Remember Me escrita por Miaka


Capítulo 6
Renascimento


Notas iniciais do capítulo

Olá, pessoal! ^^ Como de costume, muito obrigada pelo feedback e fico muito feliz que estejam gostando e acompanhando mais uma história minha! O capítulo de hoje encerra o "começo" de tudo. Espero que gostem! ♥



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Finalmente, após aquele longo dia, via-se de volta em seus aposentos. Ou melhor, o que lembrava seu quarto, afinal, sem Ja’far naquela cama, parecia que aquele lugar nem ao menos lhe pertencia.

Fechando a porta atrás de si, Sinbad cerrou os olhos e com um longo suspiro ele se recostou à superfície de madeira.

O dia não havia sido nada fácil e, apesar do banquete e das inúmeras tentativas de se distrair, o rei de Sindria não conseguia se desvincular da tensão. Ainda mais quando fora acometido por aquela sensação tão ruim.

Só de se lembrar daquilo, sentia seu coração apertar como acontecera naquele momento, quando pôde ter certeza de que havia escutado a voz de Ja’far. Mas seu conselheiro não parecia apenas chamá-lo como de costume. Havia angústia, desespero em sua voz.

Sinbad balançou a cabeça, lembrando-se das palavras de seus generais e dos reis que acabaram tendo conhecimento do motivo de sua preocupação e, obviamente, tentaram acalmá-lo e fazê-lo se distrair.

Voltando a abrir os olhos, Sinbad esboçou um sorriso. Ria de si mesmo ao ver que estava tão paranoico. Sentia-se patético.

Certamente, quando Ja’far retornasse e soubesse de seu estado, riria e criticaria seu péssimo comportamento. Devia ter sido um anfitrião melhor para seus aliados e amigos, mas volta e meia parecia estar com a cabeça em outro mundo. Desatento, angustiado. Aquela apatia não combinava com o Sinbad ao qual todos estavam acostumados.

Mas ele poderoa corrigir aquilo no dia seguinte, no qual haveria menos reuniões e poderia conversar, apropriadamente, com os demais reis e seus conselheiros. Afinal, Ja’far ficaria furioso se soubesse que não havia recebido bem seus convidados.

Sinbad, então, caminhou até a larga cama e se sentou nela, tirando da mesinha de cabeceira o artefato mágico que fora obrigado a abandonar durante o dia, afinal, não teria feito nada além de tentar se comunicar com Ja’far se tivesse aquele objeto por perto. E logo estanhou quando viu uma fraca luz azulada emanar do aparelho. O que significava aquilo?

— Hm? - ele arqueou uma sobrancelha e apertou aquele botão, levando o item até a lateral de seu rosto.

Não esperava ser surpreendido.

— Sin, estou voltando e com uma grande surpresa! — ah, o alívio que preenchia seu peito ao ouvir aquela voz. - Deu tudo certo!— ele notava alegria nas palavras de Ja’far - Comporte-se e nada de ficar bebendo demais!— e após aquela frase, um longo silêncio fez com que o rei pensasse que a mensagem deixada por seu conselheiro tinha acabado ali, mas… - Eu te amo.

As gemas douradas cresceram ao ouvir a última frase. Um forte rubor tomou conta da pele morena daquele que parecia não crer no que escutara o próprio Ja’far dizer. Será que estava delirando? Havia enlouquecido?

Balançando a cabeça, Sinbad voltou a apertar aquele botão e a levar o artefato mágico à altura do rosto. Ouviu mais uma, duas vezes até que um largo sorriso tomasse conta de sua expressão ao constatar que sim, era real o que ouvira.

 Estava estupefato.

Por mais que compreendesse muito bem os sentimentos de seu conselheiro, também era compreensivo quanto a sua personalidade reservada. Era a primeira vez que Ja’far afirmava aquilo de uma forma tão natural, como se falasse, meramente, pela pura necessidade de afirmar seu amor e não em um momento de exasperação como quando estavam na cama, que era onde Sinbad já havia escutado tais palavras antes.

Ja’far o amava e ouvir aquilo ser reafirmado, naquele instante, fez o coração do rei de Sindria se encher de alegria.

