Remember Me escrita por Miaka


Capítulo 2
O Começo do Fim


Notas iniciais do capítulo

Finalmente o "oficial" primeiro capítulo. Por favor, se você não leu o epílogo, leia porque ele é muito importante para a história! ♥ Muito obrigada a todos que leram e deixaram reviews, me animou muito a começar essa fic que estou preparando com muito carinho! Decidi começar ela de uma maneira bem diferente e espero surpreender e trazer uma boa leitura a vocês!
Um detalhe que eu não especifiquei no capítulo passado é o tempo desta fic. Ela se localiza exatamente entre o timeskip do arco de Sindria e o arco de Magnostadt. Esse gap de 1 ano é o tempo onde se passará essa história! ♥
Espero que vocês se divirtam lendo tanto quanto estou escrevendo! ♥



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 ~ 3 meses atrás ~

Seguia pelos corredores pouco iluminados.

O vento gélido que adentrava as frestas das portas e janelas fazia com que as chamas dos candelabros dançassem euforicamente. Quase se apagavam com tamanha agitação. Uma forte tempestade era anunciada.

Nada atípico para o clima úmido daquele país que abrigava o poderosíssimo Império Kou.

Mas a invernia não parecia afetar aquele que caminhava com os pés descalços sobre o assoalho de madeira e cujas vestes eram mínimas.

Assim que chegou defronte às portas duplas, os dois soldados que as guardavam as abriram e deram passagem ao sacerdote daquele império.

Adentrou à grandiosa biblioteca e nela encontrou, sentado naquela mesa onde havia diversos pergaminhos abertos, o primeiro príncipe, Ren Kouen. A expressão carrancuda, sua principal característica, estava ali presente mais forte do que nunca.

Eles não se preocuparam em interromper sua conversa, mesmo após a entrada do magi.

— Não podemos aceitar esses acordos comerciais ridículos dessa Aliança!

Kouen exclamou. Ele rangia os dentes enquanto batia as pontas dos dedos numa mesma sequência sobre aquela superfície, talvez para demonstrar o quão irritado estava.

— M-meu irmão e rei, não temos acesso as joias de Sasan já que tudo o que é comercializado por eles é controlado pela Aliança dos Sete Mares.

O irmão do meio, cujos lábios eram cobertos pelo leque de penas escuras que cobria parcialmente o rosto que era marcado severamente pela acne, assustou-se com o esbravejar do primogênito.

— Dane-se! Sasan tem um patrimônio riquíssimo! Que seja o próximo país que vamos que atacar então. - Kouen retrucou de forma decidida.

— E-está louco, meu irmão? - ele gaguejou. - Se atacarmos apenas um dos países que pertencem à Aliança de Sinbad, estaremos comprando uma guerra contra todos os outros e Sindria também! - explicou.

— E acha que não sei disso, Koumei? - o mais velho, que tinha os ombros apoiados à mesa, cruzou os dedos diante do rosto. - Estamos com nossas tropas sem poder avançar tudo por conta desse país minúsculo e ridículo! Se pudéssemos colocar esses países contra os ideais patéticos de Sinbad…

— Já temos Reim do nosso lado! - Koumei tentava ser positivo. - É um grande passo! Talvez se...

Foi quando uma risada estridente ecoou por todo aquele amplo ambiente, chamando a atenção não só de Koumei e Kouen, como do irmão caçula, que estava sentado sobre uma poltrona em um canto pouco iluminado.

— Ai, vocês são ridículos mesmo! - Judal ria, abraçando a própria barriga e chegando a lacrimejar.

— Judal-kun! Não fale assim do En-nii e do Mei-nii! - Kouha jogou os longos fios rosados para trás e cruzou os braços.

— Mas essa ideia é ridícula! - Judal tentava conter o riso. - Acham que vão colocar Artemyra, Sasan, todos os países da Aliança contra o Sinbad? E mesmo se forem, acham que terão grande poder com esses candidatos à rei patéticos como aliados?! Por favor, Sinbad se garante sozinho...

Recostando-se à poltrona, o mais velho deixava evidente aquela veia saltada em sua fronte. O deboche de Judal e a exaltação que ele fazia a Sinbad eram o suficiente para tirá-lo do sério.

