Liberta-me escrita por Teddie, Jules


Capítulo 11
Segundas opções


Notas iniciais do capítulo

Jules: sem desculpas dessa vez, atrasamos mesmo. Mas esperamos que gostem!

Teddie: o que ela disse. Perdão pelo vacilo!

Não respondemos os comentários, mas lemos todos e agradecemos muito pelo carinho (pretendemos responder tudo, de verdade!)

Capítulo dedicado a Sherazade, que foi uma pessoa maravilhosa recomendando a fanfic!

Aproveitem o capítulo.



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O tempo está chegando
Está chegando logo
Eu sinto isso em meus ossos, eu sinto isso em meus sapatos.
Eu estava perdida, mas agora me encontrei.
E todos meus problemas estão se transformando.
— Susie Suh

 

Isabelle puxou as rédeas de Hunter, parando-o. Ele parecia irritado por estar ali, mas Isabelle não o culpava: da última vez que ela estivera no esconderijo de Meliorn, ela tinha ido embora de supetão e seu cavalo tinha sido o maior prejudicado. Além disso, Isabelle tinha certeza que Hunter genuinamente detestava seu amante.

— Meliorn — ela bateu na porta levemente, tentando não chamar atenção. Por mais que ele vivesse em um lugar isolado, cautela nunca era demais — Meliorn, abra a porta, por favor.

Ela ouviu movimento do lado de dentro e a porta abriu em um supetão, revelando Meliorn. Ele parecia mal: estava mais magro, os ossos da maçã do rosto proeminentes; suas roupas estavam largas, sujas e rasgadas; seus cabelos longos estavam sujos e quebradiços e seus olhos estavam fundos e com olheiras enormes. Ah, Meliorn...

Seu coração se encheu de culpa. Enquanto ela estava se fartando de boa comida e boas roupas, cheia de conforto dentro de uma mansão, Meliorn estava naquele buraco passando todo tipo de necessidade – e tudo isso por causa de uma briga que ela instigara.

Isabelle esqueceu tudo e pulou nos braços dele, apertando-o em um abraço, sentindo o quão magro o jovem estava. Ela tentou transmitir a saudade que sentia e o carinho que tinha por ele. Justamente por isso que ela sentiu suas estruturas se abalarem quando ele não retribuiu. Isabelle o soltou, olhando-o confusa; ele parecia furioso.

— O que aconteceu? — ela perguntou.

— O que aconteceu? — ele ironizou — Isabelle, eu estou aqui há semanas comendo o pão que o diabo amassou sendo ignorado por estupidez sua enquanto você fica no luxo daquele lorde miserável.

— Não é bem assim, Meliorn — ela disse em voz baixa, sabendo que era verdade, sim.

— Não?! Isabelle, olhe suas roupas, seus calçados. Ele está te transformando em uma deles e você gosta disso. Antes de você vir para cá éramos nós dois contra todo mundo e agora tudo que fazemos é brigar e a culpa é toda sua!

— Eu sei que errei e quero me desculpar. T-trouxe isso pra você. — não era culpa de Isabelle sua voz lhe faltar, também não era culpa da jovem o arrepio que lhe corria a espinha, era resultado da criação de Robert Lightwood.

Isabelle estendeu o braço timidamente, mostrando a cesta cheia de frutas, queijos e uma garrafa de vinho que tinha pegado na mansão bem cedo naquela manhã; Maia, nem Simon reparariam no sumiço devido à fartura da dispensa. Meliorn tomou a cesta com força, colocando-a sobre a mesa com a madeira podre atrás dele.

— Pelo menos algo de bom saiu deste seu “noivado”— ele cuspiu, arrancando a rolha da garrafa com a boca e tomando um longo gole. — E não é que o velhote sabe escolher vinhos?! Se bem, com a fortuna dele ele pode comprar o que ele quiser, comprou você.

— Meliorn, eu... — ela deixou a voz morrer, sentindo-se cada vez mais desnorteada. Um nó se formando no peito, nunca imaginara que Meliorn podia intimidá-la tanto.

