Remember Me escrita por Miaka


Capítulo 8
Instinto


Notas iniciais do capítulo

Saindo capítulo mais cedo, pessoal! ♥ Novamente muito obrigada por lerem, comentarem e curtirem! Fico muito feliz que estejam gostando e que estamos em mais uma história juntos!



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Aquela voz…

— Ja’far, me responda!

Sentia seu corpo tremer apenas ao escutá-la.

— Estou preocupado!

Como se, apenas ao ressoar, aquela voz fosse capaz de fazer seu coração bater mais forte e, de fato, ela o fazia. Tão firme e melodiosa.

Ja’far tinha certeza de que, de alguma forma sabia quem era o dono dela.

— Preciso saber onde está! Não era para o ítem mágico estar funcionando se já está em alto-mar…

Aquele homem parecia insistir. Havia angústia em sua voz. E tentando confiar naquele sentimento, temeroso, com os orbes esverdeados arregalados, ele estendeu a mão para alcançar o estranho objeto que emitia aquele som.

Por mais que não reconhecesse quem falava, o fato de saber seu nome era o suficiente para Ja’far querer lhe questionar quem era, afinal, só tinha conhecimento de sua identidade segundo as palavras de Kouen.

— Quero saber quando vai voltar, Ja’far!

Estava prestes a tocar naquele artefato mágico quando a lembrança daquele sonho confrontou a realidade.

A pessoa que lhe chamava naquele estranho palácio que fora tomado pela escuridão. A sombra do homem alto que, aos seus olhos, não tinha um rosto.

E, como antes, apenas se lembrar daquele silhueta era o suficiente para sentir uma forte pontada na cabeça. Tão forte a ponto de fazê-lo recolher a mão que tentava alcançar o item mágico para levá-la até a fonte daquela dor, agarrando os próprios cabelos.

— Ja’far! Quando ouvir essa mensagem, me responda!

Aquela voz permanecia a insistir e, para Ja’far, era como se todo seu corpo reagisse rejeitando tudo o que tinha a ver com aquela pessoa. E quem ele era, afinal?

— Ja’far!

A porta se abriu subitamente e o primeiro príncipe encontrou o aflito ex-conselheiro de Sindria. Ele mordia os lábios enquanto apertava os olhos cerrados. Parecia estar lutando para se manter são enquanto puxava os fios brancos.

Correu até ele, que mal percebeu sua entrada. Kouen era acompanhado por seu irmão mais novo, que adentrou o quarto logo em seguida.

Ja’far só teve noção de que estava acompanhado quando foi aninhado pelos braços fortes daquele homem e foi inebriado pelo forte perfume que era impregnado em suas roupas. Assim ele se permitiu, vagarosamente, abrir os olhos para confirmar de quem se tratava. Porém não havia necessidade para aquilo porque, afinal, já reconhecia muito bem o príncipe.

— K-Kouen… - ele gaguejou; os olhos semicerrados marejavam. - Essa voz…

Soltando a própria cabeça para se agarrar às vestes que cobriam o peito do príncipe, Ja’far estava tomado pela aflição. Arregalando os olhos, ele ergueu o rosto para encarar Kouen.

— Eu vi esse homem no meu sonho! - ele declamou em desespero. - Essa voz... é dele...!

Koumei, que tratava de ir até a cabeceira para recolher o artefato mágico, entreolhou o primogênito. Este, por sua vez, suspirou pesado, sentindo-se um tanto quanto culpado ao ver Ja’far, mais uma vez, ter uma crise. Era doloroso demais vê-lo tão angustiado.

Parecia que, por um golpe do destino, nem teria de fazer esforço para fazer aquele homem rechacar Sinbad. Parecia que a própria mente do ex-conselheiro de Sindria tentava rejeitá-lo.

— Acalme-se. - e, abraçando-o firmemente, Kouen afagou os fios alvos.

— Quem é ele, Kouen? Ele me conhece! Disse meu nome! - Ja’far concluiu, agora o encarando como se exigisse uma resposta.

— Ja’far...

Tomando seu queixo, Kouen ergueu o rosto do ex-conselheiro para que seus olhos se encontrassem e pudesse transmitir veracidade em suas palavras. Ou, ao menos, Ja’far acreditasse cegamente nelas.

— Você deve se esquecer dessa voz, Ja’far. Tudo o que tem a ver com esse homem é… ruim para você!

