O Maior Amor escrita por Sâmara Blanchett


Capítulo 22
Capítulo 22




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   Por Tany

 

  —E a senhora a ajudou? — Pergunto, incrédula. O tom de minha voz é mais alto do que deveria, o que faz com que minha mãe me olhe com repreensão.

 

  —Eu não poderia deixar Anat morrer, por pior que tenham sido as coisas que ela me fez e que ainda planeja fazer. — Ela fala. — Se assim o fizesse, estaria me igualando a ela.

 

  —Às vezes a senhora é muito condescendente com os outros. — Falo, sem temer que minhas palavras possam ser interpretadas como uma afronta a minha mãe. — Eu não encontraria dificuldade alguma em deixar Anat definhar aos poucos e ainda me alegraria com isso.

 

  —Como pode dizer algo assim, Tany? — Ela me olha seriamente. — Não foi essa a criação que dei a você.

 

  —Não somos feitos apenas do que nossos pais nos ensinam, a vida também ensina seus valores. — Falo. — Eu sei o que Anat nos fez no passado, sei que por muito pouco ela não destruiu nossa família e não consigo me manter indiferente a isso.

 

  —Esta guerra não é sua, Tany.

 

  —Como não, se foram os meus sentimentos inocentes e puros de criança que ela usou? — Tento conter as lágrimas, que não sei serem de raiva ou de dor. — Só eu sei o quanto eu gostava de Anat, minha mãe. E é por isso que hoje eu a odeio tanto!

 

  —Eu não quero que um coração tão nobre como o seu seja manchado com ódio. — Ela se aproxima de mim. — Perdoe Anat e esqueça o passado.

 

  —Não pode me pedir para fazer algo que a senhora mesma não fez! — Grito furiosa, mas logo me arrependo de minha atitude ao ver lágrimas fazerem com que os olhos de minha mãe brilhem. — Me desculpe. Não sei o que deu em mim.

 

  —Você está certa. Não posso te pedir algo que eu mesma não sou capaz de fazer. — Minha mãe volta a me olhar com seriedade. — Mas, eu repito: esta guerra não é sua. Não quero que se envolva com Anat.

 

  —Já estou envolvida desde que ela quis conquistar meu carinho para usar a favor de seus planos sórdidos. — Seguro suas mãos. — Me perdoe pela forma como falei com a senhora, não quis desrespeitá-la.

 

  —Você tem mais de mim do que imagina, Tany. — Ela acaricia meu rosto e sorri, antes de me abraçar. — Não há o que perdoar.

 

  —E Alon? — Mudo repentinamente de assunto. — Ele conseguiu ir até a vila?

 

  —Sim. Pedi a Leila que o acompanhasse, já que Anat está impossibilitada de sair de seus aposentos para ir a qualquer lugar que seja. — Minha mãe responde. — Eu espero que ainda tenham um pouco de água para dar a ele.

 

  —Tomara que sim. — Tento disfarçar que me preocupo com Alon mais do que deveria. É então que um pequeno grito de incômodo sai da boca de minha mãe, enquanto ela comprime a mão direira contra sua barriga, na altura de seu ventre. — Mãe! O que a senhora tem?

 

  —Não é nada, apenas senti uma dor. — Ela fala. — Eu não repousei como deveria depois de...

 

  —Depois de quê? — Pergunto ao vê-la se calar, não completando o que dizia.

 

  —Não importa, minha filha. — Minha mãe fala, mas não sinto segurança em sua resposta. — Eu ainda estou fraca por causa da praga, é natural que precise de repouso.

 

 

   Por Hadany

 

   Graças a água que bebi na casa de Moisés, hoje consigo ao menos andar pelo palácio novamente. Foi horrível passar os últimos dias em cima de uma cama, sentindo minhas forças se esvairem sem que eu nada pudesse fazer. Foi horrível ver o estado em que minha irmã se encontrava e temer por sua vida, pela insegurança de não saber se ela abriria os olhos a cada novo sono que dormia. Esta praga tem nos feito passar por maus momentos, pela angústia da possibilidade de se perder as pessoas que ama e pelo pavor de ver o número de mortos aumentar a cada instante. Mas, nada disso parece conseguir convencer meu tio a deixar de lado sua teimosia.

 

  —O que faz aqui? — Chibale pergunta e eu me assusto com sua presença.

