Liberta-me escrita por Teddie, Jules


Capítulo 14
A mão do Diabo


Notas iniciais do capítulo

O capítulo não foi revisado. Nos avisem caso haja um erro muito grande.

Aproveitem.



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Agora vem você de novo
Você diz que quer a sua liberdade
Bem quem sou eu pra te manter para baixo?
— Fleetwood Mac


Isabelle estava nervosa. Nesse ponto, ela pensava que ela não sabia sentir mais nada além de nervosismo. Fazia quantos meses que ela estava morando na mansão? Três, cinco? Tirando alguns momentos de pânico ou calma, ela nunca sentia nada além de nervosismo e era exaustivo.

Para tentar acalmar os nervos, Isabelle estava bordando. Seus dedos estavam com leves furos e ela sabia que bordar em seu estado não era a melhor solução do mundo, mas como Jordan não estava disponível para ela treinar, ela tinha que se contentar em fazer desenhos medíocres no pano. Maxwell tinha feito companhia para ela até Helen chegar e ele ir embora resmungando sobre matemática. Isabelle não o julgava, ela também detestava quando as lições eram de matemática. Simon e Jordan estavam no escritório discutindo detalhes sobre uma futura viagem que eles fariam e sobre os detalhes da segurança deles no festival no vilarejo, que estava próximo.

Maia chegou por último, sorrindo delicadamente para variar, e se sentou ao lado de Isabelle, empurrando-a levemente. Isabelle sorriu sem mostrar os dentes, um pouco aliviada pela amiga estar ao seu lado.

— O grande lorde negociante lhe deu uma folga, Isabelle? — A jovem governanta sorriu, analisando o trabalho de Isabelle no xale em seu colo. A Lightwood detestou o sarcasmo na voz da governanta ao citar o título de Simon, sabendo da aversão do rapaz ao título que herdara.

Isabelle tentava ao máximo respeitar o título de Simon, usando para destacar o homem de poder que ele de fato era e tentava esconder. No início ela não conseguia assimilar muito bem Simon como aquele homem, contudo, agora ela conseguia e queria que ele se visse da maneira com o qual ela o via.

— Algo parecido... — Respondeu a Maia, não fazendo questão de esconder a sua reação a pergunta, mas também não querendo aprofundar o assunto.. — Maia, em algum momento... — Isabelle hesitou, não sabendo exatamente como fazer a pergunta. — Em algum momento de sua história com o lorde você imaginou que vocês pudessem ter algo? Ou ele pensou que vocês pudessem ter algo? Que talvez vocês dois....

 Ela não concluiu o pensamento, de repente muito mais desconfortável com a ideia do que antes. Ela estranho, quase doloroso, imaginar Simon e Maia juntos, não só porque Maia e Jordan eram perfeitos um para o outro, mas também porque, no fundo de sua mente, Isabelle não queria imaginar Simon com ninguém.

Com ninguém além dela.

— Sim — a resposta honesta de Maia a pegou de surpresa. Ela esperava que sua amiga fosse negar — Simon foi mais importante para mim do que eu vou ser capaz de expressar, e não acho que isso vá mudar algum dia, mas no fim, ele não era o que eu precisava e eu muito menos para ele. É muito fácil confundir amor com gratidão, Isabelle.

— Certo — Isabelle disse, sem saber exatamente o que responder, sua mente revirando todas as hipóteses e ideias e um turbilhão de pensamentos que ela não conseguia controlar.

— Eu não acho que esse seja o caso aqui — Maia acrescentou, como se pudesse ver a cabeça de Isabelle trabalhando.

— Não sei do que está falando.

Maia suspirou e desfez um dos nós de seus cachos.

— Claro que não — a dama de companhia se levantou — Tenho alguns afazeres. Tente não pensar muito, às vezes eu acho que é tudo que você faz. A solução pode ser mais fácil se você simplesmente parar de pensar sobre o assunto.

