O Maior Amor escrita por Sâmara Blanchett


Capítulo 14
Capítulo 14


Notas iniciais do capítulo

Bem vindos ao 11 de agosto. Hoje é um dia muito especial para mim, pois uma das pessoas para quem esta história é dedicada está completando mais um ano de vida. Feliz Aniversário, Livian! Obrigada por tudo o que você me proporciona e por sempre me incentivar a dar o meu melhor em O Maior Amor. Obrigada por ser minha irmã, alguém que eu aprendi a amar. Parabéns! ♥

Agora, preparem-se para um capítulo daqueles. Espero todos vivos nos comentários. Boa leitura...



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Por Henutmire

—Não pode ser! — Digo para mim mesma ao sair da sala do trono.

Eu sequer consegui demonstrar reação alguma diante da notícia da chegada de Anat, mesmo quando Ramsés esclareceu que sua vinda é apenas uma visita e que logo ela retornará para Om, afinal, lá é o seu lugar. Eu não posso acreditar que essa mulher está voltando para o palácio, para perto de mim e de minha família, e eu nada posso fazer para impedir. Que os deuses me dêem forças e muita calma para suportar a presença de Anat, porque sei que no instante em que eu estiver novamente diante dela toda a raiva que está adormecida dentro de mim despertará, e de forças renovadas.

Ao entrar em meus aposentos me deparo com Hur, que parecia aguardar ansiosamente pela minha chegada. Meu marido aparenta estar nervoso, o que não sei se é devido ao que houve entre nossa filha e Amenhotep ou se é porque já sabe da novidade.

—Você já soube? — Ele pergunta.

—Sim, e não gostei nem um pouco. — Respondo. — Eu não consigo me ver vivendo novamente no mesmo lugar que Anat, mesmo que apenas por alguns dias.

—Mas, seu irmão permitiu que ela venha? — Hur pergunta e eu o olho intrigada.

—Como você sabe que o papiro enviado pela grande sacerdotisa foi para pedir permissão a Ramsés para a vinda de Anat?

—Paser foi quem me deu a notícia, ele me mostrou o papiro. — Ele fala. — Mas, me diga de uma vez. O rei permitiu ou não?

—É claro que permitiu, Hur. Anat é uma sacerdotisa de Seth, tê-la como convidada no palácio é uma honra. Ramsés não tem motivos para impedir que ela venha. — Falo, tentando conter meu nervosismo. — Motivos tenho eu para não querer voltar a colocar meus olhos nessa mulher!

—Se acalme, meu amor.

—Eu não vejo como me acalmar! — Altero um pouco a voz. — Você e eu sabemos muito bem o que Anat foi capaz de fazer e que seu único desejo era nos separar.

—Mas, nós continuamos juntos, Henutmire. — Hur me segura delicadamente pelos braços, fazendo com que eu fique de frente para ele. — Anat não conseguiu o que queria e nunca vai conseguir.

—Como pode ter tanta certeza? — Pergunto, olhando nos olhos de Hur. — Que garantia eu tenho de que ela não vai tentar tirar você de mim novamente e acabe conseguindo dessa vez?

—Você tem o meu amor. — Ele olha também em meus olhos. — Isso basta para ter a certeza de que Anat nunca vai nos separar, por mais que tente.

—Eu tenho medo, Hur. — Falo demonstrando toda a minha insegurança diante da ameaça que é a volta da sobrinha de Paser. — Anat é louca! Ela pode querer se vingar porque eu a obriguei a ir embora daqui contra sua vontade.

—Anat pode ser uma sacerdotisa de Seth, mas você é a princesa do Egito. — Hur me abraça. — Fique tranquila, meu amor. Ela não poderá fazer nada contra você.

—Eu espero que esteja certo. — Falo, ainda envolvida por seus braços. — Anat jamais irá esquecer o que fiz a ela, tenho certeza.

*Flash back on*

—Não me faça mudar de ideia e ficar no palácio para provar que está errada, alteza. — Ela me desafia. — Eu posso ter o homem que eu quiser, e faltava muito pouco para eu conquistar o seu marido.

Não me contenho e dou uma bofetada em Anat, que se desequilibra. Em seguida, pego seu braço com força e a atiro contra o chão do jardim. Ela não reage, apenas me olha furiosa. Vejo sangue sair de sua boca, fazendo com que eu me dê conta da força que usei contra seu rosto.

