Remember Me escrita por Miaka


Capítulo 31
Distância


Notas iniciais do capítulo

Olá, pessoal! ♥ Há duas semanas houve um problema no Nyah em que os e-mails de notificação de capítulo não sairam! Então se você ainda não leu o capítulo 30 por não ter recebido a notificação, volta rapidinho e segue pra esse - melhor ainda dois capítulos, hein? Haha! ♥ Espero que o problema tenha sanado e... estamos seguindo para O FINAL DESTA HISTÓRIA!



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Ja’far engoliu a seco e, instintivamente, deu um passo para trás. Mas seus quadris encontraram a beira da escrivaninha de mogno e ele viu sua realidade se materializar diante de seus olhos: estava encurralado.

— Não se preocupe. - Kouen parecia bastante tranqüilo. - Eu virei buscá-lo quando tomarmos o palácio! Tenho certeza de que Sinbad não deixará que nada aconteça a você até eu chegar. Ele vai te proteger!

Se a preocupação do conselheiro de Sindria fosse aquela…

— En, - ele tentava encontrar palavras. - não posso garantir que eles não vão me ver sair… Não quero que chegue a esse ponto.

— Pois se o fizerem prisioneiro, eu virei buscá-lo. Simples assim!

Não. Não era nem um pouco simples como o príncipe tentava fazer parecer.

Ja’far cerrou os punhos e amaldiçoou o momento em que perdeu a memória. Seria mais fácil tomar algum partido se tivesse plena convicção de tudo. Por mais que fosse inegável a verdade em tudo o que escutara da boca de Sinbad, dos generais e até de pessoas aleatórias naquele país, Ja’far não conseguia trair Kouen. Afinal, o estimava tanto! Tanto a ponto de não odiá-lo mesmo sabendo que havia sido enganado por ele. Mais que estimá-lo, Ja’far… amava Kouen. Mais do que Sinbad? Ele não sabia.

Agora mais do que sua mente… seu coração estava completamente confuso.

Ele ergueu o rosto para encarar o ruivo que permanecia com aquele sorriso vitorioso em seu rosto. Por acaso ele se divertia com o que estava acontecendo? - Ja’far refletiu.

— Sabe, Ja’far… - o príncipe começou. - quem diria que me apaixonar por você me faria mudar tanto. - dando um passo a frente, Kouen ergueu o queixo do alvo com uma de suas mãos. Verdes e rubros se encontraram. - E agora, graças a você também, eu tenho a oportunidade de realizar algo que sempre sonhei: tomar essa ilhazinha daquele plebeu do Sinb…

— Então está me usando?!

A interrupção de Ja’far veio acompanhada com o forte empurrão que ele deu no peito de Kouen, afastando-o. Seu olhar não era mais o mesmo. O príncipe se surpreendeu com a ousadia do rapaz que não parecia disposto a parar ali.

Era como se Ja’far quisesse usar de qualquer deslize em suas palavras para tomar um lado, para ficar contra Kouen, para permanecer em Sindria.

— Quer me usar da mesma maneira que foi quando me levou para seu país, não é?! - vociferou Ja’far. - Queria me matar! Era tudo seu plano? Inclusive essa “paixão”?

— Ja’far!!! - ele não tinha palavras, tampouco tempo para argumentar.

— Eu já sei de tudo! Sinbad me contou! Você tentou me matar e depois, arrependido, decidiu me poupar! Mas era tudo parte do seu plano, não é? - a indignação era forte em cada afirmação. - Por acaso pensou em mim em algum instante ou só quis vir aqui para planejar tomar Sindria?!

— Do que está falando? Não houve um dia sequer que não pensei em você! Estava enloUquecendo querendo te ver de novo! - Kouen foi sincero, mas não o suficiente para convencer Ja’far. - Meu amor… - ele tocou o rosto tão pálido. - Só estamos unindo o útil ao agradável!

— Não, Kouen!