Ela não esperou pela resposta de Isabelle e entrou para a casa, deixando a Lightwood sozinha na varanda com o novo bordado horroroso que ela estava trabalhando muito para melhorar.

Maia não estava completamente errada, Isabelle parou para analisar. Em toda sua vida, Isabelle tinha sido movida por impulsos, e isso custou a ela mais do que ela podia aguentar. Desde o fiasco com Meliorn no baile, a surra que levara e a ida para a mansão, ela tinha entrado em um acordo silencioso de que ela pararia de ser impulsiva, que ela pensaria sobre as coisas antes de agir e estragar tudo. Ela sabia que era o melhor a ser feito.

Porém Isabelle estava ficando cansada de tanto pensar.

Simon despertava em Isabelle coisas que ela nem sabia que ela conseguia sentir, ele era a luz no meio do túnel e ela tinha certeza que, ao contrário de Maia, ela não estava confundindo os sentimentos, não estava tão grata ao ponto de achar que ela estava apaixonada por ele. Ela tinha os mais puros e genuínos sentimentos por Simon e isso a assustava de maneira absurda. Ainda assim, a ideia de casamento e se ajustar para acompanhar a vida de Simon a deixava desconfortável.

Agora Meliorn… Meliorn sempre foi seu porto seguro. Quando Alexander a deixou, Meliorn foi a única pessoa que a manteve sã em meio aos abusos de seus pais. Ele cuidou dela e a fez se sentir querida e apreciada. O plano de fugir com ele foi o que a motivou a muitas coisas. Enquanto Simon era a luz no meio do túnel, Meliorn estava no fim dele, esperando que ela parasse de indecisão e fosse ser feliz com ele. Meliorn sempre soube o que era o melhor para ela.

Isabelle ignorou a voz em sua cabeça que dizia que ela só seria feliz se estivesse com Simon, que o melhor para ela era o homem de cabelos castanhos e olhar doce no andar de cima.

Quinze dias. Ela tinha quinze dias para se decidir.

— Senhorita Lightwood? — a voz masculina a desconcertou e ela sentiu a agulha a espetando mais uma vez. Bufando, ela largou o bordado de lado e olhou para ver de onde a voz vinha, se deparando com Eric.

— Pois não?

— Eu acabei de entregar o correio. Chegou uma carta para a senhorita — ele estendeu o envelope para Isabelle, que o olhava como se fosse uma doença contagiosa.

Ela não tinha amigos, quem poderia ter escrito a ela? Sua mente foi imediatamente para seus pais, um arrepio frio lhe subiu a espinha, porém ela se forçou a esquecer isso. Robert e Maryse não tinham coragem para escrever para ela depois do que tinha acontecido.

— Obrigada, Eric — ele assentiu enquanto ela pegava a carta e se retirou em direção aos estábulos.

Isabelle franziu o cenho para a caligrafia afiada e perfeitamente desenhada com seu  nome escrito e abriu o envelope, também não reconhecendo selo que o lacrava.

Enquanto ela lia o conteúdo da carta, seus olhos foram se arregalando e por um momento ela tinha certeza que não conseguia respirar, cada palavra sendo uma facada e um choque nela. Ela segurava o papel com tanta força que ele podia ter se rasgado.

Isabelle ia matar Simon Lovelace.

Ela se levantou abruptamente, batendo a porta de casa com força ao entrar. Maia apareceu no hall ao ouvir o barulho, mas até mesmo ela, que não tinha filtro, podia ver que Isabelle estava transtornada. Ela subiu as escadas batendo os pés com força em cada degrau e fazendo questão de que sua presença fosse notada, queria que Simon soubesse que deveria parar o que fosse que estivesse fazendo e ouvisse sua morte chegando.

O som da porta sendo bruscamente aberta assustou Jordan, que pulou da cadeira onde estava e segurou a espada que costumava carregar, pronto para defender seu patrão e amigo. Simon apenas tirou os olhos do papel que lia e focou nela, um pouco irritado, mas sorrindo docemente, como ele costumava fazer com ela.