—Pelos deuses, senhora! — Leila segura meu braço. — Se acalme.

—Isto é para você levar como lembrança para Om. — Falo, olhando-a de cima. — Apesar de ser pouco perto do que você merece e quase nada diante do que eu sou capaz de fazer.

*Flash back off*

—Talvez ela tenha mudado e se arrependido do que fez.

—Anat nem chegou ao palácio e você já está defendendo-a? — Me solto bruscamente dos braços de Hur. — De que lado você está afinal?

—Do seu, sempre. — Ele responde.

—Pois não parece, Hur! — Falo alterada. — Essa mulher quase destruiu o nosso casamento e você tem a coragem de dizer que ela pode ter se arrependido?

—É uma possibilidade, Henutmire. — Ele tenta se justificar. — O sacerdócio pode tê-la transformado em uma pessoa melhor.

—Ou você é muito ingênuo ou faz questão de não enxergar o que está na sua frente.

—Henutmire, por favor...

—Anat nunca vai se arrepender do que fez, nunca! — Esbravejo.

—O que Anat fez, minha mãe? — Tany nos surpreende com sua presença.

Por Nefertari

—Ainda insatisfeita com a atitude de seu marido? — Meu pai pergunta.

—Ramsés deveria pelo menos ter chamado a atenção de Hadany. — Falo. — O que ela fez foi muito sério.

—Minha filha, você sabe que seu filho e a filha da princesa vivem se desentendendo, desde que eram crianças.

—Mas, o que aconteceu hoje não foi apenas um desentendimento. — Rebato. — Se tivesse visto como Hadany manejava a espada... Ela poderia ter matado Amenhotep!

—Ela jamais faria isso. — Meu pai a defende. — A princesa Hadany não teria coragem de tirar uma vida, ainda mais de alguém de sua própria família.

—Ela humilhou o meu filho, o herdeiro do trono. — Olho seriamente para meu pai. — Justo ela, que tem o sangue imundo dos escravos correndo em suas veias.

—Pelos deuses, Nefertari! Você se dá conta do que acabou de dizer? — Meu pai me olha, abismado.

—E por acaso eu disse alguma mentira, pai? — Indago. — Hadany tem o sangue hebreu.

—Mas, também tem o sangue real, o sangue de Seti. Ela é filha da princesa do Egito e como tal merece respeito. — Ele fala e eu fico em silêncio. — Minha filha, você não pode continuar se comportando dessa maneira, se achando superior a sua própria sobrinha.

—Eu não quero brigar com o senhor, pai. — Falo. — É melhor encerrarmos essa conversa.

—Espero que reveja seus conceitos, antes que seja tarde demais. — Meu pai fala, com o olhar que eu posso dizer ser de pena. — Mas, o que me trouxe aqui foi outro motivo.

—E qual seria?

—Em breve, Anat estará conosco no palácio.

Por Tany

—Não vão dizer nada? — Pergunto diante do silêncio de minha mãe e do espanto de meu pai.

—Nada... — Minha mãe responde. — Anat não fez nada.

—Eu ouvi muito bem quando a senhora disse que ela nunca vai se arrepender do que fez.

—É algo que aconteceu no passado, minha filha. — Meu pai fala. — E o passado deve ficar no passado.

—Não, não deve. — Minha mãe dá um passo a frente e me olha com ares de quem está decidida a contar algo. — Já é hora de nossa filha saber a verdade.

—Henutmire, não... — Meu pai suplica pelo silêncio de minha mãe.

—Ela deve saber, principalmente agora que Anat está voltando.

—O que? — Hadany nos surpreende ao entrar de repente. — Anat está voltando?

—Isso não importa agora! — Falo com firmeza. — Eu quero saber o que estão me escondendo.

—O que está acontecendo aqui, afinal? — Minha irmã pergunta, sem entender o que se passa.

—Me deixe a sós com nossas filhas. — Minha mãe pede a meu pai.

—Henutmire...

—Por favor, Hur. — Ela pede mais uma vez.

Posso ver pavor nos olhos de meu pai, mas o que não vejo é o motivo que causa tal sentimento. Ele dá um beijo em meu rosto e outro no rosto de minha irmã, antes de sair dos aposentos. Minha mãe se senta em sua cama e Hadany e eu nos sentamos ao seu lado.

—Anat está mesmo vindo para cá? — Hadany pergunta.

—Sim.

—E pelo visto a senhora não está nem um pouco satisfeita com essa notícia. — Acrescento.