— E você tem uma ideia melhor para dominarmos os territórios sob proteção do Sinbad? - Kouen tentava se manter paciente.

Judal suspirou, finalmente cessando o riso para, enfiando as mãos nos bolsos das calças largas, se aproximar daquela mesa para encarar o primeiro príncipe.

— Tudo o que você precisa, Kouen, é de um álibi. - ele foi direto, os olhos vermelhos refletindo as chamas dos candelabros ao encara-lo. - Crie um motivo para que Sinbad o ataque. Seja a vítima dele e não o faça sua vítima.

Koumei piscou, desentendido, tentando compreender o que Judal queria insinuar com aquilo. Kouen, por sua vez, ficara pensativo ao ouvir aquelas palavras.

— Você não precisa ser o primeiro SEMPRE - ele enfatizou. - a atacar e invadir.

— Sinbad nunca faria algo assim, é a lei primordial da Aliança que ele constituiu. - Koumei pontuou, as penas escuras deslizando pela ponta de seu nariz. - “Não invadir para não ser invadido.” - ele reproduziu.

— Claro que não. - Judal aproveitou para se sentar sobre aquela superfície, amassando e espalhando todos os pergaminhos. - Mas e se dermos fim a algo que seja muito precioso a ele?

— O que está querendo insinuar, Judal? - Kouen já perdia a compostura. - Chega de rodeios!

— Ai, ai… - Judal cruzou os braços. - A lerdeza de vocês me cansa! - suspirou. - Tirem do Sinbad algo precioso. Façam com que ele venha aqui buscar!

— Isso não tem o menor sentido! - Koumei retrucou.

— Espere! - Kouen se levantou. - Judal pode estar certo!

— Mas... meu irmão...

— A melhor forma de destruir Sindria seria por dentro. - Kouen interrompeu o mais novo.

— Mas o quê, de precioso, tiraríamos de Sinbad? - Kouha perguntou de forma inocente.

— Seu povo? - sugeriu o príncipe. - Mandaríamos alguns soldados sequestrar alguns cidad…

— Ai, Kouen… - Judal balançou a cabeça. - Estou falando de algo que realmente desequilibre aquele rei estúpido! E qualquer um sabe que Sinbad tem um caso com aquele franguinho cheio de sardas. - o magi riu.

— Hm? - o príncipe arqueou uma sobrancelha.

— Ele está falando do conselheiro de Sindria, Ja’far…

— Exatamente. - Judal assentiu. - Se dessemos um fim nele, Sinbad enlouqueceria! Se esqueceria de qualquer regra idiota ou moral!

Kouen permaneceu estático. Um tanto quanto impressionada com a ideia de Judal, que parecia bastante simples, mas muito eficaz. Como não havia pensado em algo assim antes? Se Sinbad fosse até Kou reivindicar seu conselheiro, se o tomassem como prisioneiro, poderia alegar que o rei de Sindria havia dado início a uma guerra. E sendo ele o primeiro a romper uma das regras da Aliança dos Sete Mares, claramente os demais países ficariam contra ele, afinal, Sindria guerrear com Kou seria o mesmo que levar todos os países que faziam aliança consigo. Os demais reis não admitiram por seu povo em risco por um mero capricho de Sinbad.

— E como traríamos Ja’far para cá? - Koumei indagou, um tanto quanto receoso.

— Koumei, quero que redija agora mesmo uma carta que enviaremos para Sindria. Envie um convite para assinarmos um tratado de paz e livre comércio com Kou.

— O quê?!

O homem de aparência abatida arregalou os olhos, surpreendendo-se ainda mais quando viu um sorriso aparecer no rosto de seu irmão, algo tão raro de se acontecer.

— Vamos dar a Sindria o que sempre quiseram!

— Mas, En-nii, com uma proposta tão importante dessas, Sinbad viria com certeza assinar este acordo. - Kouha contestou.

— Talvez não.

Foi a vez de Koumei abrir um dos vários pergaminhos enrolados sobre a mesa e encarar seus irmãos.

— Daqui a um mês ocorrerá em Sindria uma reunião da Aliança dos Sete Mares. A presença de Sinbad será fundamental.

— Ele poderia muito bem adiar o nosso compro…

— Não. - Kouen interrompeu o caçula. - É inadiável. Uma oportunidade única. Não terá como vir outro que não seja a segunda maior autoridade do país.

