Remember Me escrita por Miaka


Capítulo 32
O Começo do Fim II


Notas iniciais do capítulo

Olá, pessoal! Quero pedir mil desculpas pela demora em atualizar e em responder as reviews. Eu me mudei esses dias e estou tendo que organizar tudo - ainda estou organizando - e não tive tempo para postar regularmente. Esse capítulo é MUITO importante. Finalmente começa a reta final dessa história! ♥



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/690726/chapter/32

Bararaq Sei!!!

Aquelas lâminas, arremessadas com toda sua força, se chocavam contra aquela pilha de cadeiras e móveis velhos para, em seguida, irem ao chão. Era mais uma das dezenas de tentativas que Sinbad assistia, da fresta da porta, durante aquela meia-hora em que esteve ali se perguntando se devia ou não interrompê-lo.

O rei mordia o lábio inferior, bastante angustiado, ao ver as mãos de seu conselheiro já gotejando o rubro que escapava dos pequenos cortes. O rosto alvo estava banhado em suor e, apesar de cansado, aquela expressão de determinação não saíra dali.

Bararaq Sei!!!

Uma nova tentativa. Sinbad viu, assim que ele arremessou as lâminas, o sangue espirrar por aqueles ferimentos.

Tsc...

Angustiado ele sentia que não podia apenas continuar assistindo sem nada fazer enquanto Ja’far ultrapassava qualquer limite. Mas assim que deu um passo à frente, pronto para adentrar o velho armazém, ele sentiu uma mão em seu ombro.

— Majestade.

Sinbad se virou e encontrou quem sussurrava seu nome. Era ninguém menos que Sharrkan, o príncipe de Heliohapt. Ele parecia angustiado.

— Não interrompa o Ja’far.

— Quê?! Olha o que ele está fazendo! Está se matando!

— Não. - o moreno balançou a cabeça negativamente. - Ele está lutando por nós.

Tudo o que ele dizia soava bem óbvio, mas incompreensível para Sinbad.

— O que quer dizer com isso, Sharrkan? Estou aqui vendo há meia-hora como Ja’far está se machucando forçando algo que, você sabe muito bem, não funciona assim! Os poderes que ele tinha, graças a Baal, não vão voltar com ele colocando seu corpo no limite!

— Acredite, não é a primeira noite que ele está aqui fazendo isso. Tem vindo pra cá toda noite tentando… fazer seus poderes voltarem. Acho que ele não se sente leal a você desde que...

Sharrkan evitou prosseguir e Sinbad se lembrou muito bem da fatídica noite em que seu conselheiro havia demonstrado seu vínculo com Kouen. Aquele que era tão forte a ponto de se manifestar como o poder que recebia do djinn de seu rei. E como diria que não se importava com aquilo se, quando viu tamanha demonstração do laço que ele tinha com o príncipe, perdeu completamente o rumo? Havia até mesmo… expulsado Ja’far de seu país.

Tsc, de qualquer forma, isso não pode prosseguir!

Bararaq Sei!!!!

Ambos ouviram um novo exclamar, o que os fez se atentarem imediatamente ao interior daquele lugar. Sinbad pensou ter sido imaginação, mas podia jurar que viu algumas faíscas centelharem pelo caminho daquelas linhas vermelhas, tão apertadas, ao redor dos braços finos de Ja’far.

Não havia como resistir ao cansaço. Não mais - Ja’far pensou quando seus joelhos foram ao chão. Suas mãos tremiam freneticamente e ele ofegava ao encarar o chão assistindo uma, duas, três gotas de suor escorrendo pela ponta de seu queixo e do seu nariz.

Sinbad cerrou os punhos ao observar aquilo. Ja’far estava se esforçando tanto! E para quê? Para ter ao menos aquele vínculo para demonstrar que realmente acreditava no amor que havia entre eles. Durante todo aquele tempo tentaram, desesperadamente, lhe mostrar a verdade enquanto que o coração de seu conselheiro e amante estava em um terrível confronto. Havia sido bastante covarde de sua parte expô-lo a tantas situações. Certamente Ja’far se sentia impotente, incapaz de se lembrar das coisas que lhe foram apresentadas com tanta naturalidade. Sinbad refletia o quão assustador aqueles meses não estavam sendo para ele, a ponto de vê-lo chegar a extremos para recobrar a memória. Deus, por que tudo aquilo tinha acontecido? - Sinbad se questionava constantemente, em especial ao presenciar aquela cena.