—Eu esperava nunca mais voltar a ver essa mulher! — Sinto ressentimento na voz de minha mãe.

—A senhora fala como se a odiasse. — Eu olho nos olhos dela. — O que Anat fez de tão grave para a senhora não querer voltar a vê-la?

—Eu fiz de tudo para enterrar essa história, para o meu próprio bem. — Minha mãe fala. — Mas, não se pode enterrar algo que está vivo, e que o que está vivo sempre tem o poder de retornar.

—Do que a senhora está falando, mãe? — Hadany pergunta, um pouco assustada pelo modo de falar de nossa mãe.

—Estou falando do que levou Anat a deixar o palácio.

—Ela deixou o palácio para se tornar sacerdotisa em Om. — Afirmo, mas apenas o olhar de minha mãe me diz que não é esse o único motivo. — Ou não?

—Ela foi embora porque eu a obriguei. — Minha mãe revela e eu não consigo esconder meu espanto, assim como minha irmã. — Porque se ficasse no palácio, eu mesma a teria matado com minhas próprias mãos.

—Eu não entendo. — Minha irmã fala. — Por que a senhora faria isso?

—Anat se dizia apaixonada por Hur e teve a ousadia de tentar separá-lo de mim. Tentou seduzí-lo de todas as formas, mas ele nunca cedeu. — Ela responde e eu fico ainda mais espantada. — Quando eu descobri, encontrei uma maneira de mandá-la para longe sem que ninguém desconfiasse que sua partida significava preservar sua vida.

A única reação que tenho é me levantar e dar alguns passos a frente, olhando para o nada. Eu jamais imaginaria que Anat foi capaz de tentar destruir o casamento de meus pais. Tento acreditar no que acaba de me ser dito, mas parece ser mais do que posso compreender. Eu era uma criança, mas me lembro perfeitamente do quanto admirava Anat, por sua beleza, pela força que tinha para encarar a vida após perder sua mãe, pela coragem de se dedicar ao sacerdócio mesmo sendo mulher. Eu me sentia tão bem em sua companhia pelo carinho que sempre demonstrava sentir por mim. Não! Ela não poderia ter carinho algum por mim se tentava destruir a minha família da forma mais baixa possível. Começo a sentir repulsa de Anat somente por saber de seu atrevimento em tentar se envolver com um homem casado.

—Ela parecia ser uma pessoa tão boa, íntegra... — Falo e me viro para minha mãe e minha irmã. — Como ela foi capaz?

—Anat soube enganar a todos com sua pose de boa moça, fazendo-se de órfã inocente quando na verdade era uma descarada sem escrúpulos. — Minha mãe fala e novamente eu sinto raiva em sua voz. — Ela soube disfarçar muito bem, mas sua máscara caiu antes do que esperava.

—E como a senhora descobriu que ela tentava seduzir o papai? — Hadany pergunta.

—Eu jamais gostei da forma como Anat se comportava com seu pai, mas pensei que estava me deixando levar pelo ciúme. — Minha mãe respira fundo, antes de continuar. — Até o dia em que encontrei os dois aos beijos na oficina e confirmei que eu estava certa.

—Por Ísis! — Minha irmã fala. Seu tom de voz é pleno de incredulidade, mas ao mesmo tempo é de certeza de que Anat foi capaz de tudo que nossa mãe está nos contando. Eu me pergunto se quero permanecer aqui, escutando o que ainda pode ser dito. — Como a senhora reagiu?

—Eu fiquei irada, minha filha, como nunca havia ficado em toda a minha vida. A princípio, não acreditei em uma só palavra de inocência que saía da boca de Hur e estava convencida de que ele havia me traído. — As lembranças parecem tomar conta de minha mãe. — Nós brigamos seriamente por isso e eu pensei em pedir o divórcio, mas eu não o fiz por vocês, para não afastá-las de seu pai.

—E Anat? — Pergunto, mas meu tom de voz é mais alto do que deveria. — O que a senhora fez para que ela fosse embora contra a sua própria vontade?

—O interesse dela pelo sacerdócio sempre foi algo de conhecimento de todos. Então, pedi a grande sacerdotisa de Om que viesse buscar Anat pessoalmente, alegando que seu maior desejo era se tornar uma adoradora de Seth. — Ela responde. — Eu não lhe dei escolha. Ou ela partia com Atalia para Om ou seria entregue para julgamento do rei e sentenciada a morte.