— Ja’far então… - Koumei completou. - Realmente é uma ideia incrível, Jud… digo, meu irmão e rei! - ele consertou rapidamente.

Um sorriso de plena satisfação emoldurava o rosto de Ren Kouen. Uma nova esperança se acendia. Tinha certeza de que, com o sucesso daquele plano, finalmente teriam a oportunidade de invadir Sindria e tomar os países que pertenciam a sua Aliança. A expansão de Kou finalmente atingiria um nivel global.

— Ótimo! Preparem tudo e vamos ter certeza de que iremos recepcionar da melhor maneira nosso convidado.

~ Duas semanas depois ~

Música, muitos comes e bebes e alegria havia no festival que acontecia naquela noite no jardim externo do palácio de Sindria.

A aparição de uma criatura dos mares do sul havia sido o suficiente para prepararem uma festa. E recebendo tantos turistas como o país estava naquela época do ano, nada mais justo do que comemorar tanta alegria e fartura que abençoavam aquele lugar. E, claro, tudo aquilo era devido ao trabalho árduo do rei Sinbad, e de seus generais, que garantiam que todos vivessem com igualdade e felizes.

A majestade se encontrava em uma mesa, cercado por seus generais. Alguns já estavam bêbados, bem diferentes do rei que mal tocara em sua taça de vinho. Ele parecia preocupado, constantemente a observar uma janela em específico, no alto de uma das torres daquela belíssima e opulenta construção.

Foi quando avistou uma exausta Pipirika, que até então não havia aparecido na festa também. Presumiu de onde ela estava vindo, então se levantou para ir até a moça.

— Pipirika!

— Sinb… digo, majestade. - ela se remendou com um sorriso.

— Pare com isso. - o moreno sorriu de forma terna. - Onde está o Ja’far?

— Ah, ele ainda está no escritório. - explicou.

— Ainda?! Mas eu disse que era para o serviço acabar mais cedo hoje!

O rei cruzou os braços e contorceu os lábios em desagrado.

Não tinha visto Ja’far ir dormir na noite anterior e ele sabia muito bem que seu conselheiro não havia saído daquele lugar. Havia uma semana que mal o acompanhava nas refeições, sempre apressado para prosseguir o trabalho.

— Sim, ele me dispensou mais cedo, mas disse que ia passar a noite trabalhando. Ele está terminando os relatórios para a reunião da Aliança e...

Pipirika foi subitamente interrompida por um suspiro de desolação de Sinbad.

— Ja’far está há dias, sem descanso, trabalhando nisso!

— Sabe que não tem jeito. - a volumosa mulher riu.

— Pois é. - Sinbad sorriu. - Bem, vou arrastá-lo para cá então.

— Duvido que ele queira vir, Sinbad.

— Ele vai ter que me obedecer, afinal, quem é o rei aqui? - e piscou para a mulher com um largo sorriso.

Rapidamente chegou ao topo daquela torre. Os corredores estavam completamente vazios, afinal, como Pipirika havia dito, Ja’far havia dispensado todos os oficiais que, claro, tinham ido festejar. Como sempre Ja’far absorvia todo o trabalho para si.

Se Sinbad tivesse que apontar um defeito nele, provavelmente esse seria o pior. Será que ele não poderia ficar um dia sem pensar em trabalho, ou ao menos trabalhar como uma pessoa normal? Era pedir demais que ele relaxasse um pouco?

A porta do escritório do conselheiro e chefe administrativo daquele país estava entreaberta e Sinbad adentrou o lugar tentando não fazer muito barulho. Não queria assustá-lo, afinal, já imaginava Ja’far completamente concentrado em cálculos e anotações.

Tudo estava em seu devido lugar como sempre. Apesar das mesas estarem lotadas de papéis e pergaminhos, tudo estava organizado e, provavelmente, de uma forma única. Típico da meticulosidade de quem trabalhava ali. Poucos candelabros acesos forneciam a iluminação suficiente para que o único ali prosseguisse seu trabalho.

