Remember Me escrita por Miaka


Capítulo 25
Decisão


Notas iniciais do capítulo

Olá, pessoal! ♥ Peço desculpas pela demora em postar. Não tenho conseguido cumprir minha periodicidade semanal, mas obrigada por acompanharem! ^__^



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O palácio já não estava mais tão movimentado e a maioria dos criados já haviam sido dispensados para que pudessem descansar. Não que alguém conseguisse pregar os olhos sabendo que seu rei, sempre tão forte, se encontrava enfermo - e de uma forma tão súbita.

Os generais permaneciam na mesma apreensão e volta-e-meia adentravam os aposentos reais para verificar se seu rei estava melhor. Os únicos que não haviam saído dali eram Ja’far e Yamuraiha. O alvo sentado na lateral da cama, ao lado de Sinbad, e a moça na poltrona ao lado do leito. Ambos estavam tão atentos ao sono do soberano que não perceberam a aproximação de um dos servos.

— Ja’far-san, meu turno acabou, mas quer que eu traga um café para você e a Yamuraiha-san?

Encarando o rapaz, Ja’far abriu um sorriso.

— Não se preocupe. Estou sem sono. Mas se Yamuraiha-san desejar…

— Eu estou bem também. - a maga se prontificou. - Vá descansar, por favor. - como ela esperava por aquele momento.

O rapaz se curvou e logo deixou os aposentos, fechando a porta assim que saiu.

Yamuraiha se sentia aliviada, afinal, queria conversar a sós com Ja’far e aquela era a oportunidade perfeita.

Ela assistia o alvo mergulhar aquela toalha na tina d’água para, após torcê-la, limpar o suor que escorria pelo rosto do rei, antes de recolocá-la em sua fronte.

Sinbad não esboçou qualquer reação, permanecendo a dormir profundamente.

— Realmente o chá fez muito bem a ele. - Yamuraiha desencostou da poltrona, inclinando-se para frente, e abriu um sorriso.

— Apesar da febre ainda estar alta, pelo menos ele está conseguindo descansar. - Ja’far parecia preocupado. - Repousar bastante é o melhor remédio agora.

As mãos de Yamuraiha, pousadas sobre seus joelhos, apertaram o tecido que os cobriam ao mesmo tempo em que ela mordia o lábio inferior. A angústia corroía seu coração e, desde que Ja’far havia retornado de Kou, sentia tanto aquela necessidade de se desculpar por mais que ele não tivesse ideia de como ela estava relacionada a sua partida e a todo aquele incidente.

— Ja’fa-

— Ei, bruxa!

A porta se abriu, assustando a maga a ponto de fazê-la dar um pulo daquela poltrona.

Ja’far encarou quem estava ali. Ninguém menos que Sharrkan que, mesmo que sutilmente, evitava cruzar olhares com o ex-conselheiro. Aquela situação era tão estranha.

— Olha a forma como você chega!!! - Yamuraiha esbravejou enquanto marchava até o moreno. - Podia ter acordado a majestade!

— N-Na verdade, Yamuraiha-san, gritando assim agora é você quem vai acabar acordando ele. - com um sorriso amarelo, Ja’far ria da preocupação da maga.

A moça cobriu os próprios lábios, atentando-se ao seu rei, que prosseguia adormecido. Mais aliviada ao ver que seu exclamar não havia trazido consequências maiores, ela suspirou antes de se voltar ao príncipe de Heliohapt.

— O que houve!?

— Vai passar a noite em claro? - Sharrkan cruzou os braços. - Vim para revezar com você até o criado que vier ficar com a majestade venha. - ele explicou.

Yamuraiha piscou, desentendida e ao mesmo tempo curiosa.

— E… E por que está tão preocupado comigo?

O rubor tomou conta do rosto do moreno, completamente desconcertado com a pergunta.

— Ora, por que uma bruxa velha como você já está no fim da vida, precisa dormir cedo!

Aquilo foi o suficiente para que uma veia saltasse na fronte da mulher de seios fartos.

— Mas seu…

Foi impossível não ouvir o risinho baixo que vinha do interior daquele quarto.

