Liberta-me escrita por Teddie, Jules


Capítulo 6
Antíteses mentais


Notas iniciais do capítulo

Teddie: prestem atenção na música, é tudo que eu tenho a dizer por hoje.

Jules: nenhuma rosa foi maltratada na produção desse capítulo.

Postamos e saímos correndo. Beijos no core. Esperamos que gostem.



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Noites abertas a luzes florescentes e a verdade,
congelado na minha nova pele protegida, graças a você.
Você queria espaço,
mesmo que estejamos longe um do outro.
É hora de dar fim a isso
Eu te vejo
— Adore Delano (adaptado)

 

Isabelle se sentia culpada.

Não deveria, é claro. Não estava fazendo nada que não tivesse o direito de fazer. O que é bem diferente de fazer a coisa errada. Não, definitivamente não estava fazendo nada errado.

Ainda assim não conseguia por de lado a culpa que a corroia enquanto cavalgava de volta para a mansão, seria tão mais fácil se as pessoas não a tratassem tão bem.

Claro que não era só sobre ela: tinha deixado Meliorn continuar vivendo a margem da propriedade, escondido na vila como um fugitivo. Infelizmente, a resposta para o pedido do jovem amante parecia cada vez menos óbvia para Isabelle, que ainda temia pelo irmão e criava, mesmo que inconscientemente, laços firmes com sua nova vida.

E esse era o perigo maior, quando tudo voltava a ser sobre Isabelle; ela fizera um esforço para ser mal vista no vilarejo de Lorde Montgomery, mas ainda assim tinha sido bem tratada e admirada.

Tinha ido cavalgando em Hunter: Oh, Lady Montgomery, só mulheres fortes e corajosas cavalgariam assim. Nosso lorde precisava de alguém assim.

Tinha ido de calças: Oh, Lady Montgomery, tão moderna e criativa. Não me surpreenderia se virasse tendência de moda na França ou na Inglaterra. Nosso lorde precisava de alguém assim.

Então, aparentemente, Lorde Montgomery precisava de uma mulher que se sujeitava a coisas de homem e que não se importava com isso.

Isso a irritava tanto.

Não deveria preencher tal papel. Não queria ser a perfeita imperfeita Lady Montgomery. Era Isabelle e ponto! Não queria estar noiva. Detestava o fato de não conseguir detestar de jeito nenhum as pessoas em seu redor. Eles gostavam tanto dela, era difícil odiar quem te tratava bem; ela não odiava os pais e eles fizeram de sua vida um inferno, por que odiaria essas pessoas que eram tão gentis com ela?

Ela sentia que estava traindo a confiança de todas essas pessoas indo se encontrar com Meliorn e isso estava acabando com ela, fazendo-a se remoer de culpa.

Seu relacionamento com Meliorn era mais longo, mais firme e seu compromisso com ele também. Não, não deveria estar se sentindo mal por estar voltando de um encontro com ele.

Claro, não estava particularmente animada depois desse encontro. Meliorn a pressionara para irem embora logo. Reclamara das calças de Alexander que ela usava: ele sempre preferia quando ela usava vestidos ou saias. Nunca pensou que diria isso, mas estava ansiosa para voltar para sua casa e apenas aproveitar a companhia de Maia, ou admirar seu novo jardim se formando, ou até mesmo bordar, o que ela detestava.

Quase não notou o homem no meio do caminho, que gritou assustado e a fez puxar as rédeas de Hunter com muita força, que relinchou com força e a derrubou. Isabelle sentiu o impacto do chão contra ela com força e gemeu de dor, sentindo mechas de cabelo entrando em sua boca.

Sentiu braços a rodeando e a ajudando a levantar-se com calma. Ela limpou a sujeira das roupas e agradeceu aos céus por Hunter não ter avançado sem ela. Finalmente ela reparou em quem a ajudara, o mesmo homem que ela quase atropelara com Hunter. Ele usava uma camisa azul e uma calça preta e um colete preto por cima. Ele tinha os cabelos escuros que passavam do queixo e terminavam em cachos, os ombros largos e os olhos esverdeados.

