Morte aos Lobos escrita por Beatriz Rozeno


Capítulo 6
Capítulo 5 - O lado Yin


Notas iniciais do capítulo

Espero que gostem!
Boa leitura!



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Apenas um nome me vem à cabeça. Julie. Seria a explicação mais plausível, mas isso sempre me pareceu tão impossível. Eu tinha certeza que isso aconteceria, talvez, em um universo paralelo, sei lá...

Será ela? Aqui na minha frente, a menos de um metro de distância? Não... não! Qual a probabilidade de isso acontecer? Uma em um bilhão ou algo parecido.

Meus olhos encontram um colar ao redor de seu pescoço. Não tenho mais dúvidas, seria muita coincidência. Ela tem a outra metade do Supremo Fundamental Chinês, o lado Yin, que simboliza a escuridão, a razão.

Ela já entendeu, consigo ver em seu olhar que ela sabe quem eu sou. O que eu faço agora? Nunca nem imaginei nosso encontro, muito menos o que eu iria fazer. Eu apenas pensava nela, em como ela seria. Somos realmente muito parecidas, porém imensuráveis detalhes nos fazem diferentes.

Julie usa o cabelo preso em um coque firme; lembro que meu pai nunca me deixava usar o cabelo assim, porque mamãe adorava prender o cabelo daquele jeito. Agora sei por que era tão difícil para ele. Se Julie sorrisse agora, seria a cópia exata de nossa mãe. Sua pele é mais bronzeada que a minha, o que a deixa com uma bela aparência. Tem os ombros largos, a postura correta, talvez praticasse algum esporte. Seu corpo é esbelto, um exemplo de saúde. Ela tem os mesmos olhos que eu, os mesmos olhos de papai. Verdes e brilhantes. 

Não sei o que eu esperava. Um abraço, talvez. Um aperto de mãos, possivelmente. Um sorriso, quem sabe. Tudo que eu ganho é um sorriso falso.

— Então você sobreviveu — diz ela, sem demonstrar nenhum sentimento.

— Ainda estou tentando — respondo.

— Pelo que minha tia dizia, achava que, depois do fim do mundo, alguém criada pelo Albert jamais chegaria até aqui.

Eu devia imaginar. Era de se esperar que nossa tia fizesse Julie acreditar que nosso pai era um homem ruim. Assim como papai me fez acreditar que tia Yolanda era uma cobra.

— Nosso pai me criou muito bem.

Seu pai. Eu não tenho nenhum! — rebate.

— Não sabia que acreditava em cegonhas.

Quero voltar no tempo, retirar o que disse. Ela se aproxima e ficamos cara a cara. Não gosto de briga, mas, diferentemente do que eu faria, não recuo. Eu a encaro de volta, sem medo. Apesar de ser mais forte e robusta, Julie tem a mesma altura que eu.

— Não caçoe de mim, garota.

— Não me dê motivos para isso.

O cara grandão nos separa e conversa com ela.

— Lembra o que conversamos sobre controle? — diz ele.

— Você escutou o que ela disse.

— Mas você também não foi muito legal.

Dou uma olhada para trás e vejo Thiago com os olhos arregalados, totalmente surpreso com a situação. Bob e Carol estão concentrados em olhar um para o outro de forma ameaçadora, aposto que ela quer pular no pescoço dele e vice-versa.

— Depois que essas coisas se dispersarem, vocês vão embora. Não precisamos de vocês — ao dizer isso, ela vira as costas e vai embora antes que eu possa dizer mais alguma coisa.

— Não ligue pra ela, vocês podem ficar se quiserem — avisa o grandão.

— Boa sorte em tentar convencer a Julie — Bob passa por nós e segue a colega.

— Desculpe, mas me parece que não vai dar certo — digo a ele.

— Lamento por isso — ele faz uma pausa. — Eu sou o Terry.

Eu o cumprimento, e Carol e Thiago fazem o mesmo. Vamos com Terry até o telhado, que é onde eles montaram algumas tendas pra se proteger do sol e da chuva. Como as janelas e portas do shopping ficam trancadas, é muito escuro. Eles ligam o gerador de energia só quando é extremamente necessário. Mas Terry garante que é seguro, que já vasculharam cada canto do local. Paro para observá-lo melhor, é estranho um cara tão monstruoso ser tão gente boa. Ele usa uma regata verde e uma calça do exército, o que se une com seu cabelo curto e músculos notáveis, indicando que ele era soldado. Carrega um facão no cinto, e tem uma mala com armas de fogo, que não utiliza muito. Ele conta que roubou do quartel quando viu que não havia mais salvação. Foi atrás dos amigos, Bob e Julie, e sobrevivem como podem. Mas eu diria que estão muito bem.

**

Estamos no terraço, esperando as pragas irem embora. Pelo visto, Julie, Terry e Bob estão ocupando o prédio a algum tempo, e pretendem ficar. Os olhares de Thiago e Carol entregam que eles adorariam permanecer com eles. Não vou obrigá-los a vir comigo. E não posso ficar, não daria certo com Julie aqui.

Apoio os braços no parapeito e, ao olhar para baixo, percebo que, infelizmente, as pragas vão nos cercar por pelo menos mais um dia. Até que seu instinto os leve para caçar em outro lugar. Como não estamos muito alto, escutamos seus grunhidos horrendos.

