Remember Me escrita por Miaka


Capítulo 9
Realidade


Notas iniciais do capítulo

Pessoal, mil desculpas pelo hiatus de 1 mês que tivemos! Eu estava de férias e eu precisei, realmente, de um tempo para mim! Eu espero que vocês tenham curtido essa pausa e já anuncio que voltei com tudo! Mwhuahua! Prosseguindo a história, muito obrigada sempre por acompanharem! ♥



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Passava das duas da tarde quando o palácio de Sindria parecia estar tomado pelo alvoroço.

Os servos corriam de um lado para o outro pelos corredores, jardins internos e externos, bibliotecas, salões. O pânico estampado em suas expressões enquanto abriam portas. A aflição se convertendo em decepção a cada cômodo que abriam e encontravam… nada. Absolutamente nada.

Aquele furor era compreensível, já que o Rei Sinbad havia, simplesmente, desaparecido.

Seus aposentos estavam intocados desde a última visita dos criados para o arrumarem, no dia anterior. A cama forrada com perfeição, sem uma dobra sequer nos lençois que a cobriam.

Depois de horas procurando por todo o palácio, eles se reuniram ali, no jardim principal. Ofegantes, os seis generais que estavam ali não precisavam dizer nada. Suas expressões melancólicas condenavam que a procura de cada um tinha sido em vão.

— Eu não acredito que a majestade foi embora! - Pisti mordia o lábio inferior, parecendo bastante assustada.

— Sinbad jamais faria isso! - Hinahoho cruzou os braços. - Não se preocupe, Pisti.

— Mas é isso o que me preocupa. - foi a vez de Sharrkan falar. - E se aconteceu algo com nossa majestade? E não… não percebemos? O Ja’far-san não voltou, seria…

— Chega!

A voz de Yamuraiha sobressaiu e todos voltaram suas atenções à maga que tinha o rosto coberto pelo grande chapéu pontudo. Todos já haviam notado o quão cabisbaixa ela estava, e não era em vão aquele comportamento.

Erguendo o rosto ela expôs os olhos azuis que estavam marejados.

— Yamu-san… - Pisti se apiedou ao ver a amiga naquele estado.

— Eu… eu preciso contar uma coisa a vocês. - ela tirou o chapéu, apertando-o junto aos fartos seios. - Se eu não contar, sinto que vou enlouquecer!

Todos se entreolharam, mais preocupados ainda. Será que ela sabia algo relacionado ao desaparecimento de Sinbad?

— Ja’far-san… provavelmente não vai voltar!

— QUÊ?!

Assustados com aquela afirmação, eles lutaram para se conter e ouvir o que a maga tinha a dizer.

— O comunicador que entreguei a ele… eu consegui detectar onde ele está. Ele não saiu de Kou, porém, ninguém responde. Eu acho estranho porque faz semanas que o Ja’far-san não responde nenhuma mensagem. E eu tenho certeza de que não havia como o artefato mágico falhar. Eu testei várias vezes e, por confiar no que desenvolvi, eu entreguei ele ao Ja’far-san.

— Acha que fizeram alguma coisa com Ja’far-san em Kou?! - Sharrkan indagou.

— Eu… eu não sei. - ela estava transtornada. - Já pensei em tantas coisas possíveis! Se era… realmente… uma cilada. - ela secava com as costas das mãos as lágrimas. - Eu não sei como dizer isso! Já tem 1 semana que Ja’far-san devia ter saído de Kou e nada, ele não se comunicou mais, mas eu tenho certeza de que o item mágico está lá.

— Ele pode ter esquecido o artefato quando partiu! - Drakon se manifestou, tentando ser positivo. - Não vamos pensar no pior…

— Mas o Ja’far já devia ter voltado há dois dias. Ele havia comentado que diria ao Sin que demoraria mais para que ele não ficasse tão ansioso. Sinbad estava muito preocupado em deixá-lo ir sozinho! Mas acho que o melhor que temos a fazer é…

— Pararem de me esconder as coisas, para o próprio bem de vocês.

O choque dominou a expressão de todos ali, que voltaram suas atenções aos portões principais. Lá estava seu rei, extremamente abatido. A perplexidade estampada em seu ser.