 

  —Eu poderia perguntar o mesmo. — Falo, sorrindo. — Aqui é a área destinada aos cavalos do palácio, não é lugar para o cozinheiro real.

 

  —E nem para a princesa. — Ele argumenta, me fazendo rir. — Veio ver como ele está, não é?

 

  —Sim, estava preocupada. — Respondo ao alisar o pêlo branco e macio do animal. — Vários animais também estão morrendo por causa da falta de água.

 

  —Mas, o seu cavalo parece estar suportando bem.

 

  —Se esta praga se estender por muito mais tempo, corro o risco de perder não somente as pessoas que amo, mas também um dos mais belos presentes que já ganhei.

 

  —Se lembra da cara da princesa Henutmire quando o soberano deu a vossa alteza um cavalo? — Chibale ri.

 

  —Como eu poderia esquecer? — Falo, rindo também. — Minha mãe achou a coisa mais absurda do mundo uma princesa ter um cavalo.

 

   Flash back on

 

  —Isso não é adequado, Ramsés. — Minha mãe protesta. — Devia ter me consultado antes.

 

  —Foi um pedido dela, Henutmire. — Meu tio fala. — Sabe que não nego nada a minhas sobrinhas.

 

  —Eu posso subir nele, tio? — Pergunto, encantada com o belo cavalo branco.

 

  —Eu acho que ainda não tem tamanho para isso, mas... — Ele me toma nos braços e me coloca no alto do cavalo, com todos os cuidados para que eu não caia. — Quando você crescer mais um pouco, poderá passear com ele às margens do Nilo.

 

  —Obrigada, tio. — Agradeço com um sorriso. — É o melhor presente de aniversário que já ganhei.

 

  —Não precisa agradecer, Hadany. — Meu tio sorri para mim. — Que nome vai dar a ele?

 

  —Faraó.

 

  —Faraó? — Minha mãe me olha com repreensão, certamente porque quero dar o título de meu tio como nome ao cavalo.

 

  —Não tem problema, minha irmã. — Meu tio ri. — Se é o que ela quer, o cavalo vai se chamar Faraó. — Ele então faz um sinal para que um servo se aproxime de nós e em seguida lhe entrega as rédeas. — Dê uma volta com ela aqui mesmo, mas seja cuidadoso.

 

  —À suas ordens, soberano. — O servo curva sua cabeça em sinal de reverência.

 

  —Não quer acompanhá-la, Chibale? — Minha mãe pergunta a meu amigo, que permenecia em silêncio ao seu lado.

 

  —É melhor não, alteza. — Ele recusa.

 

  —Vamos, menino. O cavalo é forte, aguenta vocês dois. — Meu tio fala e logo em seguida coloca Chibale também montado no cavalo junto a mim.

 

  —Ela é só uma criança, Ramsés. — Ouço minha mãe falar, enquanto dou voltas pelo vasto campo que é destinado ao treinamento dos cavalos do palácio. — Não deveria fazer todas as suas vontades.

 

  —Ela não é só uma criança, Henutmire. Ela é sua filha, é uma princesa da nação mais poderosa da terra. — Ele fala, sem desviar seus olhos e seu sorriso de mim. — E não será a primeira e nem a última nobre a saber lidar com montaria.

 

   Flash back off

 

  —Ainda tem medo de cavalos, Chibale? — Pergunto divertida, agora caminhando com meu amigo rumo ao jardim. — Porque naquele dia você ficou apavorado.

 

  —Não é verdade! — Ele discorda e eu o olho, intimidadora. — Está bem, eu confesso! A princesa com seus nove anos era mais corajosa que eu.

 

  —Ainda sou. — Falo rindo e paramos de caminhar. Chibale então me olha de uma forma totalmente diferente, sendo impossível para mim decifrar seu olhar. — Por que está me olhando assim?

 

  —Estava me perguntando se posso fazer algo que desejo há muito tempo.

 

  —E o que é? — Pergunto, tentando evitar a aproximação de Chibale. Todavia, sinto minhas pernas trêmulas, o que me impede de sair de onde estou.

 

  —Isso. — Ele então me surpreende com um beijo.

