Morte aos Lobos escrita por Beatriz Rozeno


Capítulo 4
Capítulo 3 - Jacks


Notas iniciais do capítulo

Como prometido, capítulo novo na sexta.
Boa leitura!



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Meu pequeno relógio de pulso indica que tenho uma hora e meia até o anoitecer. O que é ruim porque não encontrei nenhuma casa, ou até mesmo algum tipo de fábrica, para passar a noite. Eu teria ficado em algum carro que vi pelo caminho se Thiago e Caroline tivessem ido embora, mas eles permanecem atrás de mim. Vez ou outra, dou uma olhada neles. É engraçado como brincam um com o outro, fazem piadas e caretas quase o tempo todo. Quando consigo escutar o que dizem, acabo sorrindo sozinha. Até que uma história que Thiago está contando chama minha atenção e eu diminuo o passo, a fim de ficar ao seu lado.
— Você não estava com o juízo perfeito naquele dia! — zomba ele.
— Eu não poderia deixar meu caderno para trás. Um dia a humanidade irá me agradecer pelo que fiz!
— E você será conhecida como a garota que matou um 'jack' com um caderno — responde Thiago já caindo na gargalhada.
Acabo rindo com eles, mas a palavra 'jack' acaba ocupando minha mente.
— "Jack"? — pergunto.
— Olha, Thiago! Ela fala! — brinca Carol.
Eles riem de mim como se não houvesse amanhã.
— É sério. O que é jack?
— É como chamamos essas coisas que nos caçam por aí. Um cara da nossa cidade foi o primeiro infectado que vimos, e deu um verdadeiro show de horror em plena praça pública. Seu nome era Jack, por isso nós chamamos eles assim — explica ela.
Por algun motivo, sinto-me verdadeiramente incomodada com o fato. Eles tratam do acontecimento como se fosse engraçado, como se esquecessem de que poderia ser um dos dois ali. Não consigo esconder meu desconforto.
— Amy, você está bem? — pergunta Thiago.
— Sim, eu estou... Como você matou uma praga com um caderno?
Decido parecer curiosa para não falar sobre isso e parece funcionar.
— É o seguinte — começa. — Eu tenho um caderno de anotações, onde escrevo tudo o que sei e o que acabo descobrindo sobre as pragas. Eu sei que um dia vai servir para algo muito útil, e eu guardo como se fosse minha vida. Um dia eu e meu irmão fomos pegos de surpresa na estrada, e o meu caderno não estava na bolsa porque ela estava lotada de comida, o que era muito bom. Nós corremos, mas esses bichos são mesmo muito rápidos e nós ainda estávamos carregando peso. Mas aí meu caderno caiu.
"Thiago sabia que eu ia querer pegar, e me carregou dali. Eu acabei tropeçando no meu pé, porque esse idiota me puxava de qualquer jeito. E de repente uns dez bichos estavam muito perto.
Ela pausa e olha com raiva para o irmão.
— Foi então que esse maluco fez um corte no braço e atraiu eles até as árvores, pois é óbvio que eles sentiriam o cheiro.
— Admita, foi uma ótima ideia — diz ele.
— Aos trancos e barrancos, corri até o caderno. E, ao me abaixar pra pegá-lo, acabei soltando um grito. Um jack saiu do outro lado da estrada e se jogou em cima de mim. Fui pega de surpresa, não consegui pegar minha faca no cinto, e o bicho me prendeu no chão. — Seu corpo treme ao lembrar do ocorrido. — Estava tão furiosa, tão cansada de tudo, que joguei o bicho pro lado e dei um soco na cara dele. Eu vi
meu caderno com o canto do olho e o peguei para terminar o serviço. E então, quando Thiago voltou, deu de cara comigo matando a coisa. Mas ao invés de me abraçar e dizer algo reconfortante, ele riu!
Como uma deixa, ele ri mais ainda, e tenta se controlar para não sermos ouvidos.
— Desculpa, maninha. Sabe, não é todo dia que se vê coisas do tipo. Ainda mais uma garotinha tão fofa matando um bicho daqueles com seu caderno de florzinha.
— E como você matou dez pragas tão rápido? — pergunto rindo.
— Por favor, queridinha, meu taco é muito ágil!
Ele balança o taco de baseball como se fosse bater em alguma coisa e, enquanto eu e sua irmã rimos, Thiago franze as sobrancelhas e solta:
— Nossa, isso foi muito impróprio!
Solto um som que a muito tempo não ouvia: minha própria gargalhada. Havia esquecido como era bom rir desse jeito, como era bom estar com o coração leve.
Ao contrário do dono, o taco não é nada engraçado. Thiago colocou pregos nas pontas, e o mesmo está todo sujo de sangue seco e fresco. Acho que ele não está exagerando sobre a sua habilidade com a arma, é preciso muita experiência para não acertar seu aliado quando estiverem combatendo as pragas.
— Ei, vejam só!