Masrur o acompanhava e, sendo o único ciente de tudo aquilo que Yamuraiha havia dito, apenas cerrou os olhos e suspirou.

Pisti cobriu os lábios, como se pudesse devolver para sua boca tudo o que haviam dito. Mas aquilo não era possível.

Completamente inexpressivo, Sinbad caminhou na direção deles. Os punhos cerrados do rei tremiam e aquilo era nítido aos olhos de qualquer um.

— M-majestad…

— Cale-se, Sharrkan.

O moreno engoliu a seco ao ouvir as palavras de Drakon. Ele era um dos que conhecia Sinbad desde a adolescência, sabia que não era o momento para o príncipe de Heliohapt nem ninguém falar nada. Sharrkan se encolheu, enquanto todos se preparavam para o pior, ainda mais quando Sinbad passou por eles e chegou à cabisbaixa Yamuraiha.

A maga evitou encará-lo, não tinha coragem. Havia traído a confiança de seu rei.

— M-me perdoe. - ela murmurou, apertando ainda mais o chapéu em suas mãos. - Eu tive esperanças de que era um defeito no que fiz, que Ja’far-san chegaria…

Yamuraiha sentiu a pesada mão de seu rei sobre seu ombro e, tomando coragem, ela ergueu o rosto para encarar aquele que, diferente do que pensava, não parecia nem um pouco furioso. E como a maga desejou que ele estivesse irritado e não com aquele olhar… tão triste.

— Obrigado por se preocupar comigo. - ele disse. - Mas eu fico triste que em anos ao meu lado você ainda se resigne desse jeito. Estava sufocando e tentando achar uma solução sozinha. Não faça isso de novo. Eu NÃO PRECISO - ele enfatizou. - que me proteja. - e se voltou para os demais. - Não quero que me protejam. Eu não preciso. Eu agradeço a todos, mas… graças a isso, - a firmeza em sua voz enfraquecia. - não temos ideia do que o Ja’far está passando…

Era nítido como Sinbad estava se segurando. Como tremia ao segurar as lágrimas que queria derramar. Como estava sofrendo ao ter a certeza de que sim, Ja’far não estava voltando.

Os generais se mantinham cabisbaixos. Era impossível não pensar que o pior podia ter acontecido para aquele que era praticamente uma mãe para todos. Além disso, Sinbad estava certo e vê-lo se conter para agir com prudência era ainda mais doloroso.

— O que faremos, Sinbad? - Drakon deu um passo à frente.

— Irei partir para Kou amanhã mesmo.

— O quê?! - todos exclamaram em uníssono.

— Lembre-se que Ja’far pode estar a caminho ainda. - Hinahoho tentou ser sensato.

— Você mesmo disse que era para ele ter voltado antes, Hina. - Sinbad cruzou os braços e Hinahoho abaixou a cabeça.

O silêncio se instaurou e Sinbad apenas suspirou pesado.

— Se me dão licença, vou me retirar.

E parecendo ter chegado ao seu limite, o rei de Sindria caminhou em passos largos, afastando-se de seus amigos.

Então não era apenas um pressentimento. O que faria agora?

E se Kouen tivesse feito algo com Ja’far? Será que ele estava ferido? Ou pior… morto?

Enquanto mil hipóteses perturbavam sua mente, as lágrimas caíam. Passara a noite toda no porto, tentando nutrir a esperança de que Ja’far voltaria, mas não. Sentia-se tão cansado…

Chegou aos seus aposentos de seu conselheiro para encontrar o ambiente perfeitamente arrumado, afinal, Ja’far não aparecia ali há mais de um mês.