Por mais que tentasse conter, Ja’far acabou deixando escapar a graça que achava da discussão dos dois. Aquilo fez com que Sharrkan não fosse o único tomado pelo rubor.

— Eu vou ficar aqui! - ela sussurrou, tentando esconder o constrangimento.

— Não precisa, eu vou ficar no seu lugar. - o moreno a segurou pelo pulso.

— Não precisa fazer isso! - refutou Yamuraiha. - Acha que estou aqui vigiando o Ja’far-san?

O príncipe arregalou os olhos verdes.

— Tsc, é claro que não. - a expressão de Sharrkan condenava que ele achava exatamente o contrário. - Só acho que precisa descansar!

— Pare de desconfiar do Ja’far-san de uma vez por todas! - nem um pouco convencida, Yamuraiha o empurrava para fora do quarto.

— E-Ei!!!

— Boa noite!

Não houve tempo para nenhum protesto mais. Batendo a porta, Yamuraiha bufou nitidamente irritada com a atitude de Sharrkan. E, afinal, quando ele não a irritava? E enquanto isso, perspicaz como era, Ja’far tinha um sorriso bobo em seus lábios. Aquilo chamou a atenção da maga, quando ela voltou ao seu lado.

— O que houve, Ja’far-san?

— Nada… - um novo risinho escapou. - Sharrkan-san e você são casados, Yamuraiha-san?

Ela praticamente cuspiu, engasgada ao ouvir aquela afirmação, a qual ela considerava completamente absurda.

— O quê!? Está louco?! Digo… - ela tentava retomar a compostura. - Eu nem amiga sou daquele selvagem!

Arqueando as sobrancelhas, o alvo começava a entender o que se passava entre aqueles dois. Não era muito difícil entender.

— Não é o que parece. - Ja’far sorriu para a moça. - Mas entendo a preocupação dele. - ele suspirou. - Afinal, você está sozinha aqui comigo…

Yamuraiha contorceu o lábio. Então ele tinha escutado sua conversa com Sharrkan.

— N-Não é o que está pensando, Ja’far-san…

— Não se preocupe. De verdade. - o alvo a encarou. - Eu entendo completamente a preocupação de vocês e eu já vou embora. O Sin já está melhor.

— Ir embora?! - os olhos azuis piscaram. - C-Como assim? - ela não podia acreditar. - Ja’far-san, ainda quer ir embora de Sindria?!

Ja’far se voltou a Sinbad, e só de contemplar aquele homem, ele tinha certeza de que não, ele não queria ir embora. Mais ainda depois do breve tempo em que passara junto daquelas pessoas.

— Eu realmente admiro muito essa “família” que vocês são. Mas, infelizmente, eu não faço parte disso. - o punho de Ja’far se fechou sobre aqueles lençóis.

— Como não faz parte?! - Yamuraiha parecia indignada com tal afirmação. - Você criou essa família com vossa majestade, Ja’far-san! Vocês me acolheram! Não só a mim como a todos que estão aqui hoje!

Engolindo a seco, ele se via encurralado pela forma de falar da maga. Ela parecia emocionada ao tentar expressar o que o ex-conselheiro significava, mas para Ja’far tudo aquilo parecia tão vazio.

— Ja’far-san, você é a alma desse país! Não pode nos deixar!

— Yamuraiha-san.. - ele não tinha palavras quando se virou de frente para ela. - Eu… acredito que um dia já fiz parte dessa família e… fui tudo isso que disse, mas hoje… - a melancolia tomava conta de seu semblante. - eu sou… uma outra pessoa! Meu lugar é ao lado do En. Ele é quem eu aprendi a amar e ter como minha família.

— Não… - ela balançava a cabeça negativamente, as lágrimas escorrendo pelo rosto. - Você não pode ir! é... É tudo culpa minha!

— Yamuraiha-san!

Ja’far não sabia o que fazer quando a maga cobriu o rosto com as mãos e se pôs a chorar copiosamente. Devia abraçá-la? Consolá-la? Por que ela estava tão triste?

Ele, então, apenas tocou em seu ombro e aquilo foi o suficiente para que Yamuraiha o abraçasse firmemente, como se pudesse segurá-lo ali, impedindo-o de partir.