— Ele já vai parar. - Sharrkan tentou acalmar seu soberano.

— Eu espero… - Sinbad suspirou. - Preciso conversar com ele sobre isso!

Ja’far ainda encarava aquele assoalho de madeira. Ele ainda tentava recuperar o fôlego quando uma brisa mais forte soprou as chamas dos candelabros e o confinou na escuridão. Ele estalou a língua ao perceber que havia deixado a porta entreaberta. E se alguém o visse ali? Era melhor que permanecesse no escuro. Estava decidido a sair dali apenas quando tivesse ao menos o poder de Sinbad de volta. Mesmo que não se lembrasse de nada, o sentimento que tinham um pelo outro ainda existia e ele precisava recuperar aquilo. Algo o dizia que, se pudesse recuperar seu poder, lembraria-se de tudo.

Eu vou ordenar que as tropas de Kou, que estão em Balbadd, destruam de uma vez por todas essa ilha!

A ameaça de Kouen ecoava em sua mente. Se pudesse se lembrar de seu passado…

“- Estou vendo que fizeram a sua cabeça aqui!

— Você também fez a minha!”

 

Tinha sido capaz de enfrentar Kouen, apesar de tudo o que sentira por ele. Afinal, no fundo, bem no fundo, ele sabia que havia sido enganado por aquele que estimava tanto. Havia se apaixonado perdidamente por Kouen. Por mais que…

“Exatamente aqui, Ja’far… Trocamos nosso primeiro beijo.

Ele se lembrava da ternura de Sinbad em cada gesto, em cada olhar. Por que não se lembrava de tudo o que viveram? Por mais que tantas pessoas contassem sobre suas aventuras, sobre a paixão que o rei de Sindria nutria por ele?

Não vai mais pensar em ir embora, não é? Não vai mais… querer viver com o Kouen, não é?”

A pergunta de Sinbad, repleta de receio, não tinha sido respondida por Ja’far. Ao menos não naquele momento e sim agora, enquanto ele se levantava, mais uma vez, mesmo que suas pernas tremessem tanto.

“Quer voltar para Kou, Ja’far-san?” - lembrava-se da voz de Pipirika.

“Vai escolher o Kouen?” - foi a vez de Sinbad lhe questionar.

Ja’far, completamente obstinado, encarou aquelas cadeiras empilhadas, mais uma vez, enquanto apertou firmemente aquelas lâminas em suas mãos.

— NÃO! - exclamou Ja’far, como se estivesse diante do rei de Sindria para lhe responder. - BARARAQ SEI!

—-----xxxxxx-------

Poucos guardas e uma grande quantidade de escravos assistiu quando aportou mais um dos inúmeros navios que transitavam por aquela costa.

Nem mesmo as bandeiras de Reino de Sindria chamaram sua atenção, afinal, devido aos acordos comerciais que o antigo rei possuía com a ilha do Rei Sinbad, Balbadd, mesmo sob o governo de Kou, teve de prosseguir com as negociações de longa data. Então não era nem um pouco incomum a chegada de um navio sindriano.

O que surpreendeu a todos foi quando daquele navio desembarcou ninguém menos que o primeiro príncipe, Ren Kouen.

Encharcado de suor, com a longa capa pendurada em um braço e o kimono branco grudado no peitoral, ele desceu aquelas escadas de madeira sob os curiosos olhares de todos ali presentes. O que o general das tropas do leste estava fazendo ali, em um navio de Sindria, naquele estado deplorável?

Mas assim que receberam o olhar imponente do príncipe, todos se curvaram ao abrir caminho àquele que caminhou até a carruagem mais próxima. Não era nenhum pouco luxuoso ou de seu nível, mas com a autoridade que possuía ele tomou a liberdade de adentrá-la e fazer uso dela.

— Me leve ao palácio. - ele ordenou.

O senhor já de idade que usava daquele velho par de cavalos para garantir seu sustento assentiu e, sem delonga, partiu levando o príncipe.

Não demorou mais que dez minutos para que chegassem em frente ao palácio. E mesmo estando noite, o clima daquele país incomodava muito Kouen, que saiu do veículo se abanando.

