Remember Me escrita por Miaka


Capítulo 21
Insegurança


Notas iniciais do capítulo

Feliz Ano Novo, pessoal! ♥ Primeiro capítulo do ano! Muito obrigada por me acompanharem mais um ano! Espero que gostem! ^__^



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Vendo o próprio reflexo naquele grande espelho vertical, Ja’far tentava descobrir como conseguiria manter aquele adorno no topo de sua cabeça. E aquela parte longa era para frente mesmo? - ele se perguntava enquanto jogava o tecido verde para o alto, descobrindo o rosto, mas logo a gravidade tratava de devolvê-lo ao seu lugar, voltando a vendá-lo. Os fios brancos já estavam completamente bagunçados sobre a fronte e os olhos, que ele reabriu piscando para voltar a se encarar. Havia algo errado ali.

— Ja’far? Já está pronto?

Duas batidas à porta e ele já reconhecia bem aquela voz. Esboçou um sorriso antes de responder quem se manteve do lado de fora enquanto se vestia com as roupas que ela havia lhe indicado.

— Pode entrar, Pipirika-san.

A moça que era bastante alta adentrou os aposentos reais e foi impossível não cair na gargalhada quando viu o rosto de Ja’far ser completamente coberto pela parte comprida do keffiyeh, que voltava a cair, escondendo sua fronte e o avental por dentro da parte superior, completamente aberta sobre a blusa de linho branca.

Ja’far corou, mas não se chateou ao vê-la rir. Estranhamente ele também gargalhou ao ver a moça que estava adequadamente vestida, com uma roupa tão igual a dele - exceto pelo adorno da cabeça que ela não usava. Notando o quão diferente dela e quão ridículo estava, acabou se divertindo com a própria situação.

Pipirika se aproximou e recuperando o fôlego após as risadas, ela tomou a liberdade de ajeitar as vestes daquele que era seu superior. Apesar de estar feliz de estar ao seu lado novamente e vê-lo receptivo, era doloroso perceber como Ja’far parecia completamente alheio a tudo que sempre prezou. Costumava ser tão sério e, mesmo gentil, com uma postura tão impecável. Vê-lo assim, chegava a ser patético.

Assim que terminou de alinhar as vestes do conselheiro de Sindria, ela depositou o keffiyeh sobre sua cabeça. Pronto.

Afastando-se e deixando Ja’far apenas na companhia de seu reflexo, Pipirika esperou uma reação. Quem sabe se enxergando como costumava se vestir, lembrasse de algo. Mas tudo o que havia na expressão de Ja’far era apatia e confusão. Ele parecia perguntar a si mesmo se realmente costumava andar daquele jeito, tão diferente de como vira as pessoas de Kou se vestirem.

— Algo errado? - ela voltou a se aproximar, ainda receosa. Aquele novo Ja’far parecia uma bomba relógio, uma caixa de surpresas com reações inesperadas.

Ele saia de um transe, piscando como se quisesse retomar o foco à realidade. Balançando a cabeça negativamente, Ja’far sorriu.

— Está tudo bem! Pipirika-san, me indique onde eu trabalho, por favor.

— Não acha melhor falarmos com o Sinbad antes? - a moça coçava a cabeça, farfalhando os cabelos azuis. - Ele quer que você descanse, talvez se chateie ao lhe ver trabalhar.

— Eu não estou doente, Pipirika-san. Mas vou ficar se permanecer aqui trancado neste quarto… Ou... eu sou um prisioneiro em Sindria?

Aquela pergunta tinha uma pitada de maldade. O sorriso ainda estava presente no rosto de Ja’far quando questionou Pipirika.

— C-Claro que não. Você está em casa, Ja’far!

Ele assentiu e a mulher pareceu mais tranquila antes de abrir aquelas portas duplas, dando espaço para que Ja’far seguisse na frente.

Respirando fundo, seguindo por aqueles corredores, Ja’far só tinha uma coisa em mente: descobrir a verdade. Sem confiar em Kouen, sem confiar em Sinbad. Só conseguiria descobrir quem realmente era se dependesse apenas de si mesmo. Estava sozinho. Ou não?