— Você foi para Kou e… confiando num ítem mágico que eu criei, você se comunicava com a majestade. Depois, quando você demorou a voltar eu sabia que o ítem ainda estava em Kou. Nossa majestade acreditava que você ia voltar e eu… eu pensava que você estava morto, que Kou havia descoberto tudo! - Yamuraiha explicava em meio ao choro. - Eu não tive coragem de dizer à majestade que você ainda devia estar em Kou! Ele tinha tanta esperança! Mas se ele soubesse antes, provavelmente, teria o resgatado antes de aquele príncipe colocar tantas coisas na sua cabeça!

— Q-Quê?! - Ja’far não fazia ideia do que ela estava falando. - Você fala daquele aparelho de onde ouvi a voz do Sin e que eu...

Ja’far, com os lábios entreabertos, arregalou os olhos.

Lembrava-se de ter descoberto aquele artefato nos aposentos de Sinbad e ter pedido que En o salvasse, que En matasse Sinbad. Aquilo era tão ruim quanto a carta que mandaria ao príncipe.

— Ja’far-san? - ela estranhou a perplexidade no rosto do alvo. - Tudo bem?

— T-Tudo… - bastante pálido, ele levou a mão à fronte. - Só… preciso resolver umas coisas e…

— Você realmente vai embora? - Yamuraiha o interrompeu e Ja’far a encarou. - Ja’far-san, ainda não acredita que somos amigos? Que… que nossa majestade o ama?

Sentindo as bochechas arderem um pouco, Ja’far desviou o olhar.

— Você acha que nosso rei estaria assim se não o amasse mais que tudo?

Aquela verdade pesava mais do que devia. Por que havia tomado tantas atitudes impensadas? Ah, a resposta era fácil: porque amava Kouen. E aquilo era tão verdade que não se importava com as mentiras que ele tinha dito para lhe colocar contra Sinbad. E com tudo isso, a mentira e o esforço de Kouen para lhe tirar de quem amava era visto, por Ja’far, com admiração. Amava-o cegamente a ponto de, em alguns momentos, não desejar se lembrar da verdade. A verdade que não mais lhe pertencia.

Entretanto estava ali com o coração apertado cuidando de alguém que dividia uma história consigo. Mas enquanto as lembranças eram páginas em branco, os sentimentos pareciam fortes o suficiente para não conseguir lhes dar as costas.

— Você ama a vossa majestade, não é, Ja’far?

Ja’far mordia os lábios sem saber o que responder. Um intenso silêncio precedeu sua resposta.

— Yamuraiha-san, eu… eu ainda estou tentando entender quem eu sou.

A maga apenas assentiu, resignando-se ao perceber que havia ido longe demais em seu questionamento. Ja’far parecia tão confuso e frágil, mas ao mesmo tempo mantinha uma postura inabalável.

E por mais que ele não compreendesse o que sentia, aquele suave afago, cheio de ternura, nos fios púrpuras do adormecido rei era a resposta que a maga precisava.

— Bem, acho que vou me recolher por hoje. - com um largo sorriso ela se pôs de pé.

Ja’far piscou, desentendido. Não poderia ficar sozinho com Sinbad e era isso o que os generais pareciam ter combinado. Então teria que ir junto dela - pensou, enquanto encarava o rosto adormecido. Porém não queria descumprir sua promessa e, mais do que isso, não queria sair do lado de Sinbad. Mas Yamuraiha já havia feito muito por ele estando ali, ao seu lado, e permitindo que permanecesse nos aposentos reais.

Ele se levantou soltando de uma vez só a mão do soberano como se não quisesse que aquela partida fosse mais dolorosa

— Então… então eu também vou e…

— E vai deixar a majestade sozinha? - ela apoiou os punhos nos quadris, surpreendendo seu amigo.

— Ma-Mas já está indo e… - abaixando a cabeça, Ja’far entrelaçou seus dedos, apertando-os. - eu ouvi que não vão me deixar sozinho com seu rei. Eu entendo que… que não confiem em mim.

— Ja’far-san… - apiedada com a nítida melancolia na expressão do conselheiro, Yamuraiha tocou seu ombro. - Acha que eu estava aqui o vigiando?