O velho motorista ainda ficou com a mão estendida à espera de receber alguma moeda, mas tudo que recebeu foi as costas do príncipe, que adentrou o palácio para dar de cara com uma cena bastante inusitada.

— Você disse que eu ia poder dormir nos seus aposentos, alteza!

— Já disse que hoje não! Estou muito preocupado!

— Então, eu vou fazer com que fique bem calminho!

Ambos estavam de costas para Kouen. A cortesã que costumava praticamente se jogar em seu irmão mais novo estava inclinada para frente, os braços deslizando pelos ombros de Koumei que estava sentado em uma poltrona.

— Não insista! Já disse que hoje não! Preciso continuar procurando meu irmão e…

— O que está fazendo aqui!?

A voz grave chamou atenção de Koumei que, imediatamente, se pôs de pé. Virando-se para trás ele arregalou os olhos ao encontrar seu irmão.

— Me-Meu irmão e rei! Finalmente apareceu!

— O que está fazendo aqui? - ríspido, Kouen foi direto.

— Mas não é óbvio? - indagou o mais novo ao dar a volta naquela poltrona. - Vim procurá-lo! Estava muito preocupado!

— Tão preocupado que está acompanhado de uma cortesã! - o ruivo cruzou os braços ao encarar Ho-Bin.

— Alteza, é um prazer revê-lo!

A moça de longos cabelos escuros se curvou erguendo pelas pontas dos dedos as várias camadas de tule da saia do hanfu amarelo que vestia.

Kouen suspirou e se sentiu agradecido. Afinal, se Koumei estava tentando manter uma relação, mesmo que fosse com uma cortesã, significava que toda aquela história sobre amá-lo era mera insanidade. Onde já se viu um irmão amar o outro? - Antigamente ele pensaria que um homem amar outro homem era um grande absurdo. Mas as coisas eram diferentes agora. Bem diferentes…

— Melhor assim. - ele suspirou. - Vou me recolher.

— Ma-Mas meu irmão! - aflito, Koumei insistia. - Onde esteve nessas últimas semanas?! Por acaso…

— Não interessa. - Kouen o encarou.

Koumei engoliu a seco. Havia tempo que seu irmão agia de forma agressiva com ele. Exatamente desde quando…

— Quando pretende voltar a Kou? - ele tentou de uma maneira diferente.

— Nunca.

— O quê?! - perplexo, Koumei não podia acreditar no que acabara de ouvir.

— Vou assumir o controle de tudo daqui mesmo. Isso vai ajudar a expandir nosso poder sobre Balbadd também e toda essa região.

— Mas… Mas meu irmão, você odeia o clima daqui e…

— Ja’far e eu ficaremos aqui, no palácio. - Kouen o interrompeu.

— Ja’far?! - do que seu irmão falava? - Mas Sinbad o levou! Do que está falando?!

— Ele vai chegar em poucos dias aqui. Espero que não o importunem! Se desejam permanecer aqui, comportem-se porque Ja’far vai ficar aqui ao meu lado e tendo toda a autoridade que ele deve ter!

—-----xxxxxx-------

BARARAQ SEI!!!

Aquelas palavras soaram de uma forma diferente no momento em que aquelas lâminas brilharam tão forte que iluminou todo o lugar com os raios azulados que emitiam. As linhas vermelhas que envolviam seus braços faiscaram e ele sentiu a eletricidade percorrer todo aquele caminho. Mas assim que o sorriso se abriu nos lábios de Ja’far ao notar que, finalmente, havia manifestado aquele poder, aquelas linhas se comprimiram, apertando-se firmemente. Foi quando, subitamente, ele recebeu a forte descarga elétrica que percorreu todo seu corpo.

— Na… aah!!!

Incapaz de controlar aquela força, tudo o que Ja’far pôde fazer foi urrar sentindo aquelas linhas puxando e queimando seus braços.

— JA’FAR!!!!

Desesperado, Sinbad adentrou aquele armazém no intuito de ajudar seu conselheiro, mas assim que aquela sensação terrível passou e a escuridão voltou ao lugar, Ja’far só conseguiu ver um afoito Sinbad correr em sua direção. Ele perdeu a consciência e o corpo dormente foi em direção ao chão, mas não antes de sua fronte colidir com a ponta da mesa mais próxima, o que fez abrir um largo corte naquela região.

— JA’FAR! OE!!!!

