Remember Me escrita por Miaka


Capítulo 17
Déjà Vu


Notas iniciais do capítulo

Olá, pessoal! ♥ Começo o capítulo fazendo um convite para lerem a oneshot que fiz essa semana, Promessa, está aqui no meu perfil do Nyah! Como sempre MUITISSIMO OBRIGADA por estarem acompanhando minha história! ♥



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Imóvel, sem conseguir reagir ou esboçar qualquer expressão, ele sentia como se o tempo permanecesse parado. Mesmo sendo alvo daquela lâmina afiada, tudo o que podia fazer era encarar aquele que estava montado sobre si.

Como se retrocedesse 20 anos, Sinbad se via diante daquele assassino.

Há quanto tempo não via aquele olhar que, mesmo em conjunto com um sorriso repleto de malícia, exprimia tanta revolta, tanta angústia, tanta dor…

Aquele era Ja’far, mas não o seu Ja’far. Disso ele tinha certeza.

— Vou cortar sua cabeça e levar para o En… - o alvo ria.

Não houve resposta.

Agora Sinbad não parecia mais tão surpreso e, com seriedade, encarava Ja’far.

E, para o assassino, como incomodava ser alvo daqueles olhos dourados, tão desafiadores. Sua cabeça latejava como se, mais uma vez, estivesse tentando buscar algo perdido em suas lembranças. Provavelmente todas as mentiras que havia vivido com aquele homem, como Kouen lhe dissera.

— PARE DE ME OLHAR ASSIM!

Ja’far vociferou, balançando a cabeça como se tentasse espantar aqueles pensamentos que o perturbavam quando, sem pensar e sem ao mesmo olhar, avançou com aquela lâmina em direção ao pescoço do moreno.

— SINBAD!

Os demais generais se alarmaram ao ver a tragédia que estava para acontecer.

Correram em sua direção para que pudessem, de alguma forma, mesmo sem tempo hábil, ao menos tentar impedir Ja’far de ser o assassino de seu próprio rei, quem ele tanto amava.

Porém, a trajetória daquela arma foi interrompida quando Sinbad a segurou. As afiadas extremidades fizeram o sangue vívido escorrer por entre seus dedos, pingando em seu rosto.

— SINBAD! - a voz de Drakon ressoou.

— Não interfiram, por favor! - de canto ele fitou seus generais, todos bastante preocupados e hesitantes, sem saber como agir.

A prioridade era levarem Ja’far de volta e ele tinha de focar apenas naquilo, apesar de estar impressionado por encontrá-lo daquela forma. Não podia ceder ao que estava sentindo no momento. Tinha de usar a força que não havia tido para lidar com Kouen.

— Já chega, Ja’far. - os orbes dourados estavam cravados nos esverdeados, como se quisesse ler a alma de seu conselheiro. - Me solte e vamos para casa.

Se por um acaso do destino Ja’far aparecera ali, da maneira que fosse, precisava aproveitar aquela oportunidade para dar continuidade ao seu plano. Agindo com cautela e frieza conseguiria recuperá-lo.

— Não ouse falar comigo de qua-

Sendo bem mais forte, Sinbad não teve a menor dificuldade para torcer o pulso de seu conselheiro, obrigando-o a soltar aquela lâmina que visava seu pescoço.

A arma acabou caindo sobre aquele mar de folhas secas. Tinha de rendê-lo agora.

Mas Ja’far ainda tinha a outra lâmina bem guardada, mas assim que pensou em afrouxar as linhas amarradas ao seu braço esquerdo para deixá-la ir ao seu punho, o rei de Sindria enfiou a mão por dentro daquele lençol que o cobria e arrancou a arma dele, da mesma forma que a anterior.

Arregalando os olhos, Ja’far estava extremamente surpreso. Como ele sabia exatamente onde guardava suas armas?

Tsc, como sabe que…

— Eu sei tudo sobre você! Eu vim te buscar!

Ja’far sentia arrepios ao ser encarado por aquele homem. Como lhe irritava ser afrontado por aquele par de gemas de ouro. Por que se sentia enfraquecer ao vê-las? Sentia-se patético.

— Já provei que..

Estapeando de uma vez só o rosto de Sinbad, Ja’far acabou arranhando o bonito rosto com as afiadas unhas. Por um triz não acertou o olho direito de seu antigo rei, que gemeu ao sentir aqueles talhos sendo feitos.

