Remember Me escrita por Miaka


Capítulo 10
Confissão


Notas iniciais do capítulo

Olá, pessoal! ♥ Obrigada a todos que estão sempre lendo e comentando! Estou pondo as reviews em dia - me perdoem se ainda não respondi alguma! ^__^



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Suando frio, o príncipe teve de se controlar para que as mãos que seguravam os ombros de Ja’far não tremessem ao ouvir aquelas palavras. Será que era o fim de sua trama? Ja'far havia recobrado a memória?

— Eu… me lembrei…

Mais pálido do que de costume, o alvo balbuciou, parecendo extremamente atordoado quando as lágrimas começaram a cair, surpreendendo Kouen. Será que ele realmente tinha se lembrado de tudo? Agarrando-se às vestes pesadas do ruivo, Ja’far não conseguiu conter seu pranto e aquela atitude deixou o príncipe ainda mais confuso, porém, mais aliviado.

Afagou os fios esbranquiçados daquele que apoiava a cabeça contra seu peito enquanto chorava.

— O que aconteceu, Ja’far?

— Eu… vi tudo… - ele soluçava. - Me lembrei da… da minha mãe.

— Sua mãe? - Kouen piscou. Pelo o que sabia, o próprio Ja’far havia assassinado seus pais no início da infância.

— Tinha sangue e… ele sorria! - os olhos esverdeados focavam o nada, como se ele estivesse assistindo o que narrava. - Eu vi quando a mataram! - aflito ele exclamava, puxando os próprios cabelos. - Ela era muito boa para mim e… para meus irmãos!

Kouen arqueou uma sobrancelha. Irmãos? Mãe? Vê-lo assim, tão aturdido, deixava o príncipe angustiado e, de certa forma, se sentindo bastante culpado. Ver Ja’far sofrer era algo bastante doloroso. Ele era tão sensível e frágil.

— Aquele homem… - Ja’far prosseguia, os dedos firmemente pressionados no alto de sua cabeça. - com… cabelo púrpura… ele sorria. Foi… foi ele quem matou minha mãe!

Parecia que as memórias de Ja’far não estavam voltando como Kouen temia, e sim se moldando à nova vida que o príncipe construíra e o doutrinara a abraçar como realidade.

E, inesperado como aquilo foi, Kouen pôde se sentir mais tranquilo. Afinal, seu maior receio era que a amnésia de Ja’far fosse temporária, mas tudo estava evoluindo muito bem agora que o ex-conselheiro acreditava ter recuperado suas lembranças, sem saber que estas estavam completamente distorcidas. E se algum dia suas memórias voltassem, com certeza aquela nova realidade se confrontaria com ela. Ja’far jamais saberia, de fato, a verdade.

— Acalme-se! - Kouen tomou as duas maçãs do rosto do alvo. - Eu disse que, aos poucos, você se lembraria de tudo! - ele encarava o rosto choroso.

— Aquele homem, Kouen… Me diga qual é o nome do Rei de Sindria! O nome que devo amaldiçoar! Eu preciso saber! - Ja’far praticamente implorara. - Se não me contar, cedo ou tarde vou me lembrar! Por favor, me diga! Eu preciso… - ele soluçava. - saber...

Kouen suspirou pesado enquanto encarava aquele par de esmeraldas que tinha sido tomado pela angústia. Completamente desesperado por saber mais e mais de seu passado, diante de trágica revelação, Ja’far se sentia na obrigação de saber o nome do assassino de sua mãe.

— O nome de quem você deve odiar com todas as suas forças, Ja’far… - róseos e verdes se encontraram. - é Sinbad.

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Um tanto quanto hesitante, ele deu duas leves batidas na porta antes de girar a maçaneta para abri-la. Encontrou o quarto, devidamente organizado, bastante claro já que as janelas estavam abertas e uma gostosa brisa do fim de tarde adentrava, soprando as cortinas que dançavam de um lado para o outro. Não era como se o dono daqueles aposentos tivesse ido arejar o quarto, afinal, fazia três semanas que Ja’far não saía daquela cama.

A presença de Sinbad passava despercebida por aquele que tinha o olhar focado no nada. Sentado na cama, recostado aos travesseiros, o garoto de 15 anos não trocava uma palavra desde que voltara a si após aquela terrível tragédia.