Tentando se conter, ele decidiu tentar se comunicar com Ja’far. Ele já devia estar em viagem, mas o que custava tentar?

 Apertou o botão e estranhou o fato daquele som de chamada soar várias vezes. Yamuraiha havia dito que, quando estivessem em alto-mar, não poderiam se comunicar. Será que haviam feito alguma parada no caminho? Esperava que não estivessem tendo problemas durante o caminho.

Mas ao perceber que havia a possibilidade de ser atendido, Sinbad ficou ainda mais nervoso, afinal, falaria com seu conselheiro e após ouvi-lo dizer que o amava. Mas, para sua decepção, após tocar tanto, só pôde ouvir o som que o sinalizava a deixar uma mensagem. Respirou fundo, precisando manter os pensamentos em ordem e não ceder às emoções.

— Q-que bom, Ja’far. - gaguejou. - Me desculpe não ter falado com você antes de você partir. Tive muitas reuniões e… - como diria aquilo sem parecer ridículo a ele? - e… Eu estou sentindo muito a sua falta. - a voz se perdia, um tanto quanto embargada. Doía não ter Ja’far ali ao seu lado. Como doía! - E… Eu também te amo, Ja’far! Volta logo, por favor! Estou te esperando… - coragem, Sinbad; ele pedia a si mesmo. - meu amor.

Sinbad desligou o aparelho e o levou junto ao centro de seu peito. Suspirou, sentindo-se um tanto quanto ridículo. Parecia um adolescente apaixonado e aquele tipo de atitude, definitivamente, não combinava com sua idade e, muito menos, com a postura que um rei deveria ter - como diria Ja’far.

Porém, com a certeza de que tudo estava correndo bem e sentindo o alívio e a alegria de receber aquela mensagem, Sinbad pôde descansar em paz naquela noite. Só podia ansiar mais ainda por reencontrá-lo.

—---xxxxxxx----

E… Eu também te amo, Ja’far! Volta logo, por favor! Estou te esperando… meu amor.

Na grandiosa biblioteca daquele palácio, o primeiro príncipe do Império Kou terminava de ouvir aquela mensagem e sua expressão não parecia esconder nem um pouco seu desagrado. O asco se misturava com a repúdia que sentia daquele homem, ainda mais falando daquela forma… e com Ja’far.

— Não gostou de ouvir os pombinhos namorando?

Ao ver a veia saltada na fronte do ruivo, o magi perguntou aos risos enquanto balançava os pés para fora da mesa a qual estava sentado.

— Preciso ir ver como está Ja’far. - ignorando a pergunta de Judal, ele afirmou ao se levantar de sua cadeira e se dirigir à porta.

Mas antes que pudesse abri-la e deixar aquele lugar, o sacerdote rapidamente flutuou até ali e interrompeu seu caminho. A intransigência de Judal era o suficiente para que Kouen o fuzilasse com seu olhar. Não fazia esforço para, naturalmente, alto como era, encará-lo com desprezo.

— O que significa isso?

— Eu que pergunto, Kouen. - sorridente, o magi cruzou os braços. - Disse que era para apagarmos o franguinho. - começou. - Aí você saiu daqui e o resgatou, até mesmo ameaçando os médicos da corte se não o salvassem. O que tá rolando? Se apaixonou por ele?

— Não é da sua conta. São meus planos. - friamente o ruivo respondeu. 

Judal suspirou e, vendo que não conseguiria nenhuma informação a mais, dando de ombros ao ceder passagem ao príncipe que, sem mais, deixou aquele lugar rumo à pequena prisão que ficava nos andares inferiores daquele palácio.

Já estava bem tarde, mas aquele lugar estava bastante movimentado, já que a única cela ocupada era onde estavam tratando do conselheiro de Sindria, que acabava de se tornar um prisioneiro daquele país.

Assim que notaram a presença do nobre, todos que estavam ali, antes atentos ao seu serviço, se curvaram em respeito ao primeiro príncipe. Apenas o cumprimentaram antes de partir, afinal, a maioria do que tinham para fazer já havia sido concluído.

Em suas mãos haviam bandejas, toalhas brancas que foram tingidas com um vívido vermelho e tudo mais o que havia sido usado para cuidar do conselheiro de Sindria. Somente um daqueles que cuidavam de Ja’far se manteve ali, dentro daquela cela, quando o ruivo a adentrou.