O assassino, então, aproveitou-se da distração dele para se afastar, rapidamente. Saltou para trás e encarou aquele que se levantava, limpando o sangue que sujava seu rosto. Sinbad bufou, parecendo cansado daquela situação.

— Eu entendo que você está muito confuso e… não é o momento para conversarmos. Mas você tem que se acalmar.

— Eu não tenho nada pra falar com um miserável como você! - retrucou Ja’far. - Eu vim me vingar por tudo o que fez a mim! Só assim eu poderei ficar em paz!

Sinbad piscou, extremamente atordoado.

Esperava que Ja’far nem ao menos reconhecesse, mas além de demonstrar que o conhecia muito bem, parecia que ele tinha sofrido alguma lavagem cerebral. Encarava-o com um ódio sem igual e talvez fosse aquilo que incomodasse tanto o rei. A forma como Ja’far lhe fitava com repulsa, asco. O que tinham dito que havia feito de tão mal a ele?

— Você está desarmado, Ja’far. - ele constatou o óbvio. - Eu não vim lutar com você!

— Não, claro que não! - ironizou o mais jovem. - Veio me tirar do En, como fez antes!

“En”... Então era com esse nível de intimidade que Ja’far estava tratando o primeiro príncipe? As coisas começavam a fazer cada vez mais sentido.

— Mas eu não vou permitir! - Ja’far prosseguia.

— Não quero usar a força para te tirar daqui, Ja’far. Eu não quero te machucar!

Sinbad insistiu, seguindo na direção daquela pessoa que ele agora desconhecia. Aquele que deu um, dois, três passos para trás. Se o rei de Sindria prosseguisse, o mataria de uma só vez, Ja’far pensava, a mão apoiada no volume escondido por baixo do lençol que o cobria.

— Todos estão sentindo sua falta, Ja’far. Sofremos muito por ter partido.

— Q-que ridículo… Vai continuar contando essas mentiras… - ele forçava o riso. Jamais se convenceria daquele homem tão asqueroso.

— Eu prometi que só volto com você, Ja’far!

E quando o moreno chegou perto o suficiente, o ex-assassino não hesitou. Sacou a espada embainhada de uma só vez, com uma maestria que surpreendeu não apenas Sinbad, mas todos ao seu redor.

— E eu prometi que vou te matar!

Foi a resposta de Ja’far, os olhos verdes refletidos naquela lâmina curva.

Sinbad, atônito, perguntava-se quando seu conselheiro havia aprendido a manejar uma espada com eximiedade. De fato nem ao menos imaginava que Ja’far tinha segurado uma espada em sua vida. Mas pela postura que assumira, ele parecia ter sido bem treinado.

— J… Ja’far…

— Não tem mais como não interferirmos, Sinbad. - Hinahoho deu um passo à frente.

— Ora, ora… - balançando a cabeça, os fios esbranquiçados dançaram. - Agora sim vai ficar interessante. Vou matar não só o odioso rei Sinbad, como seus lacaios.

— Ja’far…

Drakon estava chocado ao ver Ja’far falar daquela forma, tão áspera. E apesar de tê-lo conhecido em sua conturbada infância como um assassino, era extremamente incômodo vê-lo falar daquela maneira tão desrespeitosa e com uma forte intenção de matar. Talvez porque o Ja’far atual remetia àquela inescrupulosa criança.

Chegou a dar um passo a frente, a angústia estampada nas escamas que cobriam seu rosto.

Mas Sinbad ergueu o braço em sua direção e negou com a cabeça. Seu rei não permitiria que ele prosseguisse. Drakon, então, se resignou, cerrando os pulsos firmemente. Não o desobedeceria.

— Pois bem, Ja’far. Se você realmente quer me matar… vai ter que vir atrás de mim!

O alvo nada entendeu quando Sinbad deu meia-volta e começou a correr. Piscou, desentendido e indignado. Além de um mentiroso, Sinbad era um covarde - pensou.

— Mas… tsc, que patético!

Extremamente irritado, Ja’far passou por entre os generais que, como ele, não entenderam a atitude de seu rei. O conselheiro seguiu correndo na direção por onde Sinbad havia ido, por fora do caminho trilhado pelas árvores.

