O Maior Amor escrita por Sâmara Blanchett


Capítulo 21
Capítulo 21


Notas iniciais do capítulo

Espero que tenham parado de chorar pela perda do bebê de Henutmire. Ok, nem eu parei de chorar. Vamos continuar a primeira praga...



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   Por Henutmire

 

   É como se nada mais fizesse sentido, como se houvesse dentro de mim um grande vazio impossível de ser preenchido. Ando devagar pelos corredores do palácio, pois mal tenho forças para me manter de pé devido a sede e a fraqueza que tomou meu corpo. Posso sentir meus olhos doerem pelo tanto que já chorei e pelas lágrimas que agora tento conter. A dor de se perder um filho antes mesmo de conhecer o seu rosto é impossível de se descrever, pois nem todas as palavras do mundo podem mensurar a sua intensidade. Eu fui novamente alvo do milagre que há dezessete anos atrás me fez gerar e trazer ao mundo minhas duas filhas. Todavia, desta vez, as atuais circunstâncias e o peso da idade impediram o milagre de se concretizar. Por isso, decidi não contar nada a Hur. Como eu conseguiria dizer a meu marido que perdi o nosso bebê, o nosso filho que sequer sabíamos que existia?

 

  —Henutmire! — Hur exclama assim que entro em nosso quarto. — Você demorou tanto a voltar.

 

  —Estávamos preocupados, senhora. — Leila fala. — Onde estava?

 

  —Nos aposentos de Hadany. Me senti mal e precisei repousar um pouco. — Respondo. — Radina esteve comigo até agora.

 

  —Já se sente bem? — Meu marido pergunta.

 

  —Sim. — Falo, mas uma tontura me desmente. Hur e Leila me amparam, para que meu corpo não vá de encontro ao chão frio de meus aposentos.

 

  —É melhor se deitar um pouco, senhora. — Leila sugere. Ela e Hur me ajudam a chegar até a cama e eu me deito ao lado de minhas filhas, que permanecem imóveis com seus olhos fechados e suas respirações cada vez mais silenciosas. — Vou ver se encontro algo que possa beber.

 

  —Não precisa, Leila. — Recuso. — Com certeza não há mais sucos na cozinha e eu não quero tomar mais vinho por hoje.

 

  —Então, coma isto. — Hur pega um cacho de uvas e coloca uma delas em minha boca.

 

   Vinho e frutas podem enganar minha sede e não me deixar sucumbir a esta praga. Mas, nada pode amenizar a dor que estou me obrigando a carregar sozinha. Só peço aos deuses que me permitam continuar sendo forte como fui até aqui, para um dia conseguir superar tudo isso. Então, noto o quanto Leila está séria e pensativa, como se algo tirasse a paz de seu coração. Talvez ela esteja preocupada com o marido.

 

  —Como está Uri? — Pergunto para Leila.

 

  —Ele se sentiu muito mal, princesa. Por um momento pensei que fosse perder meu marido. — Ela responde. — Mas, graças a Deus, agora ele está melhor.

 

  —Eu fico mais tranquila, estava preocupada com ele. — Falo, mas a expressão do rosto de minha dama continua séria. — Uri não é sua única preocupação, é?

 

  —Eu não sei se deveria lhe contar isso, mas não quero esconder nada da senhora. — Leila fala. — Yunet esteve nos portões do palácio e tentou falar com rei.

 

  —O quê? — Falo, incrédula. Na ocasião em que estive na vila, Yunet apareceu nos portões do palácio na noite seguinte dizendo que queria falar com Ramsés. Mas, eu não imaginava que ela teria tamanha ousadia em tentar novamente.

 

  —Foi o que Karoma me contou. — Leila fala. — Mas, ela não foi recebida.

 

  —Não entendo o que mais ela pode ter para dizer a meu irmão. — Falo, deixando Leila e Hur confusos. — Sim, porque eu tenho certeza que foi Yunet quem contou a Nefertari que eu fui até vila.