— Ah! Onde estão minhas maneiras?— ele continuou, guiando Isabelle porta a fora. — Muitíssimo obrigado, milady.

E com uma reverência torta Meliorn terminou a conversa, batendo a porta com força a meros centímetros do rosto de Isabelle, que foi automaticamente até Hunter, montando e voltando para casa.

O caminho de volta foi lento e dolorido, Isabelle reconheceu uma sensação que não experimentara em semanas, sentiu-se diminuta comparada a Meliorn, ao mundo. Não era um sentimento apreciado pela jovem. Ao mesmo tempo em que ela ficava com raiva – ela estava começando a se acostumar a ter pessoas perto dela que não eram nada além de gentis com ela, ela não conseguia deixar de pensar que ele estava certo.

Meliorn e o futuro dos dois sempre fora uma prioridade em sua vida junto com seu irmão, e na primeira oportunidade ela simplesmente esqueceu tudo e deixou Meliorn abandonado. Eles brigaram por culpa dela e somente dela. Amanhã, ela decidiu, iria até lá de novo e iria pedir desculpas de novo. Dessa vez ele a perdoaria, hoje, ela não merecera mesmo.

Ela só notou que tinha chegado em casa quando Hunter parou, quase a derrubando. Ela desceu ainda chateada com o ato do animal, quando a carruagem em sua frente mudou toda sua linha de pensamentos.

Isabelle jurou que se fosse Camille Belcourt ia matar Simon naquela mesma hora. Jordan ia passando com algumas malas e ela mal deu atenção a Eric, que vinha buscar Hunter.

— Jordan. Jordan Kyle, venha aqui agora.

Jordan arqueou a sobrancelha, desacostumado a ouvir ordens de Isabelle e foi até ela despreocupadamente.

— Sim, senhorita? — ele ironizou. Dificilmente alguém ainda a chamava de senhorita ali. Soava estranho agora.

— O que está acontecendo aqui? Não me diga que aquela infeliz de Lady Belcourt voltou.

Isabelle não iria aguentar a quantidade de problemas que tinha nas costas se Camille ainda tivesse voltado até sua casa.

— Não exatamente, Isabelle — Jordan negou, mas não conseguiu terminar, pois naquela hora Simon saiu de casa. Simon saiu acompanhado de uma garota.

A primeira coisa que chamou a atenção de Isabelle foram os cabelos cor de fogo da jovem presos em um coque frouxo, ela não parecia ter mais do que quinze anos, pequena em todos os sentidos, as mãos e os antebraços manchados de tintas de várias cores, contrastando com o tom de verde claro do vestido simples da moça.

Simon vinha até eles com os braços em torno dela, parecendo os dois muito a vontade. Isabelle não gostou do que viu, principalmente quando ela viu a aliança enorme que tinha no dedo dela.

— Isabelle, que bom que voltou! — Simon exclamou. — Quero que conheça Clarissa Mor… Herondale. Clary.

— É um prazer finalmente conhecê-la, Isabelle — Clarissa se esticou para abraçá-la, o que deixou a Lightwood desconfortável. Não gostava de gente desconhecida a tocando.

— Herondale? — uma luz se acendeu na cabeça de Isabelle — Você é parente de Jonathan Herondale?

Simon franziu o cenho, provavelmente achando estranho Isabelle reconhecer o nome. A verdade era que Isabelle mais que conhecia o nome, ela conhecia a pessoa. Jace, como ela costumava chamá-lo, era o melhor amigo de Alexander quando eles cresciam. Isabelle brincava com os dois de igual para igual e Jonathan era como um irmão mais velho.

Quando ela estava entrando na adolescência seus pais a proibiram de continuar andando com os meninos, então ela nunca mais tinha o visto. Ela sabia que ele tinha se casado, Alexander inclusive tinha ido até o casamento.

Alexander fugira menos de um mês depois do evento.