— Sinbad?!

Hinahoho começou a segui-los, mas a forte mão de Masrur segurou seu braço.

— Ja’far vai acabar matando Sinbad se não formos! - ele protestou.

— Sin-sama disse para não interferirmos.

O fanalis estava resoluto ao relembrar as ordens de seu rei. E, de certa forma, Hinahoho entendia que ele estava, apesar de ser bem mais jovem, lhe orientando a fazer o que era certo.

Só pôde suspirar e rezar para que sua falecida esposa os protegesse, para que aqueles dois não se matassem.

Sinbad seguia correndo com tudo o que podia. Sabia muito bem como Ja’far era ágil, dotado de ótimos reflexos, herdados de seus tempos com a Sham Lash, mas ele só queria mesmo ganhar tempo.

Porém, o rei de Sindria se arrependeu de seguir a rota mais complicada. Aqueles densos galhos atrapalhavam o caminho e, ao longe, já podia ouvir os passos daquele que o acompanhava.

E mesmo naquela floresta tão fechada, Ja’far conseguia saber exatamente por onde Sinbad estava indo. Ele exalava um perfume muito forte misturado ao aroma natural de sua pele. Um cheiro que, infelizmente, parecia conhecer tão bem.

Chegou em uma clareira, onde aquele aroma se perdia, parecia não ter seguido nenhum outro destino. Onde ele estava?

A lua alta no céu ajudava a iluminar, banhando de prata as folhas secas nas quais seus pés descalços pisavam. Era possível ouvir somente o incessante canto dos grilos e o pio das corujas.

Ja’far era treinado na arte de matar e sua audição era apurada o suficiente para poder ouvir da mais sutil respiração ao mais tranquilo ritmo de um coração.

Segurando firmemente a espada em suas duas mãos, ele olhava para todos os lados.

Será que Sinbad estava escondido? Como seus pés não fariam barulho naquele mato?

O suor escorria pela lateral de seu rosto quando o luar foi coberto por uma sombra de aparência estranha.

Virou-se rapidamente para trás e olhou para o alto, encontrando o que parecia ser uma criança flutuando. Vendo aquele ser com pontudas orelhas e o abdome avantajado, Ja’far esfregou os próprios olhos. Estaria sonhando? O que era aquilo? Nunca havia visto algo parecido.

— Me desculpe, Ja’far!

Aquela voz… Ele reconhecia muito bem.

Sinbad. Como poderia ser ele? - Ja’far se questionava, tão aturdido que não soube o que fazer quando viu aquele ser tomar fôlego e gritar.

Ja’far sabia que não era um grito normal. Era muito mais alto e estridente do que qualquer pessoa seria capaz de fazer.

Seus ouvidos doíam tanto quanto sua cabeça. O suficiente para que sentisse uma forte tontura drenar todas as suas forças. O que estava acontecendo?

Não! Não! - ele repetia mentalmente ao sentir seus joelhos irem ao chão. - Havia traído a confiança de Kouen, dizendo que o esperaria. Agora Sinbad o levaria embora? Para longe de Kouen? Não! Preferia morrer do que viver com Sinbad, longe de quem verdadeiramente amava. Vivendo uma mentira…

Mas não importava quantos “nãos” ele dissesse a si mesmo. A escuridão tomou sua vista assim que seu corpo foi de encontro ao chão, aparado pelas folhas secas daquele bosque.

Assim que viu Ja’far perder a consciência, Sinbad voltou a sua forma normal para correr de encontro a ele.

— Ja’far!

O rei de Sindria se agachou e colheu, cuidadosamente, o corpo enfraquecido. E apesar de tudo o que havia acontecido e ter precisado chegar a extremos, como foi maravilhosa a sensação de tê-lo ali, novamente, aninhado em seus braços. Tão pequeno e frágil.

Quantas vezes pensou que jamais poderia voltar a abraçá-lo daquela forma? Pensava que ele estava morto ou… que havia o perdido.

— Não acredito que finalmente estou com você…

Foi impossível conter as lágrimas enquanto apoiava a cabeça de seu conselheiro ali, em seu peito. E como se sentia culpado de ter tido que usar Zeppar. Jamais imaginava ter de fazer isso com Ja’far.