— Vim ver como está.

O moreno se aproximou, sentando-se na lateral daquele leito.

Agora podia ver bem o rosto de Ja’far. Pálido como de costume, agora era adornado por profundas olheiras.

Ele mantinha as mãos juntas como se estivesse tenso, preocupado com algo. Não era nada diferente do que haviam lhe relatado sobre o comportamento do garoto.

— Disseram que já pode se levantar. - Sinbad suspirou. - Os ferimentos nas suas pernas já estão bem cicatrizados. Se estiver com receio de ficar de pé, eu posso te ajudar.

Não havia nenhuma resposta e, pior do que isso, Ja’far não esboçava nenhuma expressão. Era como se Sinbad estivesse falando com as paredes - e não estava?

Suspirando pesado, o presidente da Companhia Comercial de Sindria e atual rei de Parthevia farfalhou os próprios cabelos, tentando lidar com a frustração de ver seu melhor amigo, seu conselheiro, aquele por quem nutria fortes sentimentos, completamente alheio à realidade. Será que o choque havia sido tão grande áquele ponto?

— Sabe, estão todos bem preocupados com você. Pipirika me disse que não está se alimentando também. - Sinbad pausou, ainda sem receber nenhuma resposta. Precisava jogar sujo, concluiu. - Então… Você acha que a Rurumu morreu para você definhar assim?

Foi uma pequena alteração, mas Sinbad pôde ver o alvo arregalar os olhos, mesmo que permanecesse em silêncio. Aquilo era um ótimo sinal. Ja’far podia ouvi-lo.

— Acha que ela morreu para proteger a vida que você está jogando fora? - o moreno prosseguiu. - Ela nem ao menos reconheceria você nessa cama! Um fraco, tão diferente da pessoa forte que ela criou!

Os dedos que Ja’far mantinha entrelaçados em seu colo se apertaram mais.

— Acha que é o único que está sofrendo?! Como consegue ser tão egoísta?! Já pensou no Hina?! E nos filhos del…

— CALA A BOCA!

O exclamar ecoou por todo o quarto. As primeiras palavras que Ja’far dizia em semanas, desde quando viu aquela mulher, tão incrível, forte, tão bela e poderosa, que havia lhe ensinado tanto, morrer.

— Aaaah, então você não ficou mudo! - Sinbad continuou a provocá-lo.

— Você não sabe de nada… - Ja’far disse entre os dentes enquanto as lágrimas caíam.

— Eu sei sim! Sei que decidiu se tornar um fraco! Ótimo, Ja’far. Fique aí sozinho, não coma e morra. Depois vá se explicar a Rurumu e conte o que fez com a vida que ela salv…

— EU MATEI A RURUMU-SAN! - o alvo disse em um berro. - Como posso viver tendo tirado a vida dela?!

— Ja’far...

Do que Ja’far estava falando? - Sinbad se perguntava, confuso ao vê-lo em prantos, abraçando a si mesmo como se estivesse tomado por uma grande culpa.

— Eu não aguento mais… Não pode ser verdade - o alvo o encarou, finalmente. - Sin… Se eu não estivesse lá, ela não teria…

— Ja’far. - Sinbad o interrompeu, tomando uma de suas mãos. Como ele tremia! - Você acha que alguma mãe abandonaria um filho para morrer?

Tudo o que ele pôde fazer foi balançar a cabeça para os lados.

Sin estava certo, apesar da dor em seu peito ainda latejar tanto.

— Naquele dia, quando vi minhas pernas, eu… pensei que nunca mais ia me levantar. - Ja’far soluçava. - E eu, realmente, não tenho mais forças para isso. Não pela dor que sinto nelas, mas… - ele levou a mão ao peito. - aqui. Eu cause tudo isso! Não posso ver o Hinahoho-san ou os filhos dele. Não tenho coragem!

Sinbad mordeu o lábio inferior antes de se levantar e, então, estender a mão para o alvo.

— Você vai se levantar! Eu vou estar sempre aqui para te apoiar!

— S-Sin… eu não… - o mais jovem desviou o olhar.

— Rurumu não criou um garoto fraco e nem eu trouxe um fraco para viver comigo!