— Sim, Jace é meu marido. Ele falou muito bem de você e sua família — ela sabia que, por família, Clarissa se referia só ao seu irmão.

Isabelle também não deixou de notar que a face de Simon despencara quando Clarissa afirmara com tanto amor que Jonathan era seu marido.

— Hm... Clary e eu crescemos juntos e ela é a melhor pessoa do mundo e minha melhor amiga. Eu achei que estava na hora de vocês finalmente se conhecerem.

Ah, Simon.

Isabelle entendeu na hora.  

Simon nunca sequer consideraria casar-se com Isabelle, não que ela quisesse também, mas ele olhava para Clarissa com tanta devoção e adoração que estava na cara que ele nunca se casaria com ninguém. Ele amava mesmo era Clarissa e, infelizmente, ela já estava casada.

— É um prazer te conhecer, Clarissa. — ela mentiu.

— Achei que seria cômodo Clary vir, já que vou viajar.

— Não preciso de babá — ela ficou na defensiva e os dois arregalaram os olhos.

— Não é isso, Isabelle. É que Jace também vai viajar e eu queria companhia. Eu não sabia que Simon iria se encontrar com Lady Belcourt.

Isabelle, que já não estava de bom humor, piorou consideravelmente. Simon a olhou, meio pálido, enquanto ela o fuzilava. Ela sabia que ele iria viajar, mas ele em nenhum momento dissera que iria até Camille.

— Lady Belcourt, certo? — Clarissa assentiu, desconhecendo da rixa que Isabelle tinha com ela — Simon, onde está Max?

— Na biblioteca — Simon respondeu um pouco confuso com a troca de assunto — Já que estamos todos apresentados, vamos entrar?

(...)

Isabelle deu o último ponto no lenço, sentindo-se inesperadamente feliz. Ela dificilmente terminava qualquer coisa que começava e aquela era sua primeira peça de bordado. As rosas estavam decentes e as últimas na lateral do lenço estavam bem melhores. Ela queria mostrar para todo mundo: para Clarissa, Maia, Maxwell, Jordan. Simon.

Clarissa, ao lado dela, desenhava Hunter com Eric. Isabelle sentiu inveja, o que ela não daria para ter algum talento assim. Ela não cozinhava, não desenhava e era uma escritora medíocre. Ela só era um belo rosto que sabia cavalgar bem.

Jordan passou pela porta com algumas malas de Simon. Atrás dele, Maxwell carregava alguns livros. O lorde foi o último a sair, o violoncelo pendurado nas costas. Aquela cena a lembrava de quando o viu pela primeira vez, desajeitado e inocente. Isabelle costumava ignorar que aquele dia existiu porque tinha sido uma das piores experiências de sua vida, mas ela gostava de se lembrar de Simon, que no dia parecia extremamente alheio a todos os problemas do mundo, quando na verdade era o mais inteirado de todo o lugar.

Ele voltou até onde as meninas estavam e Clarissa o abraçou com força. Simon afundou o rosto nos cabelos ruivos dela e a apertou mais forte. Isabelle sentiu-se desconfortável por estar olhando aquele momento íntimo. Uma intrusa.

— Eu mal chego e você já está indo? Não é justo! — Clarissa chorou.

— Você vai estar em ótimas mãos — ele disse olhando para Isabelle, que sentiu as bochechas esquentarem.

Clarissa sorriu e o abraçou mais, Simon sorrindo tristemente. Isabelle ficou com raiva da ruiva: Simon era um homem muito bom para ser iludido daquele jeito. Clarissa podia dizer que ele era o melhor, o mais engraçado ou o mais gentil e enchê-los de carinho, mas, no final do dia, ela voltaria para o marido e Simon ficaria arrasado e com o coração partido.

Esse era o problema do amor para Isabelle, a incerteza constante se o sentimento é correspondido ou não, a ilusão de que o mundo fica melhor ao redor daquela pessoa. Isabelle detestava com tudo o que tinha em si ser enganada e por isso detestou Clarissa naquele momento pelo que ela fazia com Simon, mesmo que a jovem Herondale não parecesse levar em consideração os olhares do amigo.