—E por que não fez isso? — Pergunto. Não sei o que está me levando a cobrar tantas explicações de minha mãe. — Por que não entregou para o soberano a mulher que teve a ousadia de ofender a sua honra?

—Porque Ramsés não iria punir somente Anat, também iria castigar o pai de vocês. — Minha mãe fala e eu me dou conta de que meu tio realmente não seria condescendente com meu pai, mesmo ele não tendo culpa. — Na melhor das hipóteses, ele expulsaria Hur do palácio.

—Parece impossível de se acreditar. — Hadany diz. — Eu nunca me dei muito bem com Anat, mas jamais pensei que ela fosse capaz de algo assim.

—Por que nunca nos contou isso? — Questiono.

—Vocês eram crianças quando tudo aconteceu e eu achava que Anat jamais voltaria a colocar seus pés no palácio. — Minha mãe responde. — Mas, agora ela está voltando e não há nada que eu possa fazer para impedir.

—Alguém mais sabe? — Minha irmã pergunta.

—Leila, Uri e Paser. E, por favor, não contem a ninguém o que acabei de contar a vocês. — Minha mãe pede. — Eu cuidei para que isso jamais chegasse aos ouvidos de Ramsés, e assim deve continuar.

—Não se preocupe, minha mãe. Isso não vai sair daqui. — Minha irmã segura uma das mãos de nossa mãe. — Imagino como a senhora está se sentindo com a volta de Anat.

—Eu não sei mais o que estou sentindo, não sei o que pensar. — Minha mãe fala e eu posso notar o quanto o retorno de Anat a deixa perturbada. — O único que sei é que não vou suportar conviver novamente com essa mulher.

Sem pensar em nada, guio meus passos para fora dos aposentos de minha mãe. Preciso ficar sozinha, refletir sobre tudo o que ouvi. Por um momento, me alegrei com a notícia da volta de Anat, mas agora estou exatamente como minha mãe: sem saber o que sinto ou o que penso.

—Filha, volte aqui! — Ouço a voz de minha mãe, mas não tão nitidamente pois caminho cada vez mais depressa.

(...)

—Tany! — Minha irmã me alcança em um dos corredores.

—Me deixe, Hadany! — Peço. — Eu quero ficar sozinha.

—Você saiu de repente... — Ela fala. — Nossa mãe ficou preocupada.

—Pois volte lá e diga a ela que estou bem, eu só preciso ficar um pouco sozinha.

—O que você tem? — Hadany pergunta. — Eu nunca te vi agir assim antes.

—Você não se deu conta, minha irmã? — Pergunto, sem esperar resposta. — Se Anat é essa pessoa que nossa mãe descreveu...

—Como assim "se"? — Ela me interrompe. — Você por acaso está duvidando do que nossa mãe nos contou?

—É claro que não! — Falo com firmeza. — O que eu quis dizer é que se Anat foi capaz de tudo o que fez, ela me usou. Ela conquistou o meu carinho para tirar vantangem disso se seu plano tivesse dado certo.

—Espera! — Minha irmã pede ao me ver caminhar para longe dela. — Onde você vai?

—Para qualquer lugar onde eu possa ficar sozinha. — Falo, sem deter meus passos.

(...)

Saí do palácio sem que ninguém percebesse e caminhei sozinha até as margens do Nilo. Aqui, sentada, sozinha, o único que ouço é o som do vento e das batidas descompassadas de meu coração. Agora que sei quem Anat realmente é, sinto uma imensa vontade de castigá-la pelo que fez a meus pais e principalmente pelo que fez a mim e a meus frágeis sentimentos de criança. Choro, mas não sei se minhas lágrimas são de raiva ou de decepção. Eu juro que irei transformar os dias que Anat permanecer no palácio em um verdadeiro inferno para ela. Eu juro!

É então que vejo a sombra de uma pessoa próxima a mim. O reflexo da luz do sol não me permite ver com clareza a quem ela pertence, assim que me viro em sua direção. Até que, pouco a pouco, a pessoa de pé ao meu lado ganha formas e feições, revelando ser uma mulher. Uma mulher hebreia.

—Acho que isto é seu. — Ela fala ao me entregar a flecha que eu havia disparado para o nada assim que cheguei ao Nilo.

—Eu acertei você? — Pergunto ao pegar a flecha.

