O Maior Amor escrita por Sâmara Blanchett


Capítulo 23
Capítulo 23


Notas iniciais do capítulo

Feliz 2017, meus amores!



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   Por Hadany

 

   Com o fim da praga de sangue, meu pai se recuperou com rapidez. Mas, recebeu uma bela bronca de Paser por não ter tomado os devidos cuidados quando foi afetado pela falta de água. No entanto, eu não tiro a razão de meu pai. Ele fez de tudo para cuidar de mim, de minha irmã e de minha mãe. Ele foi forte por nós, mesmo quando forças lhe faltavam. Ele levou Tany nos braços até a vila dos hebreus para salvar a sua vida... Se há um homem que admiro no mundo, esse homem é o meu pai. Todavia, agora que o tormento passou, eu me lembro do quão desconfortável foi olhar novamente para Miriã, estar de novo perto dela. Eu sei da verdade do passado e não tenho como fugir disso, não tenho como escapar do fardo que é guardar esse segredo únicamente porque ele não me pertence.

 

  —Era ela! — Tany exclama de súbito, o que me assusta. Ela então me olha. — Hadany, era ela!

 

  —Quem? — Pergunto.

 

  —Miriã. — Ela responde, atordoada. — Era ela a mulher hebreia com quem me encontrei no Nilo.

 

  —O quê? — Me surprendo com as palavras de minha irmã.

 

  —Se lembra do dia em que nossa mãe nos contou a verdade sobre Anat e eu saí do palácio sem dizer aonde ia? — Ela pergunta e eu afirmo que sim. — Eu fui até o rio sagrado e lá encontrei Miriã.

 

  —Então, você conheceu a irmã de Moisés antes de irmos a vila naquela noite. — Concluo.

 

  —Sim, mas eu não a reconheci de imediato. — Tany fica pensativa. — Só agora me dei conta de que o rosto, a voz, os olhos daquela hebreia desconhecida são os de Miriã.

 

  —Por Ísis! — É o único que sai de minha boca.

 

  —Não conversamos por muito tempo, eu estava confusa e precisava voltar ao palácio para o cortejo a Abu Simbel. — Ela fala. — Miriã sabia quem eu sou, mas não quis me dizer seu nome.

 

  —Ela tem motivos para isso. — Falo para mim mesma.

 

  —O que disse?

 

  —Alguém mais sabe disso?

 

  —É claro que não, Hadany. — Tany responde. — Eu mesma não sabia, até agora.

 

  —Não comente sobre isso com nosso pai. — Peço.

 

  —Por que? — Ela me olha intrigada.

 

  —Porque ele pode não gostar de saber que você se encontrou com Miriã. — Falo a primeira coisa que me vem a cabeça.

 

  —E que motivos ele teria para não se agradar de um encontro meu com Miriã?

 

  —Não faça perguntas que não posso responder, apenas faça o que eu disse. — Falo, tentando disfarçar meu nervosismo. — Além disso, se nosso tio chega a saber, pode mandar castigar Miriã somente por ela ter se dirigido a filha da princesa do Egito.

 

  —O que está me escondendo, Hadany? — Minha irmã me olha com desconfiança. — O que você sabe que eu não sei?

 

  —Nada! Eu não sei e nem deveria saber de nada. — Minto. — Aliás, esqueça o que eu falei! A falta de água deve ter afetado o meu juízo.

 

  —Acho que não foi isso que afetou o seu juízo, irmãzinha. — Tany fala rindo. — Talvez tenha sido algo bem mais forte que a sede.

 

  —Do que está falando? — É a minha vez de olhá-la intrigada.

 

  —Do seu primeiro beijo. — Ela responde. Eu certamente teria caído de susto, se não estivesse sentada.

 

  —Você viu?

 

  —Vocês estavam na entrada do jardim, seria um pouco difícil passar por perto e não notar. — Ela me olha com curiosidade. — Ele se declarou para você?

 

  —Sim, disse que me ama e que está seguro de seus sentimentos. — Escondo meu rosto entre minhas mãos. — Não nos falamos desde então.

 

  —Você está confusa, não é? — Tany coloca suas mãos em meus ombros.