Erguendo o rosto ele expôs a pele tomada pelo rubor ao encará-la. A maga sorria com ternura.

— Eu só estive aqui para ajudar caso precisasse de algo. Como não confiaria em você? Esqueceu da confusão com o chá? Eu entreguei minha cabeça em uma bandeja, não? - ela riu divertida. - Mas me ofende que diga que não confio em você! - ela fez bico.

E numa atitude tão natural, ela se aproximou e o abraçou firmemente.

De início Ja’far não soube como reagir, estático, ao receber aquele carinho. Afinal, aos seus olhos aquela moça era uma completa desconhecida. Mas, de alguma forma, ele se sentiu extremamente querido e… confortável ali. Yamuraiha era uma boa pessoa, ele tinha certeza.

Apesar de demorar, Ja’far correspondeu aquele abraço e, assim que se separaram, Yamuraiha seguiu até a porta.

— Cuide dele, tá?

O alvo apenas assentiu antes de ver aquela porta se fechar. Agora sim, estava a sós com aquele homem. Porém, algo não estava certo. A inquietude em seu coração condenava aquilo.

Voltando-se àquela cama, Ja’far encarou o rosto adormecido do rei de Sindria. Ele dormia um sono profundo tão diferente da inquietude que o conselheiro encontrara ao chegar àquele lugar. E, observando o subir e descer compassado do peito daquele homem, Ja’far suspirou. Devia se sentir aliviado ao ver Sinbad melhor, mas subitamente seu coração disparou. Podia sentir aqueles dedos grossos deslizando por seu rosto, brincando com seus cabelos.

Ele é um homem asqueroso, Ja’far! Por causa dele ficamos separados! Isso nunca devia ter acontecido! Eu te amo tanto!

A voz de Kouen ecoava pelas paredes dos aposentos reais e vinha acompanhada de uma pontada forte em sua cabeça. Tão forte que o fez levar uma mão até a fronte - a mínima claridade provida pelo único candelabro aceso era o suficiente para ofuscar sua visão.

E aquela sensação trazia à tona a realidade: o que estava fazendo, afinal? Ali, a observar o homem a quem jurou de morte, cuidando dele, protegendo-o.

En certamente estaria decepcionado.

En o amava como ninguém.

En havia lutado tanto para tê-lo consigo.

Foi quando o par de olhos verdes encontrou a espada que pertencia a Sinbad. A arma estava aparada à parede, próxima à cômoda onde estavam seus outros metal vessels, que haviam sido tirados dele quando trocaram suas vestes. Observou o rei sobre aquele leito.

Então Ja’far encarou novamente a espada. Voltou, então, ao rosto adormecido.

Fitou a espada mais uma vez e, então, o rei.

Sua respiração estava frenética enquanto sentia seu coração palpitar.

Afinal, poderia matá-lo ali sem a menor dificuldade. Yamuraiha tinha sido ingênua lhe deixando ali, era apenas dela a culpa. Afinal, por que se preocuparia em manter a confiança de alguém que não significava nada para ele?

Podia matar Sinbad ali mesmo. Aquele homem asqueroso segundo as palavras do príncipe.

Aquele que havia lhe tirado de Kouen.

Aquele que devia odiar.

Aquele que tentara até mesmo violentá-lo.

Aquele que…

Você acha que nosso rei estaria assim se não o amasse mais que tudo?

A lembrança da voz de Yamuraiha, tão vívida, o arrancou daquele frenesi.

Ofegante, com as mãos juntas no centro de seu peito, Ja’far balançou a cabeça para os lados como se tentasse, de alguma forma, arrancar aqueles pensamentos de sua mente.

Ele confiava nela. Confiava em todos ali. En havia sido egoísta e tentou lhe tirar de Sinbad que, ele já tinha provas, era uma boa pessoa e o estimava. Não era?

A dúvida pertinente era o suficiente para afogá-lo em angústia.

E sozinho, ali, tudo o que ele pôde fazer foi segurar uma das mãos do rei entre as suas e apoiar ali seu rosto, entregando-se às lágrimas.