Mas assim que se aproximou e fitou a mesa que ficava de fronte para a janela principal daquela sala, se surpreendeu ao encontrar o conselheiro com a cabeça deitada lateralmente sobre a mesa. Sobre a superfície havia, além dos pergaminhos, uma xícara com um café frio pela metade. A pena que caía de sua mão já havia secado, apesar de estar incompleto o que ele escrevia naquele pergaminho.

Sob os olhos fechados, as duas olheiras maculavam a alvura daquela pele. Seqüela de dias sem dormir e dedicação total ao trabalho.

Ele dormia profundamente, os lábios levemente rosados entreabertos. Os fios brancos expostos caíam por seu rosto e, consequentemente, sobre os papéis abertos que Ja’far fazia de travesseiro.

Sinbad ficou ali, por alguns poucos minutos, a contemplar aquela beleza sem par. Parecia um anjo!

Levando a mão até o topo daqueles cabelos, Sinbad os afagou, mas Ja’far não deu o menor sinal de despertar.

— Para um assassino profissional você está bem descansado...

Ele comentou antes de, cuidadosamente, tomar seu conselheiro em seus braços e conduzi-lo até seus próprios aposentos reais, onde o depositou naquela enorme cama que ficava ao centro daquele lugar.

Apenas o luar, pelas janelas, proporcionava alguma iluminação ao quarto. O suficiente para que pudesse despi-lo da parte superior de seu uniforme e abrir os primeiros botões da blusa de linho branca, visando deixá-lo mais confortável.

Cobriu-o com os lençois de seda vermelha e se inclinou para beijar seus lábios.

— Boa noite, Ja’far.

Corria pelos corredores do palácio. A cada passo que dava, os candelabros que o cercavam se apagavam um a um, deixando aquele caminho cada vez mais escuro. Tão escuro que, se parasse de andar, provavelmente perderia o rumo, de onde viera e para onde iria. Se não conhecesse tão bem aquelas escadas circulares, as quais descia agora, provavelmente não conseguiria achar o caminho.

Onde todos estavam? - perguntava a si mesmo durante aquele trajeto, mal ousando olhar para trás e encarar aquela escuridão.

Foi quando finalmente avistou a claridade. Mais alguns passos apressados e ele chegou ao jardim interno do palácio, o qual era iluminado pelo brilho prata da soberana lua-cheia que tomava os céus daquela ilha.

Vendo-se ali, ofegante, Ja’far apoiou as mãos nos próprios joelhos. Fechou os olhos enquanto recuperava o fôlego. Estava aliviado, de certa forma, apesar de não saber do que ou de quem estava fugindo.

Foi quando se reergueu que seu keffiyeh foi ao chão, revelando os fios alvos.

Ja’far piscou e se agachou para recuperar seu adorno. Mas assim que o pegou, pôde ouvir o gotejar intenso da peça que estava encharcada por um líquido rubro e viscoso. Piscou, um tanto quanto chocado e notou o rastro de sangue no chão que ia dali até…

Naquele momento, o tempo subitamente parou. Ao menos para Ja’far, que tinha os olhos esverdeados refletindo a pior imagem que poderia ver em toda sua vida.

Próximo à fonte principal daquele jardim estava o corpo de seu rei. Os longos fios púrpura bagunçados, misturados com escarlate, o mesmo que tingia as vestes brancas.

As mãos de Ja’far tremiam freneticamente, assim como as pernas e os lábios que tentavam balbuciar algo, mas sua voz havia se perdido. Não tinha forças para andar até ele, para gritar seu nome, para… assimilar tudo o que estava acontecendo.

Foi quando sentiu um leve puxar em seu braço. As linhas vermelhas apertaram seu braço sutilmente e ele as seguiu. Onde estavam suas lâminas? - ele se perguntava até encarar novamente seu rei e ver uma delas, que ele segurava, embebida em sangue.

Como era possível?

Voltou a fitar suas próprias mãos e elas não estavam limpas como antes.

Não só suas mãos, mas suas vestes, tudo ao redor estava impregnado com aquele rubro. O aroma metálico persistente lhe dava náuseas.

Tentando sair do choque, Ja’far balançou a cabeça e seguiu suas próprias linhas, indo até Sinbad.

De bruços mergulhado naquela poça vermelha, ele tentava de forma vã se rastejar, quando Ja’far se aproximou e se agachou, recolhendo-o para junto de si.

— Oe, Sin! - ele chamou aflito.