Bem bonito, na opinião de Isabelle.

― Senhorita Lightwood, sinto muito. Ai meu Deus, Si... Lorde Montgomery me matará se ele descobrir que caiu por minha causa.

― Desculpe ― Isabelle murmurou, confusa e ainda dolorida da queda ― Mas não acho que lhe conheço.

― Não, eu que me desculpo ― ele correu os olhos por ela, não de um jeito malicioso, e sim genuinamente preocupado ― Eu a vi com Hunter chegando e me precipitei. É que estava tão empolgado que cruzaria com a senhorita que acabei assustando-a.

― Respire, senhor ― orientou, levemente incomodada que aquele homem quisesse vê-la. Normalmente gostava de chamar a atenção, mas não estava sendo um bom dia e o Sol ainda nem estava em seu ápice. ― Como se chama? Como sabe meu nome e de meu cavalo?

― Jordan Kyle, senhorita ― falou abrindo um sorriso relaxado ― Eu fui o responsável pelo transporte de Hunter desde sua antiga residência até a mansão Montgomery. Também sou o responsável pela segurança de Lorde Montgomery em suas viagens.

Isabelle se sentiu mais alerta de repente, notando a oportunidade de descobrir mais sobre seu noivo.

― Imagino que Lorde Montgomery tenha muitos inimigos.

― Não de verdade, ou que ele perceba. Ele é muito bondoso e não costuma ver a maldade nas pessoas com frequência ― ele refletiu por um momento ― Suponho que não deveria estar lhe contando isto, porém uma vez que você se casará com ele não vejo o problema.

A Lightwood absorveu a informação recém adquirida, vendo que batia com as histórias de Maia. Por Deus, se aquele homem era tão bom quanto se dizia, por que as histórias sobre ele eram tão horrorosas? Não fazia sentido algum.

Nem sempre se devia acreditar em histórias, Isabelle era uma prova viva disso. Sua repercussão era horrorosa e nem tudo que se dizia sobre ela era verdade. No entanto, todo rumor tinha um pouco de verdade. Não existiriam essas histórias sobre ele se alguma coisa horrível ele não tivesse feito alguma vez na vida e, sinceramente, era o suficiente para Isabelle querer estar o mais longe possível dele.

― Então, senhor Kyle ― resolveu mudar de assunto ― Por que estava tão animado por me ver?

― Ah sim, claro ― ele pareceu despertar ― Eu já planejava ir até sua casa hoje, mas receava que não conseguisse. Será que poderia entregar isto para a senhorita Roberts?

Isabelle demorou um pouco até perceber que ele se referia a Maia. Estava tão acostumada a chamá-la pelo primeiro nome que chegou a se perguntar se de fato sabia o sobrenome de sua dama de companhia.

Teve vontade de dizer que não era pombo correio de ninguém, no entanto a expressão sonhadora e apaixonada no olhar de Jordan era tão convincente que ela só sorriu e pegou o envelope das mãos dele.

― Seria um prazer, senhor Kyle ― ela prendeu o envelope no cinto ― Agora, se me dá licença, preciso voltar antes que a Srta. Roberts dê pela minha falta.

Ele riu e acenou enquanto Isabelle montava com dificuldade em Hunter por causa da dor do tombo e depois esporou o cavalo, avançando rapidamente pela estrada que ligava o vilarejo até o morro que levava a casa.

Assim que passou pelo portão sentiu que estava enrascada. Podia ver Maia ao longe, parada na soleira da porta. Ainda não podia ver sua expressão, porém tinha certeza que não era nada boa.

Dito e feito, assim que parou com Hunter na entrada da casa, viu que Maia estava de braços cruzados e de cara fechada. Isabelle mal teve tempo de descer até ser arrastada para dentro de casa pela morena.

― Onde estava, Isabelle? Eu estava morrendo de preocupação ― Maia já a puxava na direção das escadas, mas Isabelle parou no meio do caminho ― Imagina o susto de chegar para acordá-la para o desjejum e encontrar a cama vazia. Lorde Montgomery disse que não deveria me preocupar, que a senhorita... você voltaria logo, mas não pude deixar de imaginar o pior.