Bastante confuso, Ja’far não entendia as palavras de Kouen, que tentava ser bem conclusivo, evitando entrar em detalhes.

— Quem é ele, Kouen?! - insistente, ele não estava disposto a aceitar aquilo de forma tão fácil.

Então, suspirando como se fosse doloroso para si mesmo dizer aquilo, em uma belíssima representação teatral, o primeiro príncipe usou sua melhor carta.

— É o rei de Sindria, Ja’far! Ele ainda acha que está te enganando, que o tem em suas mãos! - melindroso, Kouen fixou seu olhar no dele. - Esse homem asqueroso que mexeu com a sua cabeça, que usou e abusou de você!

Ofegante, Ja’far afrouxou o aperto de suas mãos nas vestes do ruivo, desviando seu olhar. Não podia acreditar que tinha ido tão longe com um homem que Kouen dizia repugnar.

A perplexidade era nítida em seu rosto e ela se misturava com a angústia de se ver incapaz de confirmar aquilo, tendo de confiar apenas nas palavras de Kouen. Não duvidava de forma alguma do que o príncipe lhe dizia, mas ao mesmo tempo se perguntava o que havia acontecido enquanto estava no encalce do tal rei de Sindria, que era mencionado pelo ruivo como alguém tão hediondo.

Ja’far chegava a temer o que havia acontecido neste tempo em que esteve distante. Que tipo de mal havia sofrido ao lado daquele homem que, acabara de ouvir, tinha uma voz tão doce?

Perdido em devaneios e questionamentos que pareciam sufocá-lo, Ja’far foi surpreendido pelos lábios do ruivo tocando sua fronte. Ele afastava os fios brancos e beijava um pouco acima das ataduras que davam a volta em sua cabeça.

Era impossível não corar ao sentir aquele carinho, ainda mais vindo de alguém que possuía uma posição tão distinta e parecia abnegar bastante de seus próprios sentimentos. Além disso... Kouen era um homem.

— Por favor, descanse. - ele pedia. - E esqueça esse homem! - parecia uma ordem. - Eu… não quero que se lembre de tudo o que sofreu com ele!

— Eu preciso lembrar! - Ja’far estava obstinado, por mais que Kouen parecesse tentar protegê-lo ao omitir a verdade. - Não vou conseguir viver com essa lacuna! Kouen, por favor, me diga!

O primeiro príncipe suspirou e acariciou a curva do rosto do ex-conselheiro de Sindria. Rubis e esmeraldas se encontravam novamente.

— Eu não posso permitir que se lembre de todas as coisas terríveis que foi obrigado a fazer, Ja’far! Você vai se sentir muito culpado e…

— Me conte, por favor! - as lágrimas caíam. - Não me importa o que seja! So quero saber o que fiz e quem sou!

E, entreolhando mais uma vez seu irmão mais novo, Kouen suspirou.

— Se é tão importante para você, Ja’far, vou lhe contar...

—-----xxxxxx------

Três dias se passaram rapidamente e em toda a história do Reino de Sindria, ninguém jamais havia visto o rei daquele país se levantar tão cedo.

 O perfume forte se espalhava pelos corredores do palácio, no qual o rei Sinbad havia proibido que alguém trabalhasse naquele dia. O único serviço que deveria ser feito era a decoração e preparação das comidas e bebidas da festa que seria dada para comemorar o retorno de Ja’far.

 Tudo deveria estar em seu devido lugar, afinal, o conselheiro daquele país poderia chegar a qualquer momento.

E enquanto Sinbad, pessoalmente, organizava tudo e dava ordens aos criados, além de ele mesmo ajudar na decoração, os generais se reuniam em um canto daquele salão e ficavam a observar o corre-corre de seu rei e dos servos.

— Acho que nem no aniversário do Ja’far-san, a majestade já fez uma festa assim! - Pisti comentava.

— Talvez porque o Ja’far estaria controlando os gastos. Coisa que o Sinbad não está fazendo. - Drakon concluiu e todos assentiram. Era a mais pura verdade.

! Ele está parecendo uma criança! - Hinahoho sorria, cruzando os braços, nitidamente satisfeito em ver a alegria estampada no rosto de seu rei.

— E por acaso nosso rei algum dia cresceu? - o ex-general de Parthevia riu.

Sharrkan também ria quando notou uma aflita Yamuraiha que permanecia em silêncio, completamente alheia à conversa de seus amigos. Era a oportunidade perfeita.