A mão larga de Pipirika segurou a sua enquanto ela o conduzia.

Ele não podia enxergar o rosto da moça. Via apenas os repicados fios azuis como o céu balançando. Um sentimento nostálgico acompanhava o calor que atravessava seus dedos. Inconscientemente Ja’far apertou mais a mão da moça, que apenas sorriu ao sentir aquele toque se intensificar.

Pipirika sabia que, aos olhos de Ja’far, ele não estava segurando sua mão.

Ja’far estava segurando a mão daquela pessoa.

—-----xxxxxx------

— COMO NÃO HÁ OUTRO NAVIO DO MESMO PORTE DISPONÍVEL?!

O exclamar de Kouen vinha acompanhado do estrondoso barulho de quando seus punhos se chocaram à mesa. A superfície de mogno tremeu com o impacto, assim como todos que estavam ao redor do primeiro príncipe. O escritório do general estava lotado de expressões aflitas que temiam o pior.

— A-Alteza, perdemos nossa melhor embarcação! - um homem de idade, que coçava a barba, bastante temeroso quanto à agressividade nítida na expressão de Kouen, decidiu se pronunciar. - Temos navios de menor porte, mas creio não serem o suficiente para uma viagem tão longa e que aguente um possível conflito.

— Levaremos mais embarcações então! - Kouen rebateu.

— Não há mais provisões, alteza! Tudo que foi disponibilizado foi perdido quando o navio afundou!

— DROGA!

Mais um grito e um novo golpe desferido à coitada da mesa que voltava a bambear.

Kouen estava ofegante, extremamente irritado e qualquer um à sua frente era um alvo para descontar sua frustração. Como ficaria perdendo mais tempo sem Ja’far? Precisava ir buscá-lo nem que fosse sozinho. Enfrentaria Sinbad e quem fosse para trazê-lo de volta. Falaria tudo! Diria como se amavam e humilharia o rei de Sindria. Mas como?!

Enquanto se questionava, ele apertava ainda mais os punhos. As unhas iam abrindo sulcos em suas mãos a ponto do sangue escorrer por entre os dedos.

— O conserto do navio deve ficar pronto em, no máximo, um mês.

— Um mês?! - o ruivo arregalou os olhos. - “No máximo”? Fala como se esse prazo sequer fosse aceitável?!

— Os… - o homem estava a ponto de sofrer um ataque cardíaco ao se ver encarado por aqueles olhos que centelhavam vermelho. - Os danos foram severos e até conseguirmos provisões suficientes para toda a tripulação que estava levando…

— Eu quero esse navio pronto em UMA SEMANA. - Kouen enfatizou.

— M-Mas é imposs…

— UMA SEMANA!

Interrompendo o idoso que abraçava a si mesmo, o primeiro príncipe reiterou sua exigência ao se levantar daquela pomposa cadeira para marchar até à porta do escritório.

Sentia-se sufocado no meio daqueles plebeus estúpidos. Era como se vivesse um pesadelo onde parecia ser impossível viver ao lado de Ja’far, onde tudo e todos colaboravam para que não ficassem juntos. Como ele estaria agora, ao lado de Sinbad? Estaria sofrendo? Sentindo saudades? Ou… aliviado de estar de volta a seu verdadeiro lar, ao lado de quem costumava amar?

Kouen rangia os dentes, dominado pela raiva, apenas ao pensar naquela possibilidade. Golpeou desta vez a parede na qual imaginou o rosto de Sinbad. Como desejara estar frente-a-frente com aquele que lhe tirara Ja’far. Como desejara matá-lo.

—-----xxxxxx------

Muitos estranharam o fato de Ja’far estar ali, cruzando os corredores ao lado de Pipirika, que lhe orientava sobre seu próprio serviço e também ia lhe apresentando àqueles que costumavam conviver com o conselheiro.