— Me perdoe! Foi a única forma que encontrei para não te machucar de forma nenhuma. - ele depositou um beijo no topo dos fios esbranquiçados. - Você vai melhorar, eu tenho certeza! Vai se lembrar de tudo!

— SINBAD!

O rei afagava seu conselheiro quando ouviu os passos apressados de seus generais, que ficaram um tanto quanto preocupados ao verem Ja’far desacordado.

— Você o machucou, Sinbad? - Hinahoho foi o primeiro a se aproximar.

— Não. - o moreno balançou a cabeça enquanto secava o rosto úmido pelas lágrimas. - Mas tive que usar Zeppar. Por isso me distanciei.

— Ahhh… Pensamos que tinha ficado louco quando começou a correr. - o robusto homem riu, cruzando os braços.

— Foi uma ótima ideia. - Drakon comentou.

— N-não sei… - Sinbad gaguejou. - Será que o Ja’far quer ir com a gente?

— Do que está falando? - Hinahoho estranhava o questionamento de seu rei. - Ja’far está nitidamente perturbado. Nesse momento ele não sabe o que é melhor para ele.

Sinbad assentiu, tentando convencer a si mesmo enquanto observava o rosto adormecido de Ja’far. Mal podia acreditar que estava junto dele novamente.

— Bem, vamos avisar logo a Yamuraiha para voltarmos imediatamente a Sindria!

—--------xxxxxxx--------

A visita do rei de Sindria havia durado mais do que o esperado, porém não era algo que incomodasse Kouen. Afinal, Sinbad havia deixado aquele palácio derrotado e, assim, conseguira garantir que Ja’far permanecesse ao seu lado.

Mesmo tendo de fazer uma breve reunião com suas tropas, após o jantar, sentia-se feliz. E o sorriso largo em seus lábios era algo que chamava a atenção de todos.

Jamais, em toda a história, o povo daquele Império tinha visto o primeiro príncipe e general, Ren Kouen, com uma alegria tão estonteante.

Saiu da reunião cumprimentando a todos. Como ansiava por reencontrar Ja’far. Ainda mais sabendo que ele estava em seus aposentos, Kouen planejava comemorar a estadia definitiva de seu amado. Porém, seus planos eram bem maiores.

Enfiando a mão por dentro das grossas camadas das luxuosas roupas que vestia, tirou dali uma caixinha de veludo.

Abriu aquele pequeno compartimento para admirar aquela belíssima, joia. Uma aliança de prata incrustada com rubis. E apesar de desejar dar a Ja’far uma joia mais robusta, sabia que sua aparência tão delicada combinava com algo mais simples, porém elegante.

Estava decidido a formalizar seu compromisso com ele. Mesmo que não pudesse ir a público expor seu sentimento, faria de Ja’far seu noivo.

Voltando a guardar a joia, Kouen seguiu para seus aposentos. Porém, ainda estava no corredor quando se surpreendeu com a porta entreaberta. Havia ordenado que Ja’far não saísse dali e nem atendesse ninguém.

Em passos largos chegou até o quarto para encontrá-lo completamente vazio.

— Ja’far?!

Uma das gavetas da cômoda estava aberta e havia alguns lençois revirados.

— Meu irmão!

Koumei adentrou aquele lugar para encontrar o mais velho tomado pelo pânico, completamente desorientado a procurar por todos os cantos daquele quarto.

— Meu irmão, o que aconteceu?

Aproximando-se de seu irmão e bastante teatral, Koumei parecia assustado ao vê-lo tão aflito. Kouen farfalhava os próprios cabelos, um de seus olhos tremia.

— Onde está o Ja’far?!

— Na-não sei! Eu o vi sair daqui. Parece que ele estava decidido a ir falar com o Rei Sinbad. - mentiu.

— O quê?!

O príncipe empalideceu. Como aquilo era possível?

— Eu ordenei que ele ficasse trancado aqui! Não era para esta porta estar aberta!

— Quando passei por aqui mais cedo, meu irmão, eu já o vi saindo. - Koumei explicava. - Nem ao menos sabia que havia ordenado algo assim para ele.

Tsc, quero todos os guardas atrás de Ja’far AGORA!

—--------xxxxxxx--------

Já passava da meia-noite enquanto permanecia ali, agora observando a maga que recitava alguns encantos ao lado de seu ex-conselheiro.