 

   Seus lábios são suaves e cuidadosos ao tocar nos meus, mas eu não sei bem como agir diante de algo tão inesperado. É a primeira vez que sou beijada por um homem, o que me enche de dúvidas sobre estar fazendo a coisa certa. Sinto meu coração disparar e uma sensação desconhecida invadir minha alma. É como se eu perdesse a noção do tempo aos poucos... A noção de espaço, a noção de tudo.

 

  —Por que fez isso? — Me separo bruscamente de Chibale.

 

  —Perdoe a minha ousadia, princesa. — Ele pede, envergonhado. — Eu não quis lhe desrespeitar.

 

  —Não respondeu minha pergunta. — Falo, totalmente nervosa. — Por que fez isso?

 

  —Porque eu a amo. — Ele responde, conseguindo me deixar em silêncio. — Não faz muito tempo que me dei conta disso, mas tenho certeza que o que sinto por vossa alteza é amor.

 

  —Você é o meu melhor amigo, Chibale. Crescemos juntos neste palácio, brincando e correndo por todos os lados. — Falo. — Não estrague nossa amizade confundindo seus sentimentos.

 

  —Mais uma vez peço perdão pela minha ousadia em beijar a princesa, mas não estou confundindo sentimento algum. — Chibale olha em meus olhos. — Eu a amo e não posso fugir disso.

 

  —Mas, eu sim. — Dou as costas a Chibale e caminho apressada em direção ao interior do palácio.

 

 

   Por Henutmire

 

   Entro devagar em meus aposentos, devido a dor que sinto em meu ventre. Dor que não é forte, mas muito incômoda. Certamente deve-se ao fato de que descumpri as recomendações de Paser. Eu acabo de perder uma criança e, com a idade que tenho, necessito de muito repouso para me recuperar como devo. No entanto, eu me arrisquei a sair do palácio para salvar a vida das pessoas que amo, e porque não dizer a minha também, sem me importar com minha própria saúde. Com isso, posso ter agravado o meu atual estado. Sei que preciso olhar com mais atenção para mim mesma, pois não sou mais nenhuma menina. Se antes esta praga já me afetava, juntamente com a perda de meu filho ela está se tornando devastadora, terrívelmente devastadora.

 

  —Com licença, minha senhora. — Leila fala ao entrar em meus aposentos.

 

  —Já retornou? — Pergunto ao me sentar em minha cama com certa dificuldade, pois a dor em meu ventre se torna cada vez mais incômoda.

 

  —Sim, e fiz conforme me pediu. — Ela responde. — Alon agora está descansando em seus aposentos.

 

  —Obrigada pela ajuda, minha querida. — Agradeço.

 

  —Não foi nada. — Leila me olha com atenção. — A senhora está pálida... Está tudo bem?

 

  —Não, Leila. Não está nada bem. — Falo, assustando-a. — Mas, quem no palácio há de estar bem com tudo o que tem acontecido?

 

  —Eu tenho reparado a senhora... Anda tão calada pelos cantos, quase não se alimenta e até mesmo quando sorri se pode ver a tristeza no fundo de seu olhar. — Minha dama se aproxima de mim. — Perdoe se estou sendo indiscreta, mas acredito que a senhora não esteja assim somente por causa da praga.

 

  —Ah, Leila! — Desabo em lágrimas sobre mim mesma. — Nenhuma dor física se compara a dor que estou sentindo em meu coração. Eu já não sei se sou capaz de suportá-la!

 

  —O que houve? — Ela se senta ao meu lado, visivelmente preocupada com minhas lágrimas incessantes.

 

  —Eu perdi um filho ainda no ventre.

 

  —Mas, isso foi há tanto tempo. — Leila entende o que eu disse de forma errada. — E a senhora foi recompensada ao dar a luz a suas filhas.

 

  —Não me refiro aos filhos que Yunet matou! — Falo. — Me refiro ao filho que eu e as atuais circunstâncias condenamos a morte.

 

  —Eu não entendo. — Ela se mostra confusa. — Do que está falando?

 

  —Eu estava grávida, Leila. Carregava em meu ventre um filho meu e de Hur, sem ao menos saber. — Minhas palavras causam grande espanto a minha dama. — Sei que parece absurdo uma mulher na minha idade ter uma vida dentro de si, mas foi o que milagrosamente aconteceu.

 

  —Eu não poderia imaginar. — Ela fala, pensativa. — Isso explica os males que vinha sentindo.