Fechando a porta atrás de si, o rei caminhou até a grande cama que ficava no centro daquele quarto, aproveitando-se para se sentar ali. Abaixou a cabeça entre as pernas abertas, tentando controlar o desespero, o medo…

— Ja’far, eu vou te buscar! Eu… eu falhei. - ele encarava o teto. - Eu não devia ter deixado você ir sozinho. Eu devia ter te impedido! Eu… não vou te perder…

—-----xxxxxxxxx------

Desde o ocorrido na tarde anterior, o primeiro príncipe do Império Kou não via Ja’far. Ele se isolara em seus aposentos e Kouen preferiu deixá-lo sozinho por um tempo, afinal, precisava não só acostumar Ja’far a viver ali como também se acostumar a tê-lo ali. Devia respeitá-lo, apesar de ter um grande receio quanto à instabilidade da memória do ex-conselheiro de Sindria. Era como se, a qualquer momento, com um pequeno estímulo, toda a verdade pudesse vir à tona.

E se Kouen estivesse agindo como sempre, provavelmente, ao Ja’far descobrir toda a farsa ao recobrar a memória, ordenaria que o matassem ou ele mesmo o faria. Porém… não era tão simples daquela vez. O herdeiro do trono sentia seu peito apertar ao pensar em se afastar de Ja’far. Como se estivesse sendo traído por sua própria trama de tirá-lo de Sinbad apenas para fazê-lo sofrer. Agora, de verdade, Kouen queria ter Ja’far para si e aquilo, definitivamente, o preocupava. Não só ele, mas seu irmão mais jovem também.

— Trouxe um chá, meu irmão.

Koumei anunciou assim que cruzou a porta daquela sala onde Kouen, completamente concentrado nos pergaminhos que lia, apenas ergueu os olhos para encontrá-lo e voltar a dedicar sua atenção à leitura.

— Parece tenso. - aquele que era tão ruivo quanto Kouen comentou.

— Pareço? - ele arqueou uma sobrancelha enquanto deixava o papel sobre a mesa que os separavam.

— Sim. - Koumei sorriu. - Algo o incomoda?

— Não… - mentiu antes de atravessar o braço sobre os papéis para alcançar aquela xícara. - Acho que está se preocupando demais.

Kouen esboçou um sorriso antes de bebericar daquele chá. Erva doce. O aroma forte impregnava a sala, mas o príncipe não se incomodava. Era exatamente deste jeito que gostava de apreciar daquela bebida.

— O fato de você sorrir assim, tão facilmente, confirma que está inquieto. - pontuou Koumei, abanando-se com seu leque.

Depositando a xícara de volta à mesa, Kouen se recostou à cadeira e riu.

— Não consigo mesmo esconder nada de você.

— Não é algo tão extraordinário. Qualquer um nota sua aflição desde que trouxe aquele homem para cá.

A expressão amena de Kouen se converteu em desagrado.

O fato de Koumei repudiar a presença de Ja’far ali lhe incomodava bastante, ainda mais porque devido a isso não podia nem ao menos se abrir a ele. Imaginava se Koumei soubesse de suas verdadeiras intenções. Ou ele sabia e estava apenas lhe respeitando, esperando o momento que decidisse revelar por si mesmo?

— Para sua informação, eu não vejo Ja’far desde ontem. Aliás, sabe dele? - ele tentou parecer indiferente.

Koumei usou da mão livre para massagear a própria nuca. Inconscientemente, toda vez que ele ia falar de Ja’far, ele torcia os lábios, como se sua contrariedade ao ex-conselheiro de Sindria pudesse tirá-lo do sério. - e realmente o tirava.

— Ele passou o dia na seção administrativa, mais especificamente junto dos ministros ligados às finanças.

— Hm? - Kouen piscou. - O que ele foi fazer lá?

— Não sei, mas… Quando os vi pareciam muito animados, inclusive debatendo sobre questões financeiras do país.

— Que bom, então. - o mais velho decidiu não se prolongar.

— Bom? - retrucou Koumei. Ele estava indignado com o desmazelo do primogênito. - Já imaginou se esse homem está fingindo essa amnésia? Está tomando ciência de todos nossos acordos, transações…

— Koumei. - Kouen o interrompeu. - Você mesmo viu como Ja’far está fragilizado. Se continuar o rejeitando e o afastando, certamente, ele vai começar a desconfiar do que estamos fazendo e a culpa será somente sua. - enfatizando a última parte, os olhos vermelhos encontraram os róseos do mais jovem. - Tenha ciência de que se isso acontecer, sua rejeição terá uma grande parcela de culpa.

