Remember Me escrita por Miaka


Capítulo 22
Desistência


Notas iniciais do capítulo

Olá, pessoal! ♥ Estou atrasada para responder as reviews do capítulo passado, mas hoje/amanhã mesmo resolverei isso! Muito obrigada por continuarem acompanhando a história queeee... fica cada vez mais louca? Haha! ♥ Obrigada por acompanharem! ^^



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   A reunião se estendeu por todo o dia. Não que a duração prolongada tivesse sido planejada, mas era nítido o despreparo do rei de Sindria ao falar dos números da economia do país, das negociações da Aliança. Também pudera, com seu chefe administrativo e conselheiro tão eficaz, ele não tinha muito com o que se preocupar. Mas agora estava só. Mas com tantos assuntos para debaterem e notando algumas falhas na contabilidade dos negócios, não haviam pausado sequer para almoçarem. Após tantos gaguejos de Sinbad, dedicaram-se o dia inteiro a trabalhar para elucidar aqueles números.

A cadeira ao seu lado, na cabeceira da mesa, estava vazia. O desânimo de Sinbad era palpável a cada suspiro que exalava ao encarar o lugar que pertencia a seu braço direito. Era difícil se concentrar no que Rametotto dizia quando se lembrava daquele que tanto amava a ninar aquela criança, a quem ele batizou com o mesmo nome de seu rival.

Foram tantas as vezes que pegaram Sinbad encarando o nada, completamente alheio aos assuntos que discutiam que chegavam a se apiedar. Mas não houve questionamento algum pela ausência de Ja’far, tendo em vista que todos os governantes, ali presentes, tinham conhecimento do incidente que o afastara. Os reis de Sasan e Artemyra se lembravam bem quando, durante aquela reunião, o rei daquela ilha comentou sobre o mau-pressentimento que teve em relação a seu conselheiro.

Passava das seis quando saíam daquela sala, dirigindo-se ao salão externo onde seria servido o jantar. Sinbad seguia em silêncio pelo corredor iluminado pelas tochas que os cercavam quando sentiu uma mão suave segurar seu braço.

— Hm?

Interrompendo seu caminhar, ao virar-se para trás, o rei encontrou aquela bela mulher. Os longos cabelos dourados emolduravam o rosto fino e bonito da rainha de Artemyra.

— Não acredito que vai ficar com essa cara e não vai beber com a gente hoje. Eu venho para Sindria para extravasar, Sinbad! - ela cruzou os braços com um sorriso.

Sinbad sorriu, percebendo que ela tentava animá-lo. De fato estava sendo um péssimo anfitrião.

— Não é a primeira vez que os recebo mal assim. - ele tomou a mão daquela querida amiga. - Me perdoe, Mira.

Os pergaminhos deslizaram por entre seus braços ao ver aquela cena. Sinbad beijava delicadamente as costas da mão daquela linda moça, que corava ao receber o galanteio.

Seu coração disparou, mas ele não conseguia parar de encará-los e ver como prosseguiam a conversa.

— Por que está se desculpando? É nítido que está passando por problemas. - a mão livre da rainha tocou o ombro do moreno, tentando afagá-lo. - Não é porque é um rei que não tem problemas. Somos mais do que aliados; somos amigos, não?

Foi quando Sinbad tomou a liberdade de abraçá-la.

As esmeraldas dos olhos de Ja’far cresceram enquanto observava os dois, estático, sem ao menos conseguir piscar. Por que sentia seu peito apertar? Por acaso estava sentindo… ciúmes?

— Algum problema, Ja’far?

Foi quando sentiu o leve toque em seu ombro.

Em uma reação repulsiva, o antigo conselheiro de Sindria repeliu aquela mão, assustando o homem que era alto, tinha cabelos médios ruivos - não tão vermelhos como fogo quanto os de Kouen, Ja’far pensou. - e um elegante porte. Mas assim que notou as vestes luxuosas e as jóias que o cobriam, Ja’far se arrependeu do que havia feito.