Isabelle imaginou que o pior fosse ela ter fugido. O coração da Lightwood se contraiu ao perceber que um dia Maia acordaria e ela de fato teria ido embora.

― Acalme-se, Maia ― Isabelle se desvencilhou de Maia, desfazendo a trança que prendia seus cabelos. Tinha terra neles e ela teria que lavá-los. ― Apenas fui aproveitar a manhã para cavalgar Hunter e passear pelo vilarejo. Não preciso de companhia vinte e quatro horas por dia.

Não pretendia soar tão dura, contudo tinha ficado irritada. Penara muito tempo para conseguir sua liberdade e, quando estava a conseguindo, vinha Maia tentando controlá-la. Não interessava o que ela estava fazendo, mesmo que estivesse se encontrando com outro homem as escondidas.

― Sinto muito ― Maia isso, recuando um passo.

Isabelle suspirou. Não conseguia ficar com raiva de Maia por muito tempo, era sua única amiga.

― Não é grande coisa ― ela sorriu, e então se lembrou do bilhete de Jordan ― Sabes o que é grande coisa? Não me contaste que tinha um pretendente.

Isabelle não escondeu a risada quando Maia arregalou os olhos e começou a gaguejar coisas sem nexo.

― Do que está falando?

― Encontrei por acaso um homem chamado Jordan Kyle e ele me pediu para que lhe entregasse isto.

Maia ficou ainda mais sem jeito quando Isabelle lhe entregou o envelope e aquilo meio que fez seu dia. Tinha sido horrível em vários aspectos, desde o comportamento de Meliorn até a queda de Hunter, porém ver Maia envergonhada valeu a pena.

A dama de companhia resmungou alguma coisa e puxou do uniforme um envelope quase igual o que Isabelle lhe dera.

― Chegou isso para você hoje.

Isabelle pegou o envelope e seu coração se encolheu quando ela reconheceu a caligrafia infantil e arredondada de Maxwell.

Ah, Max... Quando estava no casarão Lightwood, passando pela adolescência, ela e Maxwell tinham se afastado um pouco. Ela tinha novos interesses e o irmão era um pouquinho grudento. Entretanto, ele ainda era seu irmãozinho e ela sentia tanta falta dele, sua família que restava. A única parte da família Lightwood que ainda não tinha sido corrompida ou maltratada de alguma maneira.

Será que ele estava bem? Estava se alimentando? Brincando? Seus pais o estavam tratando bem? Curiosa e cheia de saudades ela rasgou o envelope com pressa, quase tremendo ao abrir a carta.

Querida Isabelle,

 Mamãe disse que eu não deveria lhe mandar cartas, porque você está muito ocupada com sua vida de noiva em sua nova mansão e não tem tempo para minhas bobagens. Espero que isso não seja totalmente verdade.

 Sinto muito a sua falta e não tenho mais ninguém para me contar as histórias de quando você e Alec tinham a minha idade. Você não vai sumir como ele, vai? Por favor, diga que não.

 Até tentei ir junto com Hunter quando vieram buscá-lo, mas o cocheiro descobriu meu esconderijo.  

 Responda-me se possível, estou ansioso para saber sobre a sua nova casa, já que mamãe não me deixaria visitá-la.

 Com muita saudade,

 Max Lightwood.

― Ah, meu irmãozinho ― Isabelle abraçou a carta como se de alguma maneira estivesse abraçando Maxwell. A Lightwood virou-se para Maia, ainda agarrada na carta ― Maia, preciso falar com Lorde Montgomery.

Maia, que ainda estava levemente ruborizada pela carta de Jordan, foi pega de surpresa pelo desejo repentino de sua recém amiga.

― Desculpe-me, acho que não entendi.

― Entendeu, sim. Desejo falar com meu noivo. Aconteceria alguma hora, não é? ― a jovem disse com veemência, encarando intensamente a face corada de Maia.

― Eu... hm... Isso é inesperado ― foi tudo que a dama de companhia conseguiu dizer. Isabelle arqueou uma das sobrancelhas ironicamente ― É que não pensei que quisesse se encontrar tão cedo com o homem daquelas terríveis histórias ― foi sarcástica.