Ja’far se sentia exausto, cansado de lutar contra si mesmo e contra todos aqueles cacos de lembranças que sempre confrontavam o que ele tentava ver como… a realidade.

E talvez fosse por ter sentido aquelas lágrimas pingando e escorrendo por seu pulso que ele despertou. Os olhos dourados lentamente se abriram enquanto ele ouvia um soluçar baixinho. Sinbad sentia seu corpo pesar, a cabeça latejava. Onde estava? - ele se perguntou enquanto tentava focar, afinal, estava tão escuro.

“Adeus, Sinbad!” - de repente ele se lembrou de Ja’far marchando até aquela porta, partindo para sempre. O desespero lhe consumiu.

— Ja-Ja'-far! - ele tentou chamar, mas a voz enfraquecida falhou.

Foi quando Ja’far ergueu o rosto e o encarou. As gemas de ouro estavam miúdas ao lhe encontrar.

— S-Sin!!! - secando as lágrimas com a mão livre, o conselheiro se voltou ao rei. Não podia deixar que ele o visse chorar, mas não esperava que ele despertasse naquele momento. - Como está se sentindo?

— Não foi embora? - ele murmurava ao ignorar sua pergunta.

Ja’far sorriu quando balançou a cabeça negativamente. Estava aliviado ao ver que o rei havia voltado a si. Era como se suas preocupações deixassem de existir.

— Como eu iria deixá-lo? - ele afagou os fios púrpura e Sinbad esboçou um pequeno sorriso.

— O que aconteceu? - Sinbad perguntou ao levar uma mão até a fronte e encontrar ali a toalha já seca.

— Eu que pergunto isso. - Ja’far suspirou. - Você desmaiou com muita febre. E soube que não tem se alimentado direito e nem dormido. - ele comentou em um tom repreensivo. - Preocupou muito a todos!

E enquanto o alvo franzia o cenho ele sentiu a mão quente de Sinbad tocar seu rosto e colher um, dois rastros de lágrimas. Por que elas ainda estavam ali?- perguntando-se aquilo, corando de imediato, Ja’far segurou o pulso do moreno como se quisesse arrancá-lo dali, mas algo o impediu.

— Preocupei você? - Sinbad perguntou.

Um longo silêncio e o suspiro pesado.

— É... Claro que sim! - Ja’far respondeu, desviando o olhar. - Você é um rei, sabia? Não pode ser imprudente com sua saúde. As pessoas se preocupam muito com você e não é mais um jovenzinho. Eu tenho certeza de que é mais velho que eu, o que quer dizer que já passou dos trinta, então não pode ficar sem comer ou sem descansar!

Sinbad ouvia todo àquele sermão enquanto assistia a expressão zangada de um Ja’far que resmungava, falando pelos cotovelos e irritado quanto as suas irresponsabilidades. O seu Ja’far. Foi impossível conter o riso.

— D-Do que está rindo? - Ja’far corou.

— Você voltou, Ja’far. - ele explicou. - Meu Ja’far… Preocupado comigo, irritado se fico doente, se não me cuido...

Ele exibia um largo sorriso, o que fez Ja’far desviar o olhar.

Aquele pronome que denotava posse não soou bem para Ja’far. Não pertencia a ele. Pertencia a… En. Mas por que, ao mesmo tempo que aquilo o incomodava, afagava seu coração? Era bom deixar as coisas clara, refletiu.

— Eu só estou aqui porque adoeceu. - sendo direto, o ex-conselheiro voltou a encará-lo. - Acabou desmaiando depois que discutimos e me senti responsável por isso, mas eu partirei amanhã cedo.

— Não. - Sinbad segurou, com toda a força que tinha, o pulso fino de Ja’far, que se assustou. - Não vou permitir que vá a lugar algum!

— Diga isso para seus generais que estão loucos para me ver pelas costas!

Impossível não expor o quanto doía ter sido acusado pelo o que tinha acontecido e como a rejeição de Hinahoho e Drakon havia sido humilhante.