— Apenas essa bruxa envelhece a cada dia que passa!

Não houve resposta.

A maga parecia nem ao menos ter ouvido a provocação do moreno.

Todos ficaram espantados, já que, ao ouvir o que Sharrkan dizia, já esperavam uma briga daquelas. Mas Yamuraiha estava aflita demais para aquilo.

— Eeeeei! Eu estou falando com você, bruxa velha! - ele insistiu, agitando a mão diante dos olhos azuis dela. - Ficou cega? É a velhice?

O príncipe de Heliohapt se surpreendeu quando seu pulso foi capturado firmemente pela mulher que, séria, se levantou, nitidamente irritada.

— Não tenho tempo para suas infantilidades! - ela retrucou antes de soltá-lo para, posteriormente, se retirar.

O clima não ficara nada bom e Sharrkan se sentira péssimo ao ver Yamuraiha se afastar daquele jeito. Será que havia exagerado?

— O que deu na Yamu-san? - Pisti cruzou os braços. - Você sempre a provoca assim!

— Bah, nem liga! Deve estar naqueles dias! - o moreno riu.

— Eu vou falar com el…

— Não, Pisti. - Masrur se manifestou. - É melhor deixar a Yamuraiha-san sozinha.

Hm? - a loira arqueou uma sobrancelha, antes de suas segundas intenções a fazerem chegar a uma conclusão. - Hmmm, vocês estão escondendo algo? - ela esboçou um sorriso malicioso antes de se virar para o moreno. - Parece que a fila andou, hein, Sharrkan-san!

— Quê?! - ele empalideceu ao ouvir a hipótese que Pisti levantara.

O fanalis ruborizou, abaixando a cabeça, nitidamente constrangido com aquela brincadeira.

— Na verdade, a Yamuraiha-san está com alguns problemas e ela está preocupada em como resolvê-los.

EEEEEEI! Hinahoho! Drakon!

A tensão que tentara se instaurar foi quebrada pelo exclamar de seu rei.

Sinbad, que estava no alto de uma escada, acenava para o grupo enquanto tinha uma faixa em mãos. Parecia que, para ele, era impossível deixar de sorrir um só segundo. A certeza do regresso de Ja'far o deixava extremamente animado.

— Não consigo alcançar! - ele apontou uma das colunas horizontais no rebaixamento do teto. - Preciso que me ajudem!

— Majestade! - Pipirika, que segurava a escada, trazia uma prancheta em mãos. - Parece que chegaram 50 litros de vinho. Não acha que é um tanto quanto demais?

— Não! - ele permanecia a gritar. - Hoje vamos comemorar a volta do Ja’far bebendo até cair!

—-----xxxxxx------

Com os olhos cerrados, ele esperava, pacientemente, aquela moça terminar de desenfaixar sua cabeça. Finalmente poderia se livrar daquelas ataduras, que eram trocadas diariamente. Porém, por mais que a criada que ficara a cuidar de Ja’far tivesse lhe garantido que seus ferimentos estivessem cicatrizados, ele permanecia a sentir a cabeça latejar.

 E isso acontecia, a maioria das vezes, quando tentava se lembrar de seu passado. Mas, estranhamente, não acontecia quando Kouen lhe contava sobre o que viveram juntos.

Aquilo ocorria apenas quando tentava se lembrar do periodo em que ficara no encalce do rei de Sindria. E por mais que em seu âmago realmente desejasse não se lembrar daquela época, temendo trazer à tona acontecimentos terríveis, Ja’far se sentia incompleto sem aquela parte de sua vida. Ainda mais depois de tudo o que Kouen havia lhe contado.

— Depois que o rei de Sindria armou a emboscada para tirá-lo de mim, Ja’far… Ele fez com que me odiasse. E, desmemoriado como você estava e desamparado, você acreditou nas palavras dele.

— Como eu perdi a memória daquela vez? - Ja’far questionava.

— Eu… não sei. - Kouen suspirou. - Na verdade, por um ano eu acreditei que estivesse morto, Ja’far. Toda a tropa que enfrentou Sindria foi morta. E mesmo que me dissessem que você estava morto também, por não terem encontrado seu corpo, eu nutria esperanças de que estivesse vivo. E quem diria… - ele sorriu com melancolia. - que aquele miserável havia o tirado de mim… - os dedos de Kouen deslizaram pelo rosto pálido.

