A festa parecia um cenário pós apocalíptico. Só que ao invés de zumbis, eram adolescentes bêbados que dominavam tudo, dançando, cantando, gritando. Uma explosão de movimento e calor. Um pouco assustador, para falar a verdade.

Ou seja, tudo que uma festa deve ser.

Uma música cheia de batidas tocava, tão alto que o chão parecia vibrar. Haviam copos vermelhos de cerveja e outras bebidas espalhados por toda a casa. A casa, aliás, era enorme, espaçosa, e ricamente mobiliada. Me perguntei como diabos Ethan teria conseguido permissão de seus pais, quando me dei conta de... vamos ser sinceros, quem diabos pede permissão para dar uma festa?

Karen analisava o ambiente, a procura de algum rosto conhecido, e Maisie vinha logo atrás, vlogando. Não demorou muito para alguém reconhece-la e começar a gritar.

Talvez eu deva explicar. Maisie é youtuber, e tem um canal consideravelmente grande, então nós já estávamos meio acostumadas a esses ataques meio histéricos de fãs. Mesmo assim, foi uma surpresa enorme quando a garota correu em direção à Maisie e lascou um beijo na boca dela. A boca de Karen formou um O perfeito e a minha única reação foi rir da cena toda. Quando a garota finalmente largou Maisie, ela ainda estava vlogando e mandou um:

—Você podia pelo menos me pagar um jantar primeiro! –com seu melhor sorriso brincalhão. Claro que ela levou vantagem, como só Maisie consegue, e fez de toda a situação uma enorme piada. Não fiquei para trás, e armei uma enorme encenação.

—Quem é essa, Maisie?! –gritei, sem a menor vergonha. Maisie entendeu imediatamente.

—Não é ninguém, amor, eu juro! Não é isso que você está pensando, eu posso me explicar!

—Então explique-se! –gritei em resposta, e Karen apareceu ao nosso lado, com lágrimas nos olhos, dizendo:

—Quem são essas duas, Maisie! Você disse que me amava!

A essa altura, metade da sala estava nos olhando, nós não conseguimos mais nos manter no papel e começamos a rir descontroladamente.

Quando conseguimos nos desvencilhar da garota e Maisie finalmente desligou a câmera, ela agarrou o braço de Karen e disse, muito séria:

—Se você contar sobre esse beijo para mamãe, eu juro que te mato. –ameaçou. Nem a mais inconsequente de nós está livre da fúria dos pais, mas no caso das duas era desnecessário. A mãe delas, Louise, era simplesmente incrível e adorava o bom humor das filhas, diferentemente de meus pais conservadores.

—Pelo menos ela beijava bem? –Karen perguntou, rindo.

—Deliciosamente. –Maisie provocou e cruzei os braços. Nós rimos e eu vi uma garrafa de vodka dando bobeira em uma mesa. A agarrei e ergui teatralmente, anunciando:

—E o Oscar de melhor atuação vai para... Karen Stewart!—Maisie aplaudiu e Karen agarrou a garrafa, abanando o rosto.

—Primeiramente, eu gostaria de agradecer minha mãe, por me dar à luz, porque claramente estou brilhando até hoje.

—Não agradece não, mamãe tenta te abortar até hoje. –Maisie brincou, e Karen revirou os olhos.

—Sério Karen, como você conseguiu fingir aquele choro? –perguntei, admirada.

Ela jogou o cabelo loiro para trás do ombro e ergueu o queixo.

—Com muitos anos de estudo teatral. E eu passei perto de uma galera fumando umas coisas suspeitas e meus olhos começaram a lacrimejar com a fumaça, então isso pode ter ajudado. –nós rimos e Maisie revirou os olhos.

—O que?! –Karen provocou. –Como você acha que a Angelina Jolie faz? –então abriu a garrafa e deu um enorme gole.

Foi só então que percebi: Karen estava bebendo. Karen sempre recusava a bebida, para ser nossa motorista no fim da noite. Era um saco, mas ela fazia porque em geral, era a mais responsável das três. Então Maisie ou eu teríamos que ficar sem beber, e ninguém queria isso.

Nos encaramos, mortificadas, ao mesmo tempo. Meu corpo pensou mais rápido que a mente, e agarrei a primeira pessoa que estava passando, arranquei o copo de suas mãos e virei tudo num gole.