 

  —Impossível! — Hur discorda. — Até onde se sabe, a rainha não mantém contato com a mãe.

 

  —Yunet não perderia a oportunidade de me fazer mal, Hur. — Afirmo. — E encontraria uma forma para isso, por mais difícil que fosse.

 

  —Talvez seja algo sobre Moisés. — Leila sugere.

 

  —Mas, o que pode ser? — Meu marido pergunta.

 

  —Eu não faço ideia, mas não estou gostando nada disso. Desde que foi expulsa, Yunet nunca tentou se reaproximar de ninguém do palácio. — Falo. — Se está tentando agora, só pode ter algo a ver com Moisés. Ela quer fazer algum mal ao meu filho!

 

  —Se acalme, meu amor. — Hur pede ao ver que respiro com dificuldade devido ao meu nervosismo. — Você não deve ficar tão nervosa.

 

  —Deus está protegendo Moisés, princesa. — Leila fala com um sorriso. — Tenho certeza de que Yunet não fará mal algum a seu filho. Nem ela, nem ninguém.

 

 

   Por Paser

 

  —Como ele está? — Anat pergunta, com visível preocupação em seus olhos.

 

  —A febre persiste, mas ele está suportando bem. — Respondo ao tocar o rosto pálido e quente do jovem Alon. — Ele precisa de algo que no momento não temos para lhe dar.

 

  —Eu nunca pensei que a água fizesse tanta falta.

 

  —Água é essencial para a vida, Anat. — Falo ao olhar para ela. É então que noto que sou rosto também está pálido e seus lábios aos poucos estão perdendo a cor. — Ninguém consegue viver sem ela.

 

  —O soberano parece conseguir. — Minha sobrinha fala em tom de crítica. — Já estamos há quatro dias nessa situação e ele nada faz para mudá-la.

 

  —Todos sabemos que o rei jamais fará a única coisa que pode ser feita para mudar isso. — Falo, com certa tristeza. Anat acaricia com leveza o rosto de Alon, o que me faz acreditar que ela realmente se preocupa com o rapaz. — Fico satisfeito em ver que se importa com alguém além de si mesma.

 

  —Alon é como um filho para mim, meu tio. Ele era ainda pequeno quando o conheci e um imenso desejo de cuidar dele tomou conta de mim. — Anat fala sorrindo. Um sorriso que parece tão sincero que me surpreende. — Ele foi uma das poucas alegrias que tive logo que cheguei a Om.

 

  —Ainda carrega ressentimentos quanto a sua ida para lá?

 

  —Não nego que no início cheguei a odiar o lugar pelas circunstâncias que me levaram até lá, mas depois acabei me acostumando. — Ela responde. — Hoje, Om é a minha casa, é o lugar ao qual pertenço.

 

  —Então, por que veio para Pi-Ramsés? — Pergunto. — Por que quis voltar para atormentar a vida da princesa?

 

  —Eu não vim atormentar a vida de ninguém, tio. Pode não acreditar, mas se eu saí do templo e vim até aqui foi únicamente porque queria ver o senhor e minha prima, que são minha única família. — Anat desvia seu olhar para o nada, enquanto eu tento saber se acredito ou não no que ela diz. — Se eu pudesse, já teria ido embora. Mas, nenhum barco ousaria navagar por um rio de sangue somente para me levar de volta ao meu lar. O que me resta é esperar... Esperar até que eu padeça com essa praga. — Ela volta seu olhar para mim, que diante de suas palavras apenas tenho silêncio para dar. — O senhor não acredita que eu possa ter mudado, não é?

 

  —Gostaria muito de acreditar, Anat. Mas, não sou capaz de confiar novamente em você. — Falo com toda sinceridade que há em mim. — Quando Alon acordar, faça com ele que coma alguma fruta e não lhe dê mais vinho hoje.

 

 

   Por Hur

 

  —Então, é mesmo verdade? — Pergunto.