Era como se Ja’far jamais tivesse os visto e, de fato, para ele tudo era novo e diferente. Mas ele tentou ser o mais cordial e simpático o possível com aquelas pessoas, por mais que muitas o encarassem com… pena. Mas ele não entendia o porquê daquilo.

Quando Pipirika o levava a uma das várias mesas, naquele amplo salão, muitos o tratavam como um amigo de longa data, falando de tarefas que Ja’far, supostamente, havia lhes passado. Era quando, ao ver a perturbação no rosto pálido, Pipirika tomava a frente e os explicava sobre a amnésia que Ja’far sofria. Esse não falava muito, completamente desconfortável ao estar diante daquelas pessoas. Será que era rude de sua parte não conseguir interagir como esperavam?

Assim que saiam de uma seção ele ouvia murmúrios que lamentavam seu estado. Perguntavam uns aos outros se ele ficaria assim para sempre e Ja’far ouviu inúmeras vezes aquele adjetivo: “coitado”. Isso se repetia a cada mesa que passou ao lado de Pipirika, que explicava sobre todo o funcionamento administrativo. Os processos que o próprio Ja’far não sabia, mas ele mesmo havia desenvolvido e que eram responsáveis pela prosperidade daquele reino.

— Não se preocupe, eles não estão fazendo por mal.

Hm?! - Ja’far se fez de desentendido.

— Eles o admiram muito e estão assustados e tristes ao vê-lo desmemoriado. Todos ficaram muito preocupados durante o tempo em que esteve desaparecido.

Ja’far engoliu a seco. Sua quietude não se dava ao fato de receber a piedade de todos ou ter seu orgulho ferido. Na verdade ele ponderava sobre a diferença de tratamento que recebia ali. Era bem diferente de quando fora apresentado ao seu local de trabalho em Kou. Muitos estranhavam talvez sua aparência, tão diferente dos cidadãos de Kou, mas não demonstravam nem um pouco de carinho como aquelas pessoas. De alguma forma ele se sentia extremamente querido ali. Em Kou ele realmente se sentia um estranho, mas as palavras de Kouen foram o suficiente para que acreditasse pertencer àquele meio.

Mas não era conveniente falar sobre aquilo com Pipirika. Não era o momento e preferia continuar como estava ao lado dela.

— Não tem problema. Só… espero não magoá-los não me lembrando…

A moça de Immuchak sorriu com melancolia ao encará-lo. Era bom ver que Ja’far permanecia o mesmo, sempre preocupado com os outros, muito mais do que consigo mesmo.

Foi quando chegaram diante daquela porta.

— Chegamos! - ela anunciou. - Esta é a sua sala, Ja’far.

Entraram naquele lugar amplo, extremamente bem organizado e que exalava um suave perfume de rosas, proveniente dos incensos acesos sobre a mesa. O vento adentrava as janelas abertas, espalhando o aroma pelo ar e fazendo dançar as cortinas que eram tão verdes quanto o carpete no qual pisavam naquele momento. Havia, no fundo daquele espaço, duas grandes portas ainda maiores do que as que passaram.

Ele sabia que conhecia muito bem aquele escritório e aquela sensação era o gatilho para que aquela angústia tomasse conta de seu corpo.

Ja’far sentia como se aquele aroma fosse sufocá-lo. Levando uma das mãos ao centro do peito e outra ao topo daquele adorno sobre sua cabeça, a qual ele sentiu latejar.

— Ja’far? - notando o quão pálido o conselheiro ficara, Pipirika se alarmou. - Melhor voltar…

— Não, está tudo bem. - ele tentava se recompor. - Não se preocupe, por favor.

— O cheiro está o incomodando? - a mulher rapidamente foi até o porta-incenso que estava sobre a mesa e tratou de apagá-los.

— Eu estou bem. Pode ficar tranquila. - Ja’far tentou sorrir, um pouco ofegante. - É que… eu já vi esse lugar antes… - ele encarou o teto bem trabalhado num lindo projeto arquitetônico. O mesmo teto que via em seus sonhos com Sinbad.