 

  —Mas, nenhuma explicação vai diminuir a minha dor. — Choro ainda mais e logo sou envolvida pelos braços de Leila. — Eu perdi o meu filho sem conhecer seu rostinho, sem carregá-lo em meus braços.

 

   É então que me lembro do sonho que tive com meu pai e de um detalhe que até agora havia sido esquecido. Eu estava grávida, meu ventre já era fácilmente notado e meu pai disse que aquela criança seria o futuro rei do Egito. Mas, como um filho meu poderia se tornar rei se a linhagem de Ramsés está segura na vida de Amenhotep? Meu filho seria sim um príncipe, mas jamais seria o soberano deste reino porque o trono não pertence a mim. Melhor dizendo, o meu filho não seria e não será absolutamente nada! Nada além de uma alma inocente que não foi trazida ao mundo.

 

  —Eu sinto muito, senhora. — Leila me abraça ainda mais forte, tentando me oferecer algum tipo de consolo. Eu nada faço além de chorar. — Meu sogro já sabe?

 

  —Não, eu não tive coragem de contar. — Respondo ao me desvencillhar de seus braços. — Não quero que Hur saiba que perdi o nosso bebê. Prometa que não dirá nada a ele, nem a ninguém.

 

  —Mas, senhora...

 

  —Por favor, Leila, me prometa. — Insisto.

 

  —Está bem, eu prometo. — Ela concorda e eu volto a lhe abraçar.

 

  —Eu achei que seria forte o bastante para suportar sozinha esta dor... — Suspiro. — Mas, agora vejo que não posso superar o que aconteceu sem o apoio de alguém.

 

  —Terá sempre o meu apoio, princesa. Sempre. — Leila então levanta meu rosto e em seguida limpa minhas lágrimas com gestos suaves de suas mãos. — Eu tenho pela senhora o mesmo carinho que teria uma filha por sua mãe. Prometo que nunca vou deixá-la sozinha, aconteça o que acontecer.

 

  —Acho que o deus dos hebreus não me deu somente Moisés como filho. — Falo, agora emocionada pelas palavras de minha dama. — Ele também me trouxe você, Leila.

 

  —A senhora é grandemente favorecida por Deus, princesa. Ele a escolheu para ser a mãe de criação do libertador, lhe concedeu o privilégio de saber o que e como é gerar uma vida e trazê-la ao mundo. — Ela toca meu ventre com delicadeza, mas não interpreto tal atitude como ousadia de sua parte. — E tenho certeza que o Senhor irá restituir a perda desse filho.

 

  —Assim como dizem que um raio não atinge duas vezes o mesmo lugar, um milagre não contempla duas vezes a mesma pessoa. — Discordo da esperança que vejo nos olhos de Leila de que eu possa engravidar novamente. — Se eu perdi essa criança foi porque já não tenho idade e condições de gerar uma vida, Leila.

 

  —Houve na história do meu povo uma mulher chamada Sara, que já em idade avançada não havia dado descendentes a seu marido Abraão. Mas, Deus lhes prometeu um filho e mesmo que Sara tenha duvidado dessa promessa, ela carregou nos braços uma vida gerada em seu ventre. — Leila me olha com um brilho estranho no olhar. — Compreende o que eu digo?

 

  —Compreendo que o seu deus é poderoso a ponto de fazer uma mulher de ventre já seco dar a luz a um filho. — Desvio meu olhar para o vazio. — Mas, ele não me fez nenhuma promessa como fez a Sara.

 

  —Se for da vontade de Deus, a senhora dará um quarto filho a seu marido, independente de qualquer circunstância. — Leila afirma com tamanha segurança que me impressiona. 

 

  —Não me encha de ilusões, Leila. Eu conheço minhas limitações e minha realidade.

 

  —Não vou mais tocar nesse assunto, mas pense no que lhe falei. — Ela pede. — Agora, é melhor descansar. A princesa sofreu um aborto espontâneo e isso exige muito repouso para que se recupere.

 

  —Acredito que só mesmo o meu corpo possa se recuperar. — Falo para mim mesma, enquanto Leila ajeita as almofadas.

 

  —O que disse, senhora?

 

  —Nada, minha querida. — Deito-me em minha cama, acomodando meu corpo em seu conforto.

 

  —Deseja alguma coisa? — Minha dama pergunta.