 

O conselheiro de Sindria tentou encarar os ferimentos de seu rei, mas mal pôde fazê-lo ao notar a gravidade daquilo, ainda mais quando encontrou sua segunda lâmina fincada no peito de sua majestade. Ele havia feito aquilo? Como? Quando? Por quê?

Era óbvio que Sinbad não iria sobreviver, e os olhos dourados dele, que naquele instante, já não possuiam o menor brilho, condenavam isso. O que tinha acontecido?

— Sin, por favor, resista! - ele tentou sacudir seu rei que tinha a cabeça apoiada em seu peito.

— Ja-Ja’far… - o moreno gaguejou num murmúrio. Ele sorria.

— Sin, o que aconteceu? - as lágrimas já caiam pelo rosto pálido e Sinbad se esforçou para que sua mão, trêmula, alcançasse a face de seu amado para secá-las. Ja’far tinha certeza de que o fim de seu amado rei, seu melhor amigo, seu amante, estava próximo. - Me diga, quem foi que fez isso?! - ao menos se pudesse se vingar, sabendo quem fora o algoz que conseguira matar seu rei. Quem seria poderoso o suficiente para aquilo? - N-não brinque comigo. Não diga que… - ele soluçava.

— Ja’far… Você… Você voltou… - o sorriso de Sinbad cresceu, o brilho em seu olhar esmaeceu. - E cumpriu a sua promessa. - ele completou. - Eu estou tão feliz...

 

Aquelas, então, foram as últimas palavras daquele cuja mão deslizou pelo rosto de Ja’far. O rosto que ficaria eternamente gravado naquelas gemas douradas que, por fim, se fecharam.

— NÃO!

Foi num sobressalto que Ja’far despertou. O suor frio escorria por seu rosto e as esmeraldas de seus olhos estavam bem maiores que o normal. Em um reflexo, tirou as mãos que ainda estavam sob os lençois e conferiu se elas não estavam tingidas com o sangue de seu rei. Então o temor e o alívio se encontraram ao perceber que tudo aquilo tinha sido um sonho.

— Hmmm??

Um gemido sonolento e o remexer daquelas cobertas chamaram sua atenção. Foi só então que se tocou de que não estava em seus aposentos e sim… daquele homem que despertava ao seu lado, completamente nu.

— O que aconteceu? - Sinbad esfregava os olhos. - Ouvi você gritar…

— Tsc, pensei que meu pesadelo tivesse acabado!

Resmungando, Ja’far tratou de jogar os lençois por cima do desorientado Sinbad, que acabara de despertar após ouvir a voz de seu conselheiro.

— Já vai se levantar? - Sinbad se sentou, tentando recuperar o foco. - Não acha melhor descansar mais? Ainda é muito cedo. - ele comentou ao ver os primeiros raios de sol iluminando o rosto emburrado de seu conselheiro.

— Como vim parar aqui? - Ja’far evitou encará-lo. - Não me deu álcool pra variar, não é?

— E precisa? - Sinbad riu. - Você fica bêbado de trabalho. - e retomou a seriedade. - Encontrei você dormindo em cima de vários pergaminhos e você nem tem noção do que aconteceu. Estava extremamente exausto. Nem percebeu que o trouxe para cá. - era nítido o tom de reprovação dele.

— Me perdoe por ter dormido enquanto estava cumprindo minhas obrigações. - Ja’far suspirou.

Tsc, não estou reclamando por causa disso! Estou reclamando justamente porque está trabalhando até se exaurir!

— Preciso terminar todos os relatórios para a reunião! - ele contestou, encarando o moreno.

— Eu não quero relatórios, eu só quero que você não adoeça de tanto trabalhar!

— Eu não sou de cristal, Sin! - Ja’far se exaltou. - Tudo tem que estar pronto e eu estou me dedicando ao máximo!

— E esse é o problema! - Sinbad foi categórico. - A partir de hoje você está proibido trabalhar depois que anoitecer!

— QUÊ?! - o alvo arqueou uma sobrancelha. - Não seja ridículo, Sin! Estou trabalhando duro para que tudo esteja pronto para a reunião e...

Ja’far subitamente foi interrompido pelos lábios que cobriram os seus, impedindo-o que prosseguisse sua fala. Mais que isso, Sinbad agarrou seu braço esquerdo e o empurrou de volta à cama.