Para a surpresa do ruivo, Ja’far arrancou a mão pousada em seu rosto. Devia estar louco por ser capaz de desafiá-lo, mas não havia outra saída. Estava farto ao se ver manipulado por ambos os lados, incapaz de saber a verdade sobre os próprios sentimentos com duas pessoas que colocavam em dúvida suas convicções, exigindo terem sua posse. Mas estava na hora de Ja’far se impor.

— Eu só vou com você se me prometer que não irá atacar Sindria! Aliás, quero que assine um tratado de paz com esse país! Prometa que nunca mais vai pensar em tomar esse lugar do Sin… bad. - ele completou o nome, temendo que o famigerado apelido despertasse uma fúria maior no príncipe.

— Já disse que só invadirei esta ilha medíocre se o impedirem de ir me encontrar!

Ja’far bufou enquanto batia um dos pés no chão. Kouen estava desarmado e se falasse com Sinbad sobre seu plano, bem, provavelmente ele prenderia o príncipe, tomaria alguma atitude. Mas Ja’far jamais trairia a confiança de Kouen. E, de qualquer forma, o rei de Sindria nem ao mesmo confiava em suas palavras. Acreditava que estava com a mente perturbada e se desfazia de tudo o que havia contado. Sinbad não merecia tamanha devoção, ele pensou.

— É melhor eu voltar para meus aposentos, Kouen.

— Kouen? - ele cruzou os braços ao estranhar a ausência do típico apelido que Ja’far usava. - Voltou a ser distante de mim?

O alvo suspirou, nitidamente desagradado, mas se manteve sério.

— En… - ele corrigiu enquanto farfalhava os fios esbranquiçados.

O desagrado estava estampado em seu rosto. Ja’far era uma pilha de nervos. Mas aquela atitude despertou uma dúvida perigosa.

— Não está pensando em me trair, não é? - foi a vez de Kouen franzir o cenho. Ja’far balançou a cabeça negativamente ao encará-lo. - Você é meu, Ja’far. Eu não mandei você fazer com que eu me apaixonasse por você!

Ao mesmo tempo em que Ja’far se sentia péssimo ao se ver coagido, ele se sentia, estranhamente, querido… e domado. Era como se Kouen estivesse disposto a qualquer coisa por ele. Ele era tão obstinado e apaixonado, tão diferente de Sinbad - ao menos era nisso que ele acreditava.

A mão grossa do príncipe deslizou por seu rosto, contornando-o até chegar atrás de sua orelha. Afastando alguns fios, Kouen suspirou naquela região, fazendo com que Ja’far se arrepiasse completamente.

Apoiando as mãos no peitoral dele, no intuito de afastá-lo, Ja’far só pôde se entregar ao receber aqueles beijos, tão delicados e lentos, que Kouen depositava em seu pescoço. Se não fosse aquela parede onde apoiou suas costas, decerto tinha caído para trás. Suas pernas estavam bambas ao sentir o ar quente que a respiração de Kouen soprava.

Aquilo era tão errado! - Ja’far pensava quando subiu uma das mãos e afundou os dedos pela nuca do príncipe. Naufragando nos fios ruivos ele os puxou numa tentativa de, literalmente, ter as rédeas daquela situação. Mas ele sabia que não tinha controle algum. Sentia-se um mero objeto nas mãos de Kouen, o qual ele poderia usar como quisesse. E o aumento de temperatura no ambiente indicava que ele não resistiria mais. Era impossível negar as carícias de En. Sim. Não Kouen, mas seu En. Só seu.

Diferente de como era com Sinbad, Ja’far não tinha medo de se entregar.

Talvez porque o medo de negar algo a mais com En fosse algo bem maior. En não toleraria ser rejeitado.

Mas havia algo de estranho, já que por mais que se sentisse seduzido e até mesmo excitado pelas carícias de Kouen, ele sentia que certas coisas não estavam funcionando adequadamente. Definitivamente havia algo de errado e, mais uma vez, Kouen constatou aquilo quando ergueu aquela longa veste e apalpou o conselheiro de Sindria.