Pipirika não pôde esconder o sorriso. Aquilo era um bom, aliás ótimo, sinal.

— Presumível já que é o lugar onde mais costuma ficar, sabia?

— É? - ele indagou.

— Sim. Você trabalha muito… Não só Sinbad, mas eu também canso de te encontrar aqui dormindo sobre os papéis.

Ja'far corou ao ouvir aquilo, tentando imaginar a cena que a robusta mulher descrevera. Ainda rindo, dando a volta naquela mesa, Pipirika puxou a cadeira de espaldar alto.

— Sente-se! É sua mesa!

Ja’far caminhou lentamente, tentando se manter imune àquela dor que sentia em sua cabeça. Sentando-se no confortável assento estofado ele observou o que havia sobre aquela superfície: dois candelabros, um tinteiro, três pergaminhos que, empilhados, formavam uma pirâmide e o porta-incenso. Não havia um rastro de poeira sobre a mesa.

— É tudo… bem organizado. - ele comentou.

— É como você gosta de deixar, em especial antes de viajar. - Pipirika cruzou os braços. - Bem, eu tenho que terminar algumas coisas, então vou explicar rapidamente tudo o que você tem que fazer com esses contrat...

Aquelas duas portas, as quais Ja’far ainda não sabia onde levavam, se abriram e dali saiu ninguém menos que o rei de Sindria. E se Ja’far não sabia como se portar ao vê-lo, ainda mais ao se lembrar de seu último encontro há dois dias, Sinbad se encontrava em situação semelhante. Porém, estava muito claro o espanto em seu rosto. Chegou a esfregar os olhos, descrente ao ver Ja’far ali, uniformizado, em seu posto de trabalho. Ele havia recuperado a memória?

— Ja’far!!!

Foi inevitável rapidamente se aproximar daquela mesa. Por um instante Sinbad se esqueceu do que haviam passado, do que havia feito com Ja’far com tanta violência. Porém, a forma como o alvo se retraiu naquela cadeira e como os orbes verdes diminuiram foi suficiente para demonstrar ao rei como seu conselheiro temeu a aproximação.

Assim que chegou perto e estendeu a mão para tocá-lo, Sinbad se conteve. Os dedos ficaram flutuando na direção daquele que parecia inalcançável, mesmo tão próximo.

Recolhendo a mão, o moreno disfarçadamente coçou a nuca, como se não tivesse a intenção de encostar naquele apavorado Ja’far. Ver aquele que tanto amava temê-lo era doloroso.

Err… Como se sente? - foi tudo o que ele perguntou.

Ja’far apenas assentiu, como se fizesse algum sentido respondê-lo daquela forma, mas Sinbad compreendeu o que ele quis dizer.

— Pipirika, - o rei se voltou à moça. - o que significa isso?

— Ja’far pediu que eu mostrasse a ele como trabalhava, como se vestia. Ele está tentando se lembrar das coisas.

— Só não quero me sentir inútil. - o alvo interrompeu sem encará-los. - Não quero passar o dia trancado naquele quarto. No seu quarto. - ele foi específico.

— Ja’far… - Sinbad suspirou, agachando-se para ver melhor o rosto de seu conselheiro. - não acha melhor descansar? Não está tendo aqueles lapsos ainda? É perigoso que ande por aí sozinho e possa ter uma crise.

— Já disse que não estou doente e posso trabalhar perfeitamente.

Alguma coisa evitava que Ja’far o encarasse. Talvez o medo.

A frieza era palpável. Ainda não havia o perdoado completamente pelos últimos acontecimentos, por mais que tivesse decidido fazê-lo.

— Certo… - suspirando novamente, Sinbad se reergueu. - Mas me prometa que se não se sentir bem vai voltar aos seus aposentos.

— Meus aposentos estão em Kou. - ele rangeu os dentes, provocativo.