Dessa vez não funcionaria.

Nunca ninguém foi capaz de abalar tão intensamente meu coração e meu corpo. Você me tocou como se eu fosse um dos instrumentos, com absoluta maestria. —  Isabelle clamava como um trovador, para toda a mansão ouvir os absurdos da carta.

— Entendi, está na minha hora — Jordan falou, se levantando e passando por Isabelle, hesitando ao receber o olhar da Lightwood — Ouvi Maia me chamando, até mais tarde.

Jordan bateu a porta atrás dela e Isabelle se voltou para Simon

— Olhe Simon! Parece que a sua correspondência veio endereçada a mim! —  A voz saturada com sarcasmo. Isabelle sentia como se seu coração fosse abrir um buraco no peito de tanto bater.

Simon assentiu uma  vez, o sorriso já tinha saído de seu rosto.

— Eu percebi. Eu recebi a que foi endereçada a você. Lady Belcourt estava muito chateada com o fato de não ter sido convidada para seu chá.

— Eu sei. — ela levantou a carta e leu mais um trecho — Recentemente fui informada da pequena festa que a Srta Lightwood organizou na mansão, feriu imensamente meus sentimentos saber que não fui convidada á uma festa em um dos meus lugares favoritos do mundo e que fui negada de sua presença ilustre. Realmente, Simon, ela estava muito incomodada.

Simon manteve a calma, o que irritou Isabelle ainda mais. Como ele não via que Camille claramente tinha pensado naquilo? Que ela tinha enviado as cartas de propósito para causar intriga entre os dois? Como ele teve a coragem de… de se deitar com aquela viúva-negra? De olhar para Isabelle como se o mundo fosse dela e tocar aquela imunda?

— Isabelle, acho que você está um pouco precipitada. Sente-se, vamos conversar.

— Não temos nada para conversar se você só vai defender aquela... meretriz! Como pode fazer isso, Simon?

 — Eu sinceramente não sei do que está falando, Isabelle.

—Permita-me refrescar a sua memória, meu lorde. — A jovem prosseguiu o seu ato, levantando dramáticamente a carta a frente de seu rosto, clamando —  Querido Simon,

     Recentemente fui informada da pequena festa que a Srta Lightwood organizou na mansão, feriu imensamente meus sentimentos saber que não fui convidada á uma festa em um dos meus lugares favoritos do mundo e que fui negada de sua presença ilustre.

     Mesmo sabendo de nosso fim inesperado, é uma missão digna de deuses arrancar esses sentimentos tão enraizados em meu ser. Nunca ninguém foi capaz de abalar tão intensamente meu coração e meu corpo. Você me tocou como se eu fosse um dos instrumentos, com absoluta maestria.

     Sonho acordada com nossas noites calorosas de verão, nos entrelaçando em seus lençóis vermelhos. Oh lorde, não consigo me livrar dessas memórias e minha alma anseia por suas carícias, ou mesmo suas doces punições, já tentei de todas as maneiras apagar essa chama ardendo dentro de mim, mas meu corpo clama por Lorde Montgomery.

       Nada pode substituir o toque de suas mãos calejadas sobre a minha pele ou a pressão das mesmas em meu pescoço, nem mesmo os mais apertados espartilhos me tiram o ar como você tirou tantas vezes em seu escritório, os pés de sua mesa ainda devem ter as marcas das algemas assim como os postes de minha cama ainda tem as marcas da fivela do seu cinto de quando você estava nervoso demais para acertar a mira.

     Lembra-se meu amor? Sinto sua falta, espero notícias suas em breve.

Para sempre sua,

Camille Belcourt

Isabelle jogou a carta na direção de Simon como se a tivesse queimado, limpou as mãos nas saias, se afastando do jovem lorde.