Beijos e carícias cessaram quando ele, bastante sério, se afastou para encarar Ja’far. Este, por sua vez, suava frio ao ver o desagrado reaparecer na expressão do príncipe.

— Está tenso… É isso, não é? - ele optou acreditar na desculpa que o próprio alvo havia dado.

— Si-Sim… Tenho medo que alguém nos veja. - era melhor que Kouen pensasse assim. Na verdade nem mesmo Ja’far sabia o que estava acontecendo. Por que seu corpo parecia se negar a recebê-lo? - Mas… Nós teremos muito tempo quando eu o encontrar em Balbadd, não?

Um sorriso amarelo surgia ao mesmo tempo em que Ja’far buscava qualquer tipo de álibi para aquietar o príncipe. Mesmo que aquele álibi fosse algo que temesse tanto.

— É melhor mesmo eu… Eu me recolher e continuamos fingindo que não passamos por nada daquilo.

— É… - foi tudo o que Kouen disse antes de uma longa pausa. - Ja’far… Promete que não foi para a cama com o Sinbad?

Ja’far arregalou os olhos e corou violentamente. Que tipo de pergunta era aquela?

Se bem que era bastante plausível que Kouen estivesse bastante incomodado ao vê-lo não ficar excitado.

— Claro que não! - “porque não houve oportunidade”, ele completou mentalmente. - Já disse a você que Sinbad me respeitou e que todos de Sindria são ótimas pessoas.

— Certo...

Tentando transparecer alguma tranquilidade, Ja’far se aproximou, ficando nas pontas dos pés para se apoiar no ruivo e beijá-lo. O que era um mero selinho foi transformado em um beijo cheio de segundas intenções e mãos que apalpavam todo o corpo de Ja’far.

— Até Balbadd, En. - Ja’far sorriu ao se afastar. Suas pernas tremiam. - Melhor que fique por aqui depois de eu ter ido para… não desconfiarem.

— Até, meu amor. - ele correspondeu aquele doce sorriso.

Ja’far deixou aquele lugar com o pouco de força que lhe restava. Mas assim que fechou a porta atrás de si, ele correu. Estava tão tenso, tão assustado. O que deveria fazer? Não queria ir embora de Sindria. Mas Sinbad não confiava nele. Não podia trair Kouen também, que havia se apaixonado tanto por ele. Quem Ja’far amava de verdade? Nem ele mesmo sabia.

Ele correu o máximo que pôde por aqueles corredores sem nem ao menos saber onde chegaria quando sentiu seu corpo se chocar com algo, ou alguém. Alguém, decerto, pois antes que pudesse cair com o impacto, fortes mãos seguraram seus braços e o puxaram para si.

Ja’far se viu apoiado em um peito rígido e ele já reconhecia bem aquelas mãos que agora o abraçavam. O perfume impregnado naquelas vestes quando ergueu o rosto e encontrou Sinbad bastante preocupado.

— Ja’far?! Meu Deus, o que aconteceu?! Estava tão preocu...

Não houve como completar. Sinbad sentiu os braços de Ja’far lhe envolvendo quando o alvo começou a soluçar. Seu conselheiro chorava copiosamente como se estivesse muito assustado. E, de fato, Ja’far estava. Mas ali, naqueles braços, ele sabia que podia chorar e que receberia conforto e carinho sem nenhum questionamento. E foi exatamente aquilo que aconteceu.

— Shhh! Fique calmo! - o moreno o afagou. - Eu sei que está magoado, eu sei! E você tem toda razão!

Ja’far, por um instante, ficou confuso. Ele sabia do porquê estava daquele jeito?

De qualquer forma, sentia-se tão bem, tão seguro, tão amado ao sentir os lábios de Sinbad tocarem o topo de seus cabelos, beijando-o com ternura.

— Eu errei em desconfiar de você, do que me contou!

O moreno sussurrou e Ja’far percebeu sobre o que Sinbad falava. Então o rei de Sindria confiava nele?