 

  —Apenas que não me deixe sozinha se por acaso eu adormecer. — Falo já sentindo meus olhos pesados pelo sono que surgiu do nada.

 

(...)

 

   Não posso dizer que já tenha superado a perda de meu bebê, mas procuro ser mais forte a cada dia que passa. Afinal, a vida segue seu rumo, seu caminho trilhado pelas mãos do destino, independente de quantas lágrimas eu derrame por alguma perda, por algum erro não reparado, por uma mágoa, por um ressentimento... Eu procurei forças para me manter de pé no lugar mais improvável: em mim mesma. E encontrei... Encontrei dois motivos para não me deixar abater, por mais forte que seja o golpe que me atingir. Um desses motivos atende pelo nome de Hadany, e outro pelo nome de Tany. É por minhas filhas que eu sou capaz de superar qualquer coisa e de enfrentar o que quer que seja.

 

  —Pare de andar de um lado para o outro, Tany. — Hadany pede. — Está me deixando nervosa.

 

  —E há como ficar calma em uma situação como esta? — Tany pergunta. — A praga de sangue já dura sete dias e meu tio não faz absolutamente nada além de ficar sentado naquele trono, sem se importar com nada nem ninguém. Ele vai acabar matando todos nós!

 

  —Não se ele morrer primeiro. — Hadany sugere.

 

  —Está desejando a morte de seu próprio tio? — Me espanto com as palavras de minha filha.

 

  —Ela está certa, minha mãe. — Tany fala. — Se meu tio morrer, outra pessoa assume o trono.

 

  —Isso não seria solução para o problema. — Falo.

 

  —É claro que seria. Com a morte do soberano do Egito, Amenhotep se tornaria o novo faraó. Mas, não poderia assumir por ainda não ter idade suficiente. — Hadany fala, demonstrando o quanto entende as leis que regem o trono. — Então, a senhora se tornaria a herdeira do trono por direito legítimo de descendente de sangue real de Seti.

 

  —E, assumindo o trono, poderia atender ao pedido de Moisés e nos poupar de tanto sofrimento. — Tany acrescenta.

 

  —Vocês ficaram loucas? Eu jamais poderia assumir o trono, mesmo que ele se tornasse meu por direito. — Minha voz acaba sendo mais alterada do que de costume. — Além disso, mesmo que Amenhotep não pudesse se tornar o novo rei, Nefertari se tornaria a rainha regente até o filho ter idade para ser coroado.

 

  —Ela deixaria de ser rainha assim que meu tio morresse. — Tany argumenta. — E não poderia ser regente do trono porque não tem sangue real.

 

  —Desde quando vocês entendem tanto sobre assuntos do trono? — Pergunto.

 

  —Desde que nascemos sob o título de princesas do Egito. — Hadany responde. — Pense bem, mãe. Ninguém deseja a morte de meu tio, mas seria uma solução eficaz a senhora se tornar rainha.

 

  —Chega! — Ordeno, mas com certa calma. — O trono nunca foi meu e não é agora que vai ser.

 

  —Está enganada. — Hadany discorda. — O trono pertencia a senhora antes do nascimento de meu tio, porque acredito que meu avô não tiraria seu direito de herdeira legítima por ser mulher.

 

  —Basta desse assunto, Hadany! — Falo seriamente. — Pelos deuses! Vocês me deixam atordoada com tantas ideias absurdas.

 

   Se minhas filhas dizem algo, já não as ouço mais pois me deixo perder em meus pensamentos. Imagino como seria se eu me tornasse rainha do Egito e tivesse que governar sozinha, sem Ramsés ao meu lado. Certamente com esse poder em minhas mãos muitas coisas mudariam, a começar pela escravidão dos hebreus. Seria a primeira vez em toda a história que uma mulher reinaria sozinha e absoluta, mas não a última. Porque, uma vez soberana do Egito, quando eu morresse um descendente meu herdaria o trono. Não tendo filhos homens de meu sangue, uma de minhas filhas seria coroada a nova senhora das duas terras. Esta filha seria Hadany, pois foi a que nasceu primeiro e de certa forma é a mais velha.

 

  —Tany! — A voz alterada de Hadany me traz de volta a realidade. Vejo-a correr até sua irmã e sustentá-la em seus braços.

 

  —Foi apenas uma tontura, por causa da sede. — Tany fala levando uma de suas mãos até a cabeça.