Sentia sua cabeça latejar. Estava tão cansado, mas sentia ser impossível pregar os olhos. Só conseguia pensar no estado de Ja’far. O rei de Sindria se perguntava se, ao acordar, ele estaria de volta ao normal.

Assim que regressaram, Sinbad imediatamente levou seu conselheiro aos seus aposentos e, aproveitando-se da sua inconsciência, reflexo da magia de Zeppar, Sinbad ordenou que os médicos da corte o examinassem. Queria ter certeza de que ele estava bem, apesar de tudo o que acontecera. Da mesma forma pediu que Yamuraiha, com suas habilidades, conferisse se Ja’far não estava sob efeito de alguma magia. A preocupação era nítida em seu semblante.

— Sinbad!

Estava tão distraído quando viu Hinahoho cruzar a porta. Chegou a dar um pulo da poltrona na qual estava sentado. Afinal, fazia quase uma hora que haviam voltado para Sindria e, desde então, não saíra de perto de Ja’far.

— D-diga, Hina.

— Recebemos notícias do navio que nos levou a Kou; eles já se encontram bem distantes do Império. - reportou seu amigo com um sorriso orgulhoso.

— Certo… Que bom!

Aquilo era uma ótima notícia. A missão de resgatar tinha sido um sucesso.

Podia, brevemente, suspirar aliviado. Mas permanecia a se sentir tão inquieto...

— Bom, majestade, não vejo nada de errado com o Ja’far-san.

Yamuraiha abaixou seu cajado e se aproximou de seu rei. Hinahoho piscou confuso.

Hm? Algum problema? Como está o Ja’far?

— Pedi que a Yamu checasse se Ja’far não pode estar sob efeito de alguma magia. - ele cruzou os braços. - Os médicos falaram que, pela cicatriz que encontraram em Ja’far, ele realmente sofreu um trauma muito sério. - explicou. - Teve sorte de sobreviver.

— Não dá para entender como aquele homem tramou tudo para matar o Ja’far-san, mas no final das contas, ainda o salvou. - Yamuraiha comentou.

— Pois é. - assentiu Sinbad enquanto observava seu conselheiro que permanecia adormecido. - O pior de tudo é que sou grato àquele miserável do Kouen, pois senão Ja’far estaria morto agora.

Sinbad bufou. Por mais que estivesse feliz em ter seu amado ali, de volta, ele se preocupava com o que enfrentariam. Tinha esperança de toda aquela confusão que vira em Ja’far ser proveniente de uma magia, algo assim, porém tudo se dificultava mais.

— Ele realmente não se lembra de nada, majestade?

— Depende do que você chama de “lembrar”. - disse o rei, voltando a se sentar na poltrona ao lado da enorme cama. - Na verdade, parece que ele me odeia.

— Sinbad… - Hinahoho se aproximou e tocou em seu ombro. - Por que não vai descansar? Tantos dias nessa angústia, está tão abatido!

— Eu preciso esperar o Ja’far acordar, Hina…

— Ele não vai sair daqui. Estaremos de olho nele. - o robusto homem tentava tranquilizá-lo.

— Inclusive já reforcei a nossa barreira para que ninguém entre em Sindria tão cedo. - Yamuraiha garantiu, confiante.

— Nem sair, já que pedimos que fechassem todos os portões e reforçassem a guarda.

— Eu sei, mas… prefiro esperar. Só vou descansar quando ele acordar e conversarmos… Obrigado por tentarem me acalmar, mas… eu estou bem. - o rei, realmente, estava querendo ficar sozinho naquele momento. - Podem ir dormir. Eu estarei aqui cuidando dele.

Os generais se entreolharam, conformando-se que não era possível, de maneira alguma, convencer seu rei a descansar. Também pudera, presenciaram o quanto a ausência de Ja’far havia lhe afetado. Era natural que não quisesse deixá-lo um segundo sequer. O melhor a fazer era deixá-lo ali, como desejava, e assim o fizeram.

Logo Sinbad se viu apenas na companhia de Ja’far, afagando aquela pequena mão, entrelaçando os finos dedos entre os seus.

Inclinando-se para frente, via pela gola aberta daquela camisa que ele vestia algumas marcas arroxeadas.