Os olhos de Kouen foram diretamente àquele que permanecia inconsciente, deitado sobre aquela cama feita de pedra. Não havia conforto algum a ele que não fosse um travesseiro sob a cabeça e um lençol sobre o corpo.

Seus ferimentos haviam sido limpos e cuidados. Os fios brancos caíam sobre as ataduras ainda manchadas de sangue que davam a volta ao redor de sua cabeça. O braço direito também estava enfaixado e havia alguns curativos em seu rosto.

— Como ele está?

E assim que ouviu a pergunta, aquele que parecia ser o responsável por tratar daquele homem se reergueu para se reportar à autoridade.

— O estado dele é bastante grave, alteza. - ele começou. - Apesar da gravidade do estado do Ja’far-sama, fizemos de tudo para mantê-lo estável. Teve ferimentos diversos, o tornozelo direito estava quebrado, assim como o braço do mesmo lado. - o jovem descrevia. - Parece que ele sofreu uma queda... - a afirmação tinha tom de pergunta.

Kouen nada respondeu, os olhos ainda pousados sobre Ja’far enquanto ouvia atentamente seu relatório. E ao notar o silêncio, o ruivo sutilmente o fitou antes de voltar a encarar seu “prisionerio”.

Notando que o príncipe não estava disposto a lhe fornecer nenhuma informação a mais, ele decidiu prosseguir.

— Bem, a panturrilha direita parece que foi perfurada por algo, talvez uma flecha. Por ele estar com bastante febre ao chegar aqui, presumimos que ela estava envenenada, mas já administramos um antídoto. Mas o mais grave, certamente, foi o ferimento na cabeça. Parece que foi uma pancada muito forte… - ele comentou, um tanto quanto apreensivo.

— Sim… - foi a única resposta que Kouen deu. - Quando ele deve acordar?

— Bem… Ele perdeu bastante sangue e não responde a nenhum estímulo.

Kouen contorceu o lábio sem tirar os olhos de cima de Ja’far.

— S-sinto muito, mas o estado dele realmente é muito grave! Ficamos surpresos como ele sobreviveu com tantos ferimentos. - o médico pausou. - Seja lá o que aconteceu com ele, com certeza tentaram o matar...

— Um acidente. - foi tudo o que Kouen respondeu. - Foi apenas um acidente.

De uma forma bastante intimidadora, o primeiro príncipe encarou o rapaz que apenas assentiu. Sabia que não devia questionar mais nada e apenas acatar as palavras daquele homem que suspirou, parecendo estar bastante preocupado quanto ao estado do conselheiro de Sindria.

— Continuem cuidando dele e, assim que ele acordar, me avisem!

Dando meia-volta, Kouen se preparou para sair daquela cela.

Era questão de tempo para que Ja’far acordasse. Tinha certeza de que ele sobreviveria, afinal, antes de ser o conselheiro daquele país minúsculo, Ja’far era nada menos que um treinado assassino da Sham Lash. Não morreria com tão pouco, tinha certeza.

—---xxxxxxx----

Uma semana se passou rapidamente e, desde aquele dia, todos ficavam surpresos pelo fato de seu rei despertar bem cedo para começar seus afazeres. Nem lembrava o cabisbaixo Sinbad de semanas atrás, quando Ja’far havia partido.

A  cada dia que passava ele parecia mais feliz, chegando a chamar atenção dos demais servos ao ouvirem sua majestade cantarolando enquanto passava pelos corredores, cumprimentando todos. Certamente, tamanha alegria era devido à certeza de que seu reencontro com seu conselheiro estava cada vez mais próximo.

— Majestade?

Estava tão concentrado em seu trabalho que nem percebera quando a porta se abriu. E ao erguer os olhos e encontrar a moça que colocava apenas a cabeça para dentro da sala, Sinbad abriu um sorriso.

— Já disse que não precisa me chamar formalmente assim, Pipirika.

A bela jovem de repicados cabelos azuis adentrou a sala, fechando a porta em seguida. Ela trazia uma caixa forrada em veludo em uma de suas mãos, enquanto que na outra trazia um pergaminho.