 

  —Sim. Moisés esteve no palácio para saber se o rei havia mudado de ideia, mas foi expulso. — Leila responde. — Eu não disse nada a princesa para não deixá-la ainda mais preocupada.

 

  —Fez bem. Henutmire não está nada bem por causa dessa praga. — Olho para minha esposa adormecida na cama. Seu rosto pálido e seus lábios que lentamente perdem a cor me fazem temer por sua vida. — Eu nunca a vi assim antes, Leila.

 

  —Deveríamos ir até a vila beber água. — Minha nora sugere. — Sei que a fonte deles foi contaminada, mas devem ter reservas.

 

  —É muito perigoso, Leila. — Falo. — O soberano avisou que ir até lá seria considerado traição.

 

  —Precisamos correr o risco, Hur. — Ela então olha para Henutmire. — A princesa está muito fragilizada, não vai aguentar muito tempo sem água. Nem ela, nem suas filhas.

 

  —Você tem razão. Mas, veja o estado em que elas se encontram. — Falo. — Estão tão fracas que talvez não consigam dar um passo para fora do palácio.

 

  —Eu sei, meu sogro. E acredite, eu mesma iria a vila buscar água para as princesas, se não fosse o fato de ela virar sangue quando saí de lá.

 

  —Então, está decidido. Nós vamos até a vila esta noite mesmo.

 

 

   Por Henutmire

 

   Confesso que cheguei a pensar que jamais voltaria a este lugar, mas agora vejo o quanto o destino pode ser imprevisível. Ando devagar pelas ruas da vila, segurando firme no braço direito de Leila. Minha dama tenta me oferecer o máximo de apoio devido a eu estar debilitada por causa da praga, mas sei que ela própria está tão fraca quanto eu. Hur leva Tany nos braços, pois minha filha já não tem forças para caminhar. Desde aquela febre inexplicável que teve quando criança, a saúde de Tany se tornou frágil e uma série de cuidados passou a fazer parte de sua vida. Quanto a Hadany, esta se esforça para caminhar com as próprias pernas, mas seus passos lentos indicam o quanto lhe faltam forças.

 

  —Ainda falta muito para chegarmos a casa de Moisés? — Tany pergunta com voz baixa.

 

  —Não, já estamos perto. — Hur responde.

 

  —Princesa, eu gostaria de ir a casa de minha irmã, depois de deixá-la na casa de Joquebede. — Leila fala. — Preciso ver Bezalel, saber como ele está. A senhora permite?

 

  —É claro que sim, Leila. — Falo. — Eu também sou mãe, entendo sua preocupação.

 

  —Esperem! — Hadany pede, ofegante, e todos paramos de caminhar. — Eu preciso... descansar um pouco.

 

  —Está tudo bem, minha filha? — Pergunto.

 

  —Acho que me esforcei demais. — Ela responde. — Minha sede aumentou.

 

  —Hadany! — Exclamo ao ver minha filha desmaiar bem diante de meus olhos.

 

  —Ela precisa de água. — Leila conclui, assim que se aproxima de Hadany e coloca sua cabeça em seu colo. — Temos que ir, eu posso carregá-la.

 

  —Você está fraca, Leila. — Falo. Sinto meu coração bater mais depressa e minha respiração se torna mais pesada. — Não vai conseguir carregar Hadany, e eu tampouco.

 

  —Princesa Henutmire? — Ouço uma voz chamar por mim.

 

  —Arão? — Me deparo com o irmão de Moisés.

 

  —O que houve com sua filha? — Ele pergunta ao ver Hadany desacordada no chão.

 

  —Ela desmaiou de tão sedenta que está. — Leila responde no meu lugar.

 

  —Vamos até a casa de minha mãe. — Arão fala ao tomar Hadany em seus braços.

 

  —Henutmire! — Hur exclama preocupado ao me ver perder o equilíbrio e Leila me ampara.

 

  —Foi apenas uma tontura, já está passando. — Falo, respirando fundo várias vezes na intenção de tornar minha respiração mais leve. — Leila, vá ver Bezalel.