Pelo formato parece uma mordida. É algo estranho. Realmente não sabemos onde ele pode ter arranjado isso.” - ele se lembrava da explicação de um dos médicos da corte. A pele tão clara de Ja’far era facilmente marcada. Sinbad conhecia muito bem aquele tipo de mácula. E como seu peito doía ao pensar naquilo.

Balançando a cabeça, ele voltou a se recostar na poltrona, sem soltar a mão de seu amado. Não era hora para se preocupar com besteiras, pensou.

—--------xxxxxxx--------

Por mais que pedissem calma ao primeiro príncipe, esse não se conformou com o desaparecimento do ministro da economia.

Ordenou que todas as suas tropas saíssem, àquela hora mesmo, à procura de Ja’far.

Ele mesmo, montado em seu cavalo, seguiu pelas ruas, batendo de porta em porta, investigando quem, talvez, poderia ter dado abrigo a ele.

Será que Sinbad havia o levado? Será que havia recobrado a memória? Será que estava ferido? - lembrava-se preocupado de quando o encontrara após a emboscada. - Eram tantas perguntas que o perturbavam enquanto seguia, afoito, sem se preocupar com nada mais.

Após seguirem por toda Rakushou, começaram a procurar nas áreas mais remotas, as florestas e planícies que cercavam todo o território do Império.

Apertava com firmeza a sela enquanto rangia os dentes. Os olhos avermelhados perscrutando tudo ao seu redor. Não permitiria perder Ja’far.

— ALTEZA!

Ouviu os trotes do cavalo que se aproximou. Era o comandante de uma das divisões de sua tropa. Chegara com notícias?

— Alguma notícia?!

— No porto soubemos que, assim que o rei Sinbad saiu com sua carruagem, o navio que os trouxe deixou o cais.

— QUÊ?! - Kouen empalideceu. - Então quer dizer que não foram embora pelo mar? Mande pelo menos três divisões às fronteiras imediatamente!

— Ninguém cruzou as fronteiras também, alteza!

— Não é possível! Então não foram embora! Estão escondidos aqui! Quero que revirem Kou de cima a baixo! - ele praticamente cuspia. - NINGUÉM voltará ao palácio até encontrarmos Ja’far, ouviram?! NINGUÉM!

—--------xxxxxxx--------

Por mais que se esforçasse para se manter desperto, o forte cansaço fez o corpo do rei ceder e, quando voltou a abrir os olhos, percebeu que o sol já estava nascendo. A iluminação fornecida pela chama dos candelabros sendo completamente inutilizada pelos primeiros raios de sol.

Um tanto quanto assustado por ter adormecido, ele se acalmou ao ver que seus dedos ainda estavam enlaçados nos de Ja’far. Não tinha como negar que seu maior temor era acordar e não vê-lo mais ali. Como temia perdê-lo… mais uma vez.

E sentindo suas costas estalarem por ter dormido naquela posição completamente desconfortável, ele se inclinou para frente e admirou o rosto pálido.

A claridade que penetrava pela transparências das cortinas de linho branco iluminava aquelas feições tão suaves, surpreendendo Sinbad quando seu conselheiro apertou os olhos com força antes de abri-los.

  Lentamente aquele par de esmeraldas lhe foi revelado.

Ja’far piscou uma, duas vezes. Estava tão claro, tão diferente do escuro agradável do quarto do En. - foi o que pensou.

Percebendo que ele estava desorientado, Sinbad apenas acariciou as costas de sua mão, evitando alarmá-lo.

E sentindo aquele carinho, o atual ministro da economia do Império Kou virou o rosto de lado para encontrar ele.

Os olhos, que até então estavam caídos e sonolentos, cresceram ao ver aquele homem. Sinbad.

O pânico lhe invadiu, mas ele fez questão de conferir se não sonhava. Foi quando olhou ao redor e notou estar naquele lugar que existia apenas em seus sonhos, aqueles pesadelos angustiantes que o levavam àquele luxuoso palácio.

— N-NÃO PODE SER!

Afastando os lençóis que o cobriam, Ja’far rapidamente se sentou na cama, mas foi contido por Sinbad, que segurou seus ombros firmemente.

— Oe, acalme-se! Acabou de acordar, não deve se levantar assim do...

Um tapa certeiro em sua face esquerda o calou. Sinbad ficara perplexo com a violência daquele que o encarava com tanta repulsa. De fato demorou a recolocar seus pensamentos no lugar ao se ver alvo da violência dele.

