Liberta-me escrita por Teddie, Jules


Capítulo 10
Algumas boas intenções


Notas iniciais do capítulo

Jules: Oi gente linda : ) Desculpa pela demora, parece que quanto mais a gente tenta terminar cedo, mais demora.
Obrigada mesmo por continuarem com a gente, a história ainda tem muito pra contar.
beijinhos.

Teddie: Agradecemos muito a quem comentou e que está sempre incentivando a gente a continuar. Significa muito para a gente e se não desistimos é por causa de vocês. Obrigada!



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Rápido demais para a liberdade
Às vezes tudo cai por terra
Estas correntes nunca a deixam
Eu fico arrastando-as
— Florence + The Machine

 

Na Mansão Montgomery existiam algumas coisas que eram estritamente proibidas de serem comentadas em qualquer situação. Isabelle obviamente não sabia quais eram, mas poderia chutar que o passado de Maia e as queimaduras de Simon eram alguns dos tabus. Ela ficou contente em descobrir, no entanto, que sua experiência na casa dos pais também tinha entrado na lista de assuntos proibidos.

Ela sabia que os funcionários sabiam que algo sério tinha acontecido: ela tinha voltado ao nascer do Sol, um dia após ter ido, os três que ocupavam a carruagem estavam machucados e Isabelle era a representação do desolamento quando voltou. Maia foi quem lhe ajudara com os curativos depois de cuidar de Jordan primeiro, a pedido dela mesma. Os machucados físicos de Isabelle não eram tão importantes quanto o do segurança.

Isabelle também sabia que Maia tinha uma noção do que acontecera, Jordan com certeza tinha lhe contado pelo menos por alto, ele se importava e confiava demais na dama de companhia. E uma vez que Maia sabia, é claro que Simon também saberia. A Lightwood descobriu, no entanto, que não se importava. Que todos soubessem, que ninguém soubesse, contanto que ninguém perturbasse a ela ou ao irmão, ela estava feliz

Felizmente, a mansão era um bom lugar para se morar.

Isabelle não poderia estar mais feliz por Maxwell. Foram dias foram rápidos e agitados, todos ali estavam tentando se acostumar com a nova rotina de ter uma criança em casa. Maxwell sempre fora uma criança calma e contida, como toda criança Lightwood tinha que ser; por isso, no primeiro dia, Maxwell chamou todos por “senhor” e “senhora”, não se manifestava até que fosse incluído na conversa e parecia apavorado por estar em um ambiente desconhecido.

Isabelle não sabia direito o que fazer, mas não precisou agir em nada. Foi Simon quem conseguira quebrar o gelo.

― Lorde Montgomery, poderia me passar a carne, por favor? ― ele pediu baixinho.

Simon segurou o sorriso e passou:

― Aqui está, Sr. Lightwood.

O olhar de Maxwell se iluminou e Isabelle prendeu a risada. O Lightwood mais novo estava acostumado a ser tratado como “moleque” ou “menino” nos melhores dias. Era uma avanço enorme.

― Pode me chamar de Max ― ele disse, a voz muito mais projetada que antes ― É assim que Isabelle me chama.

― Tudo bem ― Simon concordou ― Apenas se de agora em diante me chamar de Simon.

Depois disso, Maxwell mudou da água para o vinho. Ele corria pela casa, brincava com os funcionários, sempre estava atrás do lorde e, apesar de Isabelle repreendê-lo por atrapalhar o noivo, Simon parecia ter rejuvenescido e agora exibia a juventude que tinha, sem o peso de ter um título de poder.

De alguma maneira, eles tinham se tornado amigos. Maxwell agia quase como se Simon fosse o novo Alexander.

Nas manhãs frescas, quando Isabelle se sentava nas cadeiras da varanda, admirava seu jardim ainda coberto de orvalho e os funcionários andando de um lado para o outro já cuidando de suas tarefas matutinas.  Era o único momento que a jovem fazia questão de ficar sozinha, por isso trazia a cesta cheia de linhas e agulhas e fingia bordar por algumas horas, antes de Maia vir procurar por ela.