Isabelle revirou os olhos, tentando não ficar impaciente com a amiga.

― Situações mudam, pessoas mudam ― disse apenas ― Não entendo o alarde para isso. Estou nessa casa há mais de um mês e nunca encontrei o lorde. Isso não soa estranho para você?

― Não ― Maia falou ― Teoricamente você não deveria conhecer seu noivo até o dia do casamento e, no entanto, você já mora aqui. Já quebrou padrões o suficiente para uma vida.

― E quando poderei conhecer meu noivo, durante nossa noite de núpcias?

― Talvez sim, talvez não. Vai saber... ― Maia deu de ombros e Isabelle bufou irritada. Detestava conversa fiada.

Maia! ― repreendeu ― Isso é sério, não desconverse, por favor. Não me interessa as reclusas de Lorde Montgomery, porém realmente preciso falar-lhe.

A morena suspirou, colocando a carta de Jordan no bolso do uniforme. Parecia realmente séria e preocupada e ver que ela levara o assunto seriamente aliviou a raiva de Isabelle.

― Lorde Montgomery é muito reservado, Isabelle. Ele não consegue simplesmente aparecer para qualquer um e é por isso que são poucas as pessoas que tem o privilégio de conhecê-lo.

― Mas eu sou a noiva dele. Noiva. Isso deveria significar algo, ou não?

― Significa muito ― Maia concordou, suspirando mais uma vez ― E ele vem se preparando para o encontro de vocês. Contudo, por enquanto, isso não vai ser possível. Qual o assunto? Talvez eu possa falar com ele mais tarde.

Isabelle olhou triste para a carta, suas esperanças e as de Maxwell se desfazendo como fumaça à medida que ela assimilava tudo que Maia lhe falava. Não era justo. Maia não poderia ser babá de Isabelle para sempre, isso era algo que a jovem tinha que resolver por si.

― Esqueça, Maia ― ela dobrou a carta do irmão e a recolocou no envelope ― Era um problema da minha família. Minha família, minhas responsabilidades.

― Somos sua família também agora, Isabelle.

A Lightwood sabia que Maia tinha boas intenções, mas aquela não era sua família. Dificilmente seria, mesmo o ambiente sendo mais carinhoso e receptivo, mesmo se suas ordens fossem obedecidas.

Sua família eram seus irmãos.

― Só... esqueça, Maia. Não era tão importante mesmo ― mas podia se ver que Isabelle estava chateada, o sentimento de incapacidade fugiu de seu passado e a reencontrou nessa nova vida. Não podia alcançar Alexander e perdia cada vez mais a certeza de que poderia ajudar Maxwell. ― Vou para o meu quarto. Preciso guardar essa carta e banhar-me. Caí de Hunter hoje. E da próxima vez que tiver uma criança escondida querendo vir para cá, mande Jordan Kyle deixar a criança em paz.

Maia se adiantou para dizer qualquer coisa, mas Isabelle deu as costas para a dama de companhia, subindo as escadas e entrando em seu quarto, tomando cuidado para não bater a porta ou demonstrar qualquer sinal de que estava irritada.

Foi até o armário e tirou do fundo a carta que Alexander deixara e a que ela nunca mandara para ele, juntando com a de Maxwell e guardando novamente. Seriam dois irmãos que nunca mais veria agora.

Preparou sozinha seu banho, não precisava que Maia a ajudasse em tudo, não precisava de ninguém ali. Nem de Meliorn. Queria estar sozinha com Maxwell e Alexander. Talvez fosse o dia mais infeliz de sua vida desde que se mudara para a mansão Montgomery e por escolha dela.  

Ao mesmo tempo, culpava Lorde Montgomery por ser um covarde e não aparecer, não ajudá-la quando ela precisava. Que tipo de salvação era aquela que Maia uma vez citara que não acontecia? Ela estava cada vez mais longe de tudo que sempre amara, como aquilo poderia ser algo bom para ela?