—Você dirige. –falei sorrindo, enquanto Maisie xingava. Me virei para o dono da bebida, colocando uma mão em seu ombro e comecei a dizer:

—Muito obrigado por... –mas as palavras sumiram no meio do caminho quando percebi quem era a tal pessoa. Retirei minha mão de seu ombro muito lentamente.

—Agora você rouba bebidas?! Seu problema com álcool está ficando cada vez pior, Rachel, acho que vou ter que acionar a polícia. Você é um risco à segurança dessas pessoas. –Ethan disse, sorrindo, enquanto agarrava o copo de volta.

—O único risco a segurança aqui é essa sua cara horrível. É capaz de alguém ter um ataque cardíaco só de olhar! –devolvi. Era mentira. Ele era lindo, é claro, o que só tornava tudo pior. Por que os caras mais bonitos são sempre os mais babacas? Me explica essa, Freud.

Pior ainda: ele tinha plena consciência disso. Abrindo um sorriso maior ainda, disse:

—Mentir é pecado, Rachel. Você me ama, eu sei disso. Sonha comigo todas as noites.

—É. –concordei. –Nos meus piores pesadelos.

Ele não desistiu.

—Então por qual motivo está aqui, se não é para matar a saudade desse rostinho irresistível?

Abri um sorriso perverso e tirei o copo vermelho de suas mãos.

—Open Bar. –respondi, balançando o copo na frente de seu rosto. Ele deu risada e eu virei as costas, indo embora. Karen e Maisie me acompanharam.

Fui até o balcão da cozinha, repleto de garrafas de bebida, e enchi o copo com uma qualquer, até a garrafa acabar. Karen me encarou assustada e disse:

—Talvez Ethan esteja certo e você tenha mesmo um problema de alcoolismo.

Tomei um gole antes de responder. A bebida, fosse o que fosse, era deliciosa. Procurei por alguma etiqueta na garrafa, mas não havia nada.

—Ao contrário, eu estou com um problema sério de sede. –respondi. –De bebida e de algum garoto gostoso.

—Rachel!—Karen me repreendeu, e Maisie riu, concordando.

Eu disse que não erámos santas.

Foi quando uma música que amamos começou a tocar, e não pensamos duas vezes antes de nos jogar no meio da multidão e começar a dançar.

E sem demora, todo o estresse acumulado durante a semana foi desaparecendo enquanto pulávamos e gritávamos as frases da música juntas. Era nesses momentos em que eu me sentia infinita. Ao lado de minhas melhores amigas, vivendo e aproveitando ao máximo.

Quando a música acabou, minha bebida foi-se junto. Deixei Karen e Maisie dançando sozinhas e voltei a cozinha para reabastecer. Encontrei outra garrafa igual a outra, também sem etiqueta. Enchi o copo ao máximo.

—Vai com calma, moça. –um garoto ao meu lado alertou. –Essa daí é muito forte.

Revirei o olhos, ignorando o conselho e dei um gole enorme, só por teimosia.

Adicionar esse momento a lista: Piores Decisões da Minha Vida.

A bebida tinha um gosto esplêndido (o que era bem difícil de encontrar por aí) e eu quase não conseguia sentir o álcool. Minha limitada experiência também me alertava, me fazendo lembrar que geralmente, as piores bebidas são assim, mas eu mandei ela ficar quietinha.

Em poucos minutos tinha terminado o copo e fui até a garrafa enche-lo de novo, quando pensei: não faz sentido ficar voltando aqui para reencher. Então agarrei a garrafa inteira de uma vez e voltei para junto de Maisie e Karen.

E é aí que as memórias começam a ficar confusas. Eu não me lembro muita coisa dessa maldita noite. Devo ter dançado bastante com Karen e Maisie, pois me lembro vagamente de ficar completamente suada e com os cabelos grudando na pele.

Mas me lembro claramente de algo que aconteceu nesse momento. Me afastei um pouco das garotas para recuperar o fôlego e arrumar outra garrafa de bebida. Me apoiei no balcão da cozinha olhando para o nada enquanto bebia um pouco. Então vi Ethan no meio da multidão, flertando com alguma pobre garota desesperada, cheio de sorrisos. Até a porta se abrir e um grupo de pessoas entrar na sala. Então o sorriso de Ethan desapareceu por completo e seu rosto assumiu um tom sombrio. Ele deixou a garota falando sozinha e caminhou imediatamente na direção do grupo recém chegado, completamente tenso.