Afastando-se sem desfazer o abraço, o conselheiro o encarou. Isso era um péssimo sinal, afinal, se Sinbad acreditava nele, sabia que Kouen não tinha boas intenções estando ali. Seu plano poderia ser descoberto.

— Então acredita em mim? Sobre o que disse? Mas…

— Sobre tudo. - Sinbad o interrompeu. - Eu sinto muito, mas… Aconteceram tantas coisas até você confiar em mim. E você sempre parece sofrer tanto quando aquelas lembranças voltam…

— Como… Como descobriu que era verdade? Kouen contou tudo? - Ja’far não estava entendendo.

— Não foi necessário, meu amor. Você… mostrou seu vínculo com o príncipe Kouen quando usou aquele poder… - a expressão de desagrado era evidente no rosto de Sinbad ao se referir àquilo. - Porém eu sei agora que quem está mentindo é ele! Então eu quero que fique ao meu lado o tempo todo enquanto ele ainda está no palácio.

— Sin…!!!!

— Diga!

As palavras pareceram travar em sua garganta. Ja’far ficou paralisado enquanto os olhos dourados esperavam ansiosos vê-lo falar. Mas como trairia a confiança de Kouen? Era tão errado aquilo. Mas Kouen estava disposto a destruir Sindria… E se falasse que queria ir embora com o príncipe de Kou? Não. Sinbad ficaria extremamente magoado. O que fazer?

— Pode falar, Ja’far. Não tenha medo!

A mão suave do moreno tocou o rosto tão branco. Sinbad tinha tanto cuidado, até mesmo para tocá-lo. Não o tratava como uma propriedade, como Kouen costumava fazer. Mas, às vezes, sentia tanta falta da luxúria do príncipe...

— Eu sei que deve estar se sentindo confuso depois de ver o Kouen…

— Sin! - foi quando Ja’far retirou a mão de Sinbad de seu rosto, assim como havia feito com Kouen. - Eu quero ficar um pouco sozinho.

Sinbad suspirou, cruzando os braços em seguida.

— É perigoso…

— Eu sei me cuidar! Eu quero ir aos meus aposentos e dormir um pouco.

— Mas… Assim como eu o levei de Kou, o Kouen…

— Não confia em mim?! - Ja’far estava bastante sério quando o encarou.

Um breve instante de silêncio precedeu o momento em que Sinbad assentiu. Havia prometido a si mesmo que não iria forçar Ja’far a nada. Que se Ja’far quisesse deixá-lo, assim seria.

— Boa noite!

Ja’far deu a volta e seguiu pelo corredor até chegar aos seus aposentos. Sinbad assistiu ao momento em que o alvo bateu a porta que ficava ao lado da que pertencia aos seus aposentos.

Mordendo o lábio inferior, Sinbad chegou até a porta do quarto de Ja’far e ali se sentou ao chão, apoiando as costas na superfície de madeira. Se ficasse ali, certamente, quando amanhecesse Ja’far ainda estaria no palácio, não? Mesmo se durante a noite ele refletisse e decidisse ir embora, ainda teria sua companhia pela manhã, não?

Com aquele pensamento, o rei de Sindria adormeceu ali mesmo, abraçado a si mesmo.

Ja’far acordou sentindo o suor escorrer pelo seu rosto. Estava quente. Muito quente. Mais do que calor ele sentia como o clima estava abafado, o suficiente para que ele, ainda na cama e se negando a abrir os olhos para aproveitar os últimos minutos de sono, tossisse um pouco. Acabou se sentindo quase sufocar quando abriu os olhos e mal conseguiu ver o que havia ao seu redor.

Uma fumaça preta cobria todo o quarto. Gritos, explosões e o som da madeira queimando se misturavam vindo do lado de fora daquele lugar.

— O quê significa isso?!

Apavorado ele se pôs para fora da cama e correu até a janela para ver… Aquela ilha estava completamente tomada pelo fogo. Todas as casas, estabelecimentos, estavam em chamas, assim como dava para ver fogo saindo pelas janelas das outras torres do palácio.