Ja’far encarou a expressão séria do presidente de Sindria. O moreno não fraquejou nem meneou qualquer sorriso enquanto estendia a mão para que Ja’far a segurasse e seguisse com ele.

— Levante-se, Ja’far!

Sentia sua cabeça latejar enquanto apertava os olhos antes de abri-los lentamente.

Um sonho? - perguntou a si mesmo ao, lentamente, recuperar o foco e reconhecer aquele teto, descobrindo-se estar em seus aposentos. Porém ele não tinha a menor ideia de como havia parado ali, vendo-se limpo e com as roupas trocadas.

A única certeza que tinha era que seu corpo pesava e sua cabeça doía.

— Finalmente acordou.

Ao ouvir aquela voz, o rei virou a cabeça de lado. A toalha branca pousada sobre sua fronte acabou caindo sobre os travesseiros.

Encontrou ali o homem de longos cabelos azuis que o encarava com preocupação. Os braços cruzados enquanto suspirava aliviado ao ver Sinbad acordar.

— Hina? O que…

Foi só começar falar que foi interrompido pelo forte enjôo.

Cobriu os lábios, tentando evitar que aquele gosto desagradável escapasse.

— Parece que você vai ter um longo dia. - Hinahoho se recostou à cômoda próxima à cama de seu rei.

— Bebi muito?- Sinbad perguntou antes que aquela série de espirros começasse.

— Além de ter passado a noite ao relento, não é? Está colhendo o que plantou. - Hinahoho não parecia nada satisfeito.

— Tsc, que besteira. Um resfriado não vai me matar… - ele coçava a ponta do nariz.

— Claro que não. Você é que está se matando assim! Está sendo imprudente!

Sinbad desviou o olhar.

Hinahoho estava coberto de razão e isso não podia tirar dele. Lembrava-se vagamente da noite anterior, de ter chamado tanto por Ja’far até que suas forças, finalmente, se esvaíssem.

Ele bufou, lembrando-se da situação bastante constrangedora. Não pôde evitar se entregar à bebida daquela forma. Tinha tentado ser forte demais, mas no fim, era completamente fraco se ao menos cogitasse perder Ja’far.

— Hina… - ele chamou ao suspirar. - eu vou partir para Kou hoje.

— Doente assim? - o homem robusto cruzou os braços. - Para quê?

— Eu não me importo; vou ter tempo o suficiente para me recuperar na viagem. - concluiu. - Só preciso ir buscar o Ja’far e…

— Eu estou aqui para garantir que não saia dessa cama. - ele disse com um olhar ameaçador. - Se, por acaso, cruzar essa porta, encontrará Masrur e você não vai querer contrariar ele também, não é?

Com os olhos dourados caídos, o rei cuja expressão estava extremamente abatida voltoua  bufar. Não era à toa que Hinahoho havia ficado ali e agora ele tinha certeza do porquê daquilo.

— Não conseguem entender que Ja’far está em perigo? - ele começara a perder a paciência.

— Isso é o que você acha. Talvez Ja’far esteja chegando agora mesmo.

— Chega de mentiras! - retrucando rispidamente, o rei o enfrentou. - Querem que eu fique aqui, olhando para o nada, enquanto Ja’far está desaparecido!

Ao ver os olhos marejados de Sinbad, Hinahoho evitou encará-lo.

Ele não queria ser cruel, mas precisava advertir seu amigo da possibilidade iminente.

Não queria que Sinbad passasse pelo mesmo que ele passou há tantos anos atrás; muito menos sem prévio aviso como ele havia passado. Aproximou-se da cama de seu rei e o fitou.

— Sinbad… - ele precisava ser realista. - eu espero que esteja pronto caso…

— Isso não aconteceu! - Sinbad não permitiu que seu amigo concluísse, afinal, ele sabia bem o que Hinahoho ia dizer. Os olhos dourados cresceram em fúria. - Kouen deve ter tomado Ja’far como refém! Quer usá-lo para que entreguemos Sindria, tenho certeza!

— Se ele fez isso, Sinbad, por que até agora não entrou em contato para que fosse negociar a vida de Ja’far?

Sinbad engoliu a seco. Hinahoho estava certo novamente.

Afinal, se Ja’far fosse sequestrado por um motivo desses, logicamente Kouen já teria entrado em contato fazendo suas exigências para poupar o conselheiro de Sindria.