Simon pareceu reparar em Isabelle ali enquanto se soltava a contragosto de Clarissa,que foi falar com Maia junto a carruagem e dando um sorriso casto a Lightwood, que não retribuiu. Ela estava com raiva de Simon, Clarissa e tinha uma voz no fundo de sua cabeça que dizia que tudo, seja lá o que tudo significasse, iria dar errado.

Isabelle confiava nessa voz puramente por tudo sempre dar errado para ela mesmo.

— Eu acho que já vou indo então. Volto em três dias. — ele disse.

— Está esperando que eu implore que você fique? — ele falou rudemente, mas Simon levou no bom humor e riu.

— Claro que não.

Isabelle revirou os olhos, mas sorriu também, desviando o olhar de Simon, mirando seu bordado. Ela o  pegou e o soltou da tela, o lenço com desenhos tortos, e horrendos e o estendeu para Simon, segurando as mãos dele junto com o lenço.

— Minha primeira peça é um presente para você. Leve-o.

Simon guardou o lenço no bolso interno do sobretudo que usava e sorria abertamente, como se tivesse ganhado potes e mais potes de ouro.

— Vou manter sempre comigo para lembrar-me de casa.

O coração de Isabelle amoleceu ao ouvir aquilo e ela esqueceu que estava com raiva dele por ele ser estúpido e cego de amor.

— Você é muito gentil, quase lhe desculpo por estar indo ver aquela mulher horrenda.

Simon deu uma gargalhada alta.

— Ora, não me diga que está com ciúmes, Isabelle.

— Não seja obtuso.

No entanto, foi com um choque que ela percebeu que ela estava sim com ciúmes de Simon. Talvez não de uma maneira romântica como ela sabia que era comum entre casais, mas um incômodo que dizia que nos próximos quatro dias ela ficaria sem suas conversas com ele, sem suas com as refeições com ele, sem o sentimento de conforto que ele trazia e sem o violoncelo pela noite para acalmar seus sonhos. E tudo isso iria acontecer com aquela criatura horrorosa que não merecia nada daquilo, aquela Camille Belcourt.

Um pigarreio a assustou e Isabelle percebeu que Simon e ela estavam se encarando. Ela desviou o olhar e focou-se em Jordan, que alternava o olhar brincalhão entre os dois.

— Eu detesto atrapalhar — ele começou — Mas se quisermos chegar até a Mansão Belcourt antes do anoitecer precisamos partir agora.

Simon assentiu, ajeitando os óculos e voltou-se para Isabelle.

— Até mais, Isabelle.

— Tomara que a carruagem capote, Simon.

(...)

Isabelle entrou em formação, sentindo o peso da espada de madeira em suas mãos. Naturalmente ela não teria problemas em derrotá-lo, mas seu oponente era uma criatura vil e sem escrúpulos nenhum quando se tratava de duelos. Maxwell também entrou em formação também, segurando com as duas mãos, pois a espada era pesada demais para ele.

Os irmãos se encaravam intensamente, ainda acostumando-se com as armas japonesas, trazidas por Jordan de uma viagem em que acompanhou Simon: ambas de médio porte, o peso mal alocado na mão da jovem e menos equilibrado ainda nas pequenas mãos de Maxwell, entretanto ambos dividiam a mesma admiração pelo trabalho feito nas empunhaduras trançadas com tecido vermelho, nos detalhes entalhados nas bainhas compridas e tingidas da mesma cor. Infelizmente, além de pesada demais, a espada era longa demais para o pequeno Lightwood, quase alcançando os setenta centímetros.

Um brilho selvagem reluzia nos olhos negros de Isabelle, algo novo surgia dentro da jovem que nunca tivera chance de participar de qualquer combate. Lutar sempre foi uma das coisas que Isabelle mais amava fazer, ela adorava a sensação de liberdade que ela sentia quando duelava, aquilo a fazia se sentir mais independente e mulher, até. No entanto, aquilo sempre foi mal visto por seus pais, então ela sempre tinha que o fazer escondido, Alexander ensinando coisas básicas quando os dois saiam com a desculpa de visitar colegas.