Um estrondo o fez virar para trás. A porta foi ao chão e Ja’far pôde ver o príncipe Kouen surgir por entre as chamas altas que cobriam o corredor.

— E-En! - ele gaguejou.

— Finalmente o encontrei! - ele sorria ao dar passos largos para encontrar Ja’far e puxá-lo pelo pulso. - Vamos!

— O que significa isso, En?! Quem... ?

Que tipo de pergunta era aquela? A resposta estava diante de si, plantada no sorriso do príncipe Kouen. Imediatamente Ja’far agitou o braço e se desvencilhou do ruivo, que parecia confuso.

— O que aconteceu?!

— Você que… fez tudo isso?! Sindria está em chamas por sua culpa?!

Kouen suspirou enquanto agitava a espada, banhada em sangue, para limpá-la antes de guardá-la na bainha presa a sua cintura.

— Eu fui bem claro, Ja’far! Você tinha uma semana para aparecer em Balbadd! Sinbad teve a chance de salvar seu reino!

Sinbad! Kouen havia lembrado bem! Ele arregalou os olhos verdes.

— Onde está o Sin!? - exclamou o conselheiro. - Quero falar com ele!

— Isso não vai ser mais possível. - Kouen foi direto. - Ele está morto. Eu o matei.

— É MENTIRA!

Assim que Ja’far vociferou, ele correu em direção à porta, indiferente ao fogaréu que já invadia até mesmo seus aposentos. Afinal, precisava encontrar Sinbad. Kouen, decerto, estava mentindo. Sinbad era um homem poderoso e não se renderia tão facilmente.

Mas assim que chegou à porta, a mão de Kouen segurou seu braço firmemente.

— ME SOLTA! - gritou o alvo.

— Quer morrer?! Está louco?!

— EU QUERO VER O SIN! - retrucou Ja’far que, praticamente, rosnava.

— Já disse que ele está morto!

— É MENTIRA!!!!

Ja’far exclamou... já fora de seu sonho como se tivesse, por um segundo, escapado para a realidade. Num piscar de olhos aquelas chamas desapareceram. Mas exatamente como, ao acordar daquele terrível pesadelo, estava banhado em suor. Mas, para sua felicidade, o palácio não estava sendo destruída. Era uma manhã calma de sol, como todas as outras, no Reino de Sindria.

Bastante aflito ele demorou a se recompor. Sua cabeça latejava.

O melhor a fazer era se levantar e tentar pensar em como agiria. Será que deveria pedir algum conselho? Mas como diria a alguém, a um dos generais, que Kouen havia os ameaçando?

Ja’far refletia enquanto trocava suas vestes. Arrumou-se e, ao se olhar no comprido espelho, ele viu a marca dos dentes de Kouen que estava estampada na curva de seu pescoço. Suspirando ele depositou o keffiyeh no topo da cabeça e respirou fundo antes de abrir a porta de seu quarto para ter uma… estranha surpresa.

— SIN!?

O par esverdeado cresceu ao ver o rei ali, dormindo sentado com a cabeça recostada ao batente da porta. Ele tinha os braços cruzados como se tivesse os usado para se proteger do frio da madrugada.

— Meu Deus, Sin! - ele se agachou e tocou em seu ombro, sacudindo-o de leve. - Sin, acorde!

— Hm?!

Abrindo os olhos lentamente, Sinbad ficou aliviado ao ver Ja’far lhe acordar. Mas ele parecia tão preocupado.

— O que aconteceu? - a voz rouca falhou.

— Eu que pergunto! Você dormiu aí a noite toda? - ele presumiu.

— Acho que sim… - o moreno olhou ao redor. - Já amanheceu?

— É claro que sim! - Ja’far suspirou, ajudando o moreno a se levantar. - Vai ficar doente se dormir desse jeito! Está gelado! Por que passou a noite aqui?!

Sinbad corou sutilmente e aquilo surpreendeu Ja’far. O moreno desviou o olhar, coçando a cabeça.