Ninguém mais parecia ter percebido a chegada do grupo. Todos continuaram dançando, bebendo, fumando, se agarrando e Deus sabe lá mais o que. Mas como sempre, minha maldita curiosidade foi acionada. Comecei a caminhar para perto deles, para entreouvir a conversa. Ethan gesticulava violentamente, e eu não entendia o porquê daquilo. Eles aparentavam ser bem normais, roupas regulares e tudo mais. Exceto por uma garota que se vestia como uma boneca, o que era um pouco assustador na verdade.

 O plano original era me aproximar apenas o suficiente para ouvir a conversa discretamente. Mas é claro que minha mente embriagada pensou: “O que? Não, esse é um péssimo plano! Vamos lá falar com eles!”. Então, lá fui eu, me aproximando do grupo.

Eram quatro caras e a garota-boneca. Não me lembro dos rostos deles claramente, mas me lembro do que aconteceu a seguir.

—Oiiiiiii pessoal!—exclamei. Eles me olharam com um ar divertido e trocaram um olhar que não entendi.

—Rachel, por favor, dá o fora. –Ethan murmurou bruscamente no meu ouvido, segurando meu braço com força.

O olhei, chocada.

—Me larga! –gritei, e me virei para os outros. –Esse Mc’Wright é um chato, né? Não liguem não. Não sabe nem receber um visita! –foi então que percebi algo um pouco suspeito. O grupo estava conversando com Ethan por alguns minutos, mas ainda não haviam colocado um pé para dentro da casa. Estavam simplesmente parados no portal.

—Nem convidou vocês para entrar! –exclamei, chocada, apontando o dedo para Ethan. –Que mal educado, tem bebida para todo mundo!

—Rachel, não! –Ethan gritou, mas era tarde demais.

—Entrem! –eu convidei.

Eles entraram.

—Não! –Ethan gritou. –Vão embora!

A garota aproximou-se dele e disse:

—Tarde demais, gato. A permissão já foi dada.

Enquanto isso, eu guiava o grupo na direção das bebidas, conversando animadamente. Abrimos caminho pela multidão.

—Aquele ali é o Paul. –apontei para o garoto no canto. –Ele é conhecido por ter feito xixi na cama no acampamento da escola, um baita looser. E aquela ali é a Wanda. Um vídeo pornô dela caiu na net, imaginem só o escândalo!

Ethan me alcançou, agarrando meu braço mais um vez, como uma garra de ferro:

—O que diabos você está fazendo!—murmurou por entre os dentes. –Colocou todos aqui em perigo! Você... –foi então que percebeu a garrafa de bebida em minhas mãos e a pegou, olhando suspeitamente. Respirou fundo e perguntou lentamente:

—Onde você conseguiu isso? –seu rosto estava furioso, mas é claro que eu não liguei.

—No útero da sua mãe! Óbvio que foi na cozinha!

—Essa bebida não é minha. –ele disse, acusadoramente, mais para o grupo do que para mim.

Foi a garota-boneca quem respondeu:

—Um presentinho nosso. É tiro e queda, deixa as presas tão mais fáceis! –ela riu, enquanto acariciava uma mecha do meu cabelo. Ethan me puxou para trás, me afastando das mãos da garota.

—Fiquem longe dela. –ele disse, mortalmente sério, como eu nunca havia visto. –Fiquem longe de todos.

—Sabe, a ruivinha tem razão. –um dos caras falou. –Você realmente não sabe receber uma visita.

Eles riram e se afastaram. Ethan se voltou para mim e por um momento não disse nada, só me encarou com o rosto púrpuro de fúria.

—Você vai embora. –ele anunciou. –Agora.

—Oi?! –exclamei. –Eu não vou a lugar nenhum!

Ele se aproximou e começou a passar as mãos pelo cabelo, desesperado.

—Rachel, você não entende o perigo que está correndo, eu estou tentando te salvar!

Eu o empurrei, gritando:

—Eu não preciso ser salva, e muito menos por você! –as palavras saíram enroladas, e eu senti minha cabeça rodar. Finalmente estava percebendo o efeito da bebida, e comecei a considerar a hipótese de realmente ir para casa. Mas era muito teimosa para isso, e não iria dar essa satisfação a Ethan.

Me virei e caminhei diretamente em direção ao grupo.