Liberta-me escrita por Teddie, Jules


Capítulo 2
Cartas de ninguém, cartas para ninguém


Notas iniciais do capítulo

Teddie: ficamos super felizes e animadas com a receptividade de vocês e esperamos que gostem desse também, deu trabalhinho, mas foi muito do coração.

Jules: desculpa pela angústia que vem por aí!

Queríamos agradecer a quem comentou, favoritou e um agradecimento especial para Filha de Atena que foi uma fofa para recomendar ainda no primeiro capítulo!!!

Aproveitem!



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De qualquer jeito,
o céu tem um lugar para mim.
Sua majestade,
por que você tem rancor de mim?
George Ezra 

 

Querido Meliorn,
Sinto muito pelo que ocorreu no baile

Não! Isabelle pensava enquanto amassava a folha.

 Querido Meliorn,
Acho que é um sinal para nos...

  “Nos” o quê? Separarmos-nos? Não! Outra folha amassada.

 Querido Meliorn,
Agradeço profundamente por ter aparecido no momento menos oportuno o possível. Graças a você nunca esquecerei aquela noite, já que sentirei dores por toda a eternidade!

A última também fora amassada e arremessada em direção a lareira acesa, mas se juntou com a pilha de folhas amassadas que não atingiram seu destino. Isso é pura maldade, Isabelle! Acalme-se.

Não entendia porque era tão difícil escrever para Meliorn. Na verdade, entendia uma parte. Era terrivelmente doloroso movimentar qualquer parte de seu corpo, inclusive os dedos que manuseavam a pena negra. Não estava furiosa com Meliorn, não mais do que poderia ficar; ele cometera um erro muito grande aparecendo em seu baile, porém ela também era culpada por se permitir tanto em um momento que não devia.

Apesar de detestar fazê-lo, Isabelle sabia reconhecer seus erros.

No fundo só queria alguém para conversar e desabafar. Não sabia há quantos dias estava presa em seu quarto, todas as janelas estavam trancadas, assim como a porta. Depois da quarta noite, Isabelle perdera as contas. O fato de não estar conseguindo dormir também não ajudava muito; sempre que fechava os olhos conseguia ouvir os estalos do chicote contra sua pele.

Estava, além de muito dolorida, humilhada. Evitava o espelho sabendo que parecia um fantasma, não escovava ou prendia seus cabelos, nem ao menos conseguia usar algo que não fosse camisolas. Maryse também a punira à sua maneira: as criadas tinham que ser manter caladas ao redor de Isabelle quando a ajudavam no banho e com os curativos. E a menina não comia uma refeição completa ao que pareciam ser anos. Os olhos estavam fundos pela falta de sono e as costelas começaram a aparecer sob a pele maltratada.

No fundo, sabia que tinha tido sorte. Todo o espancamento e tratamento de silêncio tinham sido horríveis, todavia poderia ser bem pior. Estava viva, ainda que debilitada; não tinha sido jogada para fora de casa como uma pária; estavam tratando de seus ferimentos e a alimentando, mesmo que precariamente. Não sabia o que tinham feito com Meliorn ainda, mas com certeza ela estava sendo muito mais bem tratada que ele.

Ainda assim, sentia um vazio tão grande dentro de si que precisava compartilhar com alguém. Provavelmente a carta nunca chegaria a Meliorn, mas ela tinha que escrever. Não havia ninguém que a conhecesse melhor.

Foi aí que a ficha da Lightwood caiu, a razão pela qual não conseguia escrever para Meliorn. Não era com ele que ela queria falar.

Querido Alec, começou, finalmente sentindo que estava fazendo algo certo.

Não sei se algum dia chegará a receber esta carta, tampouco se eu a enviarei. Não sei onde estás agora, o que não facilita muito, também. Espero que estejas feliz, você e sua companhia. Há muito que não nos correspondemos e, sinceramente, sinto mais sua falta agora que nesse ano que se passou desde que foste embora. Max não fala sobre sua partida, mas ele está mais recluso agora. Ele também sente sua falta.

Aconteceu um pequeno infortúnio. Lembra-se de Meliorn, o jardineiro de nossa família? Pois bem, eu e ele vínhamos nos encontrando em segredo há algum tempo e, há alguns dias, nossos pais descobriram. No meu baile de debutante – que eu já odiava antes da confusão –, Aline, nossa prima, foi muito solidária e companheira ao gritar para todo o baile quando nos vira. Não leve-me a mal, gosto de Aline, porém tenho que matá-la.

Isso se eu não for morta antes.

Isabelle largou a pena por um instante, coçando as têmporas em sinal de cansaço. Todas as imagens vinham em sua cabeça de novo, assombrando-a.

Depois do choque causado pelo grito de Aline, tudo ficou muito confuso. Robert avançou furiosamente na direção dos dois, agarrando-os e arrastando-os até o meio do salão, empurrando qualquer pessoa que estivesse no meio do caminho. Foi aí que Maryse saiu do estado de choque, gritando para os criados ajudarem os convidados a saírem mesmo que não quisessem mover um dedo para não perderem o espetáculo que era Robert jogando Meliorn no chão e gritando algo incoerente para o rapaz.