— M-Me desculpe! - ele gaguejou, evitando encará-lo para se agachar e recolher aqueles pergaminhos.

— Já está trabalhando? - o rei insistiu. - Não devia estar descansando? Parece abatido.

— N-não. - Ja’far se reergueu e se curvou. - Mil perdões pela minha indelicadeza… - qual era o nome daquele homem? - ma… majestade. - simplificou.

— Olha quem está aí!

Puxando Sinbad, com quem estava de mãos dadas, Mira se aproximou de Ja’far e do rei de Sasan. Naturalmente sensual como era, ao vê-la trazer Sinbad, até o caminhar daquela mulher irritava o conselheiro de Sindria.

— Sente-se melhor, Ja’far? - Mira perguntou. - Sabia que Sinbad estava um porre enquanto você estava fora? - ela riu, divertida, tentando ser simpática.

Ja’far apenas piscou e entreolhou Sinbad. Naquele momento em que não reconhecia aquelas pessoas ao seu redor, ironicamente, o rei de Sindria era sua segurança. Ele sabia bem o que fazer.

— Ja’far, - dando um passo a frente, o moreno soltou a mão daquela moça. O alívio instantâneo percorreu as veias de Ja’far e seu coração voltou a bater no ritmo normal. - esses são Mira e Darius, respectivamente a rainha de Artemyra e o rei de Sasan. São nossos aliados e bons amigos que conquistamos há muito tempo! Ah, - como podia esquecer? - eles também são os pais de Pisti e Spartos, - os dois monarcas arregalaram os olhos em repreensão a Sinbad, que logo tratou de se corrigir. - Digo, Mira é mãe da Pisti e Darius é pai do Spartos.

— Muito prazer. - foi tudo o que ele disse antes de se curvar.

Os três se entreolharam, um tanto quanto confusos, e Sinbad balançou a cabeça negativamente, meio como se demonstrasse estar na mesma situação de seus aliados. Era bastante estranho vê-lo se apresentar daquela forma.

— Conte-nos, Ja’far, como foi em Kou? - Mira foi a primeira a ter uma reação mais natural, ou ao menos tentava. Sinbad mordeu o lábio inferior ao ouvir aquela pergunta.

— Hm? - Ja’far piscou. Por que ela teria interesse quanto a Kou? - É um ótimo país, majestade. - ele foi sucinto.

— Ótimo país que é louco para nos invadir, não é?

Mira gargalhou e Ja’far franziu o cenho, demonstrando que não ficara nada feliz com aquela piada. Notando o desagrado na expressão do alvo, Mira voltou a entreolhar Sinbad. O melhor a fazer era desconversar.

— Mas… Me diga, estava me procurando?

— Sim. - ele ergueu o rosto para encará-lo. - Vi que aquele rapaz, Sharrkan, usa uma espada em sua cintura.

Sinbad piscou. Onde ele estava querendo chegar?

— Se sou seu general, também devo ter o direito de portar uma arma, certo?

— Hm, claro. Se bem que depois daquele seu último comportamento quando chegou aqui, achamos que seria perigoso. - ele cruzou os braços.

— Não confia em mim? - o alvo riu com ironia. - Isso só prova que não sou seu tão fiel conselheiro como me disseram. - Ja’far foi direto.

— Não é isso, Ja’far. Se quiser, suas lâminas estão guardadas na sala dos tesouros. Está lá por segurança, mas…

— Eu não quero aquele lixo. - interrompendo-o, o ex-ministro da economia de Kou se manteve sério. - Eu quero a minha espada. Quando me trouxeram eu estava com a espada que o Kouen me deu. Eu quero ela! - exigiu. 

Sinbad coçou a nuca. Perguntava-se como poderia resolver aquela situação. E se pudesse dizer a verdade, realmente não confiava no Ja’far atual para entregar uma arma.

— Ja’far, você usa aquelas lâminas desde criança! Nunca manejou uma espa…

— Eu quero minha espada.