— Temos que dar exemplo aos outros criados. - ela sorriu ao se aproximar. - Não seria nada bom se eles começassem a tratar vossa majestade pelo nome.

— Não que eu me importasse. Aliás, seria bem menos constrangedor. - Sinbad riu ao deixar a pena de volta ao tinteiro para se recostar na cadeira. - Algum documento mais para assinar?

— Não. - balançando a cabeça, Pipirika estendeu a caixa e o pergaminho a seu rei. - É uma correspondência que chegou há pouco de Sasan. Veio junto com essa caixa.

— Já?! - arregalando os olhos em surpresa, parecia que ele sabia do que se tratava. - Pedi isso a Darius na reunião da semana passada e ele já enviou?

Bastante animado, Sinbad colocou a caixa sobre a mesa e a abriu, revelando assim uma belíssima gargantilha prateada que era adornada com uma belíssima safira esculpida. O azul vívido daquela jóia refletiu nos orbes dourados enquanto o rei retirava dali aquela linda peça.

— Que linda! - Pipirika comentou.

— Acha que Ja’far vai gostar? - sem cerimônias, o rei a perguntou.

— Claro que sim! Quem não gostaria de uma jóia linda como essa? - a moça indagou retoricamente.

— Estava querendo presenteá-lo, mas pensei que uma pulseira poderia atrapalhar as linhas de suas lâminas e um anel poderia atrapalhá-lo a trabalhar. - Sinbad riu. - Como ele é bastante discreto, pensei que algo assim o agradaria...

Era impossível não notar em como seu rei falava de Ja’far com carinho. Como se, descrevendo aqueles traços, estivesse demonstrando o quão bem conhecia seu conselheiro. E Pipirika sabia muito bem dos sentimentos que um nutria pelo outro, em especial Ja’far, já que trabalhava ao lado dele há anos. Não era dificil surpreender o ex-assassino a suspirar de amor por seu rei ou enlouquecendo de raiva e ciúmes... também por causa de seu rei.

— Está com muita saudade dele, não? - Pipirika quebrou o silêncio.

Sinbad encarou o sorriso terno da moça e corou um pouco ao assentir.

— Nos primeiros dias pensei que fosse enlouquecer… - o moreno suspirou enquanto guardava a jóia de volta à caixa.

— Por que ficou tão angustiado? Não é a primeira vez que Ja’far viaja sozinho e muitas vezes viajou e Ja’far ficou aqui. - ela lembrou.

Terminando e fechar aquele porta-joias, Sinbad suspirou. Inclinou a cabeça para trás ao voltar a se recostar na cadeira.

— Tive um pesadelo. - sucinto, ele parecia desabafar enquanto encarava o teto.

— Pesadelo? - Pipirika arqueou as sobrancelhas.

— Um bem parecido com o que tive… antes da Serendine morrer.

Pipirika acabou se arrependendo de ter feito aquela pergunta, afinal, sabia como tocar no nome da princesa de Parthevia era doloroso para seu rei.

— M-me desculpe.

— Tudo bem. - Sinbad sorriu, tentando descontrair. - É que… isso realmente me assustou. A partir dali comecei a temer me afastar de Ja’far… parecia que eu sentia que algo ruim aconteceria. Talvez, se Ja’far não tivesse ido, eu teria continuado paranóico. Mas agora sei que deu tudo certo e ele está voltando.

— Creio que em no máximo 3 dias ele já está de volta, não?

— É o que calculei também, já que Ja’far havia me dito que não fariam paradas durante a viagem em nenhum lugar. Porém… - o rei de Sindria parecia pensativo. - o artefato mágico da Yamuraiha continua funcionando.

— Mas o comunicador da Yamuraiha-san não funciona em alto-mar, certo?

— Pois é. - Sinbad suspirou. - Está funcionando, mas ninguém atende. Yamuraiha me disse que pode ser um defeito, afinal, Ja’far não passaria uma semana sem atender se estivesse realmente funcionando.

— Com certeza não! - Pipirika riu, divertida. - Aposto que ele está desesperado para saber como foi a reunião da Aliança! Vai ser uma grande surpresa ele ver que a majestade fez todo o serviço acumulado e até mesmo o do Ja’far-san!