—Não, nunca tem ninguém por aqui para ser acertado por uma flecha. — A mulher fala. — Foi só uma coincidência eu estar aqui e ela ter ido até mim.

—Coincidências não existem. — Falo ao voltar minha atenção para as águas do rio.

—Talvez esteja certa — Ela concorda. — Posso me sentar?

—Claro. — Com minha permissão, ela se senta ao meu lado. Sem querer, acabo voltando meu olhar para seu rosto. É de fato uma mulher bonita, mas seus olhos são o que mais chamam a minha atenção.

—Estava chorando... — Ela conclui, certamente ao ver meus olhos ainda úmidos. — O que houve?

—Nem todas as lágrimas são ruins. — Respondo. — Às vezes, elas nos libertam e nos fazem enxergar com mais clareza.

—Acho que eu nunca havia pensado por esse lado. — A mulher hebreia fala.

—Eu não deveria estar aqui, conversando com você...

—Só porque sou hebreia e você é egípcia? — Ela questiona.

—Não, de maneira alguma. — Falo. — Para ser sincera, eu não sei onde deveria estar.

—No palácio, talvez. — Ela fala. — Você é filha da princesa Henutmire, não é?

—Sim, me chamo Tany. — Olho com curiosidade para a mulher hebreia. — E você, quem é?

—Não importa, princesa. — Ela responde. — Sou apenas mais uma das mulheres que são escravizadas no Egito.

—Eu preciso ir. — Pego meu arco e a flecha que a mulher me trouxe de volta e me levanto. — Não vai mesmo me dizer o seu nome?

—É melhor que a princesa não saiba, pelo menos por enquanto. — A hebreia também se levanta. — Shalom.

—O que disse? — Pergunto.

—Shalom é uma saudação, significa paz. — Ela responde. — É como o meu povo se cumprimenta e se despede.

—Shalom. — Me esforço para repetir exatamente igual a mulher. Acabo sorrindo para ela, antes de deixá-la sozinha as margens do rio sagrado.

Por Henutmire

Onde estará Tany que até agora não retornou? O único que sei é que minha filha saiu do palácio, mas não sei onde está. Por Ísis! Será que eu deveria mesmo ter contado a verdade a minhas filhas? Tany tinha grande afinidade com Anat quando criança. Agora que sabe do que ela foi capaz de fazer, certamente está se sentindo confusa, magoada... Isso explica sua reação. Todavia, o que me preocupa é que está quase na hora do cortejo sair. Ramsés fez questão de que toda a família real esteja presente para a ida a Abu Simbel, para conhecer o grandioso templo que mandou erguer para Nefertari. Se minha filha não voltar seja lá de onde esteja, como vou explicar sua ausência a meu irmão?

—Veja se está bom assim. — Leila pede ao terminar a maquiagem de meus olhos.

—Está ótimo, Leila. — Falo ao me olhar no espelho.

—A senhora está nervosa. — Ela fala ao colocar o colar em meu pescoço, o colar que me foi dado por Hur quando nossas filhas nasceram. — Preocupada com a princesa Tany?

—E como não estaria, Leila? Minha filha saiu e até agora não retornou. — Respondo. — Ela ficou muito abalada com tudo o que contei.

—É compreensível, senhora. Ela gostava muito de Anat, não deve estar sendo fácil assimilar as coisas.

—O último que quero é que o retorno dessa mulher cause dano as minhas filhas, principalmente a Tany, que é frágil, embora não pareça. — Falo. — Eu posso enfrentar Anat, posso suportar qualquer coisa que me fizer. Mas, e elas?

—Suas filhas são mais fortes do que parecem, senhora. Por acaso já se esqueceu que a princesa Hadany enfrentou o príncipe e saiu vitoriosa? Ou que a princesa Tany, ainda criança, resistiu a uma febre inexplicável e sobreviveu, quando as circunstâncias diziam o contrário? — Leila segura minhas mãos, me fazendo sorrir. — Fique tranquila, princesa. Anat não poderá fazer nada contra a senhora e suas filhas.

—Assim espero, minha querida. — Falo e agora é Leila a sorrir.