Pipirika mordeu o lábio inferior, um tanto quanto angustiada. Ja’far não parecia nem um pouco o rapaz amigável e simpático que sempre foi e que havia voltado a ser enquanto estavam juntos. Na presença de Sinbad ele se mostrava bastante petulante.

Aquela resposta fazia, mais uma vez, o coração do rei de Sindria balançar. Podia ver o ódio impregnado naquele olhar. Ja’far o odiava agora, ele tinha certeza. E sentindo-se acuado por aquele sentimento, o melhor a fazer era negá-lo, afastando-se.

— Bem, tenho que ir para uma reunião… Por favor, Pipirika.

Ela entendia bem o pedido de Sinbad, que saiu desolado daquela sala. Mais uma vez tomado pela dor de ser rejeitado de uma forma bastante cruel e, pior, por quem mais estimava. Assim que a porta se fechou, ela não se conteve.

— Ja’far, por que tratou Sinbad desse jeito?!

— Apenas disse a verdade. Meus aposentos, minha casa, estão em Kou!

— Por que está com tanto ódio dele?! Vocês sempre...

Pipirika impediu a si mesma de prosseguir. Mas Ja’far sabia como aquela frase terminaria.

Ele apenas estalou a língua, demonstrando seu desagrado. Aquela angústia misturada com uma raiva tão infundada, alicerçada meramente pelas palavras tortuosas de Kouen. Parecia injusto tratar Sinbad assim, mas por quê? Por mais que se esforçasse, lembrava-se de tudo o que Kouen lhe dissera, de como havia sido usado. Era um caminho totalmente diferente do que havia decidido, de pensar e avaliar a situação por si mesmo.

— Droga! Esqueci de entregar esses documentos que Sinbad preci…

— Eu levo para ele!

As palavras pareciam cuspidas por Ja’far, que rapidamente tomou os dois pergaminhos da mão de Pipirika. Devia encontrá-lo e tentar remediar tudo.

— Espera! Ele foi para uma reun...

— Eu já volto!

O que estava fazendo, afinal? - Ja’far se perguntava enquanto seguia por aqueles longos corredores. Ao mesmo tempo em que queria destratar Sinbad, mostrar-se superior, tinha medo. Sentia que poderia afastá-lo a um ponto perigoso, em que não houvesse mais volta. Mas por que aquilo o preocupava? Afinal, tudo o que lhe importava era voltar para Kouen, não era?

Ainda corria quando se deparou com o rei de Sindria parado às portas daquela que devia ser a sala de reunião. Mas ele não estava só. Havia um jovem casal conversando com o rei, que brincava com um pequeno bebê, nitidamente recém-nascido, que estava em seu colo. Ao mesmo tempo em que interrompeu seu trajeto, Ja’far corou ao ver aquela cena tão bonita. Não pôde deixar de pensar que Sinbad seria um ótimo pai.

Pensou em dar meia-volta e se afastar, não queria interrompê-los. Mas a jovem abriu um largo sorriso ao vê-lo.

— Ja’far-san!!!

Foi só então que Sinbad percebeu que seu conselheiro estava ali. Ficara tão distraído que não se importou com os puxões que a pequena mãozinha davam em uma de suas argolas. E na tentativa de arrancar aquele brinco dourado, e consequentemente a orelha do rei, o bebê começou a chorar sem parar.

— M-Me desculpem, eu só vim trazer uns documentos! - ele deu dois passos para trás.

— Por favor, Ja’far-san! - foi a vez do homem se manifestar. - Viemos para que você o rei Sinbad nomeassem nosso filho, mas… mas a vossa majestade disse que ainda está convalescendo depois de tudo o que ocorreu.

Enquanto tentava acalmar a chorosa criança, Sinbad desviou o olhar, sentindo-se um pouco constrangido. Parecia um grande mentiroso agora com Ja’far ali a sua frente. Mas a reação do alvo não foi das melhores.

— N-Nomear? - Ja’far gaguejou, entreolhando Sinbad à procura de uma explicação.