 

  —E a senhora?

 

  —Eu consigo chegar até a casa de Joquebede. — Afirmo. — Vá ver o seu filho.

 

  —Está bem. — Leila concorda e em seguida vai em direção a casa de sua irmã.

 

  —Se apoie em mim, senhora. — Arão pede.

 

  —Você não vai aguentar nós duas. — Me recuso a sobrecarregar o irmão de meu filho, que já está fazendo muito carregando minha filha nos braços.

 

  —Sou mais forte do que pareço, princesa. — Ele fala. Sem escolha, pois sei que não disponho de tanta força para conseguir caminhar sozinha, seguro firmemente em seu braço.

 

  —Vamos! Não podemos perder tempo. — Hur se manifesta, mas o tom de sua voz parece de insatisfação.

 

(...)

 

  —Arão? — O espanto de Miriã é notável ao abrir a porta de sua casa.

 

  —Ajude-a. — Arão fala, se referindo a mim. — Ela está muito mal, precisa de um pouco de água.

 

  —Venha, princesa. — Miriã estende suas mãos para mim e eu seguro nelas com firmeza, demonstrando o quanto estou fraca. Com sua ajuda, entro na casa e me sento em uma cadeira. Em seguida, ela me serve água. — Beba.

 

   Levo o copo até os lábios e a água pura e refrescante invade minha boca, matando a sede que por pouco não me matou. Por estar muito sedenta, acabo tomando toda a água com muita rapidez. Então, eu vejo Hur dar a água que Miriã lhe serviu a Tany, que bebe com tanta vontade a ponto de se engasgar.

 

  —Beba devagar. — Meu marido pede, como o pai zeloso que é. Tany está sentada em uma cadeira, mas permanece apoiada nos braços de Hur.

 

  —Onde estou? — Hadany pergunta ao despertar.

 

  —Está na casa de minha mãe, princesa. — Arão responde. Ele está sentado com minha filha no colo, como se ela fosse uma frágil criança. Miriã entrega ao irmão um copo com água e ele o entrega a Hadany. — Beba, vai se sentir melhor.

 

  —Nos desculpem por termos vindo tomar o pouco de água que ainda devem ter. — Falo, um pouco envergonhada.

 

  —Não precisa se desculpar, princesa. Sempre tivemos pouco de tudo e nem por isso deixamos de partilhar com quem precisa. — Miriã sorri. — Está se sentindo melhor?

 

  —Sim, obrigada. — Correspondo ao sorriso dela.

 

  —Mãe! — Moisés fala ao entrar na casa, acompanhado por Joquebede. Ele vem diretamente até mim e nos abraçamos. — Como a senhora está?

 

  —Melhor agora que bebi um pouco de água, meu filho. — Respondo.

 

  —Deviam estar sedentos. — Joquebede fala.

 

  —A senhora não faz ideia do quanto. — Hadany fala e é então que eu percebo que agora ela está sentada em uma cadeira ao lado de Arão.

 

  —Joquebede, estas são minhas filhas, Hadany e Tany. — Eu as apresento.

 

  —Moisés me falou muito bem de suas irmãs. — Joquebede fala sorrindo. — É um prazer conhecê-las.

 

  —O prazer é nosso. — Tany fala.

 

  —Eu preciso ir, não quero deixar minha esposa preocupada com minha demora. — Arão se levanta.

 

  —Eu vou com você, Arão. Tenho um assunto para tratar com minha cunhada. — Miriã fala e eu tenho a impressão de que ela encontrou um pretexto para sair, pois noto em seus olhos que nossa presença em sua casa a deixou um tanto desconfortável.

 

  —Muito obrigada pela sua ajuda, Arão. — Agradeço. — Se não fosse por você, eu não sei o que teria acontecido conosco.

 

  —Não precisa agradecer, princesa. — Ele sorri para mim. — Shalom.

 

  —Shalom. — Moisés e Joquebede falam ao mesmo tempo e logo Arão se retira, acompanhado por Miriã.