— Sim! - Sinbad abriu um sorriso de orelha a orelha. - Em apenas 3 dias ele vai estar de volta e faremos uma grande festa!

—---xxxxxxx----

Da janela de seu escritório podia ouvir a música alta que vinha do jardim do palácio e, apesar de já ter anoitecido, ele permanecia a trabalhar. Afinal, amanhã seria sua folga e queria adiantar tudo o que podia.

Encarou o último pergaminho que faltava assinar e, lendo por alto, viu que se tratava de um acordo comercial com Heliohapt. Algo que já havia sido discutido e não merecia uma releitura.

A pena firme em sua mão assinava seu nome em mais um documento. Mas justamente quando fora escrever, a pena seca travou no papel.

Estalando a língua, ele esticou o braço para que conseguisse molhar a pena. Porém, um descuido fez com que as costas de sua mão batessem no tinteiro, derrubando-o para fora da mesa.

— Droga!

Resmungando ao ver a tinta preta se espalhar pelo chão, Ja’far afastou a cadeira e se levantou. Foi quando uma brisa mais forte soprou, adentrando pelas janelas, e tratou de apagar os candelabros que iluminavam sua sala.

— Era só o que faltava!

Agora ele não precisava apenas limpar a bagunça que fizera, mas antes disso também precisava reacender as velas. Era tão dificil assim escrever seu nome em um documento?

E enquanto buscava o acendedor, notou que a música que vinha do lado de fora havia cessado, assim como as vozes que vinham do jardim.

Estava tão escuro e não conseguia achar o acendedor de forma alguma.

Quando tropeçou em um dos tapetes que forravam o chão, concluiu que era melhor ir procurá-lo do lado de fora de seu escritório, ou acabaria se machucando.

Abriu as portas duplas e sentiu os fios alvos que caíam por seu rosto serem açoitados pelo forte vento que percorria o corredor vazio, ou melhor, o que presumia ser o corredor. Estava ainda mais escuro do que em sua sala. Será que aquela rajada de vento tinha sido tão forte para apagar todos os candelabros do palácio? E por que não havia ninguém por ali? Não estava tão tarde para ser o único ainda trabalhando. Tinha certeza de que não estava só ali.

— EI!

Aquela voz. Ele tinha certeza de quem era o dono dela.

— Si...

Uma forte dor em sua cabeça interrompeu sua fala. Tão forte que fez com que ele tivesse de se apoiar em uma das paredes. Era por elas que, naquela escuridão, conseguia se guiar por seu caminho.

— ONDE VOCÊ ESTÁ?!

A voz insistiu e, abrindo os lábios para respondê-la, aquele nome que, outrora estava tão claro, subitamente desapareceu de sua mente, perdendo-se naquela intensa escuridão.

Foi a partir daquele momento que um forte temor lhe dominou mas, mesmo sentindo suas pernas trêmulas, ele decidiu permanecer andando, as mãos apoiadas naquela parede.

Uma mínima claridade surgiu quando virou o corredor e conseguiu enxergar as costas de um homem de porte alto. O cabelo preso longo o suficiente para chegar quase aos seus pés.

Sentindo alívio ao encontrá-lo, dando mais dois passos, sua mão tentou alcançá-lo. Mas num piscar de olhos, ele não estava mais ali. Viu-se só novamente.

A escuridão se intensificou e, mais uma vez, ele entreabriu os lábios para chamar aquele homem, porém, nem ao menos sabia o seu nome. 

~

Com um esforço descomunal, vagarosamente ele tentou abrir os olhos.

Sentia um forte peso em sua cabeça enquanto tentava focar no que havia ao seu redor. Onde estava?

Percebendo que a mão direita estava imobilizada, levou a esquerda até o topo de sua cabeça, percebendo que haviam ataduras ao redor dela. O que tinha acontecido? - ele se perguntava quando, finalmente, conseguiu enxergar onde estava, constatando estar cercado por paredes de pedra e… barras de ferro. Havia sido preso? O que estava acontecendo? Por que estava ali?

Ouviu alguns passos antes da porta, que havia entre as barras, se abrir.