Por que parecia que todas as possibilidades apontavam para a pior alternativa? Não. Não aceitaria.

— Eu estou te dizendo, por experiência própria, que se prepare… para tudo.

— Está louco! - Sinbad rebateu novamente, riu com ironia, incrédulo quanto às palavras de Hina.. - Por que tem que pensar no pior?! Isso não aconteceu! Eu tenho certeza! - ele afirmava com uma convicção um tanto quanto paranoica. - Ja’far TEM que estar vivo! - enfatizou. - Não é justo… Eu… eu não devia tê-lo deixado ir.

O moreno cobriu o rosto com as mãos, levando-as até seus cabelos e jogando-os para trás. Estava totalmente angustiado; afinal, se tivesse seguido sua intuição, nada daquilo teria acontecido.

— Sinbad… Ninguém sabia que algo ruim assim…

— Eu sabia! - o rei interrompeu voltando a encará-lo. - Eu senti! Algo me dizia para não deixar Ja’far ir a Kou! Eu… Eu sou o culpado… Mas se fizeram algo com Ja’far, Hina, eu juro que declararemos guerra! Eu juro...

O homem de grande porte parecia assustado com a forma decidida com a qual seu rei bradava e falava sobre… o que ele justamente tanto repudiava. Nunca imaginou viver o bastante para ouvir Sinbad falar sobre a mais ínfima possibilidade de declarar guerra.

Mas como poderia julgá-lo? E naquele momento em que se encontrava tão frágil, de fato, não era justo. O que precisava fazer era por um pouco de sensatez na cabeça daquele homem.

— Ja’far estava decidido a ir, mesmo que você não concordasse. - Hinahoho voltou a encará-lo. - Ele queria fazer isso por você, acreditando num tratado de paz e uma aliança com Kou. Sabe como você sonhava com isso...

Sinbad estalou a língua. Sentia-se farto. Sua cabeça latejava mais forte.

As palavras de Hinahoho não ajudavam; muito pelo contrário, ele sentia a culpa lhe consumir ainda mais. Massageando as têmporas, tudo o que podia pensar era em sair dali, embarcar imediatamente para aquele país e trazer Ja’far.

Foi quando que, pensativo, foi surpreendido pela bandeja de armar que seu amigo trouxe, colocando-a na altura de seu colo. Sobre ela havia uma pena afundada no tinteiro e papel.

— Escreva para Kou. Aja como um rei deve agir.

Sinbad suspirou, assentindo. Ele devia seguir o conselho de Hinahoho. Afinal, as palavras dele traziam a mesma sabedoria e conforto que as de Rurumu, quem tanto lhe ensinara sobre diplomacia e sobre como ser um bom governante.

Era hora de manter a calma e agir racionalmente… pelo bem de Ja’far.

—-----xxxxxxxx------

Já anoitecia quando Kouen chegou aos setores administrativos do palácio.

Durante a manhã teve de se reunir com as tropas sob sua subordinação, afinal, precisava passar novas coordenadas com relação à invasão de alguns países na fronteira de Balbadd.

Porém, a reunião havia durado praticamente o dia todo e, portanto, não conseguira conversar com Ja’far. Nem ao menos havia o visto.

Aquela distância e inquietude, de certa forma, lhe instigavam e lhe davam coragem.

Mal cruzou a entrada e um senhor, o chefe daquele departamento, alguém que Kouen conhecia desde criança, o surpreendeu, fazendo o príncipe interromper seu caminhar. O idoso parecia um tanto quanto sem jeito.

— A-alteza, poderia ter um segundo de sua atenção?

— Claro. - ele respondeu de forma seca, mas interessado porque… - Algum problema com Ja’far?

— É… - ele apertava os próprios dedos que mantinha entrelaçados. - É exatamente sobre ele que quero falar.

— Aconteceu algo? - o ruivo arregalou os olhos.

— N-não se preocupe, não é nada ruim. Aliás, é algo muito bom! Hoje… decidimos dar um ambiente de trabalho apropriado ao Ja’far-san. Ele tem nos ajudado muito, tem uma visão econômica incrível e tem traçado novos planos comerciais que… nos agradam, mas vão contra nossas políticas. Então acho prudente que…

— O que Ja’far quiser fazer, estou de acordo. - Kouen o interrompeu. - Ele realmente entende muito de administração e finanças e eu realmente ia pedir que provessem a ele um lugar melhor para trabalhar.