 

  —Muito. Eu não sei como agir! Chibale e eu somos amigos desde criança. — Falo. — Mas, depois daquele beijo, eu não consigo sequer olhar para ele.

 

  —Minha irmã, você está apaixonada. — Ela afirma com segurança. — É só olhar em seus olhos para ver isso.

 

  —Eu não quero me apaixonar pelo meu melhor amigo, entende? — Olho para minha irmã. — Porque se não der certo, jamais vamos recuperar nossa amizade.

 

   Tany nada diz, apenas me abraça como forma de talvez me ajudar a encontrar um caminho a seguir, pois me sinto perdida quanto a esse assunto. Eu não sei se o que sinto por Chibale é mais do que amizade, não sei se posso corresponder a seus sentimentos da forma como ele espera. Ele pode estar seguro de seu amor, mas eu não tenho certeza de absolutamente nada. O único que sei é que aquele beijo mudou tudo entre nós, que nos afastou e que abalou algo em nossa amizade de tantos anos.

 

 

   Por Henutmire

 

   Ando pelo palácio de mãos dadas com Mayra, que mais parece estar caminhando ao lado de sua mãe do que de sua tia. É curioso o imenso carinho que tenho por minha sobrinha e o quanto aprecio cuidar dela, ver seus olhos brilharem de felicidade e seu sorriso embelezar seu rostinho de criança. Qualquer um que nos visse e desconhecesse nosso verdadeiro parentesco, afirmaria sem dúvidas que somos mãe e filha. E é assim que me sinto em relação a Mayra, como se ela fosse minha filha e não de Ramsés e Nefertari.

 

  —A professora de dança disse que eu sou uma ótima bailarina. — Mayra fala, satisfeita com o elogio que recebeu. — Mas, eu disse a ela que se sei dançar bem é porque a senhora me ensinou.

 

  —Eu fico lisonjeada que pense assim, minha menina. — Sorrio. — Mas, não menospreze os ensinamentos de sua professora. Tenho certeza que ela se esforça muito para fazer de você a melhor bailarina de todo o Egito.

 

  —Tia... — Ela para de caminhar e se coloca a minha frente. — Agora que a praga acabou, nós vamos ficar bem?

 

  —Eu espero que sim, Mayra. — Falo ao me abaixar a sua altura. — Não sei o que pode acontecer, mas espero que todos fiquem bem e que o Egito não perca mais nenhum de seus filhos.

 

  —Eu posso pedir uma coisa?

 

  —O que você quiser.

 

  —Se um dia a senhora for embora do palácio, seja para onde for, me leve junto. — O pedido de minha sobrinha me deixa sem ação.

 

  —Por que está me pedindo isso? — Pergunto.

 

  —Porque eu não quero ficar longe da senhora, tia. Se for e eu ficar, terei a sensação de que sou sozinha no mundo, sem ninguém por mim. — Ela segura minhas mãos e olha em meus olhos. — A senhora promete?

 

  —Eu prometo, minha menina. — Abraço-a e ela se rende a meus braços carinhosos. — Eu jamais deixaria você para trás, mesmo que eu fosse a um lugar onde não pudesse te levar.

 

  —Eu te amo, tia. — Mayra consegue me emocionar, pois sei que um "eu te amo" não sai da boca de uma criança se não for sincero.

 

  —Eu também te amo, Mayra. — Dou um beijo em seu rosto. — Amo mais do que você imagina.

 

  —Moisés... — Minha sobrinha fala ao se deparar com meu filho vindo pelo corredor em nossa direção.

 

  —Filho! — Eu o abraço assim que ele se aproxima de mim.

 

  —Mãe... — Ele corresponde ao abraço.

 

  —Eu estava levando Moisés até seus aposentos, ele pediu para falar com a senhora. — Leila fala.

 

  —O que faz aqui? — Mayra pergunta para Moisés.

 

  —Vim conversar com seu pai, princesa. — Ele responde.

 

  —Vocês brigaram de novo? — Ela pergunta novamente.

 

  —Não de minha parte. — Moisés se abaixa a altura de Mayra. — Você é uma menina esperta, além de muito linda.

 

  —E você não parece ser um inimigo do reino como todos estão pensando. — Minha sobrinha toca com cautela o rosto de Moisés. — Você é um homem bom, tenho certeza disso.