Isabelle fechou os olhos com força, os cabelos foram agarrados e ela foi arrastada pelas escadas até o seu quarto. Tudo eram gritos e dor. E então parou. Ela foi atirada para dentro e largada por lá enquanto seus pais lidavam com os convidados e sibilavam ordens para a criadagem.

Ela não conseguia pensar direito e demorou um pouco para perceber que estava chorando. Achou que eles a deixariam ali, sozinha para sempre. Assim, tirou o vestido que tanto amava e desfez o que restou penteado, massageando o couro cabeludo que latejava sob seus dedos e sentindo que perdera uns bons fios de cabelo. Isabelle chegou a conclusão que tudo sempre acabava em dor: Alexander fugira e Maxwell pensava que o irmão o abandonara. Ela tinha feito dezesseis anos e virado um pedaço de carne exposta, uma égua sangue puro.

Eu entendo porque fugiste, ela pegou a pena e continuou a escrever, juro que entendo, meu irmão. Nunca poderia odiá-lo por seguir seu coração e ser feliz com quem quer que fosse, mas preciso confessar que, agora, tudo o que tenho dentro de mim em relação a você é ressentimento. Nossos pais sempre foram complacentes com você, afinal, é o filho primogênito e homem. Por que não me levaste junto? Sabias que eu sofreria o dobro por causa de sua decisão.

Sei que disse que não me levara para não deixar Max sozinho, entretanto, ele também é homem – e creio que será um grande homem quando crescer, e não passou - nem passará – por tudo que estou passando e que passei nesse ano.

Lembrava-se como se fosse ontem o dia que Alexander fora embora. Ela tinha acabado de completar quinze anos e o dia tinha amanhecido meio cinzento, o que era incomum em Alicante, sempre ensolarada. Vendo posteriormente, talvez fosse um sinal de que o dia não seria bom.

Ela tinha caído de Hunter enquanto cavalgava de volta para casa e culpava o vestido que usava, ele era péssimo para qualquer coisa além de sentar e esperar pelo chá. De qualquer maneira, ela estava já dolorida do tombo que tomara e pretendia dar uma bronca em Alec, que prometera cavalgar com ela e não aparecera nas baias. Isabelle podia jurar que Jasper, o cavalo de Alec, tinha ficado chateado por não ir junto.

Isabelle entrou no casarão, tomando cuidado para limpar-se bem da terra que sujara seu vestido e para disfarçar a dor que sentia. Tomou um susto ao ver Maryse na sala principal, andando de um lado para o outro balançando o vestido azul intenso e roendo as unhas longas. A mais nova mordeu o interior da bochecha, não queria encontrar sua mãe, ela a faria se ajoelhar no milho para aprender a agir como uma dama.

Maryse pôs os olhos na menina e avançou em sua direção, sacudindo-a pelos ombros.

— Onde ele está, Isabelle? Onde ele está?

Ela finalmente enlouqueceu.

— Do que estás falando, minha mãe?

Maryse não respondeu, apenas a jogou para o lado, descartando-a como um vestido velho. Nesse momento, Robert desceu as escadas, os passos duros ecoando no chão de madeira escura. Ele estava vermelho e parecia furioso, ela percebeu enquanto ele ia em sua direção.

— Diga-me onde seu irmão se meteu.

— Alec não está em casa? — ela arregalou os olhos. O irmão andava estranho depois que se apaixonara, mas não parecia nada demais.

Ela não podia prever o tapa que levara do pai, que a fez despencar para o lado, o cabelo caindo pelo rosto, a marca vermelha da mão de Robert se formando em seu rosto delicado. Não que nunca tivesse apanhado ou sido castigada, porém fora a primeira vez que apanhara sem motivo nenhum.

— Não se faça de idiota, garota. Onde está Alexander, sua inútil?

Ela apanhou mais até Robert e Maryse decidirem que ela, de fato, não sabia onde o irmão estava. Depois ela achara o bilhete de despedida de Alexander que explicava o motivo de sua partida e seu coração se amoleceu. Perdoou o irmão.

Perdoou Alexander por todas as vezes que os pais descontavam nela a raiva que sentiam dele.

Max pergunta cada dia menos por você. Creio que nossos pais fizeram algum tipo de reversão no cérebro dele, porque a admiração que ele sentia pelo irmão mais velho se esvaiu. Tenho medo de estar na mesma situação que ele, Alec, apesar de papai ter um jeito diferente de me converter.

Não consigo deixar de pensar que, se estivesse naquele baile, nada disso teria acontecido. Eu não estaria na situação que me encontro, não teria sofrido como estou sofrendo.