— S-sim, senhor! - o homem parecia bem mais aliviado. - Errr… a sala dele fica ao final do corredor. - indicou. - É a sala que estava vazia e usávamos de armário. Ele mesmo fez questão de limpar e organizar tudo hoje mesmo.

Apesar de parecer ter ignorado as palavras daquele senhor, Kouen tinha escutado tudo muito bem, mas logo decidiu seguir ao encontro de Ja’far. Não demorou muito a chegar àquela porta e... por que diabos estava ajeitando seu cabelo e realinhando suas roupas? Suspirando e se sentindo um tanto quanto ridículo, ele abriu a porta para encontrar Ja’far.

O ex-general de Sindria, por sua vez, nem ao menos percebeu que estava sendo observado. Extremamente concentrado no que lia naqueles diversos pergaminhos abertos sobre a mesa, distraído, ele parecia ainda mais encantador aos olhos de Kouen.

Mordendo o lábio inferior, Ja’far usava da mão livre para farfalhar os próprios fios esbranquiçados, dando um ar mais despojado àquele que, usualmente, era tão formal.

Kouen não poderia permanecer a lhe admirar para sempre - por mais que desejasse por aquilo.

— Ja’far?

Aquela voz o surpreendeu. A voz que ele já reconhecia tão bem.

Em um reflexo, ao notar a presença do ruivo, Ja’far imediatamente afastou a cadeira onde estava sentado para se curvar ao príncipe.

Kouen ficou um tanto quanto perplexo ao ver a obediência imediata de seu novo… súdito.

— Boa tarde, alteza!

— P-para quê tudo isso? - era impossível conter um risinho. Por que Kouen se sentia tão à vontade para sorrir na frente de Ja’far? Nem na frente de seus irmãos se sentia assim.

— Eu… agora trabalho para o palácio, então devo respei…

— Já disse para me chamar de “Kouen”, apenas. - o ruivo cruzou os braços. - Somos amigos e não quero que fique com essa formalidade toda.

— É que… na frente dos demais criados, creio que não seja prudente.

— Mas na minha frente, me chamar de alteza, também não é. - ele o encarou.

— Me perdoe… - Ja’far sorriu, um tanto quanto envergonhado. - Não quero parecer desrespeitoso.

Retribuindo o sorriso que recebeu, Kouen o contemplou. Perguntava a si mesmo se era prudente falar sobre o que ocorrera no dia anterior.

— Sente-se mais tranquilo?

— Hm? - Ja’far piscou, desentendido. - Eu… estou sempre tranquilo. - ele respondeu.

— Digo… - o ruivo decidiu insistir. - Quanto as suas lembranças...

Em uma atitude natural, Ja’far apenas se retraiu. Aqueles momentos terríveis estavam nítidos demais em sua memória, como se ela jamais tivesse sido afetada. - ele tinha certeza.

— Quanto a isso… eu gostaria que me permitisse lhe fazer uma pergunta.

Curioso ao ser questionado por sua permissão, Kouen contorceu os lábios.

— Pode fazer.

— Já entendi que nosso Império é um país que se expande invadindo territórios, em especial daqueles que não concordam com nossas políticas. - Ja’far parecia ter estudado bem sobre o assunto, mas aquilo trazia inquietude a Kouen perante às duvidas que Koumei levantava, constantemente, quanto à veracidade da amnésia do ex-general. - Assim, um pequeno país conseguiu dominar quase todo um continente e agora está começando a colonizar Balbadd, e outros países de fácil acesso marítimo.

— Sim. Nossa prioridade é unificar o mundo, expandindo nosso Império. - Kouen não negou.

— Então, depois do que me contou, que o rei de Sindria me tirou daqui… Eu estava me perguntando… - ele reuniu coragem para questionar. - Por que não foi me buscar em Sindria?

Aquela pergunta tinha um peso enorme. O príncipe não teve como disfarçar o espanto ao ser questionado daquela forma, como se Ja’far estivesse lhe cobrando explicações - e de fato ele estava. Afinal, Kouen dizia que o estimava tanto.