— Eu não consigo acreditar! Nós- nós trabalhamos nessa mesma mesa! Eu me debrucei … Ugh, eu nunca estive tão enojada. — ela abaixou os olhos para os pés da mesa, que exibiram marcas de desgaste, mas que agora tinham um novo contexto — Se bem que Camille Belcourt também, não é mesmo?

— Não foi isso que aconteceu.— Ele disse calmamente, suspirando, estava começando a se incomodar com aquela conversa e com a postura da jovem.

— Então você nega? — Ela odiava o quão esperançosa a sua voz soava, mas ao mesmo tempo sua mente clamava por favor, por favor, por favor.   

— Não — ele suspirou novamente — Eu e ela, nós tivemos um envolvimento, mas não chega nem perto do que está descrito nesta carta.

Um nó se formou no peito da jovem, doía como se tivesse levado um dos empurrões de Maryse, ela não sabia o que dizer, sentia-se profundamente traída. Sua parte racional dizia que era sem motivo, que ela tinha Meliorn e que não importava com quem Simon se deitava ou deixava de se deitar. No entanto, a maior parte, a parte que já tinha aceitado que estava apaixonada por aquele homem, sentia um buraco se abrindo em seu peito e se juntando com todas as outras decepções que ela tinha sobre os homens, mas que Simon sempre esteve acima.

— É verdade...você é mesmo o Lorde Montgomery, rodeado de concubinas, se deixando levar por qualquer rabo de saia, até mesmo o da famosa viúva-negra, não consigo entender.

— Isabelle — ele começou, mas ela o interrompeu.

— E vocês bem que combinam mesmo. Faz sentido, aquela rebaixada se enfiando dentro desta casa como se fosse dela, dando ordens para os criados. Por que você não pediu ela casamento, Simon? — Simon estava de olhos fechados, se concentrando em algo, lentamente se acalmando.

— Isabelle — ele tentou novamente.

— Você é um falso, Simon Lovelace. Falso e mentiroso e manipulador.

Algo pareceu mudar dentro de Simon, e Isabelle percebeu na hora. Se antes ele parecia complacente e tentando acalmá-la, agora ele exibia uma fúria fria em seu rosto.

Isabelle conhecia várias faces de Simon, o músico, o menino gentil, o homem de negócios e o vulnerável. Aquele Simon contido e furioso era totalmente novo e a assustava um pouco, se ela fosse honesta consigo mesma. Nunca pensou que ele pudesse ter um lado que a lembrasse tanto dos outros homens que conhecia.

Ele se levantou calmamente e foi em direção à estante pegando uma caixa de uma das prateleiras mais altas, era quase um bloco de madeira adornado com frésias, umas talhadas na madeira, outras de bronze, a tampa densa e surpreendentemente sem nenhum tipo de tranca aparente, não era muito maior do que uma caixa de charutos. Isabelle franziu o cenho para a aleatoriedade do ato. Ele pôs a caixa em cima da maldita mesa e a abriu. Isabelle sentia como se aquela fosse a caixa de Pandora e todas as coisas ruins do mundo fossem ser libertas.

Minha bela dama — ele leu um pedaço de papel que tirou da caixa. O sangue de Isabelle gelou — Desculpe pelas minhas ações anteriores. Espero por você amanhã.

— O que é isso? — ela perguntou, mas ele a ignorou da mesma maneira que ela tinha feito.

Ele puxou outro bilhete:

Sinto sua falta. Sinto falta de seus beijos e conto os minutos para nos encontrarmos, sei que você também. Meliorn — Simon olhou para Isabelle e deu um sorriso que mostrava todos os dentes — Esse foi difícil de ler, eu não entendo a caligrafia dele direito.

Isabelle sentiu a fúria aumentar, principalmente porque Simon estava zombando de Meliorn. Menosprezando a pessoa que era mais importante para ela. A única pessoa que se importava com o que ela queria.

— Eu não sei do que você está falando — ela tentou desconversar.