O rei suspirou vendo como Ja’far estava inflexível.

Parecia que a amnésia não era o único problema que ele tinha e sim uma petulância que fazia os nervos de Sinbad ficarem à flor da pele.

— Certo… Fale com a Pipirika, ela tem a chave da sala dos tesouros e pode te entregar. Aliás, Ja’far, hoje o jantar é especial. Será uma ótima oportunidade para conhecer melhor nossas relações diplomáticas e…

— Soube que o expediente administrativo se encerra às seis.

Sinbad estava em choque. Normalmente precisava implorar para que Ja’far parasse de trabalhar e fosse descansar, mas agora ele estava exigindo cumprir apenas seu horário de trabalho? Aquilo era mais grave do que ele pensava.

— S-Sim, mas é uma ocasião especial. - ele tentava se explicar, sentindo-se um pouco ridículo. Era o rei. Ja’far tinha que obedecê-lo, não? Não. - E você não estará trabalhando! É um jantar de confraternização e todos os generais estarão! Não iremos nem tocar no assunto trabalho, certo?

O rei de Sindria agia de uma forma patética. Estava quase implorando para que seu subordinado comparecesse a um compromisso? Era absurdo demais para ser verdade, mas o que poderia ser considerado normal desde que Ja’far havia partido para Kou?

Mas ao ver aquela situação e sentindo-se péssima já por seu amigo, Mira decidiu intervir.

Os olhos verdes voltaram a crescer quando as mãos da loira deslizaram pelos braços fortes do moreno quando ela se pendurou nele. A mão subiu pelo queixo de Sinbad, que não entendia nada do que estava acontecendo, tão corado quanto o rei de Sasan ao presenciar aquela cena.

— Se você não for, Ja’far, eu vou ser obrigada a me sentar do la-di-nho - ela sibilou - do seu rei.

Ja’far engoliu a seco. Seu coração disparava novamente ao ver aquela mulher, tão linda, insinuando-se para seu… Seu o quê? Sinbad era seu algoz, segundo o que Kouen lhe explicara. Pouco importava se tinha algo com aquela rainha, certo? - Como ele queria pensar assim.

— Com licença.

Ele se retirou marchando, passando pelo “casal” que se virou para vê-lo partir.

— Mira, o que significa isso?! - Sinbad estava afoito e constrangido.

— Você quer que ele vá ao jantar, ou não? - ela apoiou as mãos aos quadris. - Aposto um mês de transporte aéreo grátis se ele não vai aparecer.

— Sem apostas porque nossas finanças sem o controle do Ja’far já estão na lama! - Sinbad suspirou.

— Acalme-se. - ela riu. - Vai dar tudo certo.

—-----xxxxxxxx-----

O sol forte refletia naquelas límpidas águas que cercavam aquela pequena ilha.

Mal podia acreditar que, finalmente, estava chegando em Sindria. E apesar de considerar aquele clima tropical insuportável, nada poderia ofuscar suas alegria.

Assim que o navio do Império, que tinha as bandeiras hasteadas, aportou, os transeuntes em volta se assustaram. Mulheres colocavam suas crianças para trás enquanto temiam o imponente primeiro príncipe e general Ren Kouen. Não que eles soubessem quem ele era, mas certamente era alguém importante.

Kouen sentiu nojo ao ver algumas mulheres exibindo o corpo com tão pouca roupa. Eram tão vulgares para alguém acostumado às pesadas e recatadas vestes de Kou. Imaginava que tipo de orgia não faziam naquele país sem regras; país constituído por um plebeu como Sinbad.

Cercado por guardas, o príncipe seguiu até o pomposo palácio de Sindria e ficou encantado com toda a imponência e beleza da arquitetura daquele lugar. Nunca havia imaginado como era bonito!

A segurança do palácio imediatamente lhe deu permissão para entrar. E assim sendo, logo ele foi conduzido à sala do trono.