Sinbad, acompanhado de um aflito Sharrkan, ajoelhou-se ao mesmo tempo em que tratou de tirar o próprio turbante do topo da cabeça para tentar estancar o sangramento na fronte de Ja’far. Apoiando-o no ferimento, o tecido branco foi rapidamente tomado pelo vermelho.

— Ei, Ja’far! Fale comigo!!!

Bastante preocupado ele insistia ao checar seus sinais vitais e conferir a respiração fraca de Ja’far. Enquanto isso Sharrkan soltava os braços finos presos por aquelas linhas para descobrir as marcas de queimadura que elas haviam deixado.

— Como ele pôde ter se machucado com seu próprio poder?! - Sharrkan questionou. - Mas... - ele abriu um sorriso. - Finalmente o Ja’far-san voltou a ser...

— Isso não me importa!

Sinbad foi categórico enquanto se colocava de pé trazendo Ja’far em seus braços.

— Se para tê-lo de volta, preciso que o Ja’far se machuque, eu prefiro que ele me odeie e me deixe para sempre!

Sharrkan ficou sem fala enquanto viu seu rei sair, em passos largos, daquele armazém. E por mais que as palavras dele tivessem sido duras, o príncipe só pôde sorrir, satisfeito, ao confirmar mais uma vez que o amor entre aqueles dois, realmente, era único e que, misteriosamente, era capaz de aumentar mais e mais.

Sinbad atravessou os jardins internos gritando, pedindo por ajuda, enquanto carregava o corpo desfalecido de Ja’far. Sentia tanto medo de perdê-lo! Preferia mil vezes perdê-lo para Kouen do que perdê-lo… para a morte.

Não demorou para que aquela comoção tomasse conta de todo o palácio. Todos os criados se alarmaram ao ver Ja’far a ferido nos braços do rei. Um rastro de sangue se formou pelo caminho de Sinbad, que levava seu conselheiro, até seus aposentos.

Ele não foi seguido apenas pelos médicos da corte, como por seus generais, mas o rei não havia sequer respondido a seus questionamentos. Estava apavorado com o fato de Ja’far não ter esboçado qualquer reação durante aquele percurso pelo qual não deixou ninguém tocar em seu amado.

Assim que chegaram ao seu quarto, Sinbad o depositou cuidadosamente sobre sua cama.

— Sinbad, o que aconteceu com Ja’far?! - Hinahoho,impaciente, puxou Sinbad pelo ombro.

— Eu… Eu também não sei! Ele estava tentando usar suas lâminas e parece que ele foi atingido pelo próprio poder…

— O poder do Baal?! - o robusto homem piscou. - Mas ele não...

— Essas queimaduras, certamente são provenientes de uma descarga elétrica. - uma das moças que examinava Ja’far e erguia um de seus braços se pronunciou.

— Ele vai ficar bem, não é?! - Sinbad perguntou enquanto observava o rosto pálido.

Não houve resposta. Todos estavam preocupados demais cuidando de Ja’far enquanto ele se via completamente impotente, apenas a observar o que acontecia.

— Majestade, por favor, conte-nos o que aconteceu. - Yamuraiha segurava firmemente o cajado em suas mãos.

— O Ja’far-san estava tentando usar seus poderes. - Sharrkan apareceu na porta dos aposentos reais e poupou seu rei de ter que dar explicações.. - Ele já estava bem cansado quando finalmente conseguiu, mas parece que acabou se machucando também, como se seu próprio poder pudesse atingi-lo.

— Como isso é possível?! - Pisti, bastante chorosa, indagava.

— Fique calma, Pisti. - Spartos tentava tranquilizá-la.

Sinbad estava angustiado com aquela situação. Continuava a encarar seu conselheiro que parecia cada vez mais pálido. Se Ja’far não estivesse tão obstinado… - ele refletia.

— Majestade?

Aquela voz chamou sua atenção, arracando-o de seus devaneios. Sinbad piscou e encarou a jovem.

— Ja’far-san vai se recuperar. Apesar de ter sido um choque muito forte, ele está bem. Por incrível que pareça, o mais preocupante é a pancada na cabeça. Vamos suturar o ferimento e mantê-lo em constante observação. Vamos cuidar também dessas queimaduras nos braços.

Uma onda de alívio invadiu Sinbad. Ele suspirou como se um enorme peso tivesse deixado seus ombros, por mais que ainda se preocupasse.