— Eu… Eu tive medo de ir para meus aposentos e… não te ver mais quando amanhecesse.

— Não seja bobo… - Ja’far balançou a cabeça negativamente. - Deve estar todo dolorido. Melhor dormir mais um pouco!

— Não posso! Disse que ia mostrar ao Kouen toda a ilha e…

— Nada disso! - o alvo não estava disposto a negociar. - Vamos!

Sem oferecer muita resistência - e de fato Sinbad sentia cada junta de seu corpo doer por ter dormido no chão, ele só pôde ser conduzido pelo alvo que o deitou em sua cama.

— Você realmente mudou, Ja’far. - comentou Sinbad, que se esforçava para manter os olhos abertos.

— Hm? - arqueando as sobrancelhas ao ouvir aquela pergunta, Ja’far cobria seu rei com os lençóis.

— O Ja’far que eu conheço me mandaria trabalhar…

— Ora, eu nunca faria isso numa situação assim! - ele se irritou. - Descanse!

— Você vai embora com o Kouen enquanto eu estiver dormindo, não é?

Havia uma melancolia e um temor sem par na expressão de Sinbad e aquilo fez o peito de Ja’far se comprimir.

— Não, Sin. Você confia em mim, não é?

O moreno assentiu e Ja’far depositou um beijo em sua fronte, antes de se afastar daquela cama. Era bem verdade que era a oportunidade perfeita para ir embora com Kouen sem causar transtorno algum. Mas… voltando a observar o rosto adormecido e inocente do rei de Sindria, Ja’far não podia ter coragem. Como o deixaria? Seria tão mais fácil se… recuperasse suas memórias e soubesse como realmente se sentia em relação àquele homem.

— Ja’far-san!

Ele ainda fechava a porta de seus aposentos quando foi surpreendido por Sharrkan e Yamuraiha. Eles correram ao ver o conselheiro.

— Sente-se melhor? - a maga perguntou. - Não o vimos desde ontem.

— Ah, sim… Eu estou bem. - ele massageou a nuca e sorriu sem jeito. - Me desculpem preocupá-los.

— Não se preocupe com isso! Só queremos vê-lo bem! - o moreno apoiou o cotovelo no ombro do mais baixo.

— E, Ja’far-san… - havia hesitação nas palavras de Yamuraiha. - não vai embora com o príncipe Kouen, não é?

Ja’far se lembrou da ameaça que sofrera. E ao ver seus amigos, tão atenciosos, ele tinha mais certeza de que não queria deixar aquele lugar.

— Não…

Havia lágrimas em seus olhos quando ele respondeu à jovem. Estava tão angustiado.

— Algum problema, Ja’far-san? - Sharrkan, bastante perspicaz, atentou-se.

— Não, nada. - ele foi rápido. - Por favor, Sharrkan e Yamuraiha, avisem ao príncipe Kouen que a majestade está muito cansada e não vai poder atendê-lo hoje pela manhã. Sin não dormiu bem e está indisposto.

— Na verdade viemos falar sobre isso mesmo. - a maga deu um passo a frente. - O príncipe Kouen já está com tudo pronto. Disse que precisa voltar imediatamente.

Uma onda de alívio invadiu Ja’far por completo ao ouvir aquilo. Kouen estava indo embora e poderia respirar tranquilamente ao menos por um tempo… Uma semana… Até chegar o fatídico dia em que as tropas de Kou invadissem aquela ilha.

— Certo! - assentiu o alvo. - Melhor ainda!

— Não vai se despedir dele, Ja’far-san? - Sharrkan perguntou e Ja’far, imediatamente, balançou a cabeça negativamente.

— Não tenho nada para falar com o príncipe Kouen. Vou direto para o escritório e, por favor, peçam que não incomodem o Sin.

Ambos assentiram, sem entender muito, ao ver Ja’far deixá-los. Ele estava tomado pela angústia de uma maneira que era impossível disfarçar. Mas o melhor que podia fazer era naufragar naquelas pilhas de pergaminhos, tratados. O trabalho, definitivamente, era seu melhor escape.