Quando ela tinha passado a ser a pessoa julgada? Quando que a culpa dele passou a ser dela no lugar? Simon não tinha direito nenhum de inverter a situação. De jogar Meliorn na discussão como se ele tivesse a ver algo com isso. Era quase como se ele estivesse colocando Meliorn no mesmo patamar que Camille e Meliorn era muito, muito melhor que aquela mulher.

— Isabelle! — ele bateu com os punhos na mesa e Isabelle odiou como seu corpo reagiu e ela se encolheu de medo. Ele pareceu notar e respirou fundo — Que tipo de imbecil você acha que eu sou? Você acha que pode ter um amante, escondê-lo dentro das minhas terras e eu não saberia de nada? Você me diminui a esse ponto?

— É injusto o que você está fazendo, Simon — ela disse engolindo em seco.

—  E me insultar dentro de minha casa é justo? Não me ouvir e tirar suas conclusões é? Seus conceitos de justiça estão um pouco distorcidos. 

— Você não entende e nunca vai entender minha situação.

E ele não iria mesmo. Simon podia ter tido experiências ruins, mas nada se comparava ao que ela tinha passado. Nada se comparava às torturas que ela tinha sofrido nas mãos dos pais, Simon tinha tido seu tio e sua irmã, ele tinha tido amor. A única vez que ela experimentou algo próximo a isso foi quando Meliorn cuidou dela, quando ele tinha dado a ela um pouco de afeto que ela tanto ansiava. Simon tinha tudo, tinha amigos, tinha dinheiro, tinha amor, tinha mulheres. Mulher.

— E você nunca me deu a chance de entender, Isabelle. O que você esperava? — Simon parecia cansado.

— Como eu poderia? — Isabelle deixou sua voz pingar veneno — Você está sempre ocupado com alguém, tem muitas mulheres para entender: Maia, Camille ou Clarissa. Você tem uma para sua mente, uma para o corpo e uma para o coração, Simon. Eu venho por último em todas as suas prioridades.

— Você não tem noção do quão errada você está. — ele suspirou. — Nenhuma dessas moças me pertence, assim como não as pertenço.

— Não me interessa quem tens ou quem deixa de ter. O que me interessa é você tentando fazer isso comigo.

— Isabelle...

— Não pense que sou como Camille Belcourt, eu não sou seu violoncelo que você pode forçar a fazer o som que você quer. — Isabelle gritou, cortando a explicação de Simon.

—  Você é maluca? — ele gritou no mesmo tom — Isabelle, em momento algum eu sequer pensei em controlar sua vida. Desde que eu te tirei da casa dos seus pais eu não fiz nada além de te dar espaço suficiente para você fazer o que quisesse. Inclusive manter esse amante. Se você acha que que não é o bastante, ou que você está presa dentro dessa casa, você pode pegar suas coisas e ir embora. Você é livre para isso também.

Isabelle não esperou, ela deu meia volta e cruzou a porta do escritório dele, saindo com a mesma fúria com que ela entrou. Passou como um furacão pela casa, mal ouvindo a voz de seu irmão e Maia chamando por ela com voz urgente.

Ela marchou para fora dos portões, cada passo pela estrada marcava a vontade dela de gritar mais com Simon, de fazê-lo se sentir tão mal quanto ela se sentia.

Isabelle só notou que tinha saído sem Hunter quando já estava quase no vilarejo, as pernas começando a tremer de exaustão.

— Droga — ela resmungou, engolindo um soluço.

Ela aproveitou o tempo para remoer seus rancores. Fungando as lágrimas de raiva que queriam cair, mas que ela se recusava, pois não iria dar o prazer àqueles dois.

A verdade era que nenhum homem a enfurecia como Simon. Como um homem tão esperto conseguia ser tão estúpido ao ponto de continuar se envolvendo com uma pessoa horrível como Camille Belcourt?

Por que ele dava sinais de que gostava de Isabelle se no fim ele não faria nada? Por que ele a enganava e se enganava daquela maneira?