Depois de tomar seu banho, enquanto penteava os cabelos lavados, Maia bateu na porta de seu quarto. Isabelle murmurou um pode entrar baixinho e a dama de companhia entrou com uma bandeja com pão, queijo e frutas, depositando-a em cima da cama.

― Trouxe algo para comer, já que não desceu para o almoço.

― Não estou com fome ― seu estômago, aquele traidor, a denunciou roncando alto na hora. Não comia nada desde o dia anterior. Tinha pulado o desjejum para ir encontrar-se com Meliorn e o almoço porque estava com raiva das pessoas daquela casa. ― Tudo bem, comerei daqui a pouco.

Maia assentiu e caminhou até a penteadeira, pegando a escova das mãos de Isabelle e começando a escovar do ponto que a Lightwood tinha parado.

― Sinto muito pelo que aconteceu mais cedo. ― disse depois de um tempo.

― Não é culpa sua ― suspirou, já sem rancor nenhum de Maia.

― Ainda sim me senti culpada. ― a voz da dama saiu um pouco mais baixa do que antes ― Por isso tomei a liberdade de falar com Lorde Montgomery.

Como sempre, Isabelle pensou. Tinha cogitado a paixão de Maia pelo lorde tempos antes, mas com Jordan Kyle e o jeito que a amiga reagira a carta, já não tinha mais certeza de nada.

Irônico que era assim que ela se sentia sobre praticamente tudo. Incerta.

― E ele disse que falará com você, se isso lhe agradar ― subitamente Isabelle sentiu seu pulso acelerar, finalmente veria o homem das histórias, o herói de Maia... o seu noivo.

― Diga que não é brincadeira, Maia, por favor ― sabia que estava soando como uma criança em dia de Natal, mas não podia evitar. A chance de trazer Maxwell para perto de si estava logo a sua frente, o último Lightwood a ser liberto.

Maia sorriu, uma expressão carinhosa se formando em seu rosto amigável.

― Assim que ele voltar de sua viagem jantará com você. ― o sorriso de Isabelle caiu.

― Ah, ele ainda viajará?

― Não se apresse, Isabelle. Uma parte do bilhete de Sr. Kyle era falando sobre a viagem que ele faria acompanhando Lorde Montgomery.

Isabelle ponderou por um tempo. Já tinha esperado todo esse tempo, com certeza conseguiria esperar mais alguns dias se isso significasse a possibilidade de ter seu irmão consigo novamente.

― Tudo bem ― falou por fim. ― Para onde o lorde vai e quando volta?

Maria olhava para o cômodo com um interesse repentino, como se procurasse uma maneira rápida de escapar dali, se necessário. Infelizmente, só lhe restava a pequena varanda do quarto de Isabelle, dois andares a cima do chão. Isabelle franziu o cenho, achando a cena curiosa.

Com um suspiro, ela começou a falar.

― Ele tem negócios a tratar c-com… ― Maia tossiu, tentando desfazer o nó que fez em sua garganta. ― com Lady Belcourt! ― a segunda parte saiu apressada e sussurrada.  Depois de deduzir o que ouvira, o cenho franzido de Isabelle se tornou parte de uma expressão séria, sombria.

Maia temeu por sua segurança. Um sorriso delicado brotou nos lábios de Isabelle, apenas tornando a face da jovem mais intimidadora.

― Como? Acho que não compreendi.― as palavras saiam firmes da boca de Isabelle, que ouvira sua mãe falar da mesma maneira por anos. ― Eu não tinha proibido as visitas dela? ― a última palavra parecia ter gosto de vinagre para a jovem.  

― Exatamente por isso que o lorde a visitará dessa vez, ele não tem a intenção de lhe chatear trazendo a lady aqui. ― o olhar de Maia se fixou no de Isabelle. ― Ele decidiu acatar suas regras. Deveria estar feliz por isso, não?  

Isabelle cogitou cortar a língua de Maia se ela desse mais alguma resposta como aquela.

― Ele se importa com seu bem estar, acha que um encontro logo antes de uma partida é impessoal demais e deixaria mais dúvidas do que respostas. ― Maia ainda sustentava o olhar de Isabelle. Os olhos castanhos claros mais suaves do que antes, a dama tentava amenizar a irritação da noiva.