 

  —E vocês, como estão? — Moisés pergunta para as irmãs.

 

  —Agora estamos bem, mas confesso que cheguei a pensar que iria morrer de tanta sede. — Tany responde.

 

  —Quando vínhamos para cá, havia muitas pessoas mortas pelas ruas e outras definhando aos poucos. — Hadany fala. — Não nego que me assustei bastante.

 

  —Até quando isso vai durar, meu filho? — Pergunto. — Até quando o seu deus vai nos punir com essa praga?

 

  —Deus não está punindo ninguém, minha mãe. — Moisés responde. — O único culpado pelo o que está acontecendo é Ramsés.

 

  —Porque ele não permitiu que os hebreus prestem culto a sua divindade no deserto. — Hadany completa.

 

  —Infelizmente é essa a verdade. — Meu filho fala. — Se Ramsés nos deixar cultuar ao Senhor, tenho certeza que tudo voltará ao normal.

 

  —E se meu tio continuar irredutível, como tem se mantido até agora? — Tany pergunta.

 

  —Eu não sei qual são os planos de Deus, minha irmã. — Ele responde. — Mas, se o rei se preocupa com seu povo e com as pessoas que ama, deveria mudar de atitude.

 

  —Não podemos demorar, Henutmire. — Hur quebra o clima tenso que se formou com as palavras de Moisés. — É melhor voltarmos para o palácio antes que dêem por nossa falta.

 

  —Tem razão. — Concordo. — Obrigada mais uma vez e peço desculpas por ter vindo até aqui.

 

  —Não há o que desculpar, princesa. Jamais iríamos negar um copo de água para alguém, principalmente para a família egípcia de Moisés. — Joquebede fala. — Não querem tomar mais um pouco antes de ir?

 

  —Não queremos abusar. — Recuso, mas na verdade desejo muito beber um pouco mais de água.

 

  —Não é abuso algum. — Joquebede fala e então serve a água nos copos.

 

  —Nesse caso, dê a minhas filhas primeiro. — Peço.

 

(...)

 

   Não consigo me entregar ao sono, pois a imagem das várias pessoas mortas pelas ruas do Egito não sai de minha mente. Pessoas inocentes, que não tiveram a mesma sorte que eu e minhas filhas. O pouco de água que bebemos na casa de Joquebede foi capaz de nos deixar surpreendentemente melhor. Tany retornou ao palácio caminhando com suas próprias pernas e Hadany parece ter tido suas forças reestabelecidas de uma hora para a outra. Confesso que de início achei perigosa e inconsequente a ideia de ir até a vila, mas agora vejo que ter aceitado a sugestão de Leila foi a melhor escolha que fiz. Eu jamais suportaria perder minhas filhas, e era isso que iria acontencer se não tivéssemos nos arriscado a ir até lá. No entanto, não é apenas isso que está roubando meu sono.

 

  —Não consegue dormir? — Hur pergunta e eu me dou conta de que ele está acordado.

 

  —Estava pensando. — Falo ao me colocar entre os braços de meu marido.

 

  —Em quê? — Ele acaricia meu rosto.

 

  —Em Miriã. — Respondo e logo não sinto mais a mão carinhosa de Hur em meu rosto. Me viro para olhar em seu olhos, que parecem ter perdido todo o brilho que sempre carregam. — Você notou que ela parecia incomodada com nossa presença, ou melhor, com minha presença?

 

  —Impressão sua, Henutmire. — Hur fala, mas eu quase posso sentir insegurança em sua voz. — Miriã sempre foi muito tímida.

 

  —Tímida? Eu me lembro muito bem da menina corajosa que se aproximou de mim, sem medo algum, para dizer que conhecia uma ama que poderia cuidar de Moisés. — Falo. — Aquilo não era timidez, era incômodo.

 

  —E que motivos ela teria para se incomodar com você? — Meu marido se senta na cama, aparentemente nervoso.