— Tu… Tudo bem. Obrigado. - a voz falhava.

— Si… Sin...

Ao ouvir aquela voz, Sinbad imediatamente deu a volta na serva e correu até a cama. Ja’far ofegava enquanto que seus olhos cerrados tremiam tentando se abrir para encontrar o moreno que se agachou para tomar uma de suas mãos.

— Ja’far! Eu estou aqui! Vai ficar tudo bem! - Sinbad tentou acalmá-lo.

— Sin…

Ja’far murmurava ao abrir o par de esmeraldas sentindo a mão quente de Sinbad por cima da sua. O rei o afagava, tentando lhe transmitir conforto.

— Minha cabeça… - ele levou a mão livre à fronte, sentindo seus dedos umedecerem.

— Não se mexa! Está machucado! Estão cuidando de você!

Foi quando, bastante desorientado, o alvo olhou ao redor e se viu nos aposentos reais. Os generais bastante ansiosos o encaravam com preocupação. Naquele instante Ja’far se tocou que algo muito errado estava acontecendo.

Ignorando a dor em sua cabeça ele, abruptamente, se sentou para ser segurado por Sinbad. O moreno o conteve pelos ombros, pressionando-o contra a cama.

— Ja’far! Não pode...

— Como eu vim parar aqui? - a voz dele falhou ao interromper o moreno. - Eu… Eu estava em Kou para… para assinar o tratado e… Judal!!!!

Apavorado ao se lembrar do sorriso do magi, o conselheiro de Sindria procurou pelo mesmo.

Os generais se entreolharam, bastante confusos. Do que Ja’far falava?

O coração de Sinbad, por sua vez, disparou ao perceber que Ja’far talvez estivesse...

— Ja’far, você…

— A carruagem! - ele exclamou. - Eu estava em Kou naquela carruagem quando fomos atacados e… e Judal… - tudo vinha rápido demais em sua mente. - Judal estava lá e… Disse que era uma armadilha, Sin! Uma armadilha! Kouen… Kouen queria me matar! - Ja’far, desesperado ao relatar aquilo, apoiou as mãos no peito de Sinbad, por mais que seu olhar parecesse perdido. - E… Eu caí e… e...

Subitamente Ja’far cerrou os olhos, como se algo o impedisse de se lembrar do que havia acontecido após aquela queda. Ele os apertou firmemente ao sentir a cabeça latejar e Sinbad, prontamente, o amparou enquanto entreolhava, bastante preocupado, seus generais cuja expressão refletia a mesma de seu rei naquele momento. A alegria de vê-lo recuperar as lembranças deu lugar a consternação. Mas naquela situação tamanha oportunidade parecia única! Não podia desperdiçá-la!

— Continue se lembrando, Ja’far! - Sinbad, imperativo, o incentivou.

— Eu… Eu não...

E como se fosse atingido por uma forte onda, Ja’far se lembrou de uma série de eventos que vieram acompanhados daquela intensa dor. Ele gritou ao sentir aquela pressão insuportável em sua cabeça ao mesmo tempo em que ele podia ver tudo. Tudo passou muito rápido, misturado. Vozes, situações, momentos que, naquele instante, pareciam absurdos, surreais.

Kouen estava ao seu lado, abraçando, lhe beijando, tendo-lhe em seus braços. O alvo se viu sobre o corpo nu do príncipe do Império Kou enquanto ambos estavam banhados em suor.

“Eu quero ser seu essa noite, Kouen!

Ele ouviu a própria voz ao se ver apoiado ao peitoral do ruivo tão mais alto que ele.

En… Me ajude a matar esse homem!

Obstinado, Ja’far falava sobre Sinbad ao encarar um sorriso vitorioso nos lábios de Kouen. Seu sangue fervia ao nutrir mais e mais ódio pelo rei de Sindria. Como desejava… vê-lo morto. Como o odiava. En havia lhe dito a verdade, sobre como Sinbad era uma pessoa desprezível.

Eu quero ver o En! Me devolve para o En!

Ele empurrava Sinbad com toda a sua força, desejando destruí-lo com suas próprias mãos sentindo uma angústia sufocante ao se ver longe daquele que tanto amava: En.

.  “Depois que o rei de Sindria armou a emboscada para te tirar de mim, Ja’far, ele fez com que me odiasse!”