Um tanto quanto constrangido com aquela carícia, Ja’far desviou o olhar. E aquela atitude repulsiva fez Kouen franzir o cenho. Parecia que, instintivamente, o conselheiro de Sindria se afastava.

— Quando o encontrei… você havia retomado a vida que tinha antes de vir ao nosso palácio. - melancólico, ele prosseguiu. - Voltou a ser um assassino e… e...

Aquelas reticências traziam mais aflição a Ja’far, que agarrou o príncipe pelos ombros.

— Por favor, me diga! O que eu fiz?! - desesperado, o alvo indagava. 

Kouen o encarava com olhos piedosos quando segurou as duas maçãs de seu rosto.

— Não foi culpa sua! Por favor, não se culpe!

— O que eu fiz?... - Ja’far praticamente suplicava.

— Você voltou e… matou muitos dos nossos companheiros.

Ja’far arregalou os olhos. O pedido do Kouen não podia ser atendido.

— Você foi enganado por aquele homem! Não sabia quem éramos e tentamos de tudo para que lembrasse de quem era, mas… foi tarde demais. Mas graças a um acidente, Ja’far, você se esqueceu daquela personalidade horrorosa que aquele homem lhe obrigou a ter, fazendo você… voltar a seus dias de assassino!

As mãos que apoiava aos ombros de Kouen, aos seus olhos, estavam encharcadas de sangue. Trêmulos, os dedos apertaram as vestes do ruivo. Estava pálido e… assustado.

— O que… o que eu fiz mais?

Kouen suspirou. Será que estava indo longe demais?

— Não se sinta culpado. - ele ignorou seu questionamento. - Tudo isso foi… porque aquele homem é muito astuto. Ele tem uma lábia maldosa e queria ver quem eu tanto estimava contra nós, Ja’far. Mas… o pior que ele fez foi tirá-lo de mim! Foi… fazê-lo se apaixonar por ele…

— NUNCA! - Ja’far o interrompeu, os olhos arregalados. - Eu nunca me apaixonaria por esse homem! Esse… crápula! - e soltando o príncipe, o alvo abraçou a si mesmo, cravando as unhas em seus próprios braços.

Era difícil para Kouen conter aquele sorriso malicioso que insistia em cruzar seus lábios. Apesar de ser bastante cruel ver Ja’far sofrer daquela forma, tudo estava caminhando muito bem.

— Quando chegou aqui, declarou que o amava e… claro, tiveram intimid….

— NÃO! - Ja’far relutou. - Não, isso não pode ser verdade! - ele balançava a cabeça e espanava os próprios braços, como se quisesse retirar alguma impureza dali. - Isso não aconteceu! Eu me lembraria! Eu jamais faria isso com alguém assim! Eu...

A expressão de frustração e angústia se converteu, subitamente, em revolta e ódio.

Abraçando a si mesmo, Ja’far fincou as unhas nos próprios braços, chegando a rasgar a seda fina do kimono branco que vestia.

— Eu vou vingar todos os que matei, Kouen! E vingar tudo o que passou e… eu também!

Do que estava falando? - Ja'far questionava a si mesmo. Um instinto extremamente maldoso aflorava nele, como se fosse capaz de matar alguém friamente. De se vingar daquele que havia o forçado a causar o mal, a fazer... aquela pessoa sofrer. Kouen. Ele não queria ver Kouen sofrer.

A satisfação estava estampada no rosto do ruivo. Apesar de ser extremamente difícil de escondê-la, ele precisava ser sensato.

— Não, eu não quero que se exponha a nenhum risco mais!

Kouen envolveu Ja’far em seus braços, como se quisesse protegê-lo de si mesmo.

— Não quero que alimente uma vingança! Você… é meu querido Ja’far.

— K-Kouen… - as bochechas pálidas coraram.

— Por enquanto, apenas descanse. - os longos dedos afagavam os fios alvos.

— Eu quero me vingar! Não posso permitir que…

— São ordens, Ja’far.

Aquela última frase não soava como uma obrigação. E, aos ouvidos de Ja’far, não tinha sido a voz de Kouen que o ordenava a descansar. Lembrava-se da voz doce daquele homem pelo qual já nutria tanto ódio. Como pôde ser tão ingênuo?