Sentiu os travesseiros amortecerem a sua queda ao mesmo tempo em que seu rei se colocou sobre si, sem cessar aquele beijo.

Pensava em afastá-lo, empurrá-lo, mas logo se rendia àquelas carícias que o enlouqueciam. Droga, como odiava ser desarmado daquela forma que só Sinbad conseguia fazer!

Já podia sentir uma mão arrancando-lhe os botões da camisa e apalpando seu peito, dando a volta em sua cintura e reduzindo a mínima distância que ainda havia entre eles. Aquilo era um caminho sem volta e Ja’far sabia disso quando seus lábios se soltaram dos de seu rei para, famintos, irem à procura de algo mais.

Afinal, não faria mal, apenas um dia, começar os trabalhos mais tarde.

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Passava de meio-dia quando o conselheiro de Sindria chegou até sua sala para dar prosseguimento aos trabalhos do dia anterior. Sempre muito simpático e adorado por seus subordinados, ele os cumprimentava de forma animada - talvez até um pouco mais do que de costume - até chegar em sua mesa.

Estalou os ombros. Suas costas doíam e ele sabia muito bem o motivo. Não era por ter adormecido bem ali, em seu ambiente de trabalho. Ele tinha certeza.

Mas foi apenas se sentar em sua mesa e tirar a pena do tinteiro que as portas duplas de seu escritório se abriram.

— Ja’far-san!

Era ninguém menos que o príncipe de Heliohapt, Sharrkan, acompanhado de Masrur, que seguiu calado atrás do moreno que adentrou o lugar com uma expressão bastante apreensiva.

— Bom dia, Sharrkan e Masrur. - Ja’far os cumprimentou informalmente.

— A majestade pediu para chamá-lo para uma reunião urgente!

— Reunião?

Ja’far contorceu os lábios, um tanto quanto pensativo, quando esboçou um sorriso.

— Sei… Reunião. - ele suspirou. - Sharrkan, diga para o Sin que eu não vou almoçar agora. Comecei meu trabalho muito tarde e, segundo as próprias regras dele, eu não posso mais trabalhar ao anoitecer. Então…

— Mas é verdade, Ja’far-san! - Sharrkan insistiu.

— Masrur? - o alvo olhou de canto o robusto fanalis, sabia que ele não mentiria nem compactuaria com as brincadeiras de seu rei, diferente dos demais generais.

O ruivo apenas assentiu. Fora o suficiente para que Ja’far empurrasse a cadeira para trás e se levantasse, convencido da veracidade da tal reunião.

— C-como assim?! Não acredita em mim, mas em um mero gesto dele?! - Sharrkan estava indignado.

— Porque Masrur não age como uma criancinha como o próprio rei. - Ja’far riu por trás da longa manga de suas vestes.

O conselheiro então partiu, sendo seguido por Masrur e por um Sharrkan que tratou de resmungar durante todo o trajeto até a sala de reunião.

Assim que os três chegaram, todos os outros generais já se encontravam ali, um tanto quanto afoitos diante da chamada de Sinbad, que ainda não estava ali.

Ja’far rapidamente tomou seu lugar ao lado daquela cadeira vazia enquanto ouvia as mil e uma especulações sobre o motivo daquela reunião.

Liberação de verbas para que ela tivesse um laboratório novo? - Yamuraiha devaneava até Sharrkan destruir seus sonhos, propondo melhorias nas áreas para que pudesse treinar com a espada. Pisti se divertia com as brigas do “casal” que Spartos e Hinahoho tentavam separar.

A confusão só acabou quando as portas se abriram e revelaram um sorridente Sinbad. Será que estava tão animado assim só por aquela manhã? - Ja’far pensava com seus botões.

— Me desculpem tê-los chamado assim de repente. É que tenho ótimas notícias e não podia esperar mais tarde para compartilhar com todos vocês!

Sinbad se explicava enquanto seguia até seu lugar naquela mesa arredondada. Seus olhos brilhavam com uma vivacidade que Ja’far não se lembrava de ter visto há algum tempo. Em suas mãos ele trazia um pergaminho. Aquele brasão, pertencente ao Império Kou, fez Ja’far ficar ainda mais confuso.