 

  —Você não deveria ficar tão nervosa, minha filha. — Falo, ajudando Hadany a levar Tany até minha cama. — Isso só vai aumentar sua sede e te deixar mais vulnerável.

 

  —Esta praga pode durar para sempre, até que não reste ninguém com forças para sobreviver a ela. — Tany fala, respirando pesadamente, ao se sentar na cama. — Então, não haverá água na vila que possa nos salvar ou adiar nossa morte em um ou dois dias.

 

  —Se o deus dos hebreus é tão misericordioso como nas histórias em que Leila nos contava quando éramos crianças, ele não há de permitir que inocentes paguem pela teimosia cega do rei. — Hadany fala.

 

  —Vai permitir sim, se esta é a forma que essa divindade invisível encontrou de forçar meu tio a ceder. — Tany fala. — Talvez o soberano se convença a aceitar o pedido de Moisés quando nós morrermos.

 

  —Não repita isso! — Repreendo minha filha.

 

  —Olhe para nós, mãe. Nossos rostos mais parecem nuvens do céu de tão brancos, nossos lábios cada vez menos possuem uma cor e nossas forças se vão aos poucos. — Hadany fala e eu lhe dou razão. A morte está se aproximando devagar de minhas filhas e de mim. — Se suportamos até agora foi pela água que bebemos na vila, mas não vamos aguentar por muito mais tempo.

 

  —Senhora! Senhora! — Leila entra eufórica em meus aposentos, com uma jarra em suas mãos.

 

  —O que houve, Leila? — Pergunto, já temendo uma má notícia. No entanto, minha dama sorri, me deixando confusa.

 

  —A praga acabou. — Ela revela. — A água não é mais sangue.

 

  —Então, meu tio permitiu que os escravos partam para o deserto. — Tany conclui.

 

  —Não, princesa. — Leila fala. — A praga não cessou porque o soberano mudou de ideia quanto ao pedido de Moisés.

 

  —Então, a guerra está apenas começando. — Hadany fala com desânimo.

 

  —Não devemos nos preocupar com isso agora. — Falo. — O importante é que a praga acabou.

 

  —Leila, se o que tem nessa jarra é água, por favor me sirva um pouco antes que eu desmaie de tanta sede. — Tany fala de modo divertido, nos fazendo rir.

 

  —Claro, princesa. — Leila então serve água a Tany e em seguida a Hadany. Me sinto aliviada ao ver que o líquido que sai da jarra e enche a taça é água pura e cristalina, não mais o vermelho vivo do sangue que por sete dias foi a tonalidade do sagrado Nilo e de toda a água do Egito.

 

  —Princesa Henutmire! — Um oficial praticamente invade meus aposentos porta a dentro, sem a menor formalidade, antes que eu possa pegar a taça com água que Leila me oferece. — Perdão por entrar dessa forma, mas o joalheiro Uri pediu que eu viesse avisá-la imediatamente.

 

  —Avisar o quê? — Pergunto, mas o homem se cala. — Fale, oficial!

 

  —É o seu marido, alteza. — Ele responde. Somente suas palavras são capazes de roubar a força de minhas pernas, fazendo com que Leila me ampare em seus braços. — Ele está desacordado, mas não sei dizer o que possa ter provocado o desmaio.

 

  —Onde ele está? — Tany pergunta e mesmo sem olhá-la sei o quanto está preocupada pelo tom de sua voz.

 

  —Nos aposentos do filho, o sumo sacerdote já foi para lá.

 

   Mal o oficial termina sua resposta e eu saio de meu quarto a passos largos e nervosos em direção ao aposento de meu enteado. Hadany, Tany e Leila fazem o mesmo para conseguir me acompanhar. Enquanto caminho, tento afastar os maus pensamentos que podem tomar a mente de uma pessoa em um momento como este. Eu acabo de perder um filho, não vou suportar perder Hur também. Ele é minha vida, não sei viver sem ele.

 

(...)

 

  —O que está fazendo aqui? — Esbravejo furiosa ao entrar no quarto e me deparar com Anat ao lado da cama onde Hur permanece desacordado.

 

  —Vi quando Uri e um servo entraram no aposento, trazendo Hur desacordado. — Anat explica sua presença. — Como sacerdotisa conheço um pouco sobre medicina e vim apenas saber se poderia ajudar em algo até que meu tio chegasse.