 

  —Vindo de você, o elogio me deixa ainda mais contente. — Meu filho sorri. — Posso?

 

  —Pode sim. — Mayra permite que os braços de Moisés a envolvam, mas é ela quem acaba se jogando no abraço de meu filho.

 

  —Leila, leve minha sobrinha para brincar no jardim. — Peço, assim que o abraço entre Mayra e Moisés se desfaz e meu filho fica novamente de pé.

 

  —Até breve, Moisés. — Mayra lhe dá um sorriso.

 

  —Até breve, princesa. — Meu filho devolve o sorriso da menina. Então, nós a observamos se distanciar, de mãos dadas com Leila. — Ela é uma criança adorável.

 

  —Nem parece ser filha de quem é. Não tem absolutamente nada da personalidade ruim dos pais. — Falo. — Vamos até meus aposentos, Moisés. Lá poderemos conversar melhor.

 

(...)

 

  —Agora eu entendo o que realmente está acontecendo. — Falo, após ouvir atentamente as palavras de meu filho. — Você é de fato o libertador dos hebreus.

 

  —É essa a minha missão, minha mãe. — Moisés afirma. — Eu voltei para acabar de vez com a escravidão do meu povo.

 

  —Supondo que Ramsés permita que os hebreus sejam livres, o que farão depois?

 

  —Vamos embora do Egito. — As palavras seguras de Moisés conseguem me assustar.

 

  —Todos vocês? — Pergunto e ele afirma apenas com um gesto de sua cabeça. Então, sinto meu coração ser tomado pelo medo ao considerar que há a possibilidade de que Hur, como hebreu que é, parta do Egito com seu povo. Assim como Leila, Uri e até mesmo Bezalel, que já vive junto aos seus. Respiro fundo para não demonstrar meu medo diante de meu filho. — E para onde iriam?

 

  —De volta para Canaã, a terra que foi prometida por Deus aos nossos ancestrais. — Ele responde. — É para lá que devo conduzir todo o nosso povo.

 

  —Você pretende levar milhares de pessoas pelo deserto, entre elas mulheres, crianças e idosos, para um lugar que certamente já é habitado por outros povos?

 

  —Não será uma tarefa fácil, minha mãe. Mas, eu não tenho dúvidas de que se tivermos fé em Deus, conseguiremos vencer qualquer obstáculo.

 

  —Perdoe a minha franqueza, mas Ramsés jamais vai permitir isso. — Falo. — Se ele não cedeu por deixá-los partir por três dias para que voltassem depois, menos ainda deixará os hebreus partirem quando descobrir que está prestes a perdar toda a força de trabalho do reino.

 

  —Ramsés não tem ideia do que está enfrentando. Eu tenho tentado avisá-lo, mas ele não me dá ouvidos. — Meu filho fala, me deixando temerosa. — A promessa de Deus vai se cumprir, mãe. E não há nada nem ninguém que possa impedir.

 

  —Você fala com tanta convicção, meu filho. — Olho para Moisés. — Acredita mesmo que seu deus é tão poderoso?

 

  —A praga de sangue não é nada perto do que Ele é capaz de fazer. — Ele segura minhas mãos. — Deus nos tirará do Egito com grande demonstração de poder, se for preciso.

 

  —Seu irmão me disse a mesma coisa. — Falo ao me lembrar das palavras de Arão no dia da festa onde todo esse confronto começou. — Eu me preocupo tanto com você, meu filho. Espero que seu deus o proteja e que nada de mal lhe aconteça.

 

  —Não se preocupe, o Senhor está cuidando de mim. — Ele coloca minhas mãos junto a si. — Todos os dias eu peço a Ele que cuide também da senhora e de minhas irmãs.

 

(...)

 

  —A senhora está preocupada. — Leila fala. — Foi a conversa com Moisés que a deixou assim, não é?

 

  —Agora que sei o real motivo da volta de meu filho, tenho ainda mais motivos para me preocupar. — Falo sem desviar o olhar de minhas filhas e de minha sobrinha, que se divertem correndo por todos os lados do jardim. — Moisés afirma que os hebreus vão embora do Egito, custe o que custar.

 

  —É a promessa de Deus, senhora. — Sem saber, ela repete as palavras de Moisés. — Ele fará de nós um povo livre e nos levará de volta para a terra que nos pertence.