Leila é para mim muito mais do que uma dama de companhia ou uma grande amiga. Eu a quero como a uma filha, e sequer sei explicar o porquê. Ela nunca mudou, sempre foi a mesma de quando a conheci. Mas, desde que retomou sua crença na divindade dos hebreus, é como se tudo o que diz fosse pleno de certeza, conseguindo me fazer acreditar fielmente em cada uma de suas palavras de otimismo. Leila me transmite uma confiança única e isso me agrada muito. Enquanto ela cuidadosamente coloca os adornos em minha peruca, as portas de meus aposentos se abrem. Então, vejo Hadany entrar, esbanjando sua beleza de juventude. Seu vestido é completamente branco, mas o que chama minha atenção é uma fita de seda de cor azul claro envolta em sua cintura, cuja ponta se estende até o chão. Seus olhos cativantes prendem meu olhar, até que o único que vejo é a bela coroa em sua cabeça.

Quando minhas filhas completaram quinze anos, Ramsés mandou que fossem feitas duas coroas iguais, mas ao mesmo tempo únicas, como jamais antes fora feito para uma princesa. Me lembro do quanto Hur se esforçou em dar o seu melhor para atender ao pedido do rei, mas principalmente por ser algo que seria dado a nossas filhas e que, em suas cabeças, representariam o poder e a soberania que cada uma tem como princesa do Egito. Depois de prontas, mais pareciam obras esculpidas pelos deuses. Feitas em ouro puro, que reluz a luz do sol, adornadas nas laterais com pequenas e delicadas flores em ouro branco e na frente com a imponente e típica serpente egípcia, pintada em cor azul.

—Está linda, princesa. — Leila elogia minha filha.

—Obrigada, Leila. — Hadany agradece com um sorriso que a deixa ainda mais bela.

—E sua irmã? — Pergunto na esperança de Tany ter voltado.

—Nada ainda. — Ela responde. — Estou começando a ficar preocuoada.

—Eu já estou há muito tempo. — Fico de pé para que Leila dê os últimos retoques em meu vestido e seus adornos.

—Com licença, senhora. — Chibale pede ao entrar em meu aposentos.

—Entre. — Falo.

—O rei pediu para chamá-las, o cortejo já vai começar. — O rapaz fala. Não posso deixar de notar que o filho de Gahiji parece hipnotizado ao olhar para Hadany, o que me deixa um pouco intrigada.

—E agora? O que vou fazer? — Me desespero. — Tany não apareceu e Ramsés odeia esperar.

—Estou aqui, minha mãe. — Pela segunda vez, Tany nos surpreende com sua chegada, agora já pronta para o cortejo. Ela está vestida como sua irmã, porém a fita de seda amarrada em sua cintura é de cor azul escuro e seus adornos e jóias são diferentes dos de Hadany

—Onde você estava? — Hadany pergunta. Me paraliso ao olhar para minhas duas filhas juntas, cada uma usando sua respectiva coroa.

—Depois falamos sobre isso, não podemos nos atrasar. — O olhar azul de Tany vem em direção a mim. — Vamos?

(...)

—Por que não está usando a sua? — Hur pergunta, enquanto os servos nos carregam na liteira.

—A minha o que? — Eu o olho sem entender.

—A sua coroa. — Ele responde. — Nossas filhas estão usando as suas. Por que você não?

—Não vejo necessidade de mostrar a todos algo que já sabem. — Respondo. — Todo o reino sabe que sou princesa do Egito, não preciso usar minha coroa para reforçar isso.

—Até nisso Hadany e Tany se parecem com você. — Hur fala com um sorriso. — Você sabe que é raro vê-las usando suas coroas.

—Isso demonstra que a verdadeira realeza está no coração de cada uma, e não no que usam para demonstrar isso. — Falo e olho para trás, para a liteira onde estão minhas filhas. Mas, logo volto meu olhar para frente. — Tenho muito orgulho de nossas filhas, Hur. Não por serem princesas do Egito, mas pelas pessoas que são.

—Elas herdaram isso de você. — Meu marido fala e um sorriso toma conta de meus lábios.

Todo o cortejo para de repente e um pequeno alvoroço se forma entre os nobres que nos acompanham. As liteiras permanecem suspensas no ar, mas nem de cima consigo ver o motivo que deteve o cortejo.

—Como ousa não se curvar diante de seu rei, escravo? — Ouço a voz alterada de Ramsés. Então, vejo um único rapaz de pé no meio da multidão de súditos curvados diante do Hórus vivo.

—Eu não me curvo perante homens, senhor. — O rapaz fala com coragem. — Somente perante o meu Deus.

—Seu deus... — Ramsés fala com deboche. — Você está diante do soberano do Alto e Baixo Egito. CURVE-SE AGORA MESMO! — Meu irmão grita, conseguindo provocar temor em todos os presentes.