Uma jovem que trazia ataduras, toalhas e água em uma bandeja arregalou os olhos. E na surpresa de vê-lo desperto, acabou derrubando tudo o que tinha em mãos. O som estridente do metal indo ao chão o fez apertar os olhos. Sua cabeça latejava.

— J’Ja’far-sama! - ela gaguejou. - Finalmente acordou!

— Anh?!

Sentiu seu coração falhar uma batida.

Como ela havia lhe chamado? Ja’far?

Perplexo, ele a encarou.

— C-como me chamou?

— Ja’far-sama… - um tanto quanto receosa, ela deu um passo para trás. - Seu nome, não?

Seu nome era esse? - ele questionava a si mesmo. E daquela única pergunta que fazia a si mesmo, inúmeras questões surgiram. O que fazia ali? Quem ele era? Ja’far? Não se lembrava de ter ouvido esse nome jamais, mas como se chamava então?

Ficando mais pálido do que de costume, Ja’far balançou a cabeça sentindo aquela dor se intensificar. E notando o quão desorientado o prisioneiro estava, a moça decidiu se manifestar.

— Eu vou chamar o Kouen-sama! Por favor, acalm…

— O que está acontecendo?!

Surpreendendo aquela jovem, o primeiro príncipe chegava ali, como fazia todo dia por volta daquele horário para ver como estava seu prisioneiro. Sabia que àquela hora estariam limpando e tratando de Ja’far.

A moça rapidamente se curvou, rapidamente recolhendo o que havia deixado cair.

— Ja’far-sama acordou! - ela avisou.

A surpresa dominou a expressão de Kouen que, apressadamente, adentrou aquela cela. E diferente do que esperava encontrar, um Ja’far agressivo e relutante, o que tinha diante de si era aquele rosto sem expressão. Os olhos esverdeados arregalados daquele que, mesmo com dificuldades, tentava se levantar.

Oe, não deve se levantar ainda! - advertiu o príncipe. - Não percebe a gravidade dos seus ferimentos?

 A confusão de Ja’far era nítida. Ele parecia completamente perdido e temeroso.

E diante daquele estado tão inesperado do conselheiro de Sindria, Kouen não soube como agir.

— Q-quem é você? - o alvo indagou, a voz trêmula ao perguntar.

— O quê?! - o ruivo arregalou os olhos. - Não se lembra?

— O que eu estou fazendo aqui? - aflito, ele prosseguia a questionar. - Eu estou preso?

Kouen entreolhou a moça que estava tão sem ação quanto ele.

— O que significa isso? - o príncipe inquiriu.

— Errr… Ele pode estar com uma amnésia temporária. Como bateu a cabeça, deve estar um pouco desorientado…

E enquanto ouvia a explicação da mulher, Kouen não havia percebido que Ja’far já havia se levantado daquela cama, apesar do corpo reclamar de seu ato impensado.

Sentia-se completamente desesperado e, apesar de não ter rumo, ele sabia que permanecendo parado, ali, ele não teria as respostas que precisava.

Por mais que tentasse se lembrar de alguma coisa, qualquer coisa, tudo estava… vazio.

Quem eram aquelas pessoas?

Onde estava?

Por que estava ali?

E o mais importante… quem ele era?

Oe! - Kouen foi rapidamente até ele. - Disse para não se levant…

— QUEM É VOCÊ?! - Ja'far praticamente cuspia em exasperação. - QUEM SOU EU?! POR QUE EU NÃO ME LEMBRO DE NADA?!

O desespero consumia Ja’far e vê-lo naquele estado deixava Kouen completamente angustiado. Não sabia como agir e, de certa forma, vê-lo sofrer daquele jeito o atingia de uma forma que ele não conseguia compreender.

Mas precisava se manter firme. E assim o segurou pelos ombros e o encarou fixamente. Mesmo tão temeroso, Ja’far não desviou o olhar dele.

— Você é Ja’far! O conselheiro de Sindria! Veio aqui para assinarmos um acordo! - convicto, Kouen afirmou.

— Sin… Sind...

Ja’far balbuciou antes de, num breve lapso, se lembrar da silhueta daquele homem que encontrara em seu sonho. Como se aquela palavra ativasse um ponto adormecido em sua debilitada memória. Não conseguia se lembrar de seu rosto de forma alguma, mas o mero fato de ter aquela lembrança reavivada fez sua cabeça doer mais e agora de uma forma lancinante.