Kouen dizia transparecendo a maior sinceridade do mundo. Os atentos olhos de Ja’far refletiam a melancolia que o príncipe demonstrava ao falar sobre como havia lhe perdido… por causa de Sinbad.

Eu quero ir embora! Eu quero ir ver o En…

Quantas vezes chorou, desfazendo-se do carinho não só do rei Sinbad, mas como dos generais e demais servos que o tratavam com tanta ternura?

Que incrível, Ja’far-san!’

A voz de Sharrkan ecoava enquanto ele assistia aquelas chamas envolverem a espada em suas mãos. Ele podia ver, através delas, a expressão de Sinbad que denotava uma profunda decepção.

Suma daqui! Não quero vê-lo nunca mais! Adeus!

Sinbad, bastante furioso, entre lágrimas, ordenava que fosse embora. Mas não queria ir… Não mais. Ele sabia que Sinbad não tinha o enganado, por mais que não se lembrasse de tudo o que tinham vivido juntos. Foi quando, em um piscar de olhos, viu o rei cair desacordado ao chão e o desespero lhe consumiu ao se lembrar das próprias palavras talhadas naquele pergaminho:

Eu te amo, En.”

E um pouco abaixo, com a tinta borrada pelas lágrimas de Sinbad que haviam caído sobre o papel o mais derradeiro:

Mate o Sinbad!

Sinbad, que até então o segurava evitando que ele se machucasse, foi empurrado de uma vez só quando Ja’far o afastou e se colocou para fora da cama para cair de joelhos. A dor deu vez a uma intensa náusea que se transformou no viscoso vômito que ele pôs para fora. Os generais se alarmaram ao mesmo tempo em que o rei se agachou ao seu lado.

— Ja’far!

Sinbad, angustiado e sem saber o que fazer, afagou suas costas. Aquele sutil alento fez muito bem para Ja’far, por mais que ele permanecesse a expelir o que havia - e o que não havia também - em seu estômago.

Os servos, alarmados, tentaram auxiliar, mas o rei os afastou como se soubesse exatamente do que Ja’far precisava.

Assim que ele parou de vomitar, Sinbad o afagou em seus braços, apoiando sua cabeça em seu peito. Ja’far ofegava, enfraquecido, sentindo braços e pernas tremerem. Era verdade tudo aquilo que acontecera? Havia passado… meses desmemoriado e manipulado por Kouen? Como ele fora capaz de mentir tanto e colocá-lo… contra Sin? Havia feito tanto mal a ele. Sinbad não merecia aquilo. Havia até mesmo… o traído. Não merecia estar ali, sendo acalentado por seu rei.

— Si… Sin…

Ja’far gaguejou e, se pudesse, afastaria-se dele. As bochechas alvas estavam coradas. Sentia tanta vergonha...

— Shhh! Não fale nada! Está tudo bem!

— Eu me lembrei…

Apesar de, nas palavras de Ja’far haver mais lamento do que alegria, o moreno abriu um largo sorriso ao ouvir aquilo. Uma lágrima silenciosa escorreu pelo rosto bronzeado enquanto Sinbad o abraçava. Como estava feliz! De fato o rei já havia desistido da possibilidade de Ja’far, algum dia, recobrar a memória. Era um verdadeiro milagre.

— Sim, meu amor! - Sinbad depositou um carinhoso beijo no topo dos fios alvos.

— Eu… Fiz coisas terríveis… - murmurou o alvo.

— Não. Você não fez nada demais, meu amor. Agora está tudo bem! - Sinbad suspirou ao encarar seus amigos. - Vamos cuidar de você, tudo bem? Você só precisa descansar!

Não havia como relutar. Ja’far sentia o corpo dormente quando cerrou os olhos e adormeceu nos braços de Sinbad, mas consciente de que estava sob a proteção de seu único rei. Será que um dia ele o perdoaria? Nem ao menos teve coragem de lhe pedir aquilo.

— Não consigo acreditar que esta descarga elétrica foi o que ajudou o Ja’far-san a recuperar a memória! - Pisti comentou.

— E pensar que… Achei que Baal estivesse fazendo algo ruim.

Sinbad, um tanto quanto melancólico, comentou enquanto carregava Ja’far de volta para cama. Todos estavam bastante apreensivos, afinal, não bastasse o susto de Ja’far acabar se machucando, ele havia subitamente recuperado a memória. Tudo acontecera de uma forma tão repentina.