Conseguia escutar os estalos do chicote especial do seu pai contra sua pele, rasgando-a aos pouco, ardendo como o fogo dos anjos. Ela contou até trinta chicotadas contra a pele nua, já que Maryse fizera questão de despi-la para que ela sentisse melhor. Depois da trigésima ela sentia tanta dor que tinha certeza que caiu na inconsciência, até despertar com a porta do quarto batendo atrás dela e deixando-a finalmente sozinha, jogada no chão, suja de sangue e banhada em lágrimas.

Espero que um dia nos vejamos novamente, irmão. Não sei o que vai acontecer comigo agora, se ainda serei permitida nessa casa, ou se serei enxotada como um animal indesejado. Não temos dúvida nenhuma que indesejada eu já sou. Não gosto da ideia de nunca mais vê-lo, Alec, então, se um dia chegar a ler essa carta, espero que venha.

Isabelle.

Isabelle largou a pena e dobrou a carta. A lareira estava acesa, era só queimar a carta e tudo estava bem. Só queria desabafar. No entanto, por alguma razão desconhecida, ela apenas guardou a carta entre umas de suas roupas de festa, onde dificilmente seria vista. Junto com o bilhete de Alexander.

(...)

Robert Lightwood raramente era pego desprevenido antes da fuga de Alexander; sempre fora um homem conciso, prático e direto. Contudo, depois de tal acontecimento, se descobria cada vez menos consciente das decisões tomadas ao seu redor, estava menos perspicaz e sentia que o poder passava por ele e escapava-lhe nos dedos. Isso o irritava e muito. Algumas vezes, porém, ser pego de surpresa tinha um efeito quase que contrário.

Esta exata situação a irritação não o arrebatou, apenas o chocou enquanto estava conferindo sua correspondência em seu escritório e encontrou a carta em caligrafia perfeita :

Caro Sr. Lightwood,

Gostaria de agradecer-lhe pela hospitalidade de sua família no baile de sua filha, como tão atenciosamente me convidaste. Estou ciente que o senhor considera o baile de debutante de sua filha um desastre em todos os aspectos, todavia, como um homem pleno de minhas faculdades e dono de uma visão atenta não pude deixar de reparar na beleza única da Srta. Lightwood em seu vestido carmesim.

Sendo assim, proponho ao senhor um acordo em troca da mão de sua filha em casamento.

Robert estava deleitado. Nunca imaginou que ainda restara algo de bom a respeito de Isabelle, não o suficiente para alguém querer desposá-la. A resposta foi imediata e, assim que assinou a carta, foi direto falar com a esposa sobre o milagre. Mantinha a feição séria de costume, mas Maryse podia ver nos olhos do marido um brilho novo.

— Marido, tens certeza disso? Sabe muito bem o que dizem deste homem e nossa filha nas mãos dele… Temo por Isabelle.

O brilho de Robert vacilou e a dureza quase tomou o lugar.

— Não me questione, mulher. Eu sei o que é melhor para essa família e para aquela ingrata. — Maryse assentiu e abaixou a cabeça. Como sempre fizera desde que se casara.

E assim os dias se passaram.

Isabelle não entendia o que estava acontecendo. A família estava a mesa, o jantar foi servido no horário costumeiro. Era a primeira refeição decente dela em mais de uma semana e sabia que, mesmo arrumada (camisa creme, saia e coletes pretos e frouxos, ela ainda estava com as feridas abertas), sua imagem mórbida assustava o pequeno Maxwell. Esse tipo de reação a fazia estremecer imaginando o que o garotinho pensava dela. Entretanto estava faminta! Lutava contra seu apetite para comer discreta e educadamente sob o olhar frio de Maryse.

— Isabelle, o que aconte…

— Maxwell — ralhou Maryse e o menino voltou a atenção para o prato — Sabes que não pode falar se não foste convidado para tal.

— Sinto muito, mamãe.

Seus pais estavam silenciosos e educados, além de terem permitido essa melhora no castigo da menina, sem motivo aparente. A jovem cogitava que aquela deveria ser sua última refeição e o silêncio era luto pela filha morta.

Adeus, Max.

Robert Lightwood pigarreou interrompendo os pensamentos da moça, chamando a atenção da família, que parou a refeição a espera do recado.

— Todos entendemos que o baile foi um desastre completo, graças a Isabelle. — A jovem sentia o olhar queimando sobre seu rosto. Não conseguia olhá-lo nos olhos, não depois que Alexander foi embora e ele descobriu o chicote, mesmo assim a vontade de revirar os olhos quase venceu. — Porém algo de bom saiu desta situação deplorável, um bom lorde compreendeu nossa situação e estendeu a mão para nos ajudar...

— Em troca da mão da nossa querida Isabelle. — completou Maryse sarcasticamente, gesticulando em direção a filha, que por pouco não derrubou os talheres com a surpresa.

Contate-me se for de seu interesse. E eu sei que será.

 Lorde Montgomery.


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Notas finais do capítulo

O que acharam???? Comentem a opinião de vocês.



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