As rosas estavam tortas e os pontos errados, porém Isabelle não podia se importar menos, já que, nessa manhã em especial, Maxwell e Simon se escondiam entres os arbustos do jardim enquanto Jordan caminhava lentamente, tentando fazer o mínimo de barulho possível enquanto procurava os outros dois.

Não sabia quando os três tinham concordado em brincar, ou quando Simon tinha parado de caçoar Jordan pelo chute de Maxwell, mas agora eram os três mosqueteiros vivendo aventuras pela propriedade Montgomery, descobrindo toda e qualquer brincadeira que se escondia nos jardins e salões.

Maxwell e Simon estavam escondidos atrás de um arbusto particularmente grande perto do jardim de Isabelle e ela sabia que ia ficar muito nervosa se eles começassem a correr pelas suas flores quando Jordan os achasse, mas ela não conseguia se estressar com isso. Pela primeira vez ela podia ver Maxwell sendo uma criança, fazendo coisas que ela pode fazer junto com Alexander, mas que o irmão mais novo nunca teve a oportunidade de aproveitar.

Era tão bonito que ela tinha vontade de chorar.

― Isabelle, por que está chorando? Jordan não pode ser tão ruim assim no pique-esconde.

Isabelle fungou, secando as lágrimas. Não tinha percebido que tinha começado a chorar. Era de felicidade, pelo menos. Ela sentiu as bochechas queimando por ter sido pega no flagra.

― Eu me furei, Maia. Bordar é complicado.

― Não tem sangue nenhum.

― Não precisa sangrar para estar machucado.

― Não há vergonha em estar feliz, senhorita Isabelle.

Maia sorria para Isabelle, incentivando-a a se abrir e deixar as lágrimas caírem, mas a Lightwood as suprimiu com tanta vontade, que a vontade de chorar simplesmente passou. É claro que ela sabia que tinha direito de ser feliz, não era à toa que sempre fizera planos com Meliorn: queria justamente porque sabia que com ele seria feliz. No entanto, entre acreditar em algo e de fato sentir existia uma distância gigantesca. Isabelle nunca tinha tido o direito de sentir nada além de gratidão pelas migalhas que os pais davam, nunca se importando porque os irmãos eram prioridade.

Depois de Alexander, Isabelle focou três vezes mais na felicidade de Maxwell acima de tudo e, se ele estivesse feliz, ela também estaria. Obviamente ser feliz na casa dos Lightwood era estritamente proibido, então ver Maxwell ali, sendo carregado nas costas de Simon enquanto corriam de Jordan, era tão bonito que ela só conseguia ter vontade de chorar como uma menininha. Achava que nunca tinha ouvido a risada de Maxwell tão alta e tão viva quanto naquele momento.

Ela não se preocupou em responder Maia, que também olhava feliz para a cena provavelmente mais para Jordan, na opinião de Isabelle e voltou a bordar o lenço. A essa altura ela já estava quase terminando sua primeira peça e ela estava orgulhosa dela, apesar de ser incrivelmente horrenda.

― Engraçado... ― Maia começou e Isabelle gemeu internamente, já prevendo que nada bom poderia sair dali ― Não lembro a última vez que a vi usar tantas anáguas, Isabelle. Pensei que as odiasse e preferisse algo mais confortável.

Ela não queria concordar com Maia. Ela de fato odiava as anáguas, elas coçavam e não davam mobilidade nenhuma, porém ela estava escondendo algo e não queria que ninguém reparasse, logo, as anáguas eram necessárias.

― Maia, você já foi ao vilarejo? Eu sou considerada ícone de moda por lá. Em breve, você estará comprando anáguas tão maiores quanto as minhas.

Em resposta a isso, Maia apenas fez uma cara confusa e saiu da entrada da casa, voltando para dentro enquanto negava com a cabeça levemente.

Isabelle mesma não ficou muito mais tempo ali, ela abandonou o bordado na cadeira, deixou os meninos brincando e rumou para o seu quarto para se trocar. Ela precisava de um tempo para ela, ela precisava de Hunter.

Maia ainda murmurava algo enquanto espanava um dos móveis, despejando uma força desnecessária na atividade. Aquilo melhorou o humor de Isabelle, na verdade, sempre que seus amigos ficavam irritados por coisas bobas ela se alegrava.