Depois que Alexander fugira, ela nunca mais teve a oportunidade de duelar. Era revigorante poder lutar de novo, Jordan que geralmente a ensinava métodos novos, mas não era menos divertido mesmo que fosse de brincadeira e que fosse com Maxwell, que claramente não queria estar ali.

— Sua guarda está muito baixa, senhorita Lightwood.  — a voz de Jordan veio em sua cabeça com certa acidez no final, ele sabia que Isabelle detestava que os residentes da mansão a chamassem assim. Porém a estratégia do rapaz funcionou perfeitamente e a moça se reposicionou com um foco renovado pela leve irritação.

— Está melhor agora, senhor Kyle?  — respondeu a jovem em voz alta, ignorando que Jordan não estava ali de verdade.

Voltando seu foco para seu adversário, Isabelle desferiu o primeiro golpe, que com muito esforço foi bloqueado pela espada de Maxwell. Girando a espada, Isabelle atacou rapidamente o lado esquerdo do irmão que, por falta de força, falhou em se defender e foi atingido no braço.

Um sorriso surgiu no rosto da donzela.

— Se eu conseguir acertar mais duas vezes, você vai me ajudar no jardim por uma semana, mas se você me acertar só duas vezes eu te dou minha sobremesa por uma semana.  

— Mas eu sempre posso comer mais sobremesa. — ela ameaçou avançar com a espada e ele recuou assustado — Tudo bem, eu aceito. Vamos logo.

Os dois retomaram as posições iniciais, os pés firmes no chão e as espadas quase se tocando no espaço entre eles. Dessa vez, Maxwell começou com um ataque mais focado, que foi impedido pela espada da irmã, que não demorou a contra atacar, fazendo com que o irmão tivesse que recuar alguns passos antes de atacar novamente e acertar Isabelle na altura da coxa direita.

A possibilidade de perder não fazia parte dos planos de Isabelle que revidou acertando o irmão na lateral e, se aproveitando da pouca agilidade que a espada permitia a Maxwell, partiu para um movimento mais elaborado, desarmando o garoto e atirando a espada para longe.

— Isso não é justo, Isabelle — Ele gritou com revolta.  — É covardia atacar um homem desarmado.

— Então que bom que você ainda é um garotinho.  — ela completou, tocando a barriga do adversário com a ponta da espada.

Maxwell saiu dali resmungando coisas incompreensíveis e voltou para a entrada da casa, onde Maia já o esperava com um sorriso no rosto, mas olhando duramente para Isabelle, provavelmente a repreendendo ou por estar mexendo nas coisas de Jordan ou por dar uma arma de treinamento na mão de uma criança.

Isabelle recolheu as espadas e a levou até o depósito de Jordan, que continha diversas armas de diversas partes do mundo, inclusive espadas de verdade e umas armas de fogo. Felizmente, nenhum chicote.

Quando voltou, ainda encontrou Clarissa na varanda, desenhando compulsivamente em um caderno. Isabelle se perguntou se a ruiva sentia desenhando a mesma coisa que ela sentia enquanto duelava ou cavalgava com Hunter.

— Espero que esteja desenhando minha vitória espetacular de agora pouco — ela brincou.

Clarissa levantou os olhos do desenho, parecendo um pouco perdida. Ela rapidamente tentou esconder o que tinha produzido, mas Isabelle foi mais rápida ao notar que o nome dela estava no topo da página.

Ela franziu o cenho, tomando com facilidade o caderno das mãos da outra, ignorando os protestos incessantes. Isabelle não ligava para privacidade dos outros quando o nome dela estava envolvido.

— O que significa isso? — a voz dela estava perigosamente analitica.

— Isabelle, eu posso explicar.