— É verdade! Bem, vou chamar alguém para limpar tudo aqui. - Yamuraiha, tentando quebrar o gelo e abrindo um sorriso, se dirigiu á porta.

— Cuidem do Ja’far, por favor. - Sinbad ordenou aos médicos antes de lhes dar as costas e deixar a felicidade transparecer em um sorriso. - Finalmente nosso Ja’far está de volta!

—-----xxxxxx-------

O cantarolar dos pássaros acompanhava o majestoso amanhecer de mais um dia naquela ilha paradisíaca. E foram eles que trataram de despertar Ja’far que, bastante sonolento, abriu vagarosamente os olhos. Onde estava? Teve sonhos tão estranhos.  Ele se esforçou para se sentar naquela cama. O perfume impregnado naqueles lençóis lhe trazia a certeza de que estava nos aposentos reais. Mas onde Sinbad estava? Ele se perguntou pouco antes de sentir aquela forte pontada em sua fronte.

Apertando os olhos firmemente ele se recostou na cabeceira ao levar uma mão até aquela região para encontrar um grande curativo.

Lembrou-se de quando despertou naquela cela suja e escura, enjaulado como um animal feroz. Foi daquela forma que o homem que aprendeu a amar o tratou. Como pudera ser tão estúpido? - Ja’far perguntava a si mesmo ao ranger os dentes.

As portas duplas se abriram e ele pôde ver o rei de Sindria, bastante atrapalhado, trazendo uma farta bandeja. O moreno se surpreendeu ao encontrar seu conselheiro acordado.

— Ja’far!!! - ele exclamou, tentando se apressar. - Você acordou!

Sinbad usou o quadril para fechar aquele quarto e caminhar até a larga cama onde, na área livre, depositou o objeto de prata.

Assim que suas mãos estavam livres ele tocou o rosto de Ja’far enquanto usava a outra para envolver os dedos do alvo.

— Como você está se sentindo?

Por mais que estivesse ouvindo, Ja’far não respondeu.

Ele desviou o olhar para qualquer canto enquanto sentia uma grande aflição em seu peito.

— Não se sente bem? - Sinbad estranhou aquela atitude.

— Sim, eu estou bem. - Ja’far foi sucinto, mas ainda evitou encará-lo. - Não se preocupe.

— Deve estar confuso ainda. Eu te entendo, meu amor. - suspirou o rei. - Olha, eu trouxe um café-da-manhã bem farto para você! E já avisei a todos que você não vai trabalhar durante toda essa semana.

Ja’far ainda observava o nada. Ele sentia como se fosse ser esmagado se deixasse seus olhos encontrarem os de Sinbad. Algo muito forte o impedia de fazer o que realmente desejava: abraçá-lo.

— Fiquei preocupado porque… já passa das dez e não acordou. Mas você estava muito exausto. Os médicos falaram que você pode se sentir um pouco enjoado e cansado por causa do que aconteceu. Sei que é difícil e você não gosta de ficar assim, mas por favor, tente ficar na cama hoje descansando!

As palavras de Sinbad soavam como uma súplica. Por que ele se preocupava tanto? Ele nem mesmo devia ter se dado ao trabalho de ir buscar algo para comer? Era um mero empregado, não? Não. Sinbad o amava de uma forma incondicional e todos aqueles momentos, desde que o rei de Sindria tinha ido buscá-lo em Kou, eram a mais genuína prova daquele amor. Sinbad, definitivamente, não o merecia.

— Ja’far.

— Anh?!

Ja’far pulou como se tivesse levado um susto. Foi então que, naquele breve momento em que encarou Sinbad, ele se sentiu completamente… sujo.

— O que está havendo, Ja’far? - Sinbad se preocupou mais. - Está apático.

— Eu… - sutilmente ele soltou suas mãos das do moreno. - Só quero ficar um pouco sozinho, Sin. Quero… - a angústia o corroía e sua voz, sem querer, falhou. - descansar.

— Ja’far…

Percebendo a melancolia no olhar de seu conselheiro, Sinbad se aproximou e o abraçou firmemente. Aquele gesto que, normalmente, lhe trazia tanto conforto, agora lhe causava repulsa. Mas ele se conteve ao máximo, não querendo ofender ou se desfazer do carinho de seu rei. Não mais. Não como fez tantas vezes.