E não era apenas Camille. Camille era apenas uma a esquentar sua cama. Havia Clarissa também a se considerar. Aquela ruiva desmiliguida que tinha a audácia de se considerar melhor amiga dele e incentivava sentimentos vazios e ele, como o bom homem imbecil que era, se deixava levar e fazia aquela cara de paspalho toda vez que ela estava no ambiente.

Enquanto com ela…

Eu não vou mais me importar, ela se decidiu. Eu não me importo mais. Eu tenho Meliorn.

Ela chegou ao seu destino depois do que pareceram horas de caminhada. O Sol indicava que em breve começaria a se pôr. Ela olhou no entorno para ver se ninguém, apenas para se lembrar que não era mais segredo para Simon - nunca tinha sido, ela pensou amargamente - que Meliorn vivia ali.

Ela mal se importou em bater na porta empenada do casebre, empurrando-a com força e dando de cara com Meliorn bebendo vinho e lendo um livro, a bíblia, ela percebeu. A cena era tão estranha a ela que ela quase se distraiu de sua raiva. Quase.

— Ele é o homem mais estúpido que eu conheço — ela disse em um rompante. Talvez ela ainda se importasse.

— Quem? — Meliorn perguntou com indiferença, fechando a bíblia e dando um gole grande na garrafa de vinho.

— Simon. Lorde Montgomery — ela se corrigiu quando percebeu o olhar confuso do moreno.

Meliorn riu e deu mais um gole. Isabelle costumava gostar da risada de Meliorn, mas agora ela percebia, ela tinha sempre sido seca e sarcástica?

— Eu fico feliz que finalmente tenha percebido que ele não é boa influência para você. Ele tem enchido sua cabeça de bobagens e eu fiquei com medo de que te tivesse te perdido para sempre. Você já está terminando de arrumar suas coisas para irmos embora?

Ela assentiu distraidamente, ainda sem prestar muita atenção em Meliorn, estava muito mais preocupada em falar sobre as atitudes inaceitáveis de Simon.

— Sim, mas não importa. Lorde Montgomery fica o dia inteiro dentro daquele escritório mandando em Deus e o mundo e acha que pode fazer o mesmo comigo.

— E isso vai acabar, vamos ser só eu e você. — ele concordou com ela. Ela fungou e continuou:

— Lorde Montgomery sabe sobre nós dois. Ele fez questão de jogar na minha cara nosso relacionamento como se ele tivesse direito de me criticar em alguma coisa.— A jovem gesticulava intensamente, apontando o dedo delicado para o nada.

— Isso é bom. Não temos mais que esconder nada dele.

Isabelle arregalou os olhos. Como Simon saber de seu romance era algo bom? Como Meliorn não conseguia ver a tragédia que isso era? Será que, assim como Simon, ele também tinha enlouquecido?

— E ele fica se encontrando com aquela ordinária da Camille Belcourt, você tem noção disso?

Meliorn franziu o cenho. Isabelle não entendeu a confusão dele, ela estava sendo clara o suficiente.

— Isabelle, eu não vejo isso como sendo algo relevante.

— Claro que é. Ele não tem consideração por mim. Ele não liga se serei vista como chacota por ele ter uma amante.

— Isabelle quem se importa? Não é como se você fosse noiva dele de verdade.

— Mas eu sou noiva dele de verdade! — seus olhos e de Meliorn se arregalaram assim que as palavras saíram de sua boca. O que mais a chocou era que eram verdadeiras.

Ela queria ser noiva de verdade de Simon. Ela queria ter um relacionamento com ele. Ela queria tocá-lo e ser tocada por ele. Ela queria manter a família que ela tinha acabado de formar no vilarejo e na mansão. Ela queria que ele parasse de focar em todas aquelas mulheres e focasse nela.

— Meliorn... — ela começou, tentando corrigir o que ela tinha acabado de dizer, de negar, mas foi interrompida pela súbita dor em sua face, tirando o equilíbrio da jovem, que caiu de joelhos no chão.