 

  —Então, pode ir embora. — Falo. — Paser já está aqui e meu marido não precisa de sua ajuda.

 

  —Saia de perto do meu pai! — Tany puxa a sacerdotisa fortemente pelo braço, tirando-a de perto cama. — Você só pode fazer mal a ele.

 

  —Vossa alteza está me machucando. — Anat fala entre os dentes.

 

  —Ela vai fazer muito pior se não sair daqui agora mesmo! — Hadany adverte.

 

  —Acalmem-se todos! — Paser pede. — Essa discussão só vai agravar o estado de Hur.

 

   Tany encara Anat com fúria, mas logo em seguida solta o braço da sacerdotisa, que faz menção de se retirar, mas antes vem até mim. Observo minhas filhas se juntarem a Uri próximos a cama. Meu enteado abraça as irmãs e os olhares dos três contemplam Hur com grande preocupação, enquanto Paser volta a examinar meu marido.

 

  —Eu propus uma trégua. — Anat ressalta, com voz baixa para que somente eu a escute.

 

  —Até que a praga acabasse e ela já acabou. — Eu a encaro. — Não volte a se aproximar de meu marido ou eu não respondo por mim.

 

  —A princesa é ótima em ameaçar, mas não em cumprir suas ameaças. — Ela me provoca. Me sinto dominada por uma imensa vontade de lhe desferir um tapa, mas Leila segura minha mão direita ao ver que eu a erguia contra a sobrinha de Paser.

 

  —Retire-se, sacerdotisa! É uma ordem! — Uso do poder que tenho como princesa para fazer com que Anat suma de minha presença. Ela acata minha ordem e deixa os aposentos. — Essa mulher tem a capacidade de me tirar do sério.

 

  —Não somente a senhora, mas também sua filha. — Leila fala, se referindo a Tany.

 

  —Princesa... — Paser chama por mim. Então, eu me aproximo da cama e sento-me ao lado de Hur, segurando sua mão. — Não se preocupe, minha senhora. Seu marido está bem.

 

  —O que houve com meu pai? — Tany pergunta.

 

  —Isso é consequência da praga, alteza. — O sumo sacerdote responde. — Certamente seu pai foi afetado por ela, mas não se cuidou como devia.

 

  —Mas, ele vai ficar bem? — Hadany pergunta.

 

  —Claro que sim, princesa. Seu pai é um homem forte como poucos. — Paser sorri. — Além disso, a praga de sangue teve fim. Agora todos ficaremos bem.

 

  —Obrigada por ter vindo, Paser. — Agradeço.

 

  —Não fiz mais que minha obrigação, senhora. — Ele novamente sorri. — Se me permitem, preciso procurar por minha neta e saber como ela está. Acredito que ninguém tenha dito a ela que a praga cessou.

 

  —Vão com Paser. — Falo para minhas filhas. — Mayra vai gostar da companhia de suas primas.

 

  —Mas, e o papai? — Tany questiona.

 

  —Eu cuido dele. — Olho para meu marido.

 

  —Vamos, altezas. — Paser faz uma reverência a mim, antes de deixar os aposentos acompanhado por minhas filhas.

 

  —Vamos também, Leila. — Uri fala para a esposa.

 

  —Uri... — Chamo por meu enteado, que se aproxima de mim com cautela. Ou será receio? — Obrigada.

 

  —Pelo quê, princesa? — Ele me olha confuso.

 

  —Por me ajudar a cuidar de minha família. Você socorreu seu pai quando ele se sentiu mal na oficina e o trouxe até aqui. — Olho com ternura para Uri e toco seu rosto com carinho. — Um pai carrega seus filhos, mas nem todo filho é capaz de carregar seu pai.

 

  —Não precisa agradecer, alteza. É o meu pai, o homem que me criou sozinho, mas que nem por isso deixou de me dar todo o amor e atenção que eu precisava. — Uri sorri e eu me dou conta do quão raro é vê-lo sorrindo. — Mas, agora ele não precisa de mim, tem a melhor pessoa do mundo para cuidar dele.

 

  —Obrigada, meu querido. — Sorrio. Meu enteado então faz uma simples reverência e em seguida se retira, levando sua esposa consigo.