— ME SOLTE! - Ja’far disse entre os dentes. - COMO VIM PARAR AQUI?!

Apesar de confuso ainda e sentindo seu rosto arder, Sinbad permaneceu a segurá-lo.

— Acalme-se, Ja’far!

— COMO ME TROUXE ATÉ AQUI?! ONDE ESTÁ O EN?! O QUE VOCÊ FEZ COM O EN?!

En, En, En…” Sinbad sentia que, a vez que Ja’far pronunciava aquele codinome monossílabo, uma estaca perfurava seu coração. Precisava se manter calmo e lidar com ele, afinal, não era uma situação fácil para ambos, mas precisava ser rígido também.

— ACALME-SE!

Investindo um pouco mais de força, o rei o sacudiu. Encarava aquele rosto que misturava raiva, medo e o pior: repulsa.

— Como é possível? - os olhos verdes marejavam. - Eu estava em Kou, eu… não é possível, não é!

— Por favor, Ja’far, tem que se acalmar. - ele tentava ser compreensivo.

— EU QUERO VER O EN! ME DEVOLVE PARA O EN!

— CHEGA!

O vociferar de Sinbad o assustou. E por mais que estivesse querendo ter todo o cuidado, em especial por compreender o quão delicado era o estado de Ja’far, vê-lo repetir aquele “apelidinho” carinhoso que dera ao seu algoz lhe dava náuseas. Ele havia perdido o autocontrole que tanto implorou a si mesmo para manter.

— Você está em casa agora! Kouen está bem e no lugar que ele pertence! - ele explicou da maneira mais simples.

E enquanto ouvia o que o rei de Sindria lhe dizia, Ja’far se lembrava do confronto que tivera com ele. Koumei havia dito que Sinbad havia atacado o príncipe e acabou descumprindo as ordens que Kouen lhe dera. Ele havia pedido tanto, feito-lhe prometer que não sairia daquele quarto.

Mas Ja’far estava tão confiante em sua vingança, alimentando cada dia mais ódio por aquele homem e ainda mais sabendo que ele tinha atentado contra a vida de seu amado En. Seguindo o rei de Sindria, ele não sabia o porquê, mas acabara desmaiando em algum momento.

Porém, como conseguiram levá-lo tão facilmente até Sindria? Até ontem estava em Kou.

Mas ao se ver confrontado por aquele par dourado, Ja’far desistiu de buscar explicações. Se não havia matado aquele homem em Kou, que o fizesse ali.

— Casa?! - Ja’far riu ironicamente. - Minha casa é em Kou! Por que não desiste de mim?! Eu já sei de toda a farsa que vivi ao seu lado!

— Farsa?! - Sinbad piscou. - Do que está falando? Ja’far, não entende que perdeu a memória?!

— Sim, eu perdi a memória falsa que criou aqui comigo! Me fez crer que eu era inimigo de Kou, me fez até mesmo MATAR - ele exclamou. - pessoas de Kou! E eu nunca vou perdoá-lo por isso, Sinbad, NUNCA!

A forma como Ja’far esbravejava deixava Sinbad completamente atordoado. Era como se seu Ja’far, aquele com quem dividiu tantos anos juntos, não existisse mais.

— Isso não tem o menor sentido!

— Me deixe ir embora, senão eu juro que irei acabar com esse lixo de país! Eu tenho nojo de você e dessa merda de lugar!

Sinbad, simplesmente, não sabia como reagir.  Encarava Ja’far sem ao menos reconhecê-lo. Quando imaginou ver seu braço direito, seu conselheiro, seu melhor amigo, seu amante, dizer coisas tão terriveis não só de si, mas também do país que, para ambos, era como um filho que criaram com tanto carinho?

Soltando-o como se não houvesse mais forças para segurá-lo ali, ao seu lado, e bastante atônito, o rei caminhou para trás sem lhe dar as costas.

Ja’far rosnava. Seus olhos estreitados cintilavam vermelho.

Seu ódio era palpável e Sinbad sentia seu coração se despedaçar.

Nem ao menos quando era um assassino, quando foi enviado para lhe matar, Ja’far exalava tanto ódio. Mas o amava tanto… Se amavam tanto…

Parecia impossível o rei não fraquejar. Será que havia perdido ele para sempre?