Thiago aponta com o taco para algo que está no nosso lado esquerdo. Ao olhar, percebo que são torres de prédios, não muito altos. Finalmente uma cidade. Deve estar a meio dia de caminhada, mas não dispomos desse tempo.
— Teremos que atravessar a floresta. Se tentarmos dar a volta pela estrada, podemos acabar andando em círculos — avisa Caroline.
— É perigoso ir agora. Está para anoitecer e esta cidade não está muito perto — avisa Thiago.
— E onde vamos passar a noite? Não podemos ficar por aí. Esses bichos tem uma vantagem á noite porque nossa visão é limitada — lembro a eles.
Vejo que Carol está apertando os olhos para focar em algo que está atrás de mim.
— Acho que tem uma cabana ali.
Olho para a direção que ela indica. Consigo ver apenas um pedaço do que parece uma cerca.
— Melhor darmos uma olhada — diz Thiago. — Eu vou na frente.
Caminhamos um pouco até finalmente podermos ver a cabana por completo. Não é uma cabana pequena, possui uma varanda e até um varal. Uma cerca ronda toda a propriedade. Há dezenas de borboletas desenhadas, enfeitando as paredes pintadas com um laranja suave. Parecia que as borboletas voavam sob o pôr-do-sol. É bom ver um pouco de beleza no meio de tanta destruição.
Thiago e Caroline passam pela cerca e vasculham o local enquanto eu monto guarda. Eles fazem o mais absoluto silêncio, e eu consigo escutar o barulho de água corrente batendo contra as pedras.
Passo por algumas árvores e chego até um pequeno riacho, que corta a floresta. Volto para onde eu estava, e Thiago aparece fazendo sinal para que eu entre. Fecho a pequena passagem da cerca e subo as pequenas escadas até a cabana.
Os móveis estão intocados, cobertos por lençóis cobertos de poeira. Não está fedendo a mofo e percebo que a janela dos fundos está aberta.
Há um quarto, uma cozinha, uma grande sala e um banheiro simples. Os armários da cozinha estão cheios de enlatados e garrafas de água, e os do quarto e do banheiro têm toalhas e lençóis. Se formos cuidadosos, poderíamos ficar por alguns dias. O lago serviria para tomar banho e lavar nossas roupas.
Percebo que os irmãos estão tão encantados quanto eu. Talvez tenhamos um pouco de paz.
Conto a eles sobre o riacho e sou a primeira a ir até o local para tomar um bom banho. Vou sozinha, é claro, e aproveito o que resta de luz do sol. Pego uma toalha e um sabonete no lavabo.
Esfrego bem o corpo, molho o cabelo, escovo os dentes e esfrego os pés. Sinto-me uma outra pessoa. Duas de minhas facas estão perto de mim, mas felizmente não preciso delas. Visto uma bermuda que vai até os joelhos e uma regata, ambos limpos, que eu havia guardado na bolsa. Lavo algumas roupas do melhor jeito que dá, e as estendo em uma cadeira dentro da cabana.
E depois, roupas de Thiago e Carol juntam-se às minhas. Fechamos todas as portas e janelas, e nos preparamos para dormir. Carol e eu dormimos na cama de casal e Thiago fica em um colchonete do mesmo lado que eu. Caroline dorme muito rápido, mas eu e Thiago demoramos a dormir. Então lembro sob que circunstâncias acabamos nos unindo para sobreviver.
— Como você saiu de lá? — pergunto.
— De onde? — responde sussurrando.
— Do acampamento. Eu não vi quase nada, só pensava em sair dali.
— Eu fiquei para resistir junto com Helena e os outros, mas eram tantos, Amy. Você não faz ideia. As pessoas caíram, uma a uma, e eu acabei vendo quatro bichos caindo em cima de Helena. Eu gritei e me aproximei para ajudá-la, mas ela pediu para que eu fugisse dali — Ele tem dificuldade pra continuar. — Encontrei Carol e mandei ela correr enquanto eu distraia alguns deles. Eu a perdi de vista, mas por sorte a encontrei, junto com você.
— Sinto muito por Helena.
Ele demora pra me responder.
— Ela era uma ótima pessoa, sentirei sua falta.
Então lembro de quando eu o encontrei depois do ataque. Não havia prestado atenção, mas seus olhos estavam marejados. A perda de Helena o atingiu de verdade, mas ele tenta permanecer forte por causa da irmã. É por isso que ele sempre faz piadas e tenta fazer ela sorrir. Caroline precisa de esperança para continuar vivendo nesse mundo tão cruel, e ele dá isso a ela de bom grado. Eu o admiro por isso, não sei se teria essa força.
— Desculpa tocar no assunto.
— Tudo bem, Amy. Sei que não fez por mal.
Giro o corpo para conseguir ver Thiago. Seus olhos brilhantes encaram os meus.
— É melhor tentarmos dormir — digo.
— Talvez sim.
— Boa noite, Thiago.
— Boa noite.


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Notas finais do capítulo

Até o próximo.
Abraços, Beatriz ♥



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