— Ja… Ja’far… - ele gaguejou, sem saber o que dizer.

— Você… - o alvo desviou o olhar, um tanto quanto sem jeito. - Disse que éramos muito amigos e… e então, por que não foi a Sindria me buscar? Por que me deixou anos passando pelo que diz que passei com o rei daquele país?! POR QUE NÃO DECLAROU GUERRA CONTRA SINDRIA?!

Tomado por uma estranha revolta, Ja’far vociferou.

E como Kouen não havia pensado na possibilidade daquele questionamento? Afinal, Ja’far era um rapaz muito centrado e pelo pouco que via, não achava possível que ele pudesse por aquilo em jogo. Muito menos cogitar guerras, já que as políticas que ele pregava, ao lado de Sinbad, eram completamente contra qualquer forma de militarismo ou invasão.

— NÃO VALIA A PENA IR GUERREAR CONTRA O REI DE SINDRIA POR MIM?!

Ja’far insistia e Kouen, literalmente, já estava contra a parede ao ser questionado daquela forma. O ex-general parecia indignado.

O ruivo suspirou fundo antes de responder aquele que o confrontava. Mas precisava manter a calma, ou acabaria sendo o fim de seus planos.

— Ja’far, você não entenderia! - retrucou. - Ele me ameaçou! Disse que o mataria se fôssemos até Sindria! Eu prezei sua segurança! Acha que eu não queria ir correndo buscar você?! - ele elevou o tom de voz.

Sentindo-se um pouco injusto com Kouen após ouvir sua explicação, Ja’far recuou. De fato, não sabia de nada do que tinha acontecido e, aliás, tinha direito de falar daquela forma com o príncipe?

Suspirando, o alvo abraçou a si mesmo e o encarou, os olhos estavam marejados.

— Me desculpe… Eu… estava pensando sobre e… tsc.

Ja’far estava bastante frustrado e… cansado.

Afinal, não conseguia se concentrar em seu trabalho porque se sentia instigado a, constantemente, tentar se recordar de tudo e preencher aquele imenso vazio que existia em sua memória.

Volta e meia se questionava sobre quem realmente era, o que gostava de fazer e… em especial, será que tudo o que Kouen lhe dizia era verdade? Aquilo era doloroso e ele evitava pensar sobre, mas… por quê não?

O clima ficara péssimo, totalmente o oposto que o príncipe planejara.

Precisava contornar, de alguma forma, tudo aquilo e de uma forma bastante convincente para que Ja’far acatasse sua versão da história. Parecia que adestrá-lo não era tão fácil.

— Pelo que estou vendo, trabalhou muito aqui. Está na hora de descansar, não? Vim buscá-lo para jantarmos. - ele tentou cortar o assunto.

— M-mas agora que comecei a trabalhar! - retrucou o alvo. - Passei boa parte do dia apenas organizando a sala. Agora que consegui começar a mexer nos papéis que me passaram. - explicou.

O príncipe suspirou, recostando-se à mesa. Será que Ja’far era tão obcecado com trabalhar até mesmo com Sinbad? Ou ele adquirira aquele comportamento após a amnésia?

— Ja’far, eu já disse que não precisa trabalhar.

— Mas eu quero! Gosto de me sentir útil e não é justo. - ele desviou o olhar. - Aliás, eu agradeço seu convite, Kouen-sa… - ele se conteve e respirou fundo. - Kouen… - corrigiu-se. - mas eu vou continuar o serviço. Estou sem fome.

— É uma ordem.

As palavras, tão frias, de Kouen soaram extremamente imperativas.

Ja’far sentiu um arrepio percorrer toda sua espinha. De alguma forma ele se sentia… ameaçado. Seu coração acelerou ao encarar aquele homem imponente que não vacilou a cruzar olhares.

— É uma ordem. Quero que jante comigo.

Sentindo-se assustado, Ja’far engoliu a seco. O que deveria dizer? Não podia desobedecê-lo, afinal, sabia muito bem de sua posição ali, mas por que ele estava falando daquela forma tão ríspida e intensa? Será que o príncipe estava irritado após seu questionamento?

Kouen pareceu notar como Ja’far parecia temeroso. Arrependendo-se um pouco de sua postura, ele suspirou, dando a volta na mesa para se aproximar.

O ex-general