— Bem, essa manhã recebemos uma carta do Império Kou.

— E isso é motivo para ficar feliz? - Sharrkan resmungou em desagrado para Spartos, que nada disse.

— E parece que, - ele prosseguiu. - finalmente, estamos prestes a realizar um grande sonho!

As palavras do rei de Sindria carregavam uma forte esperança e uma animação sem igual quando ele abriu aquele pergaminho e estendeu sobre a mesa.

— Kou está propondo um acordo de paz e uma aliança com Sindria!

Parecia que Sinbad havia sonhado em dizer aquelas palavras. A alegria em seu semblante era radiante e, ao ouvirem aquela notícia, todos pareciam ter sido contagiados. Todos menos um perplexo Ja’far, que encarava aquele papel, lendo e relendo várias vezes sem poder crer. Ainda mais porque aquele papel trazia a assinatura do primeiro príncipe, Ren Kouen, e da imperatriz que ficara viúva, novamente, recentemente, Ren Gyokuen.

— Isso é maravilhoso! - a maga estava maravilhada.

— Em breve, sem inimigos e risco de sermos invadidos, Yamuraiha, não precisará mais manter a barreira que protege Sindria! - Sinbad sorriu.

— Ah, mas… eu gosto de ser útil e proteger Sindria. - Yamuraiha contestou, um tanto quanto entristecida ao pensar daquela forma.

— Não se preocupe, sempre vamos precisar da sua magia e suas habilidades! - Sinbad a tranquilizou. - O que importa é que poderemos, finalmente, deitar tranquilos em nossas camas e não ficarmos mais com receio de que podemos ser invadidos! Não só nós, mas todos os países da Aliança!

— S-Sin… - Ja’far decidiu se manifestar. - Isso não está estranho demais? Kou não faz alianças! É um império totalmente militarizado e que não investe em comércio, em… acordos com outros países. Eles meramente os invadem. - ele lembrou.

— Ja’far… - Sinbad meneou a cabeça. - Talvez seja uma chance que eles precisam! Talvez… a visita do Hakuryuu-kun tenha trazido algum impacto a eles. Também estive em Kou há um ano e agora eles podem ter tido uma outra visão, estar mudando os rumos. Não podemos ignorar isso! É o que sempre sonhamos!

Por mais que Ja’far quisesse levantar qualquer outra hipótese, não poderia ousar tirar aquela alegria estampada no rosto de Sinbad. Parecia tão feliz. Por mais que Ja’far sentisse um mau pressentimento, algo tão estranho. Mas, de fato, Sinbad poderia estar certo. Estavam diante de um documento formal e uma proposta que traria uma imensa felicidade e, decerto, a paz para todo o mundo. Poderiam negociar com Kou e propor que eles parassem com as invasões a outros países. Realmente era algo incrível!

— Só tem um problema. - foi a vez de Drakon apontar com sua enorme unha um trecho daquela carta. - A data que específica quando esse acordo será assinado é justamente no mesmo dia da reunião da Aliança, não é?

— É mesmo? - Sharrkan se inclinou para ver melhor. - É mesmo! - ele confirmou. - E agora?

— Isso é prioridade. - Sinbad se levantou. - Sei que Ja’far pode conduzir a reunião.

— Q-quê?! - o alvo arregalou os olhos e corou ao mesmo tempo.

— Claro que sim! Você está completamente inteirado de todos os assuntos que discutiremos e tem todas as informações que devem ser passadas. Está trabalhando duro para isso. Confio em você para esse serviço!

Vendo-se alvo de todos que sorriam em sua direção, nitidamente concordando com as palavras que Sinbad proferira, Ja’far se levantou e limpou a garganta.

— Me-me desculpe, Sin, - ele se curvou e voltou a se levantar. - mas eu não posso assumir esse papel! Você é o líder da Aliança dos Sete Mares, mais do que rei de Sindria. Precisa estar presente nesse momento. Todos os reis já foram comunicados da reunião há meses e muitos desmarcaram compromissos para estarem aqui daqui a duas semanas.

— Ja’far! É por Sindria!

— Sim, e é por Sindria que EU vou até Kou. - ele enfatizou apontando a si mesmo. - Sin, eu irei até Kou assinar esse acordo enquanto você estará na reunião.