Dois homens portando altas lanças abriram aquelas pesadas portas duplas. Então, dando dois passos à frente, Kouen se viu naquele luxuoso salão.

Cortinas de seda verde cobriam paredes e carpetes de veludo vermelho revestiam o chão de mármore. Tão limpo e polido que, nas áreas que não eram encarpetadas, o príncipe podia ver o próprio reflexo. Se existia algo do qual não podia duvidar era do bom gosto de Sinbad. Porém tal constatação se fazia óbvia quando se descobrira igualmente apaixonado por Ja’far. Apreciavam a mesma forma de beleza.

E foi pensando naquilo que os olhos escarlate encontraram ninguém menos que ele.

A pele alva, salpicada apenas pelas sardas que condenavam que o sol era cruel demais para uma tez tão delicada, brilhava como o par de olhos verdes. Eram como duas pedras preciosas incrustadas ali, o único tom que sobressaía em meio à tanta alvura.

Mas para a surpresa de Kouen, Ja’far estava vestido de uma maneira bastante incomum.

Usava apenas um top bastante decotado cobrindo seus mamilos. O abdome exposto até abaixo do umbigo, onde começava uma calça larga, porém fina. Alguns véus de tons vermelhos, transparentes, ficavam pendurados na barra do top e na cintura daquela calça.

Outro véu, também rubro, cobria metade do rosto de Ja’far. Só era possível ver seus olhos e o contorno do rosto bonito. As vestes tão brancas, na pele anormalmente clara, chegavam a dar uma sensação de nudez a ele, que desceu as escadas como se aquele par de pés descalços pisassem em plumas. Parecia flutuar enquanto Kouen escutava uma música que vinha de um lugar tão distante. Mas aquele som foi aumentando no ritmo em que o príncipe via Ja’far começar a dançar ao seu redor, rebolando os quadris enquanto aqueles véus o acompanhavam, dando toda uma atmosfera mágica àquele momento.

Ele o encarava de forma sedutora, única.

Kouen podia se enxergar naquela imensidão verde a cada vez que Ja’far se aproximava mais, nas pontas dos pés. Mas quando o ruivo tentava tocá-lo, na batida da música, ele se afastava sem deixar de exibir aquele corpo esguio que se mostrava tão flexível.

Porém, o príncipe não suportava mais àquela tentação. A excitação estava chegando a um nível absurdo e, quando Ja’far voltou a se aproximar, não houve como fugir.

Kouen agarrou com força seu braço e o puxou. Naquele mesmo momento arrancou-lhe o véu do rosto e abocanhou seus lábios, as mãos deslizando freneticamente pelo corpo daquele que tanto amava. Quantas saudades! Quando imaginaria que Ja’far prepararia uma surpresa daquelas!

Normalmente Kouen acharia algo assim vulgar, já que a cultura de seu país era completamente diferente, mas era Ja’far. Só via pureza e uma sensualidade incrível. Como o amava! - ele pensava enquanto se atracavam, ofegando enquanto arrancava as poucas vestes de seu amado.

Foi quando uma dor aguda atravessou sua espinha. Inconscientemente ele se agarrou mais à Ja’far, mas esse, ao ver a expressão de dor de Kouen, apenas sorriu.

— J… Ja’far…

O alvo olhou para baixo ao mesmo tempo em que o príncipe encarou a ponta daquela lâmina que havia atravessado seu peito por suas costas. Não podia acreditar…

— Isso é por ter me enganado! Por ter me tirado de quem eu amo de verdade, seu miserável!

Kouen balançava a cabeça enquanto sentia o sangue quente escorrer por aquela perfuração. Ele não deixou de abraçar o alvo, por mais que aquela expressão de ódio e revolta estivesse presente. Ja’far não era assim. Amavam-se tanto! Havia se esforçado tanto para viver com ele!

— Eu… Eu te amo, Ja’far. - ele balbuciou sabendo que seu fim estava próximo. - Vim te… vim te busc… ar… Vamos voltar pra… pra Kou…

— O único lugar para onde você vai agora é o inferno, Kouen!