Koumei estalou a língua antes de suspirar pesado. Segurava firmemente a estrutura de metal de seu leque enquanto seu irmão se levantava, passando ao seu lado para chegar até a porta.

— Está apaixonado por esse homem, meu irmão e rei?

As palavras saíram em meio à exasperação. O receio de ofendê-lo era grande, afinal, apesar de tudo Koumei o respeitava e o admirava imensamente. Porém, era uma dúvida que precisava tirar, apesar de ter total convicção das escolhas de Kouen. Afinal, não via outra explicação plausível para que o mais velho tivesse aquelas atitudes.

Como se seus pés congelassem ao chão, o primeiro príncipe parou diante daquela porta. Respirou fundo, deixando um intenso silêncio pairar.

— E se eu estiver?

Koumei, que permanecia de costas, temendo encarar a expressão de seu irmão, ali ficou.

Só soube que Kouen havia deixado aquele lugar quando ouviu a porta bater.

Como algo assim havia acontecido? Kouen, como ele, havia sido obrigado a se relacionar com mulheres durante toda sua vida. Fora aquilo, Ja’far era um inimigo. Não era possível que estivesse tão obstinado em destruir Sinbad que acabara sucumbindo a um sentimento que, Koumei sabia, não era verdadeiro. Ou o segundo príncipe não se permitiria aceitar aquilo.

—-----xxxxxxxxx------

Um tanto quanto irritado com os questionamentos do irmão, Kouen seguiu até o local que ele havia indicado que Ja’far havia passado o dia. Será que ele ainda estava lá?

Caminhando em passos largos, assim que chegou àquele amplo salão em uma região mais separada do palácio, o príncipe foi surpreendido por uma aglomeração. Mas não havia agitação e sim, total silêncio. Podia ouvir a voz de Ja’far, apesar de não conseguir ver onde ele estava.

— Então, se calcularem o deficit das receitas e confrontarem o crédit…

— KOUEN-SAMA!

Um dos ministros e conselheiros financeiros notou a presença daquele que observava bastante surpreso como aqueles homens prestavam atenção às palavras do ex-conselheiro de Sindria.

Imediatamente todos se curvaram e Ja’far, ao centro daquele círculo de pessoas, constrangido ao ser o único a não fazer aquele gesto, decidiu repetí-lo. 

— P-podem prosseguir, não se incomodem comigo. - foi a vez de Kouen se sentir envergonhado ao ter interrompido aquele momento.

— C-com licença.

Ja’far se levantou e, desviando daqueles homens, se aproximou do primeiro príncipe.

— Me desculpe, eu sai do quarto sem sua permissão hoje e… quis ver se podia ajud…

— Venha comigo um instante. - o ruivo o interrompeu.

Assentindo, o ex-conselheiro de Sindria decidiu acompanhar o príncipe. Kouen se surpreendeu ao ouvir os inúmeros agradecimentos que os responsáveis pelas finanças do Império Kou teceram a Ja’far ao vê-lo se afastar. Acenavam com enormes sorrisos em seus rostos.

— Por favor, nos ensine mais depois, Ja’far-san!!

— Muito obrigado por tudo!

Assim que deixaram o local, Kouen parecia sorridente. Sua expressão era bem diferente da de Ja’far. O alvo parecia bastante apreensivo quando chegaram a um dos jardins internos do palácio.

— Parece que fez bastante sucesso com os ministros. - o ruivo ria de forma divertida.

— Me-me desculpe, eu realmente só queria ver se podia ajudar e…

— Ja’far, você não tem que depender da minha permissão para sair de seus aposentos. - Kouen o encarou. - Este é seu lar! Você é livre para fazer o que quiser!

Era exatamente esse tipo de confiança que daria mais segurança tanto a Ja’far… quanto ao próprio Kouen. Deixando Ja’far livre, sem ao menos mencionar sua inquietude e até mesmo… desconfiança quanto as atitudes do ex-conselheiro, Kouen saberia que não estaria sendo enganado e, ao mesmo tempo, que Ja’far realmente desejaria ficar com ele.

— Só confesso que senti sua falta no jantar de ontem e no almoço de hoje.

