Morte aos Lobos escrita por Beatriz Rozeno


Capítulo 3
Capítulo 2 - Acampamento


Notas iniciais do capítulo

Decidido: capítulo novo toda sexta-feira.
Boa leitura *-*



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Observo Helena durante todo o caminho até o tal acampamento. Ela tem aproximadamente 29 ou 30 anos, morena, olhos claros; realmente muito bonita. Ao olhar para suas mãos firmes no volante, percebo algumas feridas cicatrizando nos nós de seus dedos. Helena provavelmente quebrou a cara de alguém, a mais ou menos uma semana. Fico mais nervosa do que já estava, me parece que por trás deste rostinho bonito existe uma mulher ameaçadora. Ela possui músculos notáveis e é bem corpulenta, talvez fosse praticante de alguma arte marcial. Ou até mesmo fosse do exército ou algo parecido. Tomo nota mentalmente: “Nunca me desentender com Helena”.

— Chegamos – avisa.

Rapidamente salto da caminhonete. Olho para os dois lados da pista, e nenhum sinal de abrigo. Meu coração acelera, e minha mão direita pousa involuntariamente em uma de minhas facas. A primeira coisa que penso é que fui trazida para algum tipo de armadilha. Porém, quando Helena sai do veículo, seu olhar permanece calmo e, ao perceber o que pretendo fazer, ela levanta as mãos e dá um belo sorriso.

— Calma, Amy. Precisamos adentrar um pouco na floresta para chegar. Garanto que não farei nada contra você.

Algo em seu comportamento me chama a atenção. Helena se fez de vítima, dando a entender que o problema aqui sou eu, e que ela só quer ajudar. Afinal, quem trataria mal uma linda mulher que sente-se culpada por não ter correspondido às suas expectativas? Apesar de participar de seu joguinho, sei que ela não é boba.

— Desculpe – digo nervosamente.

— Tudo bem, pode vir atrás de mim se você preferir.

Afirmo com a cabeça, e ela segue na minha frente, não sem olhar para trás de vez em quando, querendo ter sob controle cada um dos meus passos. Helena é mais perigosa do que eu imaginava.

Vejo o local antes que ela tenha tempo de avisar, e não posso negar que fizeram um bom trabalho. Há homens e mulheres cercando o lugar, portando diversas armas brancas. Uma pequena minoria têm armas de fogo. Eles protegem dezenas de barracas, que estão espalhadas desordenadamente. Pequenos varais foram levantados, assim como tendas que servem de refeitório e enfermaria. Mas outros detalhes chamam minha atenção.

Todo o perímetro está sendo vigiado por pessoas que não aparentam estar cansadas ou com sono. Ou seja, eles têm gente suficiente para trocar de turno quando quiserem, e com freqüência. Existem muitos vestígios de fogueiras apagadas, por todos os lados. Vejo voluntários servindo comida para as pessoas. Tudo indica um padrão.

Isso significa que eles estão aqui há muito tempo, tempo suficiente para criar uma rotina. O que não é nada bom. As pragas rastreiam com facilidade acampamentos que permanecem na mesma localidade. Eles vêm sentindo os cheiros das pessoas que hoje encontram-se aqui, provavelmente há semanas. Como alguém pode não ter pensado nisso antes? Talvez achem que estão bem armados e, com isso, protegidos. Mas se um bando os pegasse desprevenidos, seria o fim. Finalmente decido que não irei ficar. Mesmo que demore, as pragas já estão no encalço deles, e eu não quero estar aqui quando chegarem.

— Você pode ficar aqui, por enquanto.

Helena havia me guiado até uma pequena tenda, onde encontra-se uma grande mesa e algumas cadeiras.

— Vou pedir para alguém trazer um pouco de comida para você e depois levá-la à uma barraca que esteja disponível.

— Obrigada.

Sento-me e Helena vai embora. Ainda no meu campo de visão, encontra com dois caras. Mas dá toda a sua atenção somente para um deles. Ele tem um sorriso travesso, é alto e bem magro; talvez tenha uns vinte e dois anos, pele clara e seus olhos escuros brilham mesmo de longe. É engraçado como seu cabelo se movimenta por causa do vento, ele precisa de uma aparada. Eles conversam animadamente e ela aponta com a cabeça para mim, ele faz que sim com a cabeça , despede-se dela e vem em minha direção. Ela agora fala com o outro cara, mas continua olhando para o outro mesmo quando ele está de costas. E então eu entendo. Ela está caidinha por ele. Ela perde a pose de durona quando ele está por perto, e me admira que ela prefira homens mais novos. Mas ao menos eles têm a mesma altura, eu devo ter a idade dele, mas sou bem menor.