Mas sentindo as carícias de Kouen, Ja’far pôde se sentir seguro e tranquilo, como se… todos aqueles acontecimentos ruins ficassem naquele passado que, daquela vez, ele agradeceu por não se lembrar.

Porém, permtiindo-se descansar para satisfazer o pedido do príncipe, Ja’far tinha em mente que a única maneira de se sentir em paz era vingando tudo o que havia feito. Devia expiar os crimes que havia cometido graças àquele homem asqueroso.

Nunca o perdoaria.”

— Sente-se bem?

Tirando-o de seus devaneios, a moça indagou, preocupada com a expressão apática de Ja’far.

— S-sim… - ele gaguejou.

— Ficou uma cicatriz um pouco grande, mas seus cabelos são tão bonitos. Deixaram ela praticamente invisível. - a jovem explicou. - Aliás, Ja’far-san, onde se feriu tanto para ter aquelas cicatrizes nas pernas?

Ja’far piscou. Ele mesmo havia se perguntado quanto àquelas marcas que iam do alto de suas coxas até os tornozelos no lado interno de suas pernas. E notando a típica expressão que o rapaz fazia ao ser questionado por algo que não se lembrava, a moça tentou se corrigir.

— M-me desculpe. Creio que não lembre também.

— T-tudo bem… - o alvo tentou sorrir. Afinal, tentava ser o mais simpático possível, temendo ser visto como um assassino traidor para as pessoas de Kou. - Onde está Kouen? - ele perguntou.

— Acho que o vi indo a caminho da área de treinamento.

E enquanto ouvia as palavras da mulher, Ja’far colocou os pés para fora da cama, levantando-se cuidadosamente.

— Acha que já pode sair da cama?

— Sim. Já passou da hora, aliás.

Ele parecia pensativo.

Desde o dia em que Kouen havia lhe contado sobre tudo o que havia acontecido desde que o rei de Sindria havia lhe levado de Kou, Ja’far estava decidido a se vingar daquele homem, o qual ainda não sabia o nome; Kouen se negava a lhe dizer. Mas nutria um intenso ódio desde então. Precisava se preparar e estava obstinado com aquela ideia.

Seguindo pelos corredores daquele lugar, Ja’far não sabia muito bem para onde estava indo. A única certeza que ele tinha era de como estava sentindo frio, vestindo aquele simples kimono bastante fino. Definitivamente, ele parecia não ser acostumado com o clima úmido daquele lugar. Será que onde estava, Sindria, era um lugar mais quente?

Bastante desorientado, tentava presumir onde ficava aquele lugar que a moça havia dito que Kouen estaria. E ponderando sobre qual caminho devia seguir, uma mão pesada segurou seu ombro.

perdido, franguinho?

Assustado, o alvo levou as mãos ao centro do peito ao ver aqueles enormes olhos vermelhos o encarando. Era aquele rapaz que ele presumia ser um bruxo e que, de alguma forma, sua presença lhe trazia uma terrível inquietude.

— Ei, já disse que não mordo. - Judal apoiou os punhos nos quadris. - Kouen me disse que é um dos nossos agora, então vou lhe tratar bem agora. - ele sorria abertamente. - Está procurando ele?

Ja’far assentiu, mesmo que receoso. "Um dos nossos agora"? - O que ele queria dizer com aquilo? Não entendia o porquê de se sentir tão inseguro ao lado daquela pessoa, por mais que ele estivesse tentando lhe transmitir confiança, ainda mais quando o segurou pelo pulso e o puxou em direção a algum lugar.

Tropeçando em seus próprios pés, o alvo foi conduzido pelo magi até uma área externa do palácio.

Ali viu diversos homens alinhados formando um círculo e também uma parede que logo foi rompida por Judal.

Afastando-os, o rapaz que trazia Ja’far pôde contemplar um dos soldados indo ao chão. A espada de madeira caindo e rolando até os pés do alvo que assistia, um tanto quanto assustado, o homem se contorcer ali, segurando o braço esquerdo.

A frente dele estava um despojado Kouen. Ele vestia roupas bem diferentes das luxuosas que Ja'far costumava vê-lo. Tão iguais quanto as dos demais soldados.

Ele recebia uma toalha úmida de uma criada para secar o suor que escorria pela fronte. Com a outra mão, o ruivo apoiava a própria espada de madeira em seu ombro.

— É vergonhoso que minha tropa seja tão fraca assim.