Isabelle bateu a porta do quarto, suspirando aliviada. Isabelle levou as mãos às costas e alcançou os laços do espartilho e da saia longa, soltando primeiro a saia e a jogando de qualquer jeito sobre a cama grande. Logo abaixo da primeira camada de tecido se encontravam os vários nós que ligavam as anáguas uma a outra; Isabelle nunca imaginou que usaria a maioria de sua coleção num só vestido, porém era necessário.

Alguns nós desfeitos e as camadas que irritaram a moça a manhã inteira caíram, formando uma névoa colorida no chão. Finalmente Isabelle podia se mover livremente, com exceção da perna direita onde o a ponta do chicote de Robert Lightwood se enrolava como uma serpente até a altura do joelho da jovem, o chicote era comprido o suficiente para dar duas voltas na cintura de Isabelle antes de descer por sua perna e a ponta cheia de franjas arranhava a pele delicada.  

Isabelle não sabia como explicar a necessidade de manter o chicote por perto. Era alguma força muito maior que ela, uma voz que ficava em seu ouvido dizendo que, se ela não andasse com aquele chicote o tempo inteiro, algo ruim aconteceria. Nos primeiros dias ela deixara escondido no fundo do armário, mas a cada cinco minutos ela o olhava, o pegava. Depois ela desistiu e só começou a carregá-lo para onde fosse, tomando cuidado para esconder de Maia, que estava sempre com ela.

Ela vestiu as calças azul marinho e a blusa creme de botões, suas roupas de montaria novas presentes de Simon  e prendeu os cabelos em uma trança desleixada que descia até o meio das costas e que, com sorte, não chicotearia seus ombros e costas durante a cavalgada, sentindo-se bem para ver seu melhor amigo. Bom, seria se ela não tivesse ideia de onde colocar o chicote.

Isabelle tentou enrolá-lo como um cinto, mas a blusa nova não o escondia totalmente por ser do tamanho perfeito para a silhueta fina da jovem. Tentou colocá-lo por baixo da blusa, mas também sem sucesso. Ela estava com ele na mão quando ouviu batidas em sua porta e deixou o chicote cair.

Pensou em jogá-lo debaixo da cama, ou dentro do malão que ainda estava aberto ao lado da cômoda, coberto pela névoa densa de anáguas, mas mesmo com tantas possibilidades, Isabelle não se moveu, não conseguiria depois de descobrir quem a procurava, cheio de preocupação.

― Senhorita Lightwood?― a voz suave de Simon alcançou os ouvidos da jovem. ― Está apresentável?  Posso… um… Eu gostaria de conversar com a senhorita.

Isabelle estava paralisada, congelada com o chicote em suas mãos, imaginara que fosse Maia atrás da porta, não Simon. Não com tanta cautela em sua voz. Pensou pela centésima vez naquela semana o quão doce Simon era e no quanto se admirava com ele, por ser tão diferente de todos os homens que conhecera antes do noivado.

A jovem mordeu o lábio. O que eu faço? Ela não queria de jeito nenhum que Simon a visse naquela situação, era preferível que ele a visse de roupas íntimas.

Ela não queria que ele descobrisse que ela tinha trago qualquer coisa da casa dos pais, principalmente algo tão destrutivo e que só trazia lembranças ruins e sentimentos ruins. Não quando tudo que aquela casa e Simon lhe davam eram sentimentos positivos.

― Senhorita Lightwood, está tudo bem?. ― a preocupação crescia na voz do rapaz, Isabelle não era exatamente uma pessoa quieta.

Ela imaginou a mão de Simon apertando a maçaneta, receoso de que algo tivesse acontecido com Isabelle. Ele já estava assim, principalmente depois do vexame que Isabelle deu correndo em sua direção, a camisola completamente suja, os cabelos bagunçados, descalça e com a mão machucada.

―Senhorita?― ele tentou mais uma vez, sem resposta. Apenas o som de uma porta batendo ressoou pelo corredor. ― Eu vou entrar, está bem? ― ainda sem resposta.