Dois dias se passaram desde a partida do príncipe Kouen e, desde então, o conselheiro de Sindria mal havia trocado algumas palavras com Sinbad.

Sempre que o rei se aproximava, Ja’far esquivava, dizendo estar muito ocupado. Ele também não aparecia mais na hora do jantar.

O conselheiro falava apenas o básico e era só Sinbad aparecer, onde quer que ele estivesse, que Ja’far dava algum jeito de deixar o lugar. Isso se sucedia mesmo após tanta insistência do rei, que não sabia mais como agir. Tudo o que fez foi, novamente, ceder o espaço que Ja’far precisava. Afinal, Kouen tinha ido embora e não oferecia, de fato, ameaça alguma mais à relação deles. Só precisava trabalhar, em seu coração, uma forma de perdoar genuinamente o príncipe. Devia pensar como Ja’far e acreditar que, no fim das contas, Kouen havia se arrependido e cuidado de seu conselheiro - e amante - durante todos aqueles dois meses que passaram juntos.

Mas era inegável que Sinbad sentia muito a ausência de Ja’far. Era como se, indiretamente, Ja’far jamais tivesse retornado de Kou. Seu Ja’far nunca mais voltou.

— Sinbad?! Tudo bem?

Sinbad balançou a cabeça, bastante assustado, ao ver o rosto de Pipirika tão perto do seu. Fazia tempo que ela estava ali, ao lado da escrivaninha a qual ele estava sentado, à espera de uma resposta de seu rei.

— Me-Me desculpa. - ele gaguejou. - Eu me distraí e…

— Já estou me acostumando com essa sua apatia. - ela sorriu de uma forma melancólica. - Está difícil para você, não?

O moreno desviou o olhar quando assentiu. Ele apoiou o rosto ao dorso e a encarou.

— Conseguiu descobrir algo com ele, Pipirika?

— Nada. - ela suspirou. - Ele disse que está tudo bem, não tem nada demais.

— Perguntou por que ele está me evitando?

O silêncio que precedeu aquela resposta corroeu a alma de Sinbad. Mas Pipirika não sabia bem como dizer aquilo sem magoá-lo.

— Ele disse que está o tratando como… como sempre o tratou.

— Como sempre? - Sinbad balançou a cabeça negativamente.

— Fique calmo. Dê tempo ao tempo.

— Mais?! - ele estava angustiado. - Eu não acredito mais que Ja’far vá recuperar a memória e esse novo Ja’far… - aquela pausa foi fundamental para o moreno tomar fôlego. - ele não me ama, Pipirika.

— Sinbad…

Pipirika torceu o lábio, bastante apiedada com a situação daquele que, mais que seu rei, era um amigo de longa data. Ela tomou a liberdade de tocar em seu ombro e afagá-lo, tentando transmitir algum conforto.

— Por que não o convida para jantar? Algo que ele não possa negar?

— Ele não tem ido jantar conosco nem normalmente e… nem na reunião da manhã tem aparecido.

— Não reclamou com ele quanto a ausência?

Sinbad balançou a cabeça negativamente. Não se sentia no direito de exigir nada a Ja’far. Sabia que, no fundo, ele nutria sentimentos por Kouen e talvez se sentisse até mesmo obrigado a estar ali, já que Kouen não parecia ter tido interesse em recuperá-lo. Mas, afinal, o que significava aquela visita do príncipe?

— Pipirika, confira para mim sobre o pagamento extra que estamos fazendo aos guardas que tem ficado de olho nas ilhas próximas.

— Ainda está com medo, não é? - Pipirika perguntou.

— Sim… Aquela visita… Só posso acreditar que Kouen estava conferindo nosso território. Pedi que Yamuraiha fortalecesse nossa barreira!

— Ao menos ele não quis levar o Ja’far-san… - ela comentou bastante aliviada.