— Me diga. - o rei sussurrou. - O que está te incomodando?

Mate o Sinbad!

Ouvindo a própria voz ecoar em sua mente, Ja’far intensificou aquele abraço como se tentasse, falhando miseravelmente, fugir de si mesmo.

— Estou tão feliz que tenha se lembrado de tudo! De como… nos amamos.

Quando ele me toca eu sinto nojo!

Ja’far sentia as lágrimas encharcando seu rosto e Sinbad, ao senti-lo soluçar, o envolveu mais naquele abraço.

— Shhh. Não fique assim. - o moreno afavaga os fios brancos. - Eu tenho uma surpresa para você! Vamos fazer uma viagem, só nós dois, para esquecermos tudo isso! - Sinbad estava animado. - Entrei em contato com Artemyra e, adivinha, a Mira nos convidou para ficar lá por alguns dias para você se animar e nos distrairmos! Podemos ir amanhã mesmo, o que acha?!

Era como se seu pequeno mundo, destroçado, que ele tanto estava se esforçando para arrumar, fosse atingido por um terrível terremoto. Foi a vez de ouvir a inconfundível voz de Ren Kouen.

Se você não aparecer no dia em que combinamos, Ja’far, mandarei todas as tropas invadirem essa ilha medíocre e acabar com o Sinbad!

Subitamente Ja’far empurrou Sinbad. Os olhos verdes estavam enormes, arregalados, quando se lembrou da ameaça do príncipe Kouen.

Se não o encontrasse em Balbadd, se não aparecesse na data combinada, o príncipe ordenaria que invadissem e destruíssem todo o reino que Sinbad e ele haviam construído com tanto carinho.

Ja’far estava extremamente pálido, ofegante, a balançar a cabeça negativamente.

— O que aconteceu?! - Sinbad, bastante confuso, perguntou.

— Não… Não posso ir com você para lugar algum, Sin! Não… Não posso ficar aqui… - ele gaguejou.

— Calma! - o moreno o segurou pelos ombros. - O que está acontecendo, Ja’far?!

Foi quando o alvo, finalmente, decidiu encarar seu rei. E daquela vez ele não vacilou um instante sequer, por mais que as lágrimas escorressem por seu rosto enquanto ele tomava coragem para revelar a verdade.

— Eu… não posso ficar mais ao seu lado, Sin!


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Uffa! Eu estou bem cansada - apesar de escrever durante vários dias - após concluir esse capítulo.
Quando eu decido trabalhar com um tema, geralmente eu estudo bastante sobre antes de começar a escrever. E no caso de Remember Me eu pesquisei muito sobre amnésia, em especial sobre a do Ja'far, que é uma amnésia retrógrada pós-trauma. E desde que comecei a escrever eu pensava em mil formas de ele recuperar a memória. Sendo que eu sempre idealizei que ele teria essa recuperação por meio de um choque emocional - o que seria bastante irreal, mas eu gosto e a história me permite. Porém, no retorno por um choque emocional, ela precisaria ter sido causada tbm por motivos emocionais, o que seria uma amnésia psicogênica. Então decidi apelar para um trauma físico mesmo. Uma das cenas que idealizei o Ja'far caía da escada -que? E uma outra seria uma tentativa de suicídio (mas hein?!). Mas no fim das contas, conversando com meu marido, tivemos essa ideia do próprio choque (dessa vez físico) ajudar o Ja'far a voltar a si e, claro, a pancada na cabeça que foi crucial. Porém, o mais difícil para mim foi trabalhar com o Ja'far nesse retorno. Espero que esteja ficando bom! ♥
E se não fosse a ameaça do En, que está toooodo sorridente e radiante pensando em fazer de Ja'far já rainha de Balbadd e Kou, certamente Sin e Ja'far estariam de malas prontas para uma segunda lua-de-mel. Mas será que Ja'far vai ter coragem de contar tudo para o Sin? E, bem ou mal, mesmo sabendo que foi enganado, ele nunca escondeu que amava de verdade o En.
Enfim, a fic está terminando e já estou com uma dorzinha de: "meu deus, preciso de um novo tema para uma nova long sinja" hahaha!
Muito obrigada por acompanharam e lembrem-se: críticas, elogios, comentários, só bater papo: ME MANDA REVIEW! ♥



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Remember Me" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.