― Um segundo ― em um ato de desespero, ela apenas deixou o chicote sobre a cama e jogou os lençóis sobre o objeto.

Ela ouviu a porta ser aberta lentamente e parou ao pé da cama, constrangida, torcendo que Simon não notasse. Seus cabelos já estavam um pouco despenteados seu traje de montaria estava incompleto, faltando apenas as botas. Ela se perguntou se ele acreditava que estava interrompendo sua preparação. Ela olhoupara ele curiosamente, torcendo para parecer desinteressada.

― Está tudo bem, lorde… Senhor Lovelace? ― ela perguntou em voz baixa.

― Talvez eu devesse perguntar isso... ― ela sorriu amarelo para ele, que levantou uma sobrancelha como resposta ― Hã… Sim.., senhorita Lightwood. Apenas gostaria de conversar sobre as entrevistas para os tutores de Maxwell, imagino que não queira atrasar os estudos dele. ― Simon tinha uma expressão tímida no rosto, tendo a certeza de que atrapalhou a jovem. ― No entanto, vejo que senhorita estava se aprontando para visitar Hunter, não vou atrasá-la mais.

― Absolutamente ― ela falou um pouco alto demais. Ela notou que ele trazia uma caixa preta nas mãos, porém preferiu não se manifestar sobre. ― Robert sempre tutorou a mim e a meus irmãos, então não tenho bons parâmetros para determinar quem é bom para meu irmão, mas faço questão de participar da escolha.

― E chamarei Max também, afinal, ele será a pessoa a ter as aulas ― ela assentiu e sorriu para ele, verdadeiramente dessa vez.

― Eu sou muito grata por acolher Maxwell tão bem, Sr. Lovelace. Não era sua obrigação.

― O prazer é meu. A senhorita e Max só acrescentam em minha vida. ― e de repente ele parecia nervoso, mexia a caixa entre as mãos rapidamente ― Eu queria dar isso aqui para a senhorita. Eu estava mexendo em umas coisas pela casa, procurando por papéis específicos e encontrei isso. Era para minha irmã.

Isabelle arregalou os olhos enquanto pegava a caixa e a abria. Ela se sentia tão próxima a ele que quase se esquecera de que não o conhecia direito. A caixa tinha o tamanho da mão delicada de Isabelle, o metal no exterior da caixa fora gravada com padrão intrincado de pequenas vinhas entrelaçadas formando pequenos nós umas nas outras, o desgaste do tempo era extremamente sutil e Isabelle podia ver claramente que fora guardado com cuidado.

O fecho emperrou levemente quando a jovem abriu a caixa, o interior da caixa era forrado com veludo negro, no meio da caixa se encontrava um bracelete delicado, uma serpente, mais precisamente, o ouro branco reluzindo em cada escama entalhada no corpo esguio que se apresentava fazendo curvas ao redor do espaço do pulso, a cabeça da serpente repousando sobre o centro da mão. Os olhos de rubi pareciam encarar a Isabelle e a jovem não conseguiu deixar de olhar para aqueles olhos vermelhos.  

― É maravilhoso. Mas... Irmã?

― Rebecca. Ela é minha irmã mais velha e basicamente só tínhamos um ao outro enquanto crescemos. Ela deveria ser a pessoa a herdar tudo isso e meu título, mas ela se apaixonou por um camponês há uns anos atrás e abdicou mão de todas as riquezas para poder ir embora com o atual marido. Há um tempo eu fiz uma viagem pela Ásia e encontrei isso: em algumas culturas as cobras são representadas como seres asquerosos e cruéis, destinados para fazer apenas o mal e destruir tudo. ― Isabelle encarou o bracelete, sentindo toda a carga negativa de sua vida ― Entretanto, em algumas outras culturas, as cobras simbolizam a vida. Cada troca de pele representa a renovação, a ressurreição.

― Eu não sei se estou te entendendo, meu senhor.