—É melhor obedecer, se não quiser levar umas chibatadas. — Um feitor fala para o rapaz, que permanece corajosamente de pé.

—Eu não me curvarei. — Ele insiste em desacatar o rei.

—Bakenmut!

—Sim, soberano. — O oficial prontamente atende ao chamado de meu irmão.

—Faça esse insolente se curvar. — Ramsés ordena.

O general de imediato cumpre a ordem de Ramsés e, usando de força, faz o jovem se curvar contra a sua vontade. Com um gesto, meu irmão ordena que o feitor castigue o rapaz, diante de todos. Então, ouvimos o som do chicote estalar nas costas do hebreu.

—Desçam a liteira! — Ordeno aos servos.

—O que vai fazer, Henutmire? — Hur pergunta mas eu não o respondo, pois caminho até a liteira de minha cunhada.

—Nefertari, impeça essa selvageria. — Peço.

—O escravo foi insolente, Henutmire. — Ela fala. — Está tendo o que merece.

—Você não pode estar de acordo com uma coisa dessas. — Falo sem acreditar que minha cunhada não fará absolutamente para impedir o que está acontendo. — Não tem pena?

—Não de um hebreu. — Nefertari fala, mas quem vejo dizendo tais palavras é Yunet e não minha cunhada. Às vezes, Nefertari é a cópia de sua mãe.

—Desçam a liteira! — Ouço Hadany ordenar aos servos, que de imediato obedecem.

—Hadany, não. — Tany tenta impedir a irmã de se intrometer no que está havendo.

—Não piore as coisas, minha filha. — Falo para Hadany, mas ela passa diretamente por mim sem dar importância ao que digo.

—BASTA! — Hadany exclama ao se colocar entre o chicote do feitor e o jovem hebreu.

—Volte imediatamente para o seu lugar, Hadany. — Ramsés ordena.

—Eu não vou sair daqui enquanto o senhor não colocar fim a esse espetáculo grotesco. — Minha filha fala com firmeza e decisão. Eu sinto meu corpo estremecer de medo pela forma como ela se dirige ao rei. — E se quiser continuar castigando o rapaz, vai ter que ordenar que batam em mim também.

O silêncio se faz presente, ninguém ousa sequer respirar diante das palavras ditas por minha filha. Hadany segue olhando desafiante para Ramsés, que parece não se intimidar. Ao lado de sua mãe, Amenhotep não consegue esconder o quanto está impressionado com o que presencia. Hur e Tany me olham suplicantes, pedindo para que eu intervenha antes que aconteça uma tragédia. Mas, a verdade é que não consigo sequer sair de onde estou, tamanha é a minha surpresa com a atitude de minha filha.

—Deixem o rapaz ir. — Ramsés ordena e eu respiro aliviada. Ele olha mais uma vez para Hadany, antes de me ver de pé ao lado da liteira da rainha e do príncipe. — Tomem seus lugares, o cortejo vai continuar.

O hebreu olha agradecido para Hadany, embora tenha levado muitas chibatadas antes de minha filha intervir a seu favor. Agradeço aos deuses por tudo ter acabado bem. Por um momento, pensei que meu irmão ordenaria que continuassem o castigo, sem se importar de machucar sua própria sobrinha. Assim que Hadany e eu retornamos aos nossos lugares, as liteiras são novamente erguidas e o cortejo segue seu caminho rumo a Abu Simbel.

(...)

—Ainda estou impressionada com o que Hadany fez ontem. — Falo, enquanto Leila amarra minhas pulseiras. — Ela desafiou o rei para defender aquele rapaz.

—Sua filha é muito corajosa, senhora. — Leila sorri com certo orgulho da atitude de Hadany.

—Estou começando a achar que toda essa coragem ainda vai colocá-la em apuros. — Olho para minha dama de companhia. — Leila, você viu Tany? Sabe se já saiu de seus aposentos?

—Ela está no harém, assistindo a aula de dança da princesa Mayra.

—Estou muito preocupada com minha filha. — Confesso. — Desde que voltamos do cortejo ela não me dirigiu uma palavra, se trancou em seu quarto e não saiu sequer para fazer suas refeições.

—Acho que ela precisava de um tempo consigo mesma, princesa. — Leila afirma. — Quando nos encontramos no harém, a princesa Tany estava com uma expressão mais serena, mais leve. Totalmente diferente de quando retornou ao palácio ontem, após ter visto a grandiosa obra em homenagem a grande esposa real.