Ja’far se levantou, dando meia-volta e afastando-se de Sinbad, que rapidamente tentou se segui-lo, mas apenas ao tentar se sentar na cama, ele sentiu seu corpo reclamar. Suas juntas doíam e a cabeça pesava, fazendo aquele quarto girar. Mas ele estava decidido a impedir a partida de seu conselheiro nem que tivesse de se arrastar por todo o reino.

Ao ouvir o farfalhar dos lençóis e travesseiros que iam ao chão, o alvo se virou para encará-lo. 

— Oe, não pode se levantar ainda! - Ja’far correu de volta até a cama, onde o apoiou. - Tsc, ainda está com a temperatura muito alta! Precisa ficar deitado!

— Eu não me importo! - Sinbad retrucou, agarrando-o pelos braços que o apoiavam. Ergueu o rosto para encará-lo. - Eu não vou deixar que vá embora! - exclamou. - Eu vou onde você estiver! Eu vou te tirar do Kouen quantas vezes for necessário! Eu NUNCA, ouviu bem? NUNCA vou deixar você ir embora! - aos berros, Sinbad chegava a lacrimejar enquanto sacolejava um assustado Ja’far. - Eu não me importo com Sindria, com mais nada! Eu só preciso de você! Por que não entende que te amo mais que tudo?! Por qu...

Não houve como prosseguir.

Segurando as maçãs do rosto de Sinbad, Ja’far o calou quando abocanhou seus lábios.

O moreno, por sua vez, estava completamente surpreso. Os olhos arregalados se fecharam pouco a pouco enquanto sentia a língua aveludada buscando o sabor de sua boca. Sinbad não se lembrava de Ja’far beijá-lo com tanta paixão.

Apartaram-se apenas quando o ar lhes faltou. O alvo ainda segurava o rosto avermelhado daquele que apoiou a bochecha no ombro de seu conselheiro, que afagou suas costas antes de deitá-lo de volta à cama.

— Descanse. Eu vou trazer mais chá e uma sopa. Deve estar com fome, não?

Sinbad apenas assentiu com um sorriso. Perguntava-se se aquele beijo tinha sido um mero delírio?

— Peça a alguém. Não quero ficar sozinho.

— Durma um pouco enquanto preparo tudo que… quando acordar eu estarei aqui.

Ja’far, então, mergulhou aquela toalha na tina d’água para recolocá-la de volta à fronte do rei, que cerrou os olhos, um pouco incomodado com o pano gelado em contato com sua pele.

— Não vai embora, não é? - ele perguntou num sussurro, cedendo à prostração. Sentia-se tão fraco.

— Acha que eu iria embora depois de te beijar desse jeito?

Sem fala após uma resposta tão direta, o moreno apenas sorriu antes de voltar a fechar os olhos. Ele confiava em Ja’far, no seu Ja’far que estava ali.

Tudo parecia um sonho. Ja’far o amava novamente, então? - ele se perguntava antes de adormecer.

O ex-conselheiro o aninhou nos cobertores e ficou a observar por um breve instante o rosto onde não havia uma imperfeição sequer. Certamente ele tinha sido esculpido por deuses e emoldurado naquelas belíssimas ondas púrpura que quebravam naqueles travesseiros, desaguando por aqueles lençóis brancos.

Poderia ficar ali por horas a lhe admirar. O rosto que costumava aparecer quando apertava os olhos firmemente enquanto Kouen lhe dava prazer. Como pudera se envolver com ele depois de tudo o que En havia lhe dito? Certamente aquele homem não era uma pessoa comum. Parecia ter o poder de enfeitiçar e cativar qualquer um ao seu redor. Impossível odiá-lo. Teria trabalho se desculpando com Kouen, mas naquele momento, ele só podia se desculpar com quem havia sido desleal, mentindo.

— Me desculpa, Sin...

Ele sussurrou antes de depositar um leve beijo nos lábios entreabertos e, sem olhar para trás, deixar aquele quarto.

Só quando chegou ao corredor Ja’far notou que já amanhecia. Os primeiros raios de sol penetravam pela varanda que seguia todo o ambiente. Sin já estava melhorando e precisava cumprir o que havia acordado: partiria naquela manhã. Ele ficaria bem e voltaria a sua nova realidade: aos braços de Kouen. E, certamente, seu retorno seria bom para explicar que o rei de Sindria, seus generais e seu povo, eram ótimas pessoas e que En não devia nutrir sentimento ruim por eles, afinal, havia decidido pertencer apenas a ele.