Definitivamente mandaria a língua de Maia ser cortada. Talvez a de Lorde Montgomery, já que ele era o responsável por tudo aquilo. Como ele ousava ir se encontrar com aquela mulher e ainda dar a desculpa de estar acatando suas ordens?

Quando ele voltasse, eles teriam uma conversa muito séria. Estava cansada de temê-lo, de esperar algo que nunca vinha. Não era quem ela era. Ela não abaixava a cabeça para ninguém e Lorde Montgomery não seria o primeiro. De jeito nenhum.

― Entendo ― foi seca. Um sorriso maldoso surgiu nos lábios de Isabelle e Maia a fitou, aflita ― Maia, você disse que uma parte do bilhete de Jordan Kyle era falando sobre a viagem, certo? ― Maia assentiu. ― Qual era a outra parte?

A cara de constrangimento de Maia foi mil vezes mais satisfatório do que qualquer outra punição que Isabelle poderia imaginar.

(...)

Isabelle estava irritada.

Os preparativos da viagem atrapalharam seu café da manhã, a impedira de montar Hunter e sujaram seu jardim. Lorde Montgomery poderia estar agradecido pelas melhorias na propriedade, mas tinha um jeito muito engraçado de demonstrar. No tempo em que malas eram carregadas ela se esgueirou pela sacada de seu quarto para ver se conseguis avistar o lorde, porém tudo que conseguiu ver foi a capa preta e o chapéu. Seu rosto continuava uma incógnita.

Apesar de tudo, o que mais irritara a jovem não era todo o mistério não resolvido ou a ansiedade para conhecer Lorde Montgomery. Era a falta de seus pesadelos.

Até mesmo quando a rotina retomou seu rumo, passando mais de uma semana desde a ida a irritação dela crescia noite após noite de sono tranquilo.

― Se franzir mais o cenho, sua expressão será uma eterna carranca de mal humor, Isabelle ― disse Maia durante o almoço do quarto dia. ― O que a incomoda tanto?

O olhar de Isabelle deixou o padrão floral da renda sobre a mesa e alcançou o rosto de Maia.

― Perdi uma coisa e não entendo como... ― disse em um tom monótono.

― E o que seria este item perdido? Poderíamos juntar os empregados para ajudá-la a procurar ― sugeriu Maia.

― Não acho que seria possível, Maia ― Isabelle soltou um suspiro. ― Perdi meus sonhos. Ou melhor, meus pesadelos.

Maia não podia estar mais confusa.

― E isso é um bom sinal, certo?

― Óbvio que não. ― Isabelle disse como se fosse algo claro e Maia tivesse algum atraso mental.

― Estou achando difícil acompanhar sua linha de raciocínio, Isabelle.

― Tenho pesadelos desde a primeira noite aqui, talvez antes. O que poderia ter mudado isso? ― a pergunta parecia ser direcionada mais a toalha de mesa do que a Maia.

― O fato de que você finalmente parou de pensar que o lorde é algum tipo de assassino sem coração e superou isso?

― Não diga sandices, Maia.

Maia negou descrente, porém Isabelle não notou, perdida em seus pensamentos. Não entendia como de uma hora para outra parara de ter pesadelos com o lorde. Não podia ser porque ele tinha viajado e não era mais uma ameaça, pois ele passara tanto tempo oculto que ela começara a se questionar se ele era mesmo real. No entanto, era a única coisa que fazia sentido.

De certa forma, estava acostumada com o olhar do violoncelista enquanto ela dançava com Lorde Montgomery, estava acostumada com sua prisão e a implorar sua liberdade. Estava acostumada principalmente a acordar com a alucinação do violoncelo em sua cabeça junto com o nascer do Sol. Agora, Maia a acordava para o café da manhã e Isabelle sentia que tivera uma noite de sono boa e tranquila.

Aquilo não era nada certo e Isabelle não gostava quando as coisas não estavam do jeito que ela queria. Não que ela quisesse os pesadelos, mas também não queria que eles fossem embora sem ela entender por que.