― O que eu quero dizer é que eu trouxe esse bracelete para Rebecca representando a vida nova que ela tinha, que depois de tudo que vivemos ela ainda pode se renovar e se encontrar do jeito que ela fosse feliz de verdade. Ela recusou por conta das abdicações que ela teve que fazer, motivos religiosos ou algo assim, então eu guardei. Eu acho que a senhorita merece usá-lo, como um lembrete de todas as cicatrizes que você tem e que você sempre estará se renovando. E eu espero que nessa jornada você encontre sua verdadeira felicidade.

Isabelle viu nos olhos do rapaz uma sinceridade que era rara de se encontrar numa vida como a que ela levava no casarão. O jovem Lovelace expressava sentimentos reais sobre ela e a apoiava, reconhecendo-a como uma pessoa tridimensional e não apenas como uma boneca a ser usada como moeda de troca. Uma felicidade surgiu nos pensamentos de Isabelle, ela podia ter fé nessa nova vida, nesse amigo que Isabelle ainda conhecia tão pouco, sabia que o lorde era gentil e cuidadoso, mas a jovem ansiava em conhecer mais sobre Rebecca e sobre o passado dos dois e o que poderia ter causado as cicatrizes de queimadura do rapaz, que tipo de vida ele tinha levado até se tornar o senhor que ela conhecia e começava a admirar hoje.

― Eu… obrigada, meu senhor.

Antes que ele pudesse dizer algo, uma explosão de cachos atravessou a porta entreaberta, cortando qualquer tipo de momento que os dois pudessem estar tendo ali. E Maia estava muito mais que irritada: ela estava furiosa.

― Eu juro que eu vou matar quem quer que esteja... eu estou atrapalhando algo?

― Não ― os dois responderam juntos.

― Ótimo, porque eu estou realmente irritada. Algum imbecil anda deixando flores mortas no portão de entrada. Eu não faço ideia do por que alguém faria isso. Faz sentido na cabeça de vocês? Porque na minha não faz nem um pouco.

O sangue de Isabelle gelou.

Meliorn

A realidade atingiu Isabelle, que se ocupou em preocupar-se com o assustador Lorde Montgomery, com o futuro de Maxwell, com os ataques de seus pais e distraída pela vida doce que a mansão lhe provia. Ela tinha se esquecido completamente da existência do amante.

Ela só não contava com a ideia de que Meliorn não a esquecera.

De alguma forma, ela sabia que não estava mais sentindo raiva dele. Aconteceram tantas coisas em sua vida nas últimas semanas que ela simplesmente não tivera tempo nenhum de se afogar em ódio pelo amante. Mais que isso, ela notou que sentia falta dele, sentia falta do toque dele, sentia falta de alguém que tinha os mesmos sonhos que ela. Isabelle sabia que agora ela não precisava de mais nada para ir embora com Meliorn. Ela tinha seu irmão.

Seu irmão que finalmente estava feliz e seguro.

―E só mandam as flores? Nenhuma mensagem? ― ela tentou não parecer culpada.

― Não ― Maia bufou. ― Apenas flores mortas.

― Vou ver o que eu posso fazer sobre isso ― a pose de lorde tinha voltado ― Senhorita Lightwood, depois falo com você, tudo bem?

Ela assentiu e os dois amigos saíram do quarto, deixando Isabelle sozinha. Ela puxou os lençóis, pegando o chicote novamente enquanto se sentava na cama.

Tinha que resolver sua situação com Meliorn o mais rápido possível.

(...)

Isabelle sentia o calor leve que emanava da lareira enquanto ela podia ouvir Simon tocando no andar de cima. Nos últimos dias ela quebrara a rotina de ouvi-lo tocar até que dormisse. Simon não a questionara em nenhum momento, ele apenas tocava como todos os dias. Ela imaginou que seria assim, no entanto. A tradição de tocar o violoncelo era muito maior que a tradição de sentar-se com ele para admirar a música.

Ela segurava o chicote, mais um segredo que guardava do senhor Lovelace, tinha medo de ser descoberta, por Simon, por Maia e por Meliorn, que deveria imaginar que a jovem sofria nas mãos do misterioso e cruel Lorde Montgomery. Não podia imaginar o que passava na mente de Meliorn, assim como não podia entender todos os homens no geral. A jovem soltou um grunhido de frustração.