Mas tomado por um estranho sentimento ele decidiu se apoiar naquela mureta e observar o reino que se estendia por toda a ilha até as praias que a cercavam. Um sentimento… nostálgico?

A brisa suave açoitava seus cabelos e, cerrando os olhos, ele sentiu o aroma da maresia.

— Esse vai ser o nosso novo lar, Ja’far!

Cerrando os punhos, aquela expressão, antes tão melancólica, era confrontada por um intenso brilho em seu olhar. Há quanto tempo eu não o via assim, tão determinado?

Ah, desde… que nosso reino foi destruído. Bem, não apenas nosso reino, mas a vida de vários amigos - o que nos fazia questionar se, algum dia, voltaríamos a ser como fomos um dia.

E apesar de toda a tristeza que vivemos, ver Sin confiante novamente era algo que me fazia ter esperança. Me faz ter esperança, aliás. Afinal, desde que me uni a ele, ansiei por dias melhores e a presença de Sin, o seu sorriso, é o que torna minha vida melhor.

É o que, mesmo quando estou cercado pela morte, me dá forças para viver.

Por ele. Por mim. Por nós.

— Não vai ser fácil recomeçar do zero, mas… não podemos ficar parados.

Eu gostaria de comentar que aquela ilha era, de longe, bem mais bonita do que nosso antigo reino, um anexo desprezado por Parthevia. Não só era mais belo, como o clima era bem mais favorável. Apesar de bastante calor, por estar cercado pelo mar, havia uma brisa corrente que me ajudava a respirar melhor - e como eu estava necessitando respirar melhor depois de tudo o que aconteceu.

— E, dessa vez, Ja’far, eu vou proteger com a minha vida esse país. - ele prosseguia. - Eu vou passar por cima de tudo e todos que quiserem machucar nosso povo, nossos amigos.

Mordendo meu lábio encarei como Sin rangia os dentes. Havia fúria e… frustração em sua expressão. Como se ele pudesse, a qualquer momento, voltar a quebrar e cair em lágrimas. Quanto tempo ainda demoraria para que elas secassem? Será que, algum dia, elas secariam?

— Eu vou estar ao seu lado, Sin!

Aproximando-me segurei seu braço, afagando-o, e ele me encarou. Dava para notar como ele prendia o choro - e eu também. Então ele se soltou e decidiu me envolver completamente em um abraço. E por mais que ele tentasse esconder as lágrimas, o incessante soluçar me condenava a verdade quando seus joelhos foram ao chão - juntos dos meus - e nos pusemos a chorar ali, abraçados.

Enquanto estivermos juntos, Sin, sempre poderemos recomeçar!

Ja’far reabriu os olhos e se viu de volta àquele palácio. O sol já começava a brilhar mais forte, o que significava que havia passado algum tempo ali.

Cerrando os punhos ele suspirou, voltando a olhar para as portas duplas de onde havia saído.

— Nós não estamos mais juntos, Sin… Não podemos recomeçar! Eu sei que nos amamos um dia, mas… meu coração hoje pertence ao En, Sin. Eu não posso negar o que sinto por ele agora. Adeus!


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Notas finais do capítulo

É, por mais que o Ja'far se lembre de momentos que provam o quanto o Sin e ele se amavam, ele prefere o "En". Não só pela gratidão, mas nessa "nova vida" ele sente como se aquelas lembranças não pertencessem ao seu "eu atual" que é apaixonado pelo Kouen. Enquanto isso, nosso bode apaixonado está a caminho de Sindria para reivindicar o que é seu! ♥

Peço desculpas pelo capítulo ter sido focado em um ambiente só - o que torna ele mais lento. Geralmente eu gosto de trabalhar de uma forma mais dinâmica, mas espero que estejam gostando!

E semana que vem trago um novo capítulo! ♥
Obrigada a todos que continuam lendo e comentando, curtindo!
E lembrando que elogios, críticas, tomates ou só bater papo me manda review!



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