 

  —É exatamente o que estou me perguntando. — Me sento também. — Eu só vejo um motivo para Miriã se sentir mal quando está perto de mim.

 

  —E qual seria? — Ele pergunta, sem olhar para mim.

 

  —Joquebede me perdoou pelo mal que lhe fiz, mas talvez Miriã não.

 

  —Não fique assim, meu amor. — Hur me abraça ao ver o quanto esse assunto me entristece. — Miriã é uma boa pessoa, com certeza não guarda ressentimentos quanto a você.

 

  —Talvez eu devesse conversar com ela, saber o real motivo de sua atitude para comigo. — Falo, sugestiva.

 

  —Não! — Meu marido me repreende de uma forma que jamais fez antes, o que me assusta. — Quer dizer, você não deve se expor tanto, Henutmire. Você é a princesa do Egito, deve agir como tal.

 

  —Você tem razão. — É o único que digo, antes de olhar novamente nos olhos de Hur. — Por que ficou tão nervoso quando falei em conversar com Miriã?

 

  —Porque me preocupo com você.

 

  —Existe algo que eu não saiba, Hur? — Pergunto, desconfiada.

 

  —Por que diz isso? — Ele parece ficar ainda mais nervoso, mas tenta disfarçar.

 

  —Porque sua resposta não foi capaz de me convencer totalmente. — Respondo. Deito-me novamente na cama, mas agora de costas para meu marido. — Boa noite, Hur.

 

  —Boa noite, Henutmire.

 

(...)

 

  —Por que minha mãe não veio me ver? — Mayra pergunta, com seu corpo frágil de criança esticado sobre a cama.

 

  —Ela está muito debilitada por causa da praga, não consegue se levantar para vir até aqui. — Respondo.

 

  —Mas, a senhora veio.

 

  —A praga não me afetou tanto quanto afetou sua mãe e seu irmão. — Minto, pois eu quase perdi minha vida por causa da falta de água.

 

  —Eu não sou uma criança tola, tia Henutmire. — Ela me olha com seriedade. — Eu sei que minha mãe não se preocupa comigo.

 

  —Isso não é verdade, Mayra. — Discordo. — Hadany me contou que você e sua mãe se divertiam na piscina no dia em que a praga começou.

 

  —Foi apenas uma vez na eternidade, não vai acontecer de novo. — Minha sobrinha fala, mas logo em seguida começa a tossir sucessivamente, o que parece lhe roubar o ar.

 

  —Por Ísis! Você precisa beber alguma coisa. — Pego a jarra que está ao lado de sua cama, mas logo me dou conta de que está vazia.

 

  —O suco acabou ontem a noite. — Mayra respira com dificuldade. — Eu vou morrer, tia?

 

  —Não repita isso, Mayra! — Eu a repreendo. — Você não vai morrer.

 

  —Não me deixe sozinha. — Ela agarra minha mão ao ver que eu me preparava para sair dos aposentos.

 

  —Eu preciso encontrar algo para você beber, minha menina. — Falo. — Não se preocupe, voltarei logo.

 

   Os olhos de Mayra suplicam para que eu não me afaste dela, mas é o que preciso fazer para tentar salvar sua vida de alguma forma. Pensei em levá-la comigo até a vila ontem a noite, mas seria arriscado tirar do palácio a filha do rei. Então, me levanto e me retiro apressadamente dos aposentos de minha sobrinha. Todavia, ao passar pelas portas, me deparo com Radina.

 

  —Bom dia, alteza. — Ela faz uma reverência. Então, eu noto a taça que ela traz nas mãos.

 

  —O que é isso? — Pergunto.

 

  —Suco de fruta. — Radina responde. — Consegui preparar um pouco e trouxe para a princesa Mayra, sei que ela está sedenta.

 

  —Você chegou na hora exata. — Falo, eufórica. — Venha! Mayra está muito mal. — Faço com que Radina entre nos aposentos, mas quando vou fazer o mesmo, ouço uma voz chamar por mim.