Todos ali pareciam constrangidos com a verdadeira humilhação que era qualquer treino com Ren Kouen. A força de de qualquer um dos soldados que treinavam dia após dia, sob forte sol ou tempestade, nada era diante das habilidades do príncipe.

Ja’far observava bastante curioso quando se viu alvo dos olhos rubros do príncipe.

— Ja’far? - ele arqueou uma sobrancelha, afastando-se do centro daquele círculo de pessoas para se aproximar do ex-conselheiro. - O que faz fora da cama?

— J-já me sinto bem. - ele ergueu o rosto para encará-lo. Kouen era tão mais alto do que ele. - Quis ver o que estava fazendo...

Kouen suspirou, fitando de canto o sacerdote que abriu um largo sorriso. Presumia bem quem havia lhe trazido até ali.

— O franguinho tava perdido no meio do palácio. Imagina se a nossa estimadíssima imperatriz o encontra por aí. - o magi estava sendo irônico.

O ruivo contorceu o lábio.

— Gyokuen não tem nada a ver com isso! - Kouen encarou Judal.

— Kouen, digo, - notando que havia várias pessoas ao redor, Ja’far se corrigiu. - príncipe Kouen, deixe-me treinar também com vocês!

— O quê?! Enlouqueceu? Ainda está convalescendo!

— Não, eu estou bem! - Ja’far abriu um sorriso, agachando-se para recolher aquela espada feita de bambu. - Por favor, alteza, deixe-me treinar também!

Surpreendido com a determinação que via nos olhos que, geralmente, estavam vazios naquela expressão apática, Kouen sorriu de canto, voltando ao centro daquele lugar.

Os demais cochichavam, surpresos com a súbita aparição daquele homem. Quem era? Quem teria intimidade para falar assim com o primeiro príncipe do Império?

Sem deixar o sorriso sair de seus lábios, Ja’far acompanhou Kouen, ficando a poucos metros de distância.

Se Kouen havia dito que ele era um assassino, que sabia lutar, provavelmente manejava bem uma espada. Mas não era aquilo que sua postura condenava e o ruivo já havia notado a forma errada do alvo segurar aquela arma que era usada meramente durante treinamentos.

— Quando quiser...

E ao ouvir a permissão que o príncipe dava, Ja’far saltou para frente e, ágil como era, surpreendeu Kouen com sua velocidade.

 Mas a falta de habilidade no manejo com a espada era condenável em suas aberturas. O ruivo hesitou atacá-lo nas oportunidades que teve, ao desviar de seus golpes.

 Mais uma investida e Kouen aproveitou do deslize de Ja’far para lhe dar uma rasteira. O alvo bateu as costas no chão e, antes que pudesse se recompor, a ponta da espada de madeira de Kouen estava rente a seu pescoço.

Os olhos verdes piscaram quando o ex-conselheiro de Sindria se viu encurralado tão facilmente. Era tão fraco assim? - perguntou a si mesmo. Kouen permanecia a sorrir. Ao menos não tinha decepcionado o príncipe, Ja’far pensou.

— É uma negação com a espada, Ja’far!

Kouen afirmou o óbvio, mas agora Ja’far ponderava como era um assassino se não sabia, nem ao menos, se defender?

— Koumei.

Assim que chamou seu irmão mais novo, ele apareceu trazendo uma caixa, aproximando-se de ambos e a abrindo quando chegou diante do rapaz que permanecia ao chão.

O brilho do metal daquelas lâminas refletiu em seus olhos e Ja’far sentiu a cabeça latejar. Mas, mantendo-se firme, ele retirou aquelas armas dali, não sabendo como ele tinha sequer conhecimento de que devia passar aquelas linhas vermelhas ao redor de seus braços. As lâminas ficaram firmes entre seus indicadores e médios. Era um encaixe perfeito, inclusive, adequado aos calos que haviam entre os dedos.

O ex-conselheiro estava extremamente perplexo por, naturalmente, saber o que fazer com elas.

— Agora sim… - Kouen abriu um largo sorriso.

 - Essas armas…

Ja’far foi subitamente interrompido pelo ataque do ruivo.

Desviou da forma ágil de sempre. Tinha reflexos muito bons e treinados, além de seu corpo ser bastante flexível. Aquilo era uma surpresa para ele mesmo, que não se lembrava do que era capaz.