Isabelle não teve controle sobre as lágrimas que brotaram em seus olhos, já escorrendo pelo rosto, uma dor profunda surgiu em seu peito, choque e traição se misturando em sua expressão. Meliorn abaixou o braço, não parecendo arrependido ou chocado dos seus atos. Pelo contrário, Isabelle percebeu. Ele exibia uma calma e parecia condescendente.

— Viu o que me fez fazer? — Meliorn fungou, cruzando os braços — Minha bela, na primeira oportunidade você se enfiou naquela casa e se rendeu àquele homem como se fosse uma vagabunda. Eu precisava te disciplinar, te mostrar que você não é absolutamente nada dele. Você é minha, Isabelle.

Isabelle se levantou com o máximo de dignidade que conseguiu, a mão ainda no lado do rosto que Meliorn bateu, como se o seu toque fosse parar a ardência e a dor que ela sentia. Ela também respirava com dificuldade entre os soluços e as poucas lágrimas que deixava escorrer. Sabia que se deixasse Robert ver seu choro só iria piorar tudo… mas não era Robert desta vez, era Meliorn.

— Nunca mais... — ela não conseguiu terminar, não tinha fôlego, nem voz para expressar o que ela queria. Nunca mais você vai encostar em mim. Eu nunca mais quero te ver.

— Agora, não é necessário esse drama, Isabelle.

 Ele esticou a mão para acariciá-la, mas ela desviou do toque. Uma corrente elétrica correndo por todo o seu corpo. Não toque em mim, nunca mais você vai tocar em mim, ela tentou dizer, ainda sem conseguir.

Isabelle deu meia volta, dando as costas para Meliorn e saindo do casebre, ignorando que ele gritava por ela. Ela ouviu ele indo atrás dela e correu com todas as suas forças. Como ela queria que Hunter estivesse ali com ela. Ela acelerou mesmo quando ouviu um tropeço e um palavrão atrás dela e agradeceu por ele estar bêbado.

 Ela só parou quando chegou ao centro do vilarejo, já quase vazio por conta do horário, seus pés doíam intensamente e parecia que seu coração tinha se expandido para todo o seu corpo, sentia o pulsar nas palmas das mãos, nas têmporas, nas solas dos pés e começou a acreditar que estava encolhendo, por isso seu coração estava tão grande, era a única explicação.

 Respirando fundo, a jovem lembrou-se de uma sombra em um sonho que lhe dissera para contar as coisas que podia ver. Cinco, ela podia achar cinco coisas. 

A Lua.

As estrelas.

A casa mais próxima.

Dois Cavalos.

A estrada que seguia para a mansão.

— Lady Montgomery, a senhora está bem? — ela ouviu alguém chamá-la e levantou os olhos, encontrando um menino não mais que dois anos mais velho que Maxwell.

— Estou sim, obrigada — ela soltou o ar devagar, ainda sentindo os efeitos de seu mal estar. O menino ainda a olhava e parecia solicito — Na verdade, sabe de alguém que pode me levar até minha casa? Já está deveras tarde e não é seguro ou apropriado que eu continue a pé.

Os olhos do menino se iluminaram com a perspectiva de ajudar algum Montgomery.

— Meu pai tem uma carroça, milady, ele vai adorar ajudar. Vamos!

Ela o seguiu, tentando acompanhar os passos rápidos do menino. Ela estava exausta, o corpo parecia pesar na mesma proporção que a distância diminuía, perdia o foco com facilidade, entrando no turbilhão de mágoa que ainda crescia dentro da cabeça dela, a única coisa capaz de distraí-la era a memória da voz calma do homem que lhe ajudara naquela noite sombria na mansão.

Excelente, belle Isabelle. Bons sonhos…

Ela respirou fundo, contando quatro coisas que podia tocar, finalmente soltando as mãos da tábua que servia de assento na carroça. Os portões da mansão já estavam à vista, Isabelle batia os pés no chão ritmicamente, logo já conseguia contar as três coisas que podia ouvir, incluindo o som dos portões sendo abertos.