Kouen acordou em um sobressalto.

Sentando-se de imediato à cama ele tentava recuperar o fôlego, tomando noção de onde realmente estava. Seus aposentos no palácio de Kou.

Havia decidido dormir cedo para tentar não pensar tanto em como faria para reaver Ja’far, mas aqueles pesadelos, definitivamente, não o deixariam descansar.

Suspirando em alívio ele chegou a encostar o queixo em seu colo, conferindo se o punhal de Ja’far não estava cravado ali. E, para sua tranquilidade, não. Estava tudo bem, exceto que aquele que tanto amava não estava ao seu lado. Ao menos ele não o odiava, certo? Ou Sinbad já havia o convencido de toda a verdade?

Angustiado, o príncipe farfalhou os fios ruivos. Por quanto tempo mais aguentaria ficar sem Ja’far?

—-----xxxxxxxx-----

A noite seguia tranqüila, exceto para o rei de Sindria que não descansava um só minuto. Assim que ouvia passos que vinham do corredor ele quase se levantava, apoiando as mãos aos braços de sua cadeira para ver se Ja’far estava vindo. Nas pontas dos pés ele voltava a se sentar. Como fora ingênuo acreditando nas palavras de Mira. Era claro que não apareceria. Também pudera, ela não sabia o que o rei de Sindria havia tentado fazer com seu conselheiro.

Foi quando o alvo atravessou aquela larga porta, cujo topo do batente era arredondado. Parecendo bastante desconfortável, ele olhou para um lado e para o outro. Para onde deveria se dirigir?

Distraído e com o evidente desalento em sua expressão, Sinbad sentiu um cotovelo lhe cutucar. Era Pipirika que se aproximara subitamente de seu rei.

— Parece que ele ficou mais animado com a ideia de participar do jantar depois que devolvemos aquela espada. - ela sussurrou.

Sinbad piscou, bastante surpreso ao ver Ja’far ali. Ele tinha aquela espada curvada guardada na bainha presa à sua cintura. Era diferente vê-lo portar aquele tipo de arma, mas aquilo não importava agora.

Afastando a cadeira para trás e praticamente ignorando Pipirika, Sinbad se dirigiu até a porta do salão. Ja’far parecia bastante desorientado. Se era um dos generais, deveria se juntar a eles, não?

Quando avistou aquela moça que usava um pontudo chapéu de mago a discutir com aquele rapaz moreno, que ele presumia ser de Heliohapt, notou que devia estar por ali. Porém, ao tentar dar o primeiro passo, seu braço foi segurado firmemente.

— Onde está indo?

Aquela voz. Ele a reconhecia bem.

Ja’far se virou e o reflexo de repelir Sinbad foi completamente desarmado por aquele doce sorriso. As bochechas tão alvas coraram ao recebê-lo. Inevitável.

— V-vou me sentar com os outros generais. - ele rapidamente explicou, mentalmente se perguntando porque estava dando satisfação àquele homem.

— Anh? - Sinbad arqueou uma sobrancelha. - É um jantar com os reis da Aliança, Ja’far. Você senta do meu lado, como de costume. - explicou.

— Sou um dos generais. - confuso, Ja’far reiterou. - Devo me juntar a eles, não?

— Hm… - o moreno revirou os olhos. - Digamos que você é um pouco diferente deles.

— Diferente? - as esmeraldas piscaram. Não havia agressividade em seu tom, tampouco em sua expressão. Realmente estava investigando o porquê daquilo.

Sinbad suspirou e, por um breve momento, corou. Coçou a nuca enquanto a mão que segurava o braço de Ja’far deslizou pelo pulso e chegou até a mão do mais jovem. Dourados e verdes se encontraram.

— Err… Ja’far, somos um casal. Todos sabem disso.

— Quê?! - seu rosto parecia ter sido substituído por dois tomates. - Desde quando?!