Mas mais do que isso, se surpreendeu quando arremessou uma daquelas lâminas. A trajetória seguia perfeita tendo como alvo o rosto do ruivo. Sorridente ao se ver enfrentando um oponente digno, Kouen desviou, rebatendo-a com a espada de madeira, porém, esta foi envovlida pela linha vermelha.

— Cedo demais para comemorar. - Judal cruzava os braços, entretido com aquele combate.

Ja’far sorria quando, puxando a arma de Kouen que estava amarrada, arremessou a outra lâmina.

Kouen escapou por um triz, tendo a manga de sua veste rasgada quando o metal a atravessou. Estalando a língua, ele notava a satisfação nos olhos de Ja’far. Como se, ao despertar seu instinto, sentisse como se finalmente descobrisse sua verdadeira natureza.

O ruivo não lutava a sério, porém, queria ver o quão longe o ex-conselheiro iria.

Então novamente Ja’far o surpreendeu e, ágil com aquelas linhas como era, não demorou para que, numa emboscada, conseguisse capturar o príncipe entre as cordas escarlate. Kouen se preocupou, tentando inutilmente se soltar, sentindo seu corpo e braços amarrados. E vendo que o ex-conselheiro não parecia hesitar, ele se via completamente encurralado. Será que havia recuperado sua memória? O príncipe se arrependeu de não ter levado aquele confronto a sério, e sim apenas como um treino.

O sorriso estampado no rosto de Ja'far era largo e ele se sentia extasiado. Como se todas aquelas dúvidas desaparecessem e ele só tivesse um objetivo. Ele sabia muito bem o que deveria fazer.

— Barara

 Kouen arregalou os olhos ao ouvir aquilo.

 Havia se lembrado de tudo? Atacaria-o para valer?

 Mas Ja’far interrompeu a si mesmo. As linhas que envolviam o príncipe afrouxaram quando os joelhos do alvo foram ao chão. As esmeraldas cresceram enquanto ele ofegava, em pânico.

Demorou um pouco para que o príncipe pudesse retomar o controle da situação e fosse até o rapaz que parecia extremamente atordoado, apoiando as mãos ao chão enquanto suava frio.

Oe, Ja’far! - ele tocou o ombro do rapaz.

Perplexo, ele piscou e encarou o ruivo.

O que estava fazendo?

O que tentara dizer?

De onde tirara aquelas palavras?

O que foi aquilo que sentiu naquele instante?

E, de repente, toda aquela euforia e dúvida se converteram em uma confusa nostalgia e angústia que ele exprimiu em lágrimas que viu cair, uma a uma, naquele chão de pedra.

— Ja’far, o que aconteceu? - Kouen estava preocupado, em especial, com a possibilidade de ele ter recuperado parte da memória.

— O que eu estava fazendo…? - ele mordia o lábio inferior.

— Fique calmo! Você lutou muito bem!

— Lutei como um assassino e… e… - Ja’far encarou o ruivo, o desespero tomando conta de sua expressão.. - Eu queria te matar, Kouen!

—-----xxxxxx------

 A noite já havia caído. Música, fartura e, principalmente, alegria era o que havia naquele palácio.

 Porém, a radiante alegria do rei Sinbad se misturava com um pouco de tensão, afinal, já passava das 9 da noite e nada, nenhum sinal de navio se aproximando da ilha do extremo sul.

 Como prometido, ele não havia tocado em uma gota de álcool, só faria isso quando Ja’far chegasse. E por que demoravam tanto? Afinal, teria de chegar no dia anterior ou até o fim daquele dia?

Ei!

A mão do robusto homem tocou seu ombro e Sinbad ergueu o rosto para encará-lo. Pela vermelhidão no rosto de Hinahoho, era nítido que já havia bebido demais.

— Não faça essa cara! Ele está chegando!

Tentando disfarçar o nervosismo que começava a tomar o lugar daquela felicidade, Sinbad assentiu, sorrindo para seu amigo de longa data. Ele estava certo. Ficar aflito era perda de tempo.

— Por que não bebe um pouco, majestade? - Sharrkan estendia uma taça, atravessando a mesa que os dividiam. - Ja’far-san nem vai notar o cheiro de álcool.

— Mas vai sentir o gosto… - Pisti sussurrou.

— Beba! - o moreno insistia.

A tentação era grande.