— Sou só um criado aqui também, Kouen-sama. - Ja’far desviou o olhar. - E, de qualquer forma, eu sei que minha presença não agrada o príncipe Koumei.

— Não ligue para o Koumei. É… coisa de irmão, ciúme bobo. - mentiu.

— Além de tudo, ontem eu...

Não podia se esquecer daquele momento em que, realmente, desejou matar Kouen. A fúria havia lhe dominado e um instinto pavoroso tomaram conta de si. Aquelas palavras que tentara dizer, o momento em que parecia se cegar e pensar, unicamente, em enfiar aquela lâmina na garganta do príncipe. E por que desejara fazer aquilo? - a questão que o angustiava tanto.

— Somos grandes amigos além de tudo, Ja’far. Faço questão de que possamos conviver juntos. Mas também fico feliz que esteja querendo trabalhar e colaborar com nosso palácio. Você é uma pessoa muito habilidosa, afinal.

Foi apenas naquele instante que Ja’far se permitiu sorrir, satisfeito.

— Fiquei muito feliz em poder ajudar! Eu… acho que eu era bom em economia, de alguma forma. - as bochechas claras ruborizaram.

— Você sempre foi ótimo em finanças, Ja’far. - disse Kouen, como quem o conhece profundamente. - Está apenas trazendo isso de volta.

— Me senti muito útil hoje…

Ja’far comentou e o príncipe pôde ver, naquela expressão serena, um brilho especial nos olhos esverdeados. A pele leitosa, marcada pelo salpicar daquelas sardas dava um ar infantil que ressaltava a doçura daquele rapaz.

O palpitar no peito do primeiro príncipe o surpreendeu. Estava difícil se conter ao vê-lo daquele jeito.

— Ja’far… - ele começou. - eu...

— AJUDEM AQUI, POR FAVOR!!!!!!

Aqueles gritos vinham acompanhados de passos apressados. Alarmando Ja’far e Kouen, dois criados seguiam correndo, atravessando o jardim para o outro lado do palácio.

— O que aconteceu?! - Kouen se prontificou a questionar.

— Uma das criadas da cozinha que estava grávida! Parece que o filho dela vai nascer! Estamos indo buscar aju...

— Onde ela está? - Ja’far interrompeu.

— Hm? - os dois se entreolharam.

— Ela estava na cozinha, creio que já a levaram para a ala dos dormitórios dos servos. - um deles respondeu. - Estamos indo buscar uma parteira, mas parece que hoje ninguém que tem habilidade nisso está…

— Eu sei como ajudar! - Ja’far disse, determinado.

— Ja’far? - Kouen arregalou os olhos.

— Por favor, me levem até ela! Rápido!

—-----xxxxxxxxx------

A noite já havia caído em Sindria e o clima no palácio, definitivamente, não era dos melhores.

Poucos oficiais ainda trabalhavam e muitos tinham se recolhido bem cedo. Os generais haviam instruído todos para que ninguém perturbasse o rei até segunda ordem. Estava proibido ir até seus aposentos onde, eles acreditavam, Sinbad dormia até agora.

Mas o estilhaçar de vidro acompanhado com um berro comprovaram que seu rei, definitivamente, não estava descansando.

JAAAAAAAAA’FFFFFFFFFFFFFAAAAAARR!!!!

O “F” prolongado e a forma arrastada que a voz de Sinbad ecoava constatava o óbvio.

— CADÊÊÊÊÊ… CADÊ VOCÊÊÊÊ?

Tropeçando nas próprias pernas, Sinbad seguiu até à escrivaninha. Os dedos deslizaram pelo puxador de uma das gavetas. Tentou uma, duas, três vezes abri-la e riu, abobado, da própria incapacidade de fazer algo tão simples.

Os olhos dourados reluziram ao encontrar mais uma garrafa de vinho. Seria a quarta da noite que, para ele, estava só começando.

— Eu acheeeeei, Ja’ffffffffffaaaar! Se você não voltar, eu vou beber maaaais, maaaais...