A jovem viu os últimos guardas e empregados seguindo para suas casas, Isabelle contou as duas coisas que podia cheirar. Desceu carroça antes mesmo dos cavalos pararem completamente, as pernas tremiam e não se moviam tão rápido quanto Isabelle precisava, agradeceu o menino rapidamente, entregando uma quantia qualquer de moedas.

Abrira a porta de qualquer jeito, não conseguia respirar direito, tinha um objetivo.

Última pergunta, Isabelle. Depois poderá descansar, certo?  

Subiu as escadas, torcendo para o som do violoncelo, se decepcionando por escutar apenas o silêncio. Seguiu então para os aposentos do lorde, imaginando que Simon já tivesse ido se deitar. Ela precisava achá-lo.

Isabelle não parou na porta para bater, ela abriu sem hesitação como geralmente fazia com Simon. Ela parou quando se deparou com a cena de frente a ela.

Simon estava na banheira de madeira, parecia quase dormir com a cabeça recostada na borda, ao se aproximar a jovem finalmente reparou a nudez do rapaz a sua frente, arfando e cobrindo o rosto em choque, sentiu as bochechas se aquecerem e sabia que deveria sair dali, dar privacidade a Simon, mas não conseguia desviar o olhar dos ombros largos, e o peitoral molhado. O olhar da jovem seguiu sua trilha quando o pudor de Isabelle a impediu de olhar além do umbigo do rapaz.

A jovem tentou se afastar, esbarrando na cama em seu trajeto, chamando a atenção do jovem lorde.

— Isabelle o que está fazendo aqui? O que é isso em seu rosto? — Ele segurava a borda da banheira, tentando se cobriu ou talvez querendo se aproximar de Isabelle.

A jovem tocou o lado esquerdo de sua face, que ainda ardia levemente, tentou abaixar o rosto e esconder-se atrás de seus longos cabelos negros. Ignorando a pergunta, a donzela prestou mais atenção no rapaz, tinha mais tempo ali do que quando mergulharam no lago, reparando em todos os detalhes em sua pele. Principalmente suas cicatrizes.

Mais cedo, Isabelle tinha dito que ele não a entendia. Agora ela repensava se ele não a compreendia de maneira diferente.

— Suas cicatrizes — Isabelle disse em voz baixa, quase em um sopro de voz. Suas mãos atrevidas percorreram delicadamente toda a extensão do ombro esquerdo até a sua mão apertando-a suavemente. O jovem soltou um suspiro, toda a região era rosada e enrugada: cicatrizes de queimaduras antigas que abrigavam mais dor do que ela podia sequer imaginar — Elas combinam com as minhas, meu lorde — sussurrou em seu ouvido, admirando com satisfação o fato do lorde ter se arrepiado.

Ela continuou a acariciá-lo, levantando-se devagar para ensaboar seu peitoral. Isabelle se curvou por cima de Simon, seus cabelos negros formando uma cortina que os separava do resto do mundo, esquecendo-se de cobrir a marca em sua face. Isabele quase sentia a bolha se formando, criando um universo só deles.

Seus olhos se encontraram por um instante. As obsidianas de Isabelle e os chocolates derretidos de Simon. Os olhos que não mais aterrorizavam seus pesadelos, mas que agora integravam seus sonhos. Suas respirações se misturavam à medida que ela se aproximava dele e eles respiravam o mesmo ar.

Os lábios de Simon, entreabertos, estavam vulneráveis e convidativos, chamando Isabelle a colar os dela aos dele.

Essa é fácil, diga-me apenas uma coisa que você pode saborear.

E foi o que Isabelle Lightwood fez, dando ínicio a um beijo, esquecendo-se de tudo, menos do sabor dos lábios de Simon.


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Notas finais do capítulo

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