Era um vestido. Mais especificamente, um vestido de casamento, que tomava forma delicadamente sobre o papel, com suas alças caídas sobre os ombros delicados da modelo pálida, a saia alongava-se em uma cauda curta. A peça estava coberta por um leve traçado que Isabelle imediatamente comparou as vinhas que cresciam no lado do casarão Lightwood, parecia ser algum tipo de bordado sobre a saia, mas era difícil ter certeza apenas com o esboço. A lembrança da antiga casa foi a faísca que acendeu a fúria de Isabelle.

— Então era para isso que Simon queria que você viesse? Para começar os preparativos do casamento? Ele jurou…

— Não é o que você está pensando...

Mas Isabelle já não escutava. Ela já estava pensando em como iria embora. Maxwell com certeza sentiria muito a falta de todos ali, porém era a coisa certa a se fazer. O pior de tudo foi que ela tinha confiado em Simon, ela realmente tinha pensado que ele não tinha nenhuma intenção com ela e que ela poderia viver em paz. No entanto, na primeira oportunidade, ele empurra a amiga para desenhar vestido e fazer a ideia do casamento entrar na cabeça dela a força.

E pensar que ela tinha contado tudo para ele, que ela tinha se aberto totalmente para Simon e ele tinha a traído.

— Ele não é quem eu pensei que fosse.

— Não é nada disso, Isabelle — ela tocou o braço coberto pela camisa da Lightwood, mas Isabelle recuou.

— Se gosta de sua mão sugiro que nunca mais encoste em mim, Sra. Herondale.

Apesar do susto inicial, Clarissa logo reagiu, ficando de pé e levantando as mãos em rendição e mesmo com a diferença de altura, a jovem Herondale não pareceu tão intimidada pela fúria da outra moça, o que surpreendeu Isabelle, que não esperava reação alguma.

— Tudo bem, não a tocarei, porém não posso permitir que culpe o Simon falsamente. O vestido é um mero passatempo meu, desde que Simon me convidou para conhecer sua noiva eu tenho esboçado alguns modelos. Ele, por sinal, me proibiu de sequer comentar qualquer coisa sobre casamento com você.

— Ótimo, então só é intrometida mesmo?

Para desgosto de Isabelle, a ruiva só riu.

— É uma benção e uma maldição.

A Lightwood bufou, sem conseguir esconder a raiva que sentia. Simon não podia mesmo ter amigos melhores?

E então, uma ideia se formou na cabeça da jovem.

— Se gosta tanto assim de moda, vai me acompanhar hoje em minhas compras. Maia diz que não sobreviveria mais uma visita a vila comigo, algo sobre eu demorar demais ou ser irritantemente detalhista com minhas roupas. O que não é exatamente uma mentira.

Clarissa deu um sorriso murcho e assentiu relutantemente. Isabelle se sentiu vitoriosa por dentro. Era sempre muito bom conseguir o que queria.

(...)

Maryse sempre costumava dizer que fazer as coisas por pura teimosia e por pirraça. Claro, Isabelle sempre ignorou isso, já que sua mãe não era a melhor pessoa para se dar ouvidos. Contudo, naquele momento, ela estava muito, muito arrependida.

Ela e Clarissa estavam andando há mais tempo do que se lembrava pelo vilarejo, entrando em todas as lojas, separando tecidos e bordados especiais, linhas específicas e mais coisas que ela nem fazia noção do que eram. Isabelle simplesmente gostava de ver o desconforto de Clarissa em andar demais, fazer muitas escolhas e ficar atolada embaixo de pilhas de tecido.

Obviamente, Isabelle disfarçava que ela mesma não aguentava mais.

No entanto, tudo sumiu quando ela o viu. Parecia algum tipo de déjà vu de muito mau gosto. Meliorn parado, escondido pelos cantos torcendo para ninguém vê-lo. Ele parecia péssimo, beirando a imagem de um fantasma. Extremamente magro e ainda com as mesma roupas puídas do último encontro dos dois, o rosto que fora delicado e raramente com pelos estava coberto de uma mistura de fuligem e suor que se prendia na barba curta por fazer, acentuando ainda mais as maçãs do rosto distorcido de Meliorn.