— É… Pelo menos isso…

— Pipirika-san?!

A porta se abriu, surpreendendo tanto o rei quanto sua assistente. Ja’far, por sua vez, parecia surpreso também ao encontrar Sinbad ali. Já estava tarde e pensava que ele já tinha deixado o escritório. Por isso não tinha hesitado em entrar em sua sala.

— Me…. Me perdoem, eu pensei que a Pipirika-san estava sozinha.

Mal houve tempo de repararem o forte rubor que surgiu no rosto do apreensivo Ja’far que logo deu meia volta para deixar aquela sala.

— Ja’far!

Sinbad se levantou de imediato e o alvo interrompeu seu caminhar, permanecendo de costas para ele.

— Quero convidá-lo para jantarmos juntos hoje. Fora do palácio.

Pipirika escondeu atrás da pilha de pergaminhos que abraçava o largo sorriso que surgiu em seus lábios. Ja’far decidiu se virar de frente para o rei.

— Sinto muito, mas eu estou cansado, majestade.

— Majestade?! - Sinbad arqueou uma sobrancelha.

— Ainda tenho muito serviço e quero ir aos meus aposentos assim que termi…

— É uma ordem.

Assim que Sinbad o interrompeu, num tom de voz bastante firme, Ja’far arregalou os olhos.

— Sinto muito, mas não pode me obrigar.

— Ja’far… Eu só estou pedindo sua companhia nessa noite. Será rápido, tudo bem?

— Eu prefiro descansar. Me perdoe e com licença.

Ja’far se curvou brevemente e se retirou, deixando Sinbad e Pipirika sem qualquer oportunidade de tentar convencê-lo.

Em passos largos, o conselheiro se afastou daquela sala. Temia que o rei o seguisse.

Não poderia encará-lo. Não poderia continuar ao lado de Sinbad quando era… um traidor. Qualquer lado que escolhesse, qualquer decisão que tomasse o condenava como um. Ou iria embora com Kouen para proteger o país de Sinbad ou permanecia ali à espera da morte do mesmo. Dois dias já haviam passado e, a cada hora, a cada minuto, ele sentia que seu tempo estava acabando.

Seguiu aos jardins do palácio, nos quais deu a volta até chegar àquela escondida portinhola que levava a um antigo armazém. Haviam objetos empilhados nos cantos, mas Ja’far seguiu para aquela caixa que estava sobre uma mesa empoeirada.

Assim que a abriu, viu seu próprio reflexo naquelas lâminas, as quais ele sabia, por puro instinto, que eram quase parte dele. Lembrava-se quando estava com aquelas armas na mão e, sem querer, conseguiu se recordar daquela frase: "Bararaq Sei", e de tantas vezes que havia as utilizado. Se continuasse tentando recuperar aquele poder que havia perdido, que significava seu laço com Sinbad, ele poderia...

— Eu só tenho… mais uma noite para me lembrar de tudo! Senão… vou ter que abandonar o Sin para sempre!


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Notas finais do capítulo

Ja'far ainda não se decidiu sobre com quem quer ficar. Então ele decide que se recuperar o vínculo com Sinbad, ele vai poder, instintivamente, se lembrar do que sente por ele. De fato Ja'far parece só gostar da forma possessiva - e um tanto quanto doentia - que o Kouen o trata. Ele gosta de ser mandado. Já com o Sin ele tem liberdade e um relacionamento saudável, o que o deixa "solto demais" e o incomoda porque ele pode decidir o que quer fazer. Já imaginaram que complicado estar na ele dele? Hahaha!

Enfim, chegando à reta final desta história! E então, teremos uma guerra com a invasão de Kouen ou Ja'far vai preferir se entregar ao príncipe falsiane?

Muito obrigada, como sempre, pelas reviews, tenho me esforçado para respondê-las em tempo hábil! ♥ E mandem mais que sempre leio! Críticas, elogios, comentários ou só conversar comigo, podem mandar! *o* Um beijão e até o próximo capítulo!



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