—Eu espero que ela esteja mesmo bem, Leila. — Sorrio. — Já basta de surpresas desagradáveis.

—Vocês já souberam? — Hur fala afoito ao entrar em nosso quarto. Só de olhar para ele, sei que algo grave aconteceu.

—Soubemos do que? — Pergunto curiosa.

—O soberano mandou castigar o rapaz que não se curvou no cortejo. — Hur responde, mas eu não consigo acreditar. — Ele está amarrado diante de todos, sem água, sem comida e exposto ao sol forte.

—Por Ísis! — Exclamo. — Como meu irmão foi capaz de uma crueldade dessas?

—Sabe quem é o rapaz, meu sogro? — Minha dama pergunta.

—Não, Leila. — Ele responde. — Mas, sei que ele não vai aguentar muito tempo se continuar nas condições em que está.

—Mãe, eu preciso falar com a senhora. — Hadany surge de repente, aparentemente nervosa. Certamente já sabe do castigo que Ramsés mandou que fosse aplicado no jovem hebreu.

—Eu sei o que veio falar, seu pai já me contou.

—Não, não sabe. A senhora não faz ideia do que me trouxe aqui. — Minha filha fala. — Um homem da família daquele rapaz veio interceder por ele, mas meu tio não quis recebê-lo de forma alguma.

—Ramsés não tem noção do que está fazendo! — Falo um pouco nervosa.

—Ele quer falar com a senhora, mãe. — Hadany fala, se referindo ao tal homem.

—Comigo? — Falo incrédula.

(...)

—A princesa concordou em falar com o senhor, mas é melhor que não se demore. — Ouço Ikeni falar para o homem, assim que atravesso os portões do palácio.

—Obrigado, meu jovem. — Ele agradece.

É então que, ao me aproximar, olho com atenção para o hebreu a minha frente. É um senhor já de idade, de cabelos e barba longos e grisalhos. Seu olhar para mim é de esperança, todavia seu olhar para minha filha é de admiração. Certamente sabe o que ela fez pelo rapaz. Hadany insistiu em me acompanhar, mesmo que eu tenha dito que não achava prudente.

—Pode ir, Ikeni. — Falo. — Eu o chamo se precisar.

—Com licença. — O oficial reverencia a mim e a minha filha, antes de se retirar.

—Desculpe importuná-la, princesa. — O homem fala. — Mas, creio que a senhora é a única que pode me ajudar.

—O que deseja de mim? — Pergunto.

—Eu e toda minha família estamos desesperados. Seu irmão condenou meu neto a morte injustamente. — Ele responde e eu logo compreendo seu parentesco com o rapaz do cortejo. — Eu vim lhe pedir que interceda a favor de Oseias junto ao rei.

—Não sei como eu faria isso. — Falo sem medo de desapontar a esperança que trouxe esse homem até aqui. — Não tenho poder para intervir nas decisões de meu irmão.

—Perdoe discordar, mas a princesa tem sim esse poder. A senhora enfrentou seu pai porque teve compaixão de uma criança que encontrou em um cesto no rio. — Ele fala e eu fico espantanda. Como ele pode saber sobre isso? — Eu sou Anrão, pai de Moisés. Por isso sei do que a princesa foi capaz para proteger meu filho.

—Enfrentar meu pai não é o mesmo que enfrentar meu irmão. — Falo, resistente a aceitar o pedido que o pai hebreu de Moisés me faz. — Eu sinto muito, Anrão, mas não posso te ajudar.

—Faça apenas uma tentativa, mãe. — Hadany se manifesta. — Meu tio pode dar ouvidos a senhora e voltar a atrás em sua decisão.

—Há muito tempo Ramsés não escuta nada do que digo e você sabe disso. — Argumento.

—Eu posso ajudar a tentar convencê-lo. — Minha filha insiste. — Por favor, mãe. É a vida do sobrinho de meu irmão.

—Eu suplico, princesa. — Anrão fala. — Salve Oseias, assim como salvou Moisés.


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Notas finais do capítulo

Quem aí estava com saudades do Anrão? Henutmire que se prepare para convencer Ramsés a libertar Oseias. Hadany defensora do sobrinho de seu irmão. Que orgulho dessa menina! E quem será a pessoa com quem Tany se encontrou no Nilo?



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