Ah, Meliorn. Sempre culpa dela. Ela tinha acabado com a vida dele.

Isabelle deu uma desculpa qualquer para Clarissa, que parecia feliz apenas em parar e apreciar os cadernos e lápis. Ela correu até onde ele estava escondido, tomando cuidado para que ninguém a visse.

Ela ainda estava com a última briga deles, dois dias antes, ainda muito fresca na cabeça, por isso foi um choque quando a primeira coisa que ele fez foi puxá-la em um abraço apertado. Ela não hesitou em corresponder, apertando-o forte. Mesmo com todas as brigas e desentendimentos, ela amava o fato de sempre encontrar refúgio nele, um pouco de familiaridade na bagunça que era sua vida.

— Eu sinto tanto, Isabelle — ele falou em seu ouvido — Eu estou tão arrependido das coisas que eu lhe disse. É inaceitável e-

— Não se preocupe — ela passou as mãos pelo rosto dele, deixando um beijo cálido nos lábios de Meliorn — Tudo já está esquecido.

— Está mesmo? Até seu querido Lorde Montgomery? — a menção ao título de Simon confundiu a jovem por um instante. Por mais que ela visse constantemente Simon exercendo suas funções, já era impossível de assimilar quem ele era, sua posição de poder na sociedade e, o pior, a sua péssima reputação.

O que Simon tinha a ver com aquilo todo?

— O que tem Lorde Montgomery?

— Você não pode ficar perto dele, minha bela dama. Ele tem um jeitinho especial de te fazer esquecer o que é importante, se esquecer de mim... — algo chamou a atenção do rapaz — Principalmente quando ele distrai essa sua mente bobinha com essas coisas brilhantes.

Para provar seu ponto, Meliorn levantou a mão de Isabelle com a ponta dos dedos, como se a mão delicada o desse repulsa, mesmo no estado em que ele se encontrava. A pulseira em formato de serpente reluziu no pulso da jovem, os olhos de rubi fitando-a intensamente e Isabelle nunca pensou que pudesse se sentir tão ofendida por um presente dado com tanto carinho.

— Você não merece isso. Deixe-me tirar essa confusão da sua cabecinha.

A outra mão encardida do rapaz ameaçou tirar a pulseira, o olhar preso no de Isabelle, porém a jovem puxou o braço rapidamente.

— E-eu não posso aparecer sem ela na mansão, o lorde vai notar e me perguntar o que aconteceu com ela.

O pânico que brotou lentamente em Isabelle, espalhou-se pelo rosto delicado. Era mentira, no entanto. Ela sabia que Simon aceitaria qualquer coisa que ela lhe dissesse, até mesmo que tinha perdido em um passeio. A verdade era que por mais que ela acreditasse em Meliorn, que ela não merecia presentes e agrados, ela também não conseguia deixar de pensar que aquele era um presente especial, era algo que representava algo bom para ela. Que chamassem de egoísmo, mas ela não conseguiria se desfazer de sua pulseira.

— Tudo bem então, você pode manter o seu brinquedinho, mas só porque esses rubis vão ser úteis na nossa viagem. — Ele aproximou o rosto ao da jovem, sorrindo docemente. — Contudo, nós temos que partir em um mês, entende, minha bela dama? Um mês para você estar livre dessas normas e obrigações da vida de nobre. Esteja pronta quando eu for lhe buscar.

E selou a ordem com um beijo invasivo que deixou um gosto amargo de bebida nos lábios de Isabelle. Não foi sua melhor experiência o beijando, porém ela sabia que era aquilo que ela tinha que fazer. Ainda era Meliorn, ainda era familiar. Era o certo. Então ele foi embora, deixando-a perdida, atordoada e confusa.