Percebeu o súbito silêncio preencher o cômodo, imaginando que Simon tivesse se recolhido. Encarava o chicote trançado como se ele fosse criar vida e responder todas as suas perguntas. Continuou perdida em pensamentos brincando com o chicote e sua concentração só cessou quando ouviu um sussurro.

―Por que tem um chicote na nossa sala?― a voz rouca de um Simon sonolento despertou Isabelle, que com o susto quase deixou o chicote cair.

― Não importa. ― respondeu Isabelle rispidamente, mas se arrependeu no mesmo instante quando viu o rosto do lorde despencar.

― Desculpe se lhe incomodo, senhorita. Irei me recolher agora, se precisar de mim, é só me chamar.

Ele deu as costas para ela, entretanto antes que ele pudesse sair do cômodo de vez, ela o chamou:

― Espere!

Simon voltou e sentou-se na poltrona ao lado da de Isabelle, aguardando para que ela falasse. E ela falou. Isabelle contou a odisséia que fora sua última visita a seus pais, fez pausas nos momentos mais intensos e cruéis, esperando por uma afirmação do rapaz para continuar, não queria assustá-lo, porém recebeu uma afirmativa atrás da outra, assim, contando todos os piores momentos. O olhar de Simon era triste, entretanto, Isabelle não via nenhuma gota de pena nos olhos dele.  

Quando ela terminou, viu que ele segurava os braços da poltrona, como se tivesse que impedi-los de fazer algo. A feição dura e raivosa nada combinava com o sorriso suave que ela constantemente via na face do jovem

― Você nunca mais vai voltar àquela casa, Srta. Lightwood.

Ele soara autoritário e rude, Isabelle não precisava de nenhuma ordem para ter certeza de que nunca mais voltaria à casa dos pais. Ela já tinha Maxwell e Hunter com ela, Alexander estava só Deus sabia onde.

― Não precisa mandar duas vezes ― ela falou amargurada e segurou o chicote com mais força. Homens sempre eram autoritários assim: seu pai, Meliorn e até mesmo Alexander. Por que Simon seria diferente?

A expressão de Simon se suavizou e suas mãos pendiam no ar, como se ele quisesse acalentá-la. Quando ele voltou a falar, estava mais calmo e tinha voltado ao normal:

― Notei que está com poucas roupas, já que a maior parte do que você levou ficou por lá na casa de Robert e Maryse. Eu viajarei daqui uns dias e uma amiga minha lhe fará companhia, mas posso providenciar que alguém venha para fazer-lhe novas se a senhorita quiser

― O que você quer comigo?

Ela finalmente expressou o que tinha acumulado dentro dela. Isabelle levantou-se em um impulso, o chicote em sua mão lembrando levemente a maneira com o qual Robert se portava quando o segurava.

― Do que a senhorita está falando? ― a voz de Simon estava cautelosa e aquilo irritou mais a Lightwood.

― De você! ― ela acusou ― Você me tira da casa dos meus pais com uma desculpa de casamento, mas chegando aqui não faz nada além de me encher de presentes e abrigar minha família e agir como se fossemos amigos. Você não pode não querer nada em troca, todos sempre querem algo em troca. O. Que. Você. Quer?

Isabelle nunca entendera porque ele era tão gentil com ela. No inicio ela pensara que ele só estava a preparando para algo muito pior no futuro e, agora, ela voltava a pensar isso. Era impossível alguém só ter boas intenções com ela ninguém nunca tivera.

― Ah... ― a expressão de Simon mudou e ele parecia complacente ― Senhorita, talvez seja melhor se acalmar, largar esse chicote.

― Não! Eu não vou me acalmar, nem vou largar nada. Eu estou cansada de todos me tratarem como uma boneca ou uma marionete, que precisa ser controlada a todo momento. Eu não sou subordinada a vocês.

Ela beirava a histeria e tinha total noção disso. Ela se sentia sufocada com tantas coisas em cima dela. Ela tinha suprimido tudo que vivera com os pais pelo bem do irmão e agora todas as suas cicatrizes doíam e as lágrimas que desciam pelo seu rosto queimavam. Ela segurava aquele maldito chicote com tanta força que ela sentia suas unhas perfurando sua pele.