Sinbad arregalou os olhos antes de balançar a cabeça negativamente.

— Nem pensar. - ele foi categórico. - Não vou deixá-lo sozinho em Kou. E se for uma armadilha?

— Então está duvidando de suas próprias palavras? - Ja’far perguntou em tom desafiador. - Disse para confiarmos, termos fé de que isso é real. É nosso sonho, Sin.

Ja’far sabia colocar seu rei contra a parede. O moreno ficara sem reação. Ele estava completamente certo. Impedir Ja’far de ir em seu lugar por puro temor era entrar em contradição com tudo o que havia pregado desde que entrara ali, melhor, desde que havia aberto aquela carta.

Sinbad suspirou, mordendo o lábio inferior.

Já odiava viajar sem Ja’far e pensar nele adentrando o território inimigo. Melhor, o território que ERA inimigo. - ele tentava se consertar, mas era um costume que seria difícil de perder.

— T-tudo bem, mas precisa levar pelo menos dois de nós com você.

— Não. - Ja’far cruzou os braços. - Todos os generais têm que estar aqui para fornecer a segurança adequada aos nossos convidados. E se realmente for uma emboscada?

— E se for uma emboscada, como estará sozinho em Kou?

— Eu sou um assassino, se esqueceu?

— Ja’far… - Sinbad suspirou, cerrando os olhos para massagear as têmporas.

— Sin.

O moreno sentiu a mão de Ja’far sobre seu ombro e voltou a abrir os olhos para encará-lo.

— Confie em mim! - ele sorria de forma confiante. - Voltarei com o tratado assinado e você fará uma ótima reunião! Estou me esforçando para isso!

— Ja’far…

~ Duas semanas depois ~

Nem parecia que já havia duas semanas que havia embarcado naquele navio.

Duas semanas que havia deixado Sindria e seu rei, que ainda parecia inconformado em deixá-lo viajar sozinho. “Como se fosse a primeira vez…” - Ja’far ria consigo mesmo.

Apesar de já estar anoitecendo, ele contemplava o mar. Já era possível avistar a costa daquele país tão distante. Tinha sido uma longa viagem, mas Ja’far sabia que seria breve. Um único dia e já estariam partindo de volta para Sindria.

E como sentia falta de Sinbad! Havia aproveitado os últimos dias antes de viajar para finalizar tudo o que seria usado na reunião da Aliança. Não podia negar que estava preocupado. Será que não fariam alguma besteira?

Tudo o que lhe restava agora era confiar em Sinbad e nos outros. E, de certa forma, poderia ver aquele tempo embarcado como umas boas férias. Não que isso o agradasse, já que ficar longe do trabalho administrativo lhe enlouquecia.

Tão perdido em devaneios que estava que só percebeu que havia chegado quando sentiu o tranco que o navio, que trazia as bandeiras de Sindria, deu ao aportar. E assim que o fez, tratou de, rapidamente, ajeitar o keffiyeh, afastando os fios brancos da fronte, para seguir até a área de desembarque.

E assim que se viu diante daquelas escadas, surpreendeu-se ao ver, à sua espera, ninguém menos que o pomposo primeiro príncipe de Kou. Os miúdos olhos avermelhados encontraram os surpresos de Ja’far. Ele tinha ido até ali apenas para recebê-lo?

Engolindo à seco, Ja’far suspendeu as vestes para descer aquelas escadas e, assim que se viu diante do ruivo que permanecia sério e impassível, ao lado de seu irmão mais jovem, ajoelhou-se, cumprimentando-o de maneira formal.

— É uma honra ser recebido pelo próprio primeiro príncipe!

— Espero que aproveite nossa estadia.

E assim que Ja’far ergueu o rosto, pôde ver aquele cínico sorriso nos lábios de Ren Kouen.




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Notas finais do capítulo

Eu passei muito tempo idealizando esse capítulo. Sério! Eu planejei inúmeras formas de desenvolver essa fic, mas acho que consegui fechar tudo.
Está sendo bem divertido trabalhar com personagens do núcleo de Kou, apesar de eu ter alguns problemas para interpretá-los, eu acho. hahaha!
Como sempre, comentários, críticas, sugestões, tomates, sempre são bem vindos, pessoal! ♥ Obrigada por lerem!



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