A cena deprimente era assistida pelos generais que observavam pela porta entreaberta. Em seus rostos havia tristeza e… resignação. Será que deviam ir pará-lo? - talvez a resposta fosse óbvia ao ver as garrafas vazias sobre o carpete e os estilhaços daquela fora quebrada.

Para Yamuraiha, mais do que tristeza e resignação, havia culpa. Se tivesse avisado antes a seu rei. Ele havia descoberto da pior forma e, decerto, estava decepcionado com ela, aliás, com todos. Haviam traído a confiança daquele que mais estimavam.

— Já chega!

E sem prévio anúncio, Hinahoho abriu aquela porta - o que chamou a atenção de Sinbad - e caminhou em sua direção. Apesar de estar furioso ao ver seu amigo naquele estado, ele esboçou apenas seriedade.

— Hi… Hina? - Sinbad soluçou. - Veeeeio beber comigooo!!!

— Não, Sinbad. - o robusto homem suspirou. - Eu vim fazer você parar de beber.

— Queeee??! Enlouqueceu? Eu - não - sou - mais - criança! - o rei sibilou como uma, batendo o pé no chão. - Mas ei… Hina. - ele sussurrou, pedindo para que aquele que era bem mais alto se curvasse para que alcançasse o pé do ouvido de Hinahoho. - Se eu beber assim, o Ja’ffffaar vai ficar muuuuito furioso haha… Ele vai vir correndo brigar comigo! Eu sei! Eu sei que ele vai chegar aqui e… e… - o riso esmaecia em lágrimas que ele não conseguia segurar, nem ao menos tentara. - que… que droga…

Hinahoho mordiscou o lábio, apiedado com a situação de Sinbad. Ele era um dos que conhecia seu rei há mais tempo e vê-lo naquela situação era… frustrante. Sinbad costumava transmitir tanta força e… alegria. A bebedeira dele costumava transbordar alegria. Jamais melancolia.

— Já foi o suficiente! Com certeza ele vai reclamar muito com voc…

— Ele vem, não vem? - o moreno se esgueirou, apoiando-se no mais alto. - Ele… tem que vir...

E atordoado como estava, Sinbad não pensou duas vezes antes de beber da garrafa que estava em sua mão, mas antes que o fizesse, Hinahoho segurou seu braço.

— Chega, Sinbad! - ele disse rispidamente.

— Eu preciiiiiiso beber mais… para o Ja’ffff...

Sinbad foi interrompido pelo amargo gosto que atravessou sua garganta. Como se suas forças fossem tiradas, seus joelhos foram ao assoalho, que foi encharcado pelo vômito.

— Majestade!

— Sinbad-sama!

Aqueles que preferiram apenas esperar Hinahoho agir correram, adentrando aquela sala, para auxiliar seu rei que, entre tossidos, colocava para fora tudo o que havia, e o que não havia também, em seu organismo.

— Ao menos assim vai parar de beber! - disse Hinahoho, enquanto afagava as costas do moreno, apoiando-o.

— Foi bem rápido, não? - Sharrkan cruzou os braços.

— Para a quantidade que a majestade bebeu, acho que demorou muito até.

Pisti suspirou enquanto abanava o rosto pálido de Sinbad, que tentava recuperar o fôlego.

O rei viu o turbante branco cair do topo de sua cabeça e mergulhar naquele líquido de péssima aparência. As lágrimas caiam por seu rosto enquanto ele se sentia completamente… fraco.

Olhou ao redor, mesmo que com a vista tomada pela vertigem e sentiu o peito doer. Como se caísse em si de que Ja’far não estava ali.

Não chegaria afoito até ali, preocupado com seu estado.

Não lhe daria um sermão, lembrando que ele já tinha passado dos 30 e que o àlcool ainda o mataria.

Não lhe prepararia um chá, uma sopa.

Não lhe daria um banho frio.

Não passaria a noite em claro a lhe observar preocupado.

Ja’far não entraria por aquela porta.

Definitivamente, por mais que ele esperasse, Ja’far não apareceria ali.  E como aquilo doía!

Doía de uma forma que parecia impossível suportar. Impossível conter as lágrimas e transmitir alguma força ou tranquilidade.

Aquele que antes parecia tão apático teve a expressão dominada pela tristeza.