ARGH! - ele gemeu. - AAAAH!!

Instintivamente Ja’far empurrou Kouen e levou as mãos ao topo dos fios alvos, chegando a puxá-los quando seus joelhos foram ao chão.

— JA’FAR! - Kouen chamou, a preocupação estampada em seu rosto. - O que está sentindo?

Ja’far urrava o máximo que podia, os olhos arregalados enquanto suava frio. Parecia que ia enlouquecer de tanta dor que sentia. Ou será que já havia enlouquecido?

— Traga um calmante, alguma coisa! - ele orientou a mulher, que rapidamente saiu da cela. - Oe, Ja’far!

Kouen se agachou e segurou os ombros do alvo, tentando acalmá-lo, mas fora em vão. A dor era forte demais e, não resistindo a ela, Ja’far só parou de gritar quando acabou desmaiando, sendo logo amparado pelo aflito ruivo que não tinha ideia de como agir.

Ele engoliu a seco observando aquele que agora descansava em seu peito. Estava surpreso em como havia ficado assustado ao ver Ja’far sofrer daquela maneira. Havia sentido urgência em buscar alguma forma, não sabia qual, de aliviar sua dor.

Mas como não havia pensado antes naquela possibilidade?

Ja’far estava completamente desmemoriado e indefeso em suas mãos.

— Kouen-sama! - tirando-o de seus devaneios, a mulher voltou trazendo o que lhe fora pedido, mas se surpreendeu ao ver o príncipe se reerguendo trazendo o conselheiro de Sindria em seus braços.

— Não precisa mais.

Resignando-se, a jovem se manteve calada enquanto o ruivo depositava Ja’far de volta àquele leito.

— Acha que ele pode demorar quanto tempo para se lembrar de tudo?

— N-não faço ideia, alteza. Assim como pode ser algo temporário… pode ser que o Ja’far-sama jamais volte a recuperar a memória. - ela presumia. - É algo muito incerto.

— Entendo… - ele suspirou, ajeitando os fios esbranquiçados que caíam sobre o rosto adormecido. - Quero uma reunião com todos do palácio às seis. - ele anunciou. - Avise a todos que tiveram em contato com Ja’far. NINGUÉM pode faltar.

— S-sim, senhor!

Um tanto quanto pensativo, o primeiro príncipe do Império Kou deixou aquele calabouço.

Excitação, exasperação e preocupação se misturavam. Uma vasta gama de possibilidades se abrira.

Tão perdido em devaneios que, quando chegara a principal ala de convivência do palácio, nem notou a presença de seu irmão mais novo.

— Soube que seu prisioneiro voltou a si.

Kouen interrompeu seu caminhar para encarar aquele cuja voz era abafada pelas penas escuras do leque que mantinha junto ao rosto.

— Sim, porém… Ja’far perdeu a memória.

— O quê?! - Koumei arregalou os olhos. - E agora?!

A preocupação do mais jovem contrastou com o sorriso de satisfação que Kouen trazia em seus lábios.

— Agora as coisas vão ficar ainda mais interessantes...

 


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Notas finais do capítulo

Eeee... acho que a fic finalmente começou!
Assim que idealizei essa história, eu tinha uma vontade imensa de desconstruir o Ja'far, junto disso trabalhar com um tema psicológico, que é algo que eu adoro! Justamente pelo Ja'far ser um personagem de personalidade e convicções tão fortes, eu ansiava muito para escrever ele como UMA NOVA PESSOA. E é esse o significado do título desse capítulo, o renascimento do Ja'far.
Eu realmente tive receio de, no prólogo e no nome da fic, acabar dando dicas que indicassem a amnésia, mas fico feliz que vocês tenham ficado curiosos. Porém, muitas coisas irão acontecer com este Ja'far que, sem rumo, está nas mãos de um Kouen nada inocente e que não tem mais seu amado rei! - e como ele ficará sem seu conselheiro adorado?
Muito obrigada por lerem! Espero vocês nesta nova fase da fic e, como sempre, críticas, elogios, sugestões são muito bem-vindas! ♥



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