 

  —É isso que me deixa angustiada, Leila. — O meu nervosismo pode ser notado em minha voz. — Esqueceu-se de que sou casada com um hebreu?

 

  —Não entendo o que a princesa quer dizer.

 

  —Meu marido é um nobre do palácio, mas é ao povo hebreu que ele pertence. — Tento ser o mais clara possível para descrever como estou me sentindo. — Se os hebreus deixarem o Egito, eu corro o risco de perder o homem que amo.

 

  —Hur jamais abandonaria a senhora, princesa. — Leila olha em meus olhos. — Ele a ama mais que tudo no mundo.

 

  —E por esse amor ele renunciaria a sua gente? Renunciaria ao sangue que carrega nas veias? — Pergunto, mas não há resposta. — Por esse amor ele renunciaria a chance de ver a promessa do seu deus se cumprir em seu povo e ir para Canaã, viver como um homem livre?

 

  —Pela senhora meu sogro renunciaria a sua própria vida. — Ela segura firme em minhas mãos. — Ele nunca iria para Canaã se isso significasse deixar para trás a mulher que ama e a família que construiu.

 

  —Eu temo que ele não tenha escolha. — Falo com tristeza. — E eu jamais o obrigaria a ficar se seu desejo fosse partir com seu povo.

 

  —Deus tem planos perfeitos para cada um de nós, senhora. — Leila sorri. — Se o Senhor permitiu que a princesa do Egito se casasse com um honrado hebreu, certamente não fará com que se separem.

 

  —Eu gostaria de ter essa certeza, mas não tenho. Se a partida dos hebreus realmente acontecer, eu posso ser obrigada a dizer adeus a Hur... — Olho para minha dama. — A dizer adeus a você.

 

  —Eu prometi nunca deixá-la sozinha e pretendo cumprir minha promessa, seja como for. — Seu olhar doce e sereno consegue confortar um pouco meu coração angustiado.

 

  —Nossos destinos são governados por uma força muito maior que nós mesmos, minha querida. — Falo. — Até mesmo as promessas mais sinceras podem ser quebradas.

 

  —Belas palavras, alteza. — Uma voz se faz presente.

 

  —Anat? — Me surpreendo com a presença da sacerdotisa.

 

  —Perdão se a assustei. — Ela fala. — Não me viu chegando?

 

  —Você é sorrateira como uma cobra. — Respondo, encarando-a. — Mas, creio que já sou imune ao seu veneno.

 

  —Dizem que com o passar dos anos, o veneno de uma serpente se torna cada vez mais mortal.

 

  —Assim como o golpe de quem quer esmagá-la. — Falo.

 

  —Está tudo bem, mãe? — Tany pergunta ao se aproximar, acompanhada por sua irmã.

 

  —Sim, minha filha. — Respondo. — Anat estava apenas me cumprimentando.

 

  —Vossa alteza soube do pedido que sua filha me fez? — A sacerdotisa pergunta. — Aliás, não se pode chamar aquilo de pedido.

 

  —Foi uma ordem e não entendo porque não a acatou. — Tany fala. — Eu ordenei que fosse embora do palácio, por que ainda está aqui?

 

  —Porque não recebo ordens de ninguém! — Anat grita.

 

  —Modere o seu tom de voz para se dirigir a mim. — Minha filha ordena. — Eu sou uma princesa, alguém superior a você.

 

  —Superior? Você não é superior a ninguém neste palácio! — Ela provoca. — Você não passa de uma hebreia imunda vestida de princesa egípcia.

 

  —Cale-se! — Exclamo ao desferir um tapa no rosto de Anat. — A mim você pode dirigir as ofensas que quiser, mas não vou permitir que desrespeite minhas filhas.

 

  —Acalme-se, senhora. — Leila pede.

 

  —Antes ser uma hebreia vestida de princesa do que ser uma vagabunda em trajes de sacerdotisa. — Tany ataca. — Você profana o sacerdócio sendo uma esposa de Seth.