O rapaz primeiro passa onde algumas mulheres preparam comida, e traz um pouco para mim em um prato e uma xícara. Meu estômago me lembra que estou com fome. Tiro a mochila e a ponho bem ao meu lado.

— Você deve ser a Amy – diz ele.

— É, sou eu.

— Helena me pediu para trazer pra você.

Olho para o conteúdo do prato. Alguns biscoitos e cereais, e na xícara um pouco de café. Tomo um susto, há muito tempo não tomo a bebida, mas sempre gostei, desde pequena. Eles devem ter pessoas que fazem grandes buscas em cidades próximas.

Sem avisar, ele senta na cadeira à minha frente. Vá embora, penso, Helena vai me matar se eu falar com você.

— Eu vi quando você chegou, passou por mim e pela minha irmã – diz ele.

— Não lembro, não estava prestando muita atenção – acabo respondendo.

— Se tem uma coisa que você estava fazendo, e muito bem, era prestando atenção. O jeito como você olhou para tudo. Deve ter percebido que podemos ser atacados a qualquer momento, não é?

Ele encara meus olhos de um jeito convencido. Um sorrisinho lhe atravessa o rosto.

— Se você sabe disso, por que continua aqui?

Ele abra mais o sorriso para poder responder.

— Eu tentei sair daqui com minha irmã, mas não poderia deixar Helena. E mesmo se pudesse, ela me traria de volta pelas orelhas.

— Por acaso ela é sua mãe?

Ele dá uma gargalhada e vejo o olhar de Helena recair sobre nós.

— Não, ela é apenas uma grande amiga.

Helena parece querer soltar fogo pelas ventas. Não é bom eu continuar conversando com ele. Mas como eu imaginava, ele não percebe e prossegue:

— Você é mesmo boa com essas facas? Vi que você tem quatro delas no cinto.

— Eu me viro – digo a ele.

— O sangue na sua blusa indica que você matou um recentemente. E, pelo modo como está espalhado, sei que ele nem mesmo chegou a te derrubar.

Olho para a blusa e depois para os seus olhos.

— Muito bem observado.

Uma súbita curiosidade me faz perguntar:

— Qual o seu nome?

— Muito obrigado por estar contribuindo com a conversa, já estava desistindo de ser legal com você – diz sorrindo.

É a minha vez de dar um sorrisinho.

— Meu nome é Thiago. Se precisar de mim, basta perguntar de alguém por aqui, todos me conhecem.

Helena então aparece e pede ajuda de Thiago para consertar alguma coisa, não entendi muito bem o que disse por que estava concentrada em sua expressão raivosa.

Como nenhum dos dois me mostrou onde eu deveria ficar, fui procurar uma barraca livre depois de comer. Encontrei uma bem simples, ainda sem lenha e sem varal, mas com um colchonete bem confortável dentro. Está longe até mesmo das barracas mais próximas, e acabo optando por ela, que parece intocável. Como está bem no limite da floresta, há um garoto pendurado em uma árvore, ele tem um facão no cinto, mas está lendo um livro. Deve sentir-se muito seguro para isso.

A noite rapidamente chega, e escuto as pessoas indo em direção às tendas para jantar, ou algo assim. Mas eu não quero ver mais ninguém, quero apenas dormir. Como algumas frutas secas em cubos, que tenho na bolsa, e bebo um pouco de água. Depois de ouvir as vozes de dois homens conversando sobre troca de guardas, adormeço.

**

Saio da barraca e logo sinto o cheirinho de fumaça, proveniente das fogueiras feitas na noite passada, mas que só agora estavam apagando por completo. Não precisei fazer uma durante a noite porque fiquei bem aconchegada dentro da barraca, e a noite nem foi tão fria.

Ontem deixei minha mochila pronta, para o caso de precisar fugir. E logo ao acordar, guardo meu único lençol bom e o velho que serve de travesseiro. Sento em um toco de árvore próximo e tento relaxar. Ainda é muito cedo, quase ninguém está acordado. Ao longe, vejo que Thiago já está de pé, mas não consegue me ver. O que é ótimo, já que Helena não gosta que ele tenha outra companhia feminina, a não ser a dela e a da irmã dele.