O rei ponderava se não era uma boa oportunidade para trazer à tona mais lembranças de Ja’far. Então, sem aviso prévio, entregou o recém-nascido nos braços do afoito conselheiro.

— Não! E-eu não sei segur...

Não houve tempo para protestos. O bebê se calou imediatamente ao pousar no colo do conselheiro de Sindria. Sobraram apenas alguns leves soluços que foram cessados enquanto, instintivamente, Ja’far balançava a criança que estava apoiada em seu peito, afagando os ralos fios castanhos que cobriam aquela cabecinha.

Era inevitável aquela cena não arrancar suspiro tanto dos pais quanto do próprio Sinbad. A maternidade parecia enraizada naquele que tanto amava.

— Ja’far… - Sinbad começou. - sempre que nasce uma criança em Sindria, os pais vêm ao palácio e nos apresentam ela. Pedem para darmos um nome.

— Um nome? - sem deixar de ninar aquela criança, Ja’far divagava. Achava estranho aquela situação. Era normal um rei ter uma relação tão íntima assim com seu povo? Sinbad se dava àquele trabalho a cada criança que nascia em seu país?

— Já tem duas semanas que nosso filho nasceu, - a mulher explicava. - mas como você não estava aqui, Ja’far-san, esperamos que voltasse para que dessem um belo nome para ele! - parecendo emocionada, a mãe segurava firme a mão de seu marido. Os dois esperavam muito por aquele momento. - Então, Ja’far-san, qual vai ser o nome?

Suor frio escorreu pela lateral de seu rosto. Fora pego de surpresa e a tensão que havia era tão palpável, ao menos para Sinbad, que ele logo deu meia-volta e segurou firme os ombros de Ja’far.

— Eu acho que Ja’far precisa de um tempo para pensar em um nome bem bonito para um rapazinho tão lindo, não!? - o rei abriu um largo sorriso. - Creio que amanhã mesmo ele já vai ter pensa…

— En…

O sussurro do conselheiro foi quase inaudível, mas o mover de seus lábios chamou a atenção do tão ansioso casal.

— Como?! - o pai deu um passo à frente.

— En.

Ja’far repetiu, alto o suficiente para que Sinbad ouvisse. A palidez tomou conta da pele morena ao ouvir o nome que seu Ja’far havia dado àquela criança. Seus dedos, inconscientemente, se fecharam de uma maneira nada gentil sobre os ombros do alvo.

— Significa “fogo” ou “chama” e vem de um país do extremo leste. - Ja’far explicou enquanto entregava o bebê, sua expressão completamente vazia.

— Que nome lindo! - a mãe, emocionada, afagava o filho que retornava aos seus braços.

Atônito, Sinbad não tinha forças para fazer o que realmente desejava: protestar, dizer que não permitiria que Ja’far desse o nome daquele crápula, agora seu rival, a uma criança de Sindria. Um dos filhos de Sindria havia recebido o nome daquele que roubara seu amor.

— Muito obrigado, Ja’far-san! - o pai, tão agradecido, abraçava o conselheiro que esboçou um pequeno sorriso. - Majestade, obrigado por tudo!

— Com licença.

Foi tudo o que Sinbad disse, retirando-se o mais rápido que pôde dali. Houve uma certa estranheza por parte dos pais, acostumados a terem um governante que esbanjava simpatia e doçura. Ele devia estar atrasado para algum compromisso, já que tinham visto alguns reis de outros países circulando pelo palácio.

Ja’far sentiu o peso das mãos do rei sair de seus ombros e suspirou pesado. Sabia o quanto havia lhe atingido. Novamente o remorso se misturava com uma estranha satisfação. Estava se vingando de Sinbad por ter lhe tirado de Kouen.  

Mas o rei não se dirigiu à sala de reunião a qual estava às portas. Seguiu na direção contrária, rumo a um dos jardins internos do palácio. Precisava de ar fresco. Precisava pensar. Não tinha condições de ir a uma reunião. Aliás, não tinha condições de continuar vivendo daquele jeito.