 

   Então, vejo que Anat prentende revidar o tapa que lhe dei ao erguer sua mão contra Tany. Minha reação é segurar seu braço, impedindo que sua mão chegue perto do rosto de minha filha. Todavia, Hadany se antecipa a mim e é ela a conter a atitude insana da sacerdotisa. Posso ver seus olhos azuis brilharem com ira ao olhar firmemente nos olhos de Anat.

 

  —Não ouse encostar um dedo em minha irmã ou eu farei com que perca suas mãos. — Hadany segura com força o pulso da sobrinha de Paser.

 

  —Se não me soltar agora mesmo, será você a perder a beleza desse seu rostinho de realeza. — Anat ameaça, mas não intimida minha filha.

 

  —Tente. — Hadany ri. — Você morre antes de erguer sua mão novamente.

 

  —Se a ordem de minha filha não foi suficiente, eu ordeno que vá embora do palácio imediatamente. — Falo com firmeza. — Se me desobedecer, estará decretando sua sentença de morte.

 

  —Pois então que seja! — Ela decreta. — Pode ter a certeza que só deixarei o palácio sem antes de cumprir minha vigança se estiver morta.

 

  —Você não faz ideia de com que está lidando, não é? — Pergunto.

 

  —Pelo contrário, eu sei muito bem quem é a princesa do Egito e do que ela é capaz. Mas, isso não vai me impedir. — Anat dirige seu olhar maléfico para minhas filhas. — Vossa alteza fez muito mal em envolver suas preciosas meninas nesta guerra.

 

  —Ao menos eu não lutarei sozinha. Já você, Anat.. — Dou lugar ao riso. — Você não tem ninguém ao seu lado, você está sozinha.

 

  —Prefiro lutar sozinha a dividir batalha com duas princesas que têm sangue imundo de escravos correndo em suas veias. — Ela consegue novamente me tirar do sério. Leila e minhas filhas me seguram, para que eu me contenha e não acabe dando a Anat o que ela merece: uma bela surra. — Com licença de vossas altezas.

 

   Anat faz um reverência completa de ironia e se retira do jardim, sorrindo vitoriosa por mais uma vez ter conseguido provocar a minha ira. Como eu a odeio! Como eu me alegraria em dar fim a sua vida com minhas próprias mãos! Se guerra que ela quer, é guerra que ela terá.

 

  —A convivência com essa mulher está se tornando insustentável! — Tany fala. — Eu jamais vi uma pessoa como Anat.

 

  —Eu sim, mas acredito que ela tenha capacidade para superar essa pessoa. — Falo. Então, olho ao redor e me dou conta de que minha sobrinha não está no jardim. — Onde está Mayra?

 

  —Karoma veio buscá-la para os estudos. — Hadany responde. — Ela não presenciou o que acaba de acontecer.

 

  —Menos mal, não quero Mayra envolvida nisso também.

 

   Faz-se silêncio no jardim e o vento agita as folhas das plantas. Então, meu olhar se prende a minhas filhas e eu acabo por me lembrar da angústia que sinto pela possibilidade de ver Hur partir para Canaã e eu ficar no Egito. Mas, e nossas meninas? Hadany e Tany são o que chamam de princesas híbridas, meio egípcias, meio hebreias. Se os hebreus forem embora, minhas filhas também irião com eles? Ou ficarão? Pois, por mais que tenham nascido e crescido como egípcias, metade delas é também parte desse povo numeroso que está por todos os cantos do Egito, o povo do deus invisível. Quantas dúvidas surgem sobre a notícia que Moisés me deu. Tantas incertezas tomam o meu coração, tormando-o inseguro. No entando, uma certeza eu possuo. Seja aqui ou onde quer que for, o amor que existe entre mim e Hur perdurará pelos anos nas vidas de nossas filhas, de nossos netos, de nossos bisnetos... Nossa descendência crescerá e tornará o nosso amor eterno.

 

(...)

 

  —Aqui está, minha senhora. — Paser me entrega uma pequena taça. — Esta fórmula irá ajudar.

 

  —O gosto não é tão ruim. — Falo após beber o líquido.

 

  —Se me permite a pergunta, sabe dizer o que pode ter lhe causado essa dor de cabeça súbita?

 

  —Acho que tudo o que está acontecendo tem contribuido um pouco para que eu fique nervosa e preocupada ao extremo. — Respondo.