— Hm? Bem, há muito tempo, desde que… Bem… - como ele falaria? - Um pouco depois que a Serendine morreu. Consegue se lembrar dela?

Ja’far balançou a cabeça negativamente. O que ele queria dizer isso? Quando essa pessoa havia morrido? Há um mês? Há um ano? A confusão nítida em seu rosto preocupava Sinbad.

— Calma, calma. Se você quiser conversamos depois do jantar sobre isso, o que acha? Posso contar sobre tudo…

— Contar mentiras? - Ja’far o interrompeu. A desconfiança voltava a seu olhar.

— Não, Ja’far. - os dedos de Sinbad entrelaçaram nos seus como se ele temesse que seu conselheiro se afastasse. - Nunca mentimos um para o outro, certo?

O alvo engoliu a seco enquanto desviava o olhar. Não queria encarar Sinbad, afinal, as palavras de Kouen perduravam em seu coração e ele não sabia em quem acreditar. Por mais que parecesse que ali, aquele lugar, realmente lhe pertencia mais do que Kou, não podia se esquecer de tudo o que o primeiro príncipe havia dito sobre a lábia de Sinbad e como era um homem asqueroso. E o próprio Ja’far havia experimentado um pouco do que o rei de Sindria era capaz. Imperdoável. Não. Precisava perdoá-lo.

— Vamos! Temos um jantar del...

Não apenas a fala de Sinbad, mas todas as conversas naquele salão foram interrompidas quando o alarme soou, os sinos ecoavam por toda a ilha.

— Por favor, vão agora!

Ja’far ficou confuso quando viu o rei, bastante apreensivo, voltar-se à mesa dos generais que, prontamente, se levantavam para atender à urgência. Todos pareciam bastante assustados, em especial àqueles que vinham acompanhando os reis da Aliança e que não estavam acostumados com aquele tipo de eventualidade.

— Fiquem calmos, por favor! - Sinbad elevou o tom para se fazer ouvir naquele salão, dedos ainda entrelaçados com os de Ja’far, que parecia tentar se soltar. - Volta e meia, pela localização da nossa ilha, algumas criaturas do mar do sul acabam atacando a costa, mas já estamos acostumados e meus generais logo solucionarão tudo.

Apesar da tentativa do rei, diferente de seus governantes que permaneciam tranquilos a jantar, demais aristocratas e ministros pareciam angustiados.

— Me deixe ir! - Ja’far sussurrava.

— Quê? - ele se voltou ao alvo. - Está louco? Está se recuperando e nem se lembra como…

— Talvez eu me lembre se eu for! - Ja’far disse rapidamente. - Se eu… Sei como é essa situação, talvez vendo de perto e ajudando…

— Não, Ja’far. - a mão livre de Sinbad tocou seu ombro. - Não quero nem pensar que pode se machucar, ainda mais se recuper…

— Não confia em mim?! - uma nova interrupção. O olhar compenetrante de Ja’far intimidava sua majestade. - Diga logo de uma vez que não confia em mim!

— Ja’far…

— Então me deixe ir.

Sinbad suspirou, angustiado. Por que aquele mau-pressentimento voltava a fazê-lo sentir um aperto forte em seu coração. Doía. A possibilidade de perder Ja’far doía.

— Se eu realmente sou seu general, seu conselheiro e… SEU AMANTE como você disse - os olhos dourados cresceram. - ME DEIXE IR! - Ja’far suplicou.

Não havia saída. Subitamente ele soltou a mão do alvo, que saiu apressado na mesma direção que os generais haviam ido.

— Eu também vou! Por favor, me esperem! - ele avisou aos reis.

— Não confia mais nos nossos filhos, Sinbad? - Darius batia o talher de prata na borda da taça de vinho.

— C-Claro que sim. - gaguejando, o rei cerrou os punhos. - Mas não confio que Ja’far vá ficar bem do jeito que está!