Sinbad chorou como nunca antes alguém tinha visto.

—-----xxxxxxxxx------

Kouen, que havia ficado do lado de fora daquele quarto, esperava pacientemente. Será que Ja’far, realmente, sabia o que estava fazendo? Havia visto tanta determinação em seu olhar, mas era impossível não estranhar que alguém como ele, um ex-assassino da Sham Lash, sequer tivesse ideia de como fazer um parto. Talvez por tamanha curiosidade o príncipe havia ficado ali, no corredor dos dormitórios dos servos do palácio. Já havia passado uma hora quando um choro estridente ecoou. Em menos de dez minutos após aquilo, a porta se abriu e um sorridente Ja’far apareceu. Por cima do kimono simples havia um avental amarrado em sua cintura. O branco do tecido sujo de sangue em várias partes.

— É um menino! - ele declarou enquanto terminava de secar as mãos, que acabara de lavar, em uma toalha. - Não imaginei que fosse esperar!

O ruivo parecia bastante surpreso, mas esboçou um sorriso. Por que, ao ver Ja’far sorrir, ele também sentia uma inata vontade de sorrir?

— Na verdade eu não imaginei que você soubesse fazer um parto. - retrucou divertido um Kouen que não se reconhecia.

E ao ouvir aquela constatação, Ja’far franziu o cenho. De fato, tudo tinha corrido muito bem e ele sabia, perfeitamente, tudo o que devia fazer. Como se seus atos, naquele instante, fossem puramente instintivos. Como quando estava com aqueles ministros - como sabia tanto sobre administração e economia?

— N-nem mesmo eu sei…

— Isso é algo difícil, porque vejo que sabe fazer de tudo um pouco! - ironizou o príncipe.

— JA’FAR-SAN!

A porta se abriu e era o marido daquela moça que havia ajudado. Com lágrimas nos olhos, ele trazia o recém-nascido enrolado em uma manta.

— Muito obrigado por tudo! Sou tão grato por ter ajudado minha esposa e, graças a você, nosso filho está aqui!

Ja’far sorriu abertamente antes de se aproximar e encarar o pequeno menino que tinha os olhos fechados.

— É admirável que um homem saiba fazer algo assim! Aprendeu com alguma profissional? Ou sua mãe?

Aquela pergunta trouxe, além de dúvidas a Ja’far, uma forte dor em sua cabeça. O alvo apertou os olhos e se afastou rapidamente, a mão direita indo até a fronte que latejava. Kouen, apreensivo, percebeu o que aquilo significava. Mais uma vez Ja’far estava tentando se lembrar daquele passado que não mais lhe pertencia.

Oe, Ja’far!

Ele mal conseguira ouvir a voz de Kouen. Era como se estivesse submerso.

Sentia-se zonzo quando, subitamente, se lembrou de uma mulher de grande porte. Longos e trançados cabelos azuis os quais ele se viu a pentear inúmeras vezes. Um olhar doce que se convertia em fúria quando necessário, mas que logo esmaecia em ternura novamente.

 Ja’far se viu com, aproximadamente, 15 anos menos, abraçado a ela e cercado de crianças que pareciam tanto com ela. E, novamente, aquele sorriso voltava a lhe perseguir. A única coisa que sobressaia no rosto que não conseguia enxergar, emoldurado por longos fios púrpuras.

Ja’far reabriu os olhos para se encontrar amparado por Kouen. O ruivo, preocupado, se aliviou ao ver aquele par de esmeraldas piscar, tentando retomar o foco.

— O que…? - o alvo balançou a cabeça e se viu apoiado no peitoral do príncipe.

— Como se sente? - havia apreensão nas palavras dele.

O ex-conselheiro de Sindria engoliu a seco. Parecia bastante confuso ao encarar aquele que o apoiava.

— Kouen… eu me lembrei...


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Notas finais do capítulo

Sim, eu sei que agora vocês querem me matar depois desse final, mas semana que vem tem mais, pessoal! ♥ Muito obrigada por acompanharem e agora... o que vai acontecer?
Lembrando que elogios, críticas, conselhos, reclamações são sempre bem-vindos! ♥



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