Ela estava tão cansada. Cansada de se preocupar, cansada de ser alguém que ela não era, cansada de ter alguém sempre esperando alguma coisa dela.

Simon levantou-se e se aproximou dela, que recuou um passo. Ele segurou o chicote, tomando da mão de Isabelle com cuidado. Ela sentiu um alívio gigantesco, um peso sendo tirado das costas dela.

― Eu irei lhe abraçar agora, tudo bem? ― ele perguntou.

― Não.

Ele riu enquanto ela fungava e prendeu-a em seus braços. Isabelle nunca sentiu tanta paz ou tanto alívio em muito tempo. Suas lágrimas aumentaram e ela agora chorava copiosamente, enquanto Simon apenas acariciava seus cabelos e dizia que tudo iria ficar bem.

Pela primeira vez, Isabelle acreditou naquilo.

Ela envolveu Simon em seus braços e o abraçou de volta, buscando mais daquele sentimento maravilhoso que ela experimentava. E os dois ficaram daquele jeito por um bom tempo.

Quando ela parou de chorar, o soltou enquanto limpava os olhos e viu que Simon ainda tinha o chicote em mãos. Era uma visão feia e ela não queria que Simon o portasse.

― Tire esse chicote de minha frente, Simon ― ela disse e notou que o chamara pelo nome pela primeira vez.

Pareceu confortável, certo. Soou como lar.

― Já sei onde colocar. Venha comigo.

Simon a puxou pela mão, levando ela para o corredor das escadas. Embaixo de um tapete ela viu um puxador que nunca tinha reparado antes. Simon o puxou, revelando uma escadaria para um porão. Isabelle sempre soube que a mansão era enorme, mas aquilo já era ridículo.

Lá embaixo Simon acendeu as lamparinas, revelando que o porão não era nada mais que um depósito, quase como o sótão. Havia móveis antigos, caixas e mais caixas empoeiradas, quadros com panos por cima e descobertos também. O que mais chamou atenção, no entanto, foi um quadro enorme com duas crianças e um adulto. O menino do quadro usava óculos, tinha um sorriso contido e lembrava muito Simon. A menina parecia com ele também. O mais curioso era que o adulto estava rasgado. Isabelle se perguntou o que tinha acontecido com aquele quadro, mais curiosa do que nunca sobre a vida do lorde.

― O que é esse lugar? ― mas ele não respondeu.

Simon a levou para perto de uma mesa, onde havia uma caixa de madeira média. Dentro dela havia apenas algumas roupas masculinas antigas. Ele enrolou o chicote e colocou dentro da caixa, fechando-a rapidamente.

― Aqui é onde eu guardo tudo aquilo que eu gostaria de esquecer ― ele falou, referindo-se ao porão ― Esse chicote e sua vida com seus pais agora faz parte dessas coisas. E eu quero que saiba que em momento algum nessa casa você vai ser tratada como menos do que você é. Você é uma jovem incrível e corajosa e merece ser reconhecida como tal. Eu lhe tirei da casa dos seus pais sem nenhuma intenção além de que você pudesse ser livre. E eu espero que estejamos sendo bem sucedidos nisso.

― Estão. ― e ela não mentiu ― Desculpe pelo surto.

― Tudo já está bem, senhorita Lightwood.

― Isabelle ― ela o corrigiu ― Para você, eu sou Isabelle.

Ele abriu um sorriso lindo, os caninos pontudos se sobressaindo. Isabelle notou uma coisa engraçada: o canto direito dos lábios dele se levantavam antes que o esquerdo. Não que isso importasse.

― Vamos sair daqui, Isabelle ― ele testou o nome e ela gostou de como soava nos lábios dele ― Estou com fome, o que acha de comermos algo e irmos dormir?

― Só se você tocar algo antes ― ele envolveu a mão dela com a dele enquanto assentia e a levava para a cozinha. ― Algo tem que compensar a bronca que levaremos pela bagunça pela manhã.

Ele gargalhou e Isabelle nunca se sentiu tão leve. Definitivamente ela estava em casa. Tudo estava bem.


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Notas finais do capítulo

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