Um vento forte sopra e o meu cabelo fica todo bagunçado. Eu o prendo rapidamente, antes que a bagunça fique pior. Inspiro o cheiro maravilhoso da floresta por alguns minutos. Lembra-me as viagens que eu fazia com meu pai quando criança, quando ele me arrastava pelo mundo atrás de Julie. É quando um fedor de carne podre invade minhas narinas, e eu acabo engasgando.

Ouço seus gritos antes de vê-los de fato. As pragas invadem o lado oposto do lugar onde eu estou. Muita gente ainda estava dormindo, e o caos se instala rapidamente. Agarro minha bolsa e a jogo em minhas costas. Começo a correr desesperadamente para dentro da floresta, sem pensar em nada e nem em ninguém. Fugir é minha prioridade. Minha mão direita segura a faca, e a esquerda ajuda a afastar os galhos das árvores do meu caminho.

Escuto alguns tiros, mas não muitos. Os gritos das pessoas e das pragas somem à medida que eu corro e, depois de alguns minutos de corrida, não os escuto mais. Alcanço uma rodovia, e paro abruptamente. Meu sangue pulsa em meus ouvidos, atrapalhando minha audição. Decido continuar andando, mesmo que devagar, enquanto tomo fôlego. Estou quase me sentindo cem por cento quando algo se projeta ao meu lado, me derrubando no chão com violência.

Minha mão larga a faca sem querer, e tanto direita quanto esquerda seguram o pescoço da coisa com força. Meus olhos focam seu rosto, e pedem para serem fechados. Sua face está exposta do lado esquerdo e sua orelha direita foi arrancada. Ele abre a boca ferozmente, e bate os dentes, tentando alcançar minha carne. Sinto meus braços cedendo ao esforço, e o grunhido que emite parece me tirar a concentração.

O esforço acaba quando alguém chuta o bicho para longe. Viro para retomar o fôlego novamente e vejo uma garota enfiando um pé-de-cabra no crânio da criatura. A garota vem até mim e, pacientemente, me ajuda a levantar. Seus pequenos óculos deslizam, e ela os coloca no lugar. Seu cabelo claro é longo e está preso em um rabo de cavalo bem bagunçado. Ela ainda é adolescente, por volta de 16 anos. Dá um sorrisinho para mim ao estender a mão. Eu a cumprimento, e ela me parece incrivelmente familiar. Seus olhos escuros e o riso sapeca me lembram alguém, mas não consigo lembrar quem seja.

— Carol! Carol!

Thiago sai da floresta, ofegante, suado, e totalmente assustado. Quando seu olhar fixa a garota, ele a abraça apertado.

— Nunca mais corra daquele jeito.

— Mas foi você quem me mandou fazer isso, esqueceu?

— Desconsidere a opção até segunda ordem – respondeu brincando.

E então tudo faz sentido. Thiago havia citado sua irmã em nossa conversa, e me parece a opção mais viável para sua reação. Ele finalmente percebe minha presença.

— Sinceramente, não me surpreende que tenha conseguido sair de lá – diz ele. – Acho difícil sobrar alguma coisa.

Os dois estão com mochilas nas costas, o que prova que Thiago estava mesmo crente de que aquele lugar cairia. Eu afirmo tristemente para ele, e olho para sua irmã.

— Obrigada pela ajuda.

— De nada. Meu nome é Caroline, mas pode me chamar de Carol.

— Agradeço pelo que fez, mas agora preciso ir – digo ao pegar minha faca do chão e continuar andando.

— Você poderia vir com a gente – pede Thiago.

— Desculpe, prefiro estar sozinha – respondo sem olhar para trás.

— Estar sozinha é perigoso. Você poderia ter morrido a alguns segundos atrás – lembra Caroline.

— Já disse: quero estar sozinha.

— Então nós vamos atrás de você. Prometemos não encher sua paciência – diz Thiago. E, com o canto do olho, os vejo logo atrás de mim.

Reviro os olhos e continuo caminhando. Cumprem a promessa, e não me dirigem a palavra. Mas não me preocupo muito. Eles vão ficar cansados da minha companhia monótona e sem graça, e vão embora sem nem mesmo eu perceber. Não quero me apegar a eles, ter uma equipe. As pessoas que eu gosto tendem a me abandonar.


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Notas finais do capítulo

Até o próximo.
Abraços, Beatriz ♥



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