Com a mão apoiada à empunhadura daquela espada em sua cintura, correndo obstinado seguindo aquele ruivo, que vestia uma brilhante armadura de cavaleiro e portava uma grande lança, Ja’far se surpreendeu quando se aproximaram da costa e subitamente choveu por um instante. O keffiyeh de Ja’far havia sido perdido naquela corrida. Os fios brancos encharcados pingavam por seu rosto.

Lambendo o lábio superior, capturando aquele sabor, o alvo notou que não se tratava de chuva. A água era salgada como a do mar.

Uma nova borrifada que vinha dos céus o surpreendeu. Foi quando viu aquele enorme ser, que mais parecia uma serpente de tão comprido e possuía o corpo coberto de escamas. A cada salto ele causava uma nova tormenta para a costa daquela ilha. Que espécie de animal era aquele? - ele se perguntava, completamente em choque enquanto observava um brilho prateado, que refletia o luar, cruzar a escuridão do céu.

A lâmina de Sharrkan não foi capaz de penetrar aquelas grossas escamas.

Ágil, o moreno saltitou pelo longo corpo da criatura e voltou à terra firme.

— Não faz nada de útil mesmo, hein, seu idiota?

Ja’far viu a maga que cruzava os braços ao zombar do insucesso de seu colega, que franziu o cenho, nitidamente irritado pelo comentário nada amigável de Yamuraiha.

— Então vai lá, bruxa velha, já que é tão boa!

— Eu não. Seu irmão não está aí para que mostre o serviço e se exiba? - ela o provocou.

Sharrkan apenas estalou a língua, conformado que sua espada, nem mesmo com o poder de Focalor, o qual recebia de seu rei, conseguiria atingir aquele animal. Foi quando algo como um projétil, forte e fugaz, atingiu à região do pescoço da criatura.

O conselheiro de Sindria estava chocado. Era resultado de um chute daquele ruivo, um fanalis. Nunca - pelo o que lembrava - havia visto a força de um de perto e pelos urros que seu inimigo havia dado, mesmo sem ter sido derrotado, dava para notar a intensidade da força de Masrur.

— JA’FAR!!!!!

Estava tão distraído. Foi quando ouviu a voz de Sinbad clamar seu nome. Ele estava tão distante ainda.

Surpreso com toda aquela demonstração de poder dos demais generais, ele não percebeu que a criatura o tinha como alvo - também pudera, estava à beira da praia assistindo a tudo do lugar mais privilegiado, mas também mais perigoso.

— JA’FAR, FUJA! - ele ouviu a voz do moreno.

— JA’FAR!

Com os olhos arregalados, o único reflexo que teve foi de puxar a espada da bainha. Suas pernas, trêmulas, pareciam fincadas na areia úmida. A espada cruzada em seu rosto era a única defesa que tinha enquanto via aquele monstro marinho se aproximar, água respingando em seu rosto ao assistir à boca enorme daquela criatura se abrir. Era seu fim.

Devia ter ouvido Sinbad. Por que não havia seguido seu conselho?

Se morresse ali, tudo estaria acabado. Nunca descobriria a verdade.

Pior que isso, era que nunca mais veria Kouen. Nunca mais estaria de volta aos braços daquele que tanto amava, quem certamente lhe buscaria. Não. Não era justo.

Os dedos tremiam quando segurou com mais firmeza aquela espada.

Ja’far cerrou os olhos, apertando-os com força e, em seus últimos momentos, só pôde pensar em quem tanto desejava reencontrar.

— En...

A criatura urrou, enlouquecida, ao mesmo tempo em que a forte claridade atrapalhou até mesmo os olhos fechados de Ja’far, que decidiu abri-los para ver o que surpreendia a todos. A lâmina daquela simples espada, presente que recebera de Kouen, estava banhada em altíssimas chamas, as mesmas que haviam queimado pelo menos metade daquela serpente que se debatia entre o mar e a areia.

O que significava aquilo? E por mais que suas mãos estivessem envolvidas naquele fogo, Ja’far não as sentia queimar. A única coisa que sentia era algo quente em seu peito e um sentimento estranho que o fez derramar algumas lágrimas. Ele sentia como se Kouen estivesse ali. Como se Kouen tivesse o protegido.