 

  —Henutmire... — Ouço uma voz baixa chamar por mim, a voz de Hur. Volto minhas atenções para ele, que desperta aos poucos. — Onde eu estou?

 

  —No quarto de Uri. — Respondo. — Você se sentiu mal e seu filho te trouxe para cá.

 

  —Eu estava trabalhando em uma jóia, me senti um pouco tonto... — Ele fala. — Não me lembro de mais nada.

 

  —Você desmaiou por causa da sede, mas vai ficar bem. — Acaricio o rosto de meu marido. — A praga acabou.

 

  —Eu me sinto fraco. — Ele reclama.

 

  —Você vai ficar bem, meu amor. — Vou até a pequena mesa ao lado da cama e coloco água na taça. Em seguida, faço com que Hur beba dela. — Vai se sentir melhor depois que beber um pouco de água.

 

  —Acho que nunca pensei que a água fosse um bem tão precioso. — Meu marido fala divertido.

 

  —Hur... — Eu o repreendo sorrindo. Me viro para colocar a taça vazia de volta na bandeja, mas sou surpreendida ao sentir Hur puxar meu corpo e me abraçar contra si. — Não faça isso. Você precisa de repouso para se recuperar.

 

  —Ter você ao meu lado cura qualquer mal. — Ele olha em meus olhos. — Eu te amo, Henutmire.

 

  —Eu te amo mais. — Falo e então uno meus lábios aos dele em um beijo terno e apaixonado.

 

 

   Por Anat

 

  —Você deve ser a única pessoa no palácio que está insatisfeita pelo fim da praga. — Alon fala.

 

  —Não diga besteiras, Alon! — Falo. — É claro que estou feliz porque a praga acabou, afinal, ela quase levou a sua vida e a minha também.

 

  —Então, por que está tão nervosa?

 

  —Mesmo uma sacerdotisa tem seus dias de nervos a flor da pele, como qualquer outra mulher.

 

  —Veja quem acaba de chegar. — Ele fala. Acompanho seu olhar até me deparar com a princesa Tany entrando solenemente no jardim.

 

  —Por Seth! O que esta mocinha quer agora? — Pergunto para mim mesma ao ver a filha de Henutmire cada vez mais próxima de mim.

 

  —Bom dia, princesa. — Alon faz uma reverência. — Vossa alteza esta ainda mais bela esta manhã.

 

  —A luz de Rá me favorece, caro Alon. Mas, agradeço o elogio. — A princesinha sorri. — Poderia me deixar a sós com a sacerdotisa?

 

  —Como a princesa desejar. Com sua licença. — Alon então se retira.

 

  —Não estou disposta a discutir com a sobrinha do rei.

 

  —Eu vim lhe dar um ultimato. — Ela me encara, da mesma forma como fez nos aposentos de Uri. — Quero que vá embora do palácio, ainda hoje se possível.

 

  —O quê? — Pergunto, incrédula. — Quem pensa que é para me dar ordens?

 

  —Como você mesma disse, sou a sobrinha do rei, uma princesa do Egito. — Ela fala com segurança. — Já que a praga não te matou, ao menos o fim dela vai te levar para longe de nossas vidas. Vai te levar de volta para o templo de Om, de onde nunca deveria ter saído.

 

  —Ouça bem, alteza. — Agora sou eu quem encaro a princesinha petulante. — Você, sua mãe, sua irmã, seu pai ou qualquer um pode querer que eu saia do palácio, mas eu só vou embora quando tiver feito o que me trouxe até aqui.

 

  —Se refere ao seu desejo fútil de se vingar de minha mãe?

 

  —Exatamente. Eu sofri ao ser obrigada a passar anos e anos longe de minha única família, a deixar para trás a única pessoa que realmente amei. — Falo, plena de ressentimento. — A sua mamãezinha vai pagar por cada lágrima que derramei em silêncio e por cada choro que sufoquei dentro de mim. Eu vou fazê-la sofrer, seja como for.

 

  —Pois também me ouça bem, Anat. Guarde minhas palavras, pois ela irão se cumprir. — A princesa se aproxima tanto de meu rosto que por um momento chego a pensar que vai me beijar. — Se por sua culpa algo de ruim acontecer a minha mãe, eu farei dez vezes pior com você.


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Notas finais do capítulo

Se eu fosse a Anat iria começar a ter medo das ameaças de Henutmire e de Tany.



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