Eles faziam parte dela, afinal.

A voz de Maia soava no fundo de sua mente e Isabelle só entendeu que a dama estava realmente falando quando viu as mãos dela passarem em frente aos seus olhos.

― Isabelle?

― Perdão, me distraí por um instante. Podemos falar sobre outra coisa, por favor?

― Recebi notícias de Lorde Montgomery, da França.

― Recebera notícias do lorde ou de Jordan Kyle? ― a simples menção ao jovem deixou Maia corada desde o colo até a ponta das orelhas, trazendo um sorriso a face de Isabelle.

― Pare, Isabelle. O sr. Kyle não alimenta tais sentimentos por mim. ― ela tentava esconder o rubor de Isabelle. ― O lorde disse que chega hoje ao anoitecer, está contente não é?

Pensamentos vagos sobre cortar a língua de Maia revisitaram a mente de Isabelle.

Estava passando por vários sentimentos com essa informação: ansiedade, curiosidade. Felicidade não era um deles. A perspectiva de finalmente falar com ele sobre Maxwell a enchia de esperanças, contudo, uma pequena parte do cérebro dela, ou o interior de seu coração, ainda sentia um pouco de receio daquele homem. Afinal tantas lendas não surgiriam do nada.

― Contente é uma palavra forte, Roberts. Intrigada, provavelmente ― meneou.

― Definitivamente não entendo sua linha de raciocínio ― a dama de companhia chegou a conclusão. ― A questão é que amanhã, na hora do jantar, poderá falar com ele.

― Por que demorar tanto? ― Isabelle se inquietou. Para que tanto charme, Lorde Montgomery?

― Isabelle, você já esperou quase dois meses para conhecê-lo, não pode mesmo esperar mais um dia?

A primeira resposta que passou pela cabeça de Isabelle foi um claro e certeiro não. No entanto, depois de refletir um pouco, chegou a conclusão de que conseguia sim esperar um dia a mais, mesmo que ela se coçasse de curiosidade por dentro.

Depois do almoço e da conversa com Maia, Isabelle preencheu sua tarde com tarefas comuns, apenas para ter algo além do encontro para pensar. Cuidou de Hunter, varreu seu jardim mais vezes do que o necessário, jogou pétalas caídas na fonte de frente a casa, cavalgou – o que a fez escovar novamente Hunter, chegou a bordar com Maia; não ficou muito tempo nisso, no entanto. Ainda odiava bordar.

Logo depois imaginou cortar a cabeça do lorde enquanto podava as rosas. Ele estava demorando demais. O universo esticou aqueles minutos em horas simplesmente para desgastar a paciência da jovem, ela estava certa disso.

Quando a hora de se recolher chegou, as mãos de Isabelle não paravam, então ela arrumou o quarto detalhadamente, escovou os cabelos duas vezes e ainda encarou o teto por vários minutos antes de finalmente ter suas forças exauridas.

A jovem sentiu um alívio inexplicável ao encontrar olhos castanhos protegidos por óculos a encarando suavemente do canto no salão de baile desalinhado. Nunca imaginou que ficaria feliz por estar tendo um pesadelo, porém o quanto mais rápido ele passasse, mais cedo ela acordaria para o dia mais aguardado de sua vida. Ela tentou acenar para o violoncelista, mas algo a impediu.

Tinha algo errado.

O violoncelista começou a tocar, mas a música estava alta demais, diferente do costume. Ela olhou em volta e tudo parecia muito branco e muito embaçado, como em um dia de névoa. Andou pelo salão a procura de Meliorn ou de Lorde Montgomery, sendo que nenhum dos dois aparecia para ela.

Ela se virou e se surpreendeu ao dar de cara com Meliorn ali, a face séria. Surpreendeu-se ainda mais ao ver Lorde Montgomery ao lado do jardineiro, o rosto enrugado exibindo um sorriso maldoso.

― Está na hora, Isabelle. ― ele disse.

― Acorde, minha bela dama ― Meliorn complementou.