Ela voltou até Clarissa, ainda meio sem saber o que fazer. Ela piscou algumas vezes quando Clary a olhou confusa.

— Você está bem, senhorita Lightwood?

— Sim — ela mentiu, tocando com cuidado no colar de família. Algo que fazia quando estava nervosa — Está tudo ótimo. Perfeito.

(...)

Clarissa foi embora no quarto dia. Vinte e oito dias para o dia decisivo. Apesar de ela estar em bons termos com a ruiva, não podia negar que estava muito feliz que ela iria embora. E, mais que isso, Simon voltaria no dia seguinte. Ele nunca poderia saber de nada do que acontecera no dia anterior com Meliorn e o ultimato, só que ela queria muito que ele estivesse por perto, ele conseguia fazer o dia e seu humor ficarem muito melhores só de estar ali.

Isabelle acompanhou Clarissa até a carruagem dela, o cocheiro com um rosto impassível e sua dama de companhia, uma senhora gordinha e não muito amigável, já esperando por ela.

— Eu espero que sua estadia aqui tenha sido agradável — Isabelle disse com classe — Sei que não somos amigas da mesma maneira que é com Simon, porém eu espero ter sido uma boa anfitriã.

— A melhor de todas — Clarissa abriu um sorriso sincero — Sinto apenas em não poder estar aqui para o aniversário de Simon. Não que ele goste de comemorar, de qualquer maneira.

— Espere, o que disse? — Isabelle esticou a mão para que Clarissa parasse de falar — Aniversário do Simon? Por que eu não estava sabendo disso?

— É amanhã — Herondale comentou — Já que estão tão próximos, pensei que já soubesse. Simon não gosta de seu aniversário, melhor não comentar nada. Ele fica bem transtornado, Srta. Lightwood.

— Sem problemas — Isabelle concordou sem concordar de verdade. — Foi um prazer, Sra. Herondale.

— Igualmente — Clarissa entrou na carruagem, mas antes de irem, ela abriu a pequena janela. — Deixei-lhe um presente em seu quarto. Espero que goste. Vamos, Hodge.

A carruagem se afastou rapidamente, deixando Isabelle sozinha na entrada de casa. Ela mal esperou a carruagem virar a esquina e sair da propriedade para entrar em casa correndo, pulando os degraus até seu quarto e passando rapidamente por Maxwell, que estava em atividade suspeita com Maia perto do quarto de Jordan. Ela se lembraria de investigar aquilo depois.

Ela entrou no quarto em uma carreira, demorando a ver o suposto presente. Ela, por fim, o achou em sua escrivaninha.

Era tão irônico que Isabelle não sabia se ria ou se corria atrás da carruagem para dar uma surra em Clarissa. Isabelle entendia muito bem de surras.

Era o desenho completo do vestido de noiva.

Isabelle não fazia ideia do que faria com aquele desenho no momento, por isso ela apenas o deixou onde o encontrou. Ela tinha outras prioridades no momento, a principal sendo o aniversário de Simon.

Depois de falar com todos na casa e receber olhares esquisitos dos empregados da casa (senhorita Lightwood, o lorde realmente não aprecia comemorações de aniversário), ela decidiu o que faria e o que não faria. Afinal, Simon tinha respeitado todos os seus limites e ela não tinha intenção de fazer nada além do mesmo com ele.

E quando o sino tocou, anunciando que Simon tinha retornado, Isabelle apenas buscou Hunter e Daylighter se colocando com os cavalos na frente da carruagem. Simon desceu e olhou levemente surpreso com a cena, sendo seguido por Jordan, que não olhava muito para os dois e sim para a ama de companhia na porta de casa.

— Isabelle — Simon começou — O que está fazendo?

E era tão bom ver Simon novamente que Isabelle esqueceu todas suas preocupações e apenas sorriu marotamente.

— Nós, Lorde Montgomery, iremos dar um passeio.


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Notas finais do capítulo

E agora, hein? O que será que o próximo capítulo traz? Um spoiler: será pelo ponto de vista do Simon!



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