 

  —Eu gostaria de lhe falar, princesa. — Anat diz. — Prometo não tomar muito o seu tempo.

 

  —Cuide de minha sobrinha, Radina. — Peço. A irmã de Jahi então caminha até a cama de Mayra, enquanto eu fecho as portas do aposento.

 

  —Como está sua sobrinha? — Ela pergunta.

 

  —Está suportando bem. Mayra é mais forte do que parece. — Olho para Anat, intrigada. — Mas, por favor, não finja que se preocupa com alguém além de si mesma.

 

  —Pode não acreditar, mas eu não sou egoísta a ponto de não me compadecer do sofrimento alheio.

 

  —Por favor, Anat! Me poupe de sua falsidade e se poupe de provocar a minha ira. — Falo. — A situação já é grave o bastante para eu ainda ter que discutir com você.

 

  —A princesa deveria escolher aceitar minha presença no palácio e evitar uma tragédia.

 

  —Eu escolho guerra. — Falo com firmeza. — Porque é isso o que sempre haverá entre você e eu.

 

  —Então, eu proponho uma trégua nesta guerra. — Anat fala, me surpreendendo. — Preciso de sua ajuda.

 

  —Minha ajuda? — Questiono, incrédula. — Para quê?

 

  —Para salvar Alon, alteza. — A sacerdotisa responde. — Ele está sedento e muito mal.

 

  —E o que eu posso fazer, Anat? Se nem mesmo os magos conseguiram transformar o sangue de volta em água, acha que eu posso?

 

  —Eu vi quando a princesa deixou o palácio ontem a noite, praticamente carregada por sua dama de companhia por causa da sede. — Anat fala e eu estremeço de medo. Ela pode contar tudo a Ramsés, somente para me fazer mal. — Não sei onde foi, mas sei que retornou ao palácio muito melhor do que quando saiu, assim com suas filhas. Por isso, não é difícil presumir que tenha ido até a vila dos escravos beber água.

 

  —O que pretende fazer com essa informação? — Eu a encaro. — Me prejudicar diante de meu irmão?

 

  —Eu juro por Seth que não contarei nada ao soberano, senhora. Sei que não confia em mim, mas lhe asseguro que estou sendo sincera. — A sobrinha de Paser não parece estar mentindo. Mas, como posso acreditar na mulher que uma vez tentou destruir o meu casamento? — Eu suplico à princesa do Alto e Baixo Egito que me ajude a salvar a vida de Alon. Ele é a única pessoa com quem realmente me importo.

 

  —Se conseguir sair do palácio com Alon, leve-o até a vila dos hebreus e procure pela casa de Joquebede. — Resolvo ajudá-la, mas não por ela e sim por me compadecer do sofrimento pelo qual Alon deve estar passando. — Diga que eu pedi que fossem até lá e, se ainda tiverem reservas de água, darão um pouco a você e seu guardião.

 

  —Obrigada, princesa. — Ela agradece. — Muito obrigad...

 

  —Anat! — Seguro a sacerdotisa em meus braços ao vê-la desfalecer aos poucos. Seu corpo é muito pesado para mim, mas consigo fazer com que ela chegue ao chão sem que se machuque.

 

  —Não gaste sua preocupação comigo, alteza. — Ela respira com dificuldade.

 

  —Por quem me toma? Eu jamais negaria ajuda a alguém, mesmo que esse alguém seja você. — Falo. — O que está sentindo?

 

  —Estou com muita sede... — A falta de ar faz com que a voz de Anat seja falha e baixa. — Meu coração está batendo depressa demais.

 

  —Tente ficar acordada. — Peço ao ver que ela fecha seus olhos devagar. Então eu noto o quanto seu rosto está pálido, bem como seus lábios.

 

  —Eu prometo manter a trégua até que esta praga acabe... — Anat fala em um sussurro. — Ou até que ela acabe comigo.


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Notas finais do capítulo

Será que Anat vai morrer?



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