Isabelle pulou de susto, o último acorde alto do violoncelo tocando enquanto ela se sentava na cama, as mãos tremendo furiosamente.

― O que foi isso? ― falou sozinha. Tinha sido o pesadelo mais estranho desde que começara a tê-los.

Enquanto se acalmava, pode ouvir uma das portas rangendo e logo em seguida um barulho de algo caindo no andar em cima dela e um palavrão que uma dama nunca sonharia em pronunciar. Isabelle olhou para cima, mas só havia o teto em cima de sua cabeça.

Logo depois, a mesma porta bateu e tudo ficou quieto. Isabelle, entretanto, nunca se sentiu mais acordada. Ela se levantou da cama e vestiu o robe azul marinho com pressa, não se importando de calçar os pés.

O chão estava frio, mas Isabelle quase não sentiu, estava sentindo mesmo o sangue correndo pelo corpo com força com a perspectiva de uma aventura. Ela abriu a porta do quarto devagar, agradecendo a todas as forças por não fazer barulho e se destinou ao final do corredor, a direita, onde tinha uma escada.

Nunca tinha ido ao terceiro andar da casa. Maia disse que era o sótão e que servia como depósito, então Isabelle não chegou a se incomodar a ir lá. Subiu rapidamente, atravessando um corredor curto e pela porta destrancada. Foi a coisa mais estranha que vira em sua vida.

Maia não mentira, era mesmo um depósito.

No entanto, havia instrumentos musicais por toda a parte. Pendurados na parede tinham violões e violinos, no chão jaziam mais violões quebrados. No fundo do sótão um piano antigo e, quando Isabelle se aproximou, viu que tinham teclas faltando.

A luz da lua que vinha pela clarabóia iluminava fracamente o ambiente, então a Lightwood não conseguia ver exatamente a decoração, mas podia ver várias partituras rasgadas e jogadas por todo local. Havia caixas cheias de cordas de diversos instrumentos e arcos também. Em outras, várias flautas.

Contudo, o que mais a impressionava eram os violoncelos. Havia no mínimo uns sete, todos dispostos lado a lado. Três estavam partidos, três com as cordas arrebentadas – Isabelle achou desleixo, já que tinham cordas o suficiente nas caixas. Havia um intacto, preto, reluzente, intimidador.

O mesmo violoncelo de seu baile de debutante.

Como se previsse o futuro, no momento que Isabelle se deu conta do fato a música recomeçou. O som grave do violoncelo testando as primeiras notas. Uma melodia suave e melancólica que ia se firmando e ficando mais rápida e consistente. A mesma música que tocava todas as noites em seus pesadelos.

― Mas que... ― Isabelle não completou, consternada demais para formular qualquer coisa.

Isabelle saiu do sótão correndo, descendo as escadas apressadamente à medida que a música ficava mais alta, estava se aproximando. Entrou no corredor onde os quartos ficavam. A música ressoava alta por toda casa, mas de alguma maneira Isabelle sabia que só era alta para ela. Ela foi se aproximando das portas, tentando descobrir de onde vinha o som.

Ela parou na porta que ficava de frente para o seu quarto. A música estava alta como nunca. Ela tocou a maçaneta da porta com os dedos tremulantes, parecia que estava em outro pesadelo, sendo socorrida por alguém desconhecido.

Aquilo fora real então? Tinha sido acudida pelo lorde? Preferia não pensar nisso no momento.

O rubi de sua família parecia pulsar junto com o coração de Isabelle e ela podia ouvir o sangue circulando. Ela virou a maçaneta e abriu a porta de uma vez.

Ele estava de costas para ela, a camisa azul desbotada solta por cima da calça; o movimento que fazia com o corpo junto com a música parou junto com a mesma, que encerrou com o barulho alto e desafinado.

Ele se virou, os cabelos castanhos caindo sobre os olhos.

Isabelle arregalou os olhos.

― Você?

Ele estava a olhando. Diferente de tudo que Isabelle poderia sequer imaginar.

Lorde Montgomery.


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Notas finais do capítulo

O que acharam? Comentem, queremos ouvir, ler, surtar, com a opinião de vocês!



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