O vento sopra meu cabelo com força, e lembro que ele está solto desde o ocorrido na cabana. Tiro o prendedor da jaqueta e amarro os fios ondulados em um rabo de cavalo firme.

— Que dia, não acha?

Thiago está ao meu lado agora.

— Nem me fale. Nunca pensei que um dia chegaria a encontrá-la, não depois de tudo o que aconteceu.

— Me parece que foi um pouco decepcionante — diz ele.

Ele olha bem no fundo dos meus olhos, e enxergo seu apelo.

— Poderíamos ficar com eles, Amy.

— Thiago, por favor...

— Pare pra pensar sobre isso, não é uma má ideia. Veja só o Terry, esse cara é ex-militar, tem uma bolsa cheia de armas de fogo, e usa aquele facão preto assustador que me deixa todo arrepiado! — ele pausa antes de continuar. — O bonitinho, o Bob, é um pouco doido, mas totalmente sanguinário. E a sua irmã... com aquele coque e as duas espadas que usa, fica parecendo uma ninja. Aliar-se a eles é um ótimo modo de sobreviver.

Infelizmente, ele tem razão. Terry parece ser muito bom no que faz, e nunca vimos Bob em ação, mas ele não é do tipo de cara que fugiria de uma boa luta. Julie não usa bem duas espadas, são duas mini espadas ninja, que ela encontrou por aí. Ainda assim, ela sabe usá-las com maestria.

— Olha, você e Carol podem ficar com eles. Eu preciso ir embora.

— Pensei que você gostasse de nós, e somos uma boa equipe — diz sorrindo.

— Eu juro que a ideia não me deixa nada feliz, mas não quero ficar aqui com Julie, e nem obrigar vocês a irem comigo.

— Por que é tão difícil ficar?

— Uma equipe com nós duas nunca vingaria, é impossível — respondo tristemente.

— Ela é sua irmã! E gêmea!

— Mas é totalmente o oposto de mim.

—  Não é isso que os símbolos de vocês representam? Os opostos? E que isso é necessário para o equilíbrio da vida, dos sentimentos?

— Ela que se equilibre com outra pessoa — digo rapidamente.

— Nossa! Você é mesmo do tipo irreversível.

Acabo rindo porque ele fica parecendo uma criança que não conseguiu o que queria. E nós dois permanecemos ali, apenas observando a paisagem e tentando ignorar as pragas.

A noite chega, e como eu imaginava, grande parte das pragas ainda nos espreita. Vamos dormir aqui esta noite, e Julie não parece gostar.

— Se alguém roncar, juro que jogo vocês lá embaixo — avisa Bob.

Sinto que ele não está brincando, e que nos jogaria daqui de cima mesmo se não roncássemos. Mas eu não consigo dormir.

Penso em meu pai. Ele que só desistiu de procurar por Julie depois de dezessete anos, será que ficaria decepcionado com o que ela se tornou? Talvez sim, talvez não. Ela lhe lembraria a mamãe, muito mais do que eu. O que a tornou assim, tão insensível? Como foi sua vida sem uma mãe e um pai? Eu gostaria de saber.

Viro para o lado e percebo que ela está olhando para mim, e tento decifrar seu olhar. O que se passa pela sua cabeça? Deve estar procurando um jeito de me matar sem que ninguém saiba, ou algo assim. Ela me dá um sorrisinho sarcástico e vira-se para o outro lado. É claro que ela não me mataria. Me acha tão estúpida que acredita que eu acabaria fazendo isso sozinha.

E então eu percebo. Eu não a odeio, e nem deveria. Nenhuma de nós é culpada do que aconteceu, e eu só queria que ela também percebesse isso. E por mais que doa admitir, acho que não vai acontecer.

**

Ouço alguém sussurrando. Abro os olhos e apuro os ouvidos, e logo em seguida outra pessoa fala, ainda mais baixo:

— Não seja assim tão bruta. Eles podem ser ótimos aliados — é a voz de Terry.

— Já disse, e vou repetir: Não precisamos deles! — diz Julie.

Pelo tom de sua voz, sei que é algo que ela gostaria de gritar para o mundo. Nenhuma das duas vai dar o braço a torcer.

— Lembra de quando a gente era criança? — continua Terry. — Você ficou maluca quando descobriu sobre a sua irmã, e só não virou o universo de cabeça para baixo até encontrá-la porque sua tia não deixou.

Desta vez, ela não tem uma resposta pronta.

— Ela não é o que eu esperava.

— Tenho certeza que você é exatamente como ela sempre esperou. Suas atitudes que não são — responde.

Escuto Terry afastando-se dela. Julie vem para mais perto de mim e penso que talvez seria uma boa ideia fingir estar dormindo. Mas quero que ela saiba que eu escutei. Ela entra no meu campo de visão e se agacha para pegar algo em uma caixa. Seus olhos encontram os meus, e ela pensa no que dizer.

— Sabia que é feio ouvir a conversa dos outros?

Ela volta a procurar o que queria na caixa. Apanha uma lata e vai embora, não sem antes lembrar:

— Vocês têm uma hora para ir embora.


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Notas finais do capítulo

Até o próximo!
Abraços, Beatriz ♥



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