentos.

 

  —O que houve, Leila? — Pergunto, assustada com sua atitude.

 

  —O soberano voltou atrás em sua decisão. — Ela responde. — Os hebreus não vão mais partir para o deserto.

 

  —Ramsés só pode ter enlouquecido! — Esbravejo. — Nós quase morremos na primeira praga e agora fomos atormentados por rãs. Será que meu irmão não percebe que essa teimosia ainda vai arruinar o Egito?

 

  —Parece que o rei ainda não se convenceu do poder do nosso Deus.

 

  —É isso o que me preocupa, Leila. — Falo ao andar de um lado para o outro. — Se Ramsés continuar se recusando a ceder, o deus dos hebreus dará maiores demonstrações de seu poder.

 

  —Não tenha dúvidas disso, senhora.

 

   Somos interrompidas pelas portas de meu quarto ao serem escancaradas. Anat invade meus aposentos sem o mínimo de cerimônia e respeito. Seus olhos raivosos brilham, enquanto ela caminha furiosa em direção a mim.

 

  —Como ousa entrar em meus aposentos dessa maneira? — Pergunto com voz alterada.

 

  —Isso é para retribuir o presente que sua filha me deu. — Anat responde, mas o que eu sinto é o peso da mão da sacerdotisa contra meu rosto. Mas, mais pesado ainda é a minha mão no rosto de Anat quando lhe devolvo a bofetada que acaba de me dar. Ela se desequilibra e seu corpo vai de encontro ao chão.

 

  —A próxima vez que erguer a mão para mim será a última vez que terá mãos. — Falo me sentindo plena de superioridade ao olhar Anat de cima. — Você nunca mais vai encostar um dedo sequer em mim. Entendeu bem?

 

  —Eu farei muito pior, princesa. — Ela olha para mim, ameaçadora. — Diga a suas filhas para não se meterem comigo. Eu tenho sido paciente com elas porque o meu alvo é a senhora, mas se entrarem no meu caminho eu não terei piedade.

 

  —Atreva-se a fazer algum mal a minhas filhas e eu terei prazer em arrancar seus olhos e jogá-los aos crocodilos. — Ameaço. Anat então tenta se levantar, mas eu não deixo. Empurro-a com meu pé direito e, quando ela se vê novamente no chão, coloco-o sobre sua barriga. — Aproveite que está no chão e rasteje como a víbora que você é.

 

  —Como ousa me afrontar dessa maneira? — Ela fala por entre os dentes. — Eu sou uma sacerdotisa, esposa de Seth.

 

  —Você não é nada, Anat! Nada além de uma mulher vil e desprezível, que tem riquezas para esconder o grande fracasso que é a sua vida. — Minhas palavras atigem a sacerdotisa como uma flecha atinge o alvo. — O que você quer é estar acima de mim, é ser mais do que eu sou. Mas, sabia que nunca conseguirá o que deseja. Acima de mim há apenas os soberanos do Egito e os deuses, e você não é nenhum dos dois.

 

  —Isso não vai ficar assim! — Anat se levanta furiosa e me fita com seu olhar. — Eu juro pela minha vida que vossa alteza irá pagar por essa humilhação que acaba de me fazer passar.

 

  —Sua vida nada vale para que a use como juramento. — Eu a encaro. — Você é apenas uma sacerdotisa fora de seu templo, vulnerável a qualquer mal que possa lhe atingir estando fora das paredes sagradas.

 

  —Está me ameaçando, princesa?

 

  —Entenda como quiser. Não vou gastar meu tempo dando explicações a você. — Lhe dou as costas, mas logo a olho de frente novamente. — Aliás, o que ainda faz aqui? Pode ir embora, não quero que sua presença estrague o resto da minha manhã.

 

   Contrariada e tomada pelo ódio, Anat se retira de meus aposentos sem olhar para trás. Respiro fundo para colocar meus sentimentos em ordem e me acalmar. Essa mulher tem a capacidade de despertar em mim um lado que até eu mesma desconheço. Então, Leila se aproxima de mim e me oferece uma taça com água.

 

  —Obrigada. — Levo a taça aos lábios e bebo da água com certa rapidez.

 

  —Eu posso vê-la enfrentando Anat quantas vezes for, mas sempre irei me surpreender com a senhora. — Minha dama fala. — Realmente não teme as ameaças dela?

 

  —Essa mulher não pode me fazer mais mal do que a própria vida já fez. — Falo com ressentimento ao me lembrar de todos os maus momentos que passei, mas principalmente do bebê que eu tive em meu ventre sem saber. Uma vida inocente que eu sequer havia me dado conta que existia, uma criança que começava a se formar desafiando as leis da natureza. Um filho que teve o mesmo destino dos filhos que Yunet matou antes mesmo que nascessem.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Se eu fosse a Anat não iria mexer com a Henutmire nunca mais.



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "O Maior Amor" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.