Mas se havia confusão nos olhos de Ja’far, havia desolação nos daquele que, finalmente, havia chegado ao seu lado, também brandindo a espada que lhe pertencia na vã tentativa de salvar aquele que tanto amava.

As chamas se dissiparam e a espada voltou à sua forma normal. Foi quando o alvo encarou Sinbad. Ele parecia completamente em choque. Uma melancolia sem par estampada em seu rosto.

Ele estava triste porque havia sobrevivido?

— O… O que aconteceu? - de forma inocente, Ja’far indagou.

— Que incrível, Ja’far-san!!!

Logo os generais, antes tão preocupados ao verem seu amigo tão querido em perigo, chegavam e comemoravam. Não houve tempo para que Sinbad respondesse, porém, pela catatonia do rei de Sindria, ele realmente parecia não saber o que dizer.

— Foi demais! - Pisti se agarrou às vestes do alvo, que permanecia confuso.

— Agora sabemos então que podemos ter contrato com mais de um djinn do nosso rei. - Sharrkan sorria. - Isso pode trazer um avanço incrível para protegermos Sindria!

— Ja’far-san sempre nos surpreende! - Yamuraiha batia palmas. - Então, majestade, de qual… Majestade?

A alegria que se espalhara naquele momento foi suprimida completamente quando encontraram seu rei com aquela expressão tão enigmática. Havia espanto, havia confusão e… tristeza?

— O poder na espada de Ja’far não… não vem de nenhum djinn meu. - Sinbad praticamente murmurou enquanto encarava os próprios pés. Parecia incapaz de encarar Ja’far.

— Como assim?! - foi a vez de Drakon se pronunciar.

— É natural… - Sinbad ergueu o rosto e sorriu com melancolia para seu conselheiro, melhor, ex-conselheiro. - afinal, para receber poderes de um rei, você precisa ter um… um vínculo muito especial com ele, não é, Ja’far?

Uma, duas lágrimas rolaram pelo rosto de Sinbad e ele não fez a mínima questão de escondê-las. Ja’far, por sua vez, sentia-se angustiado ao vê-lo assim. Por que doía vê-lo tão triste?

— Não sei do que está falando…

— Todos nós temos um laço muito forte, por isso eu posso ceder o poder dos meus djinns a vocês. Assim como o seu rei pode lhe ceder poder também, Ja’far. É natural já que… já que não há mais nada de especial entre nós.

O que estava acontecendo, afinal? - Todos estavam apreensivos ao verem seu rei falar daquela maneira enquanto as lágrimas permaneciam presentes.

— Seu rei é o Kouen, Ja’far. Você não tem mais vínculo algum comigo. O poder que usou veio do djinn que o Kouen possui contrato.

Aquela afirmação chocou a todos, incluindo até mesmo Ja’far. Não tinha idéia de que aquilo sequer era possível. Mas agora tudo fazia sentido, afinal, havia sentido a presença de Kouen ali, naquela espada.

— Você está livre para ir embora amanhã mesmo, Ja’far. - a voz embargada de Ja’far se perdia entre um soluço e outro, mas ele se manteve firme. -  Vou pedir para que aprontem um navio que lhe levará… até seu verdadeiro rei.

 


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Notas finais do capítulo

Agora creio que o Sin recebeu o golpe final! O fato do Ja'far estar tão cego pelo Kouen a ponto de conseguir se tornar parte da household de um djinn dele deve ter sido demais. Se eu fosse o Sin, daria um grande barraco. Mas ele decidiu seguir o conselho do Hina?

Adorei escrever a cena do Ja'far odalisca, uma visão fantasiosa do que Kouen desejava. Mas mais gostoso foi a cena em que ele foi apunhalado, coitado. Haha! Mas não consigo esconder que não sou nenhum pouco imparcial, mas cada um vacila de um lado.

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