Quando não tinha mais forças ele parou diante da fonte principal do enorme pátio. Apoiando as mãos na mureta que a envolvia ele encarou o próprio reflexo naquela água límpida.

“O que aconteceu com você, Sinbad?”, “O que aconteceu com vocês?” ele perguntava a si mesmo, as mãos trêmulas enquanto uma, duas lágrimas rolavam para se misturar àquele montante.

Ja’far não estava em seu estado normal. Ele sabia disso, mas por que doía tanto seu coração? Por que doía tanto ser rejeitado? Quando Ja’far recuperasse a memória, voltariam a se amar, não? Mas e se ele não se recuperasse?

Jogou água no próprio rosto, não apenas para lavar aquele choro como para se recompor. Sentia-se… fraco.

— Sin-sama?

Sinbad se assustou quando se deparou com Masrur. O fanalis que costumava ser tão inexpressivo parecia bastante preocupado com seu rei. A vermelhidão ao redor dos orbes dourados ainda estava presente e condenando seu pranto.

— O… O que foi, Masrur?

— Já tem dez minutos que estão o esperando para a reunião e está aqui no pátio lavando o rosto na fonte. - declarando o óbvio do bizarro que assistia, o ruivo foi bastante direto.

Corando, envergonhado com o apontamento do mais jovem, Sinbad afastou as mechas molhadas que acabaram grudadas em seu rosto.

— Eu… Eu só vim tomar um pouco de ar.

O fanalis apenas suspirou.

— Peço para que cancelem a reunião?

— N-não! É claro que não! - Sinbad se levantou, decidido.

Masrur apenas ficou a observá-lo. O moreno tentava ainda consertar a bagunça de mechas púrpuras encharcadas.

— Até quando vai insistir com isso!?

Dessa vez a voz não era do fanalis. Virando-se para trás, Sinbad encontrou Hinahoho. Era outro que não via desde o dia em que cometera aquele erro estúpido com Ja’far. Aquele que mais se indignara com seu feito.

— O que.. O que você sugere que eu faça? - o rei perguntou, contando com a experiência daquele que era mais velho e convivera intensamente com sua esposa, mesmo que por pouco tempo.

— Deixe Ja’far ser livre para escolher com quem quer viver.

— Quê?! - ele não podia crer no que ouvia. - Está dizendo que eu errei trazendo Ja’far de volta?! Está louco?!

— Você está feliz com ele aqui? Ele está feliz? - Hinahoho não foi nem um pouco sutil.

As lágrimas voltavam a acumular nos cantos dos olhos de Sinbad, mas ele se manteve firme. Seguiu de volta em direção ao palácio quando parou diante do homem que era pelo menos duas vezes mais alto para encará-lo. Hinahoho e Masrur podiam contar nos dedos as vezes em que viram seu rei tão sério.

— Ja’far só sai daqui quando eu estiver morto!


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Notas finais do capítulo

É, as coisas não estão indo nada bem para o Sin, aliás, estão indo de mal a pior.
Teve uma forte maldade nesse capítulo. Não basta o par de chifres, Sin acaba de ver a esposa dar o nome do amante a uma de suas crianças. Tem como ficar pior? Hahaha!

Eu realmente queria MUITO trabalhar com essa coisa LINDA que eu amo que é isso de Sinbad e Ja'far se darem o trabalho de nomear todas as crianças que nascem em Sindria. Desde que vi aquele omake, fiquei babando e fazendo mil headcanons - inclusive por isso talvez ser uma forma de suprir a ausência do filho que eles mesmos não podem ter? ♥

Pipirika realmente virou a rainha nessa fic. Haha! Eu só sofro muito quando a escrevo falando com o Ja'far porque, graças a todos os generais (exceto Drakon e Hina) o chamarem de Ja'far-san, volta e meia me pego escrevendo ela chamando o Ja'far assim.

Espero que estejam gostando. No próximo capítulo teremos um momento de muita tensão! ♥
Comentários, sugestões, críticas ou só um bate-papo, me manda review! *__*/



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