 

  —A senhora deve procurar manter-se calma, princesa. — Ele aconselha.

 

  —Não há como manter a calma diante da situação que estamos vivendo. — Falo. — E principalmente diante das provocações de sua sobrinha.

 

  —Anat voltou a importuná-la? — Paser pergunta.

 

  —Ela encontra qualquer motivo que seja para me afrontar. Cheguei ao ponto de agredí-la mais uma vez, mas ela parece até gostar dos tapas que lhe dou, pois sempre procura receber outro. — Falo, deixando o sumo sacerdote perplexo. — Eu ordenei que fosse embora, mas ela insiste em ficar.

 

  —Não sabe como me envergonho em ter trazido Anat para o palácio, senhora. — Paser fala com olhar baixo.

 

  —Pois não deveria. Você não sabia quem era de fato a sua sobrinha, nenhum de nós sabia. — Tento fazer com que minhas palavras confortem Paser. — Mas, esteja certo de uma coisa: Anat está procurando por uma guerra contra mim, e é o que ela vai ter.

 

  —Eu não tiro suas razões, alteza. — Ele fala. — Sei bem que Anat deseja uma vingança sem fundamento e apóio que a senhora se defenda das artimanhas dela.

 

  —Mas?

 

  —Não posso negar que temo um escândalo se o real motivo desse confronto vier a tona. — Paser olha para mim. — Quando atacada, Anat pode contar toda a verdade somente para prejudicá-la, mesmo que isso manche sua reputação como sacerdotisa de Seth.

 

 

   Por Hur

 

  —Eu desisto. — Hadany fala rindo após errar novamamente ao colocar uma pedra de esmeralda em uma pulseira. — Eu não levo jeito para isso, pai.

 

  —Se continuar tentando, pode se surpreender consigo mesma.

 

  —Não tente me agradar só porque sou sua filha, eu sou péssima em lidar com jóias. — Ela fala. — Acho que de seus filhos, somente Uri herdou o talento do pai.

 

  —Diferente de seu irmão, você e Tany são princesas e devem ter talento e habilidade para outras coisas. — Sorrio ao olhar nos olhos de minha filha. — Me orgulho sim que meu filho siga o meu ofício, mas me orgulho também de minhas filhas serem o que são, mesmo que de jóias só saibam como usá-las.

 

  —Ao menos como filhas do joalheiro real usamos as jóias mais belas e invejadas de todo o reino. — Ela ri. Volto minhas atenções para a pedra de rubi que estou lapidando. — Pai?

 

  —Sim?

 

  —Miriã... — Hadany hesita em completar o que dizia ao ver que somente a menção do nome da irmã de Moisés fez com que eu deixasse cair de minha mão o instrumento que usava para lapidar a pedra. — Ela tem filhos?

 

  —Por que a pergunta? — Questiono, sem olhar para minha filha.

 

  —É apenas uma pergunta.

 

  —Não, ela não tem filhos.

 

  —É estranho que uma mulher na idade dela não tenha se casado. — Ela fala.

 

  —Talvez ela não tenha encontrado a pessoa certa, Hadany. — Falo. — Não são todos que encontram seu grande amor, a pessoa com quem dividir sua vida com tanta facilidade.

 

  —Ou talvez ela tenha encontrado o amor, mas não pôde vivê-lo. — Minha filha argumenta. — Talvez a desilusão que teve a deixou incapaz de amar novamente ou amar outra pessoa.

 

  —Está me culpando pela solidão de Miriã? — Olho para Hadany.

 

  —Não, mas também não estou eximindo o senhor de culpa. — Ela responde. — Miriã é uma bela mulher, de boa família. Poderia ter se casado e ser mãe de filhos e filhas.

 

  —Se ela não se casou não é por minha culpa. — Falo com voz alterada. — Eu não a impedi de ser feliz.

 

  —Como não? Por acaso se esqueceu do que fez a ela? — Hadany também altera sua voz. — O senhor machucou o coração de Miriã, a iludiu com falsas esperanças e depois a abandonou e nunca a procurou sequer para pedir perdão.

 

  —É isso o que você quer? — Esbravejo. — Que eu vá atrás de Miriã e lhe peça perdão?