Sinbad chegava a salivar, afinal, fazia semanas que não colocava vinho em sua boca, mas… Não. Precisava se manter forte. Afinal, em poucas horas, talvez minutos Ja’far estaria chegando e aí sim, havia prometido a si mesmo que beberia o máximo que pudesse. Mesmo que a ressaca abasse consigo no dia seguinte, comemoraria o retorno de seu conselheiro da melhor forma.

— Daqui a pouco. - o rei sorriu. - Quando Ja’far chegar.

Sharrkan abriu um sorriso e aproveitou para beber daquela taça que oferecia a Sinbad.

— E a bruxa velha? Não veio para a festa?

— Yamu-san disse que estava trabalhando no laboratório.

— Mas o rei disse que estávamos proibidos de trabalhar. - Sharrkan contestou.

— Deixem a Yamu fazer as coisas dela. Sharrkan me disse que ela está naqueles dias, não? - foi a vez de Sinbad se manifestar. - Ela está ansiosa também pela volta do Ja’far e virá quando ele chegar!

—-----xxxxxx------

Porém, as horas foram se passando e todos aqueles que compareceram àquela enorme festa no palácio de Sindria começaram a voltar para suas casas.

Os servos que habitavam o palácio também já se recolhiam e os poucos generais que sobravam naquela mesa estavam, exceto Masrur, como de praxe, completamente bêbados. Sinbad, que se mantinha sóbrio, tinha o olhar perdido no nada.

A aflição tomava conta de sua expressão e já estava impossível disfarçar aquilo.

Passava da meia-noite e nada, absolutamente nada. Ninguém havia vindo do porto avisar da chegada do navio que traria Ja’far.

Afastando a cadeira na qual estava sentado, Sinbad se levantou. O fanalis, assim que notou que seu rei estava para se retirar, fez o mesmo.

— Precisa de algo, Sin-sama?

Hm? - ele tentava sorrir. - Não, não se preocupe, Masrur. Eu… só vou ver uma coisa…

— Vai até o porto? - o ruivo indagou.

Sinbad o encarou, sem resposta. Como diria que estava extremamente frustrado após aquela imensa festa que significava toda sua alegria em receber Ja’far de volta? E por que Ja’far não estava de volta?

A aflição nos orbes dourados era quase palpável.

— Sin-sama, sabe que pode ter acontecido algum imprevisto e Ja’far-san pode chegar amanhã ou depois de amanhã.

— S-Sim… - ele gaguejou.

— Se está cansado, vá dormir. Se o navio do Ja’far-san chegar, eu irei acordá-lo.

— Não, Masrur. - ele estava decidido. - Eu vou esperar o Ja’far. Eu prometi que iria e com isso em mente eu passei esses dias tranquilo! Agora vou até lá aguardar!

— Se algum navio tivesse adentrado nosso território, a Yamuraiha-san teria nos avisado porque ela saberia pela barreira…

— Eu irei até lá esperar, ok?

Não havia como contestá-lo. Sinbad iria, independente do que o fanalis tentasse argumentar para impedi-lo de agir de forma imprudente.

Mas o rei de Sindria sabia que Ja’far não chegaria em uma ou duas horas.

Tudo o que queria, realmente, era se distanciar dali e tentar administrar aquela dor como havia administrado aquela angústia. Era como se a realidade caísse pesada sobre si. A certeza de que havia algo errado que ele conseguiu maquiar com sorrisos, alegria e uma falsa esperança.

Porque bem no fundo, desde sua partida… Ele sentia que Ja’far não voltaria.


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Notas finais do capítulo

Se existe algo engraçado nas minhas fics sinja é que eu fico horas devaneando pensando em como posso desenvolver algo e fico preocupada: "não vou conseguir!", aí sento para escrever e, subitamente, eu "vejo" tudo e só vou descrevendo! Tem sido assim que Kouen e Ja'far estão se relacionando. Dois personagens que estão tendo que mostrar lados totalmente desconhecidos e que eu temia muito por trabalhar com o Kouen em um lado emocional.

Enquanto que o Sin é um poço de emoções e que ama, chora, grita, ri, o Kouen é dominado por uma constante apatia. Eu espero que, mesmo com uma situação nova, eu não esteja destoando do personagem. - Por que é tão dificil para você expressar o que sente, Kouen? hahaha

Como sempre, pessoal, muito obrigada por lerem, curtirem, comentarem! Lembrando que todas as opiniões, críticas, elogios (também ♥) são bem-vindos e respondidos! ♥
Muito obrigada por lerem!



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