Cerrando os próprios punhos, o moreno balançava a cabeça negativamente.

— Por… Por que está agindo assim? - ele gaguejou.

— Por que VOCÊ me trouxe aqui?! Por que quer me torturar!? Foi bom me usar enquanto pôde, não é? - o alvo abraçou a si mesmo, cravando as unhas na blusa de linho que o vestia. - Tenho… asco de todas as vezes que penso que…

— Que eu te tive nessa cama? - Sinbad foi direto. - Tem nojo das vezes que nos amamos?

— Eu nunca te amei!

Era o golpe de misericórdia.

Já não bastasse tudo o que estava ouvindo, Ja’far estava lhe dizendo que nunca o tinha amado?

Não, não. Aquilo tudo era produto da mente debilitada dele.

Ja’far estava doente e precisava ajudá-lo. Mas apesar de ter plena consciência daquilo, Sinbad não conseguia não ser afetado pelas palavras tão duras dele.

Respirou fundo, controlando-se para não sair dali e, pior, controlando-se para não ter uma reação agressiva com aquele Ja’far, tão diferente do rapaz doce e dedicado que amava tanto. Sinbad caminhou de volta até à cama.

E ao vê-lo se aproximar, Ja’far instintivamente se afastou, arrastando-se para trás até bater contra a cabeceira.

Sinbad o puxou pelo braço e seu conselheiro tentou afastá-lo, mas era ridiculamente impossível de conseguir. Aquele homem era muito mais forte que ele.

— M-ME SOLTA!

— NUNCA!

E dizendo aquilo, Sinbad prendeu firmemente os braços do alvo. Abraçou-o com todas as suas forças.

Ja’far se debateu, porém, de alguma forma, o calor daqueles braços parecia lhe anestesiar. Sinbad não hesitou nenhum momento, permanecendo a segurá-lo com força, mesmo que acabassem se machucando.

O conselheiro de Sindria, por sua vez, se sentia entorpecido pelo forte perfume daquele homem. Tão doce. E não era aquele perfume que costumava buscar quando começou a se entregar por Kouen?

Sentia-se tão confuso quando parou de relutar e Sinbad o manteve ali, com a cabeça apoiada em seu peito. O queixo apoiado nos fios esbranquiçados. Será que ele, finalmente, havia se acalmado e o aceitado? Havia se lembrado de todo o carinho e amor que tinham um pelo outro?

Ele não pôde ver o sorriso que cruzou os lábios de Ja’far. Repleto de malícia, emoldurava o bonito rosto daquele que notara que o rei de Sindria não havia se dado ao trabalho de tirar a espada presa em sua cintura.

Tão ágil como era, não teve dificuldade nenhuma para sacar a arma dali, mas assim que Sinbad notou, agarrou a lâmina com a mão nua, evitando que ele a retirasse completamente de sua bainha.

— JA’FAR!

Exclamando, Sinbad encontrou os olhos esverdeados enquanto sentia o sangue quente escorrer por entre seus dedos. Ja’far deixou escapar um pequeno riso.

— Eu disse que vou te matar, não disse?!


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Notas finais do capítulo

Eu realmente acho que o Sin tem muita paciência para aguentar o Ja'far com esse "En, En, En" que parece a musiquinha da Maísa. Hahaha!

Eu ansiava muito por escrever esses primeiros confrontos entre Sinbad e Ja'far, mas confesso que está sendo dificílimo, porque preciso me colocar no lugar do Sin e ficar entre a razão/ternura e a vontade de quebrar tudo e sacolejar o Ja'far: "Pára com isso!". Deve estar sendo bem difícil para ele (e para mim?).

Quando eu planejava o "resgate" do Ja'far, eu pensei em formas "não-violentas" de o tirarem dali com segurança. Quem lê minhas fics sabe que eu evito um pouco usar os recursos mágicos que Magi nos dá, mas de vez em quando eles vêm bem a calhar! Hahaha!

Ah, e quanto a isso, espero que vocês se lembrem das palavras da Yamuraiha nesse capítulo e se lembrem do que o Sin fez para levar o Ja'far de volta! Isso será bem importante para os próximos capítulos! ♥

Lembrando que todos os comentários são respondidos com muito carinho e que críticas, elogios, sugestões sempre são bem-vindas! Até semana que vem! ♥



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