 

  —É o que um homem honrado faria, mesmo que ela lhe desse um tapa no rosto como resposta a seu pedido de perdão. — Minha filha não abaixa seu tom de voz. — Mas, o senhor é um covarde, pai! Carrega na consciência o peso pelo erro que cometeu, mas não faz nada para reparar o que fez.

 

  —CHEGA! — Surpreendo a mim mesmo ao gritar com minha filha.

 

  —O que está acontecendo aqui? — Henutmire entra de repente na oficina. — Por que está gritando com ela, Hur?

 

  —Porque sou o pai dela e ela me deve respeito.

 

  —Gritar com os filhos não impõe respeito e sim medo. — Minha esposa fala com firmeza. — Por que estavam discutindo?

 

  —Porque meu pai não sabe ouvir a verdade. — Hadany esbraveja.

 

  —Você não disse a verdade, você me desrespeitou. — Argumento. — Está dando lugar a rebeldia por algo sem importância.

 

  —Repare seus erros antes de me julgar uma rebelde sem causa. — Ela altera a voz novamente. — Quando fizer isso, eu voltarei a admirá-lo como meu pai e como homem honrado que eu sempre acreditei que fosse.

 

  —Hadany! — Henutmire chama por nossa filha ao vê-la nos dar as costas e se retirar da oficina, todavia Hadany não atende ao chamado da mãe e logo não a vemos mais. — Pode me explicar o que houve?

 

  —Não há explicação. — Minto, pois não posso dizer a Henutmire o motivo de minha discussão com Hadany e muito menos explicar porque nossa filha tem razão em tudo o que disse. — Sua filha está se tornando uma mocinha rebelde e eu não sei como lidar com isso.

 

  —Nossa filha. — Henutmire fala com ênfase. — Eu conheço Hadany como ninguém e sei que rebeldia de adolescente não faria com que ela agisse dessa maneira com você. — Minha esposa se aproxima de mim e olha em meus olhos. — Vou perguntar mais uma vez: o que houve?

 

  —Uma filha com os nervos a flor da pele e um pai que não soube como agir diante disso e acabou perdendo a cabeça. — Respondo. — Foi isso o que houve.

 

(...)

 

  —Ainda está chateada comigo? — Pergunto.

 

  —Eu nunca vi você e Hadany agirem daquela forma, principalmente um com o outro. — Henutmire responde.

 

  —Vou conversar com nossa filha e pedirei perdão a ela pela forma como falei.

 

  —Faça isso, pois certamente Hadany está muito magoada com você. — Ela olha para mim. — Por mais que tivesse motivos, não deveria ter gritado com ela. Você é o pai dela, não seu senhor.

 

  —Você tem razão, eu me excedi. — Baixo o olhar. — Sei que agi mal com Hadany, espero que ela me perdoe.

 

  —Comece se perdoando, meu amor. — Ela segura minhas mãos. — Eu não quero minha família desunida por motivo algum.

 

   Então, um barulho estranho nos assusta. Não consigo saber o que é, mas o múrmurio parece se aproximar cada vez mais.

 

  —O que é isso, Hur? — Ela pergunta.

 

  —Eu não faço ideia. — Faço menção de ir até a porta para saber o que está acontecendo, mas Henutmire detém meus passos ao segurar meu braço.

 

  —Não! Não vá até a porta. — Ela me olha com certo medo. — Isso parece ser...

 

   Tany então entra em nosso quarto, totalmente assustada. Nos poucos segundos em que as portas permanecem abertas, vemos uma quantidade absurda de rãs cobrirem todo o chão do corredor. Minha filha rapidamente fecha as portas, impedindo que os animais entrem no aposento. Os olhos de Henutmire transbordam de espanto e pavor. Como podem haver tantas rãs fora do Nilo e dentro do palácio? É claro! Isso só pode ser mais uma praga, não há outra explicação. Deus enviou outra praga, já que a primeira não convenceu o faraó a deixar o povo ir.

 

—Minha filha, isso são...

 

  —Rãs, minha mãe. — Tany interrompe Henutmire. — O palácio está sendo tomado por rãs.


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Notas finais do capítulo

Lá vem a segunda praga. Quem aqui tem medo de rãs?
PS: Se houve algum erro na escrita me perdoem. Eu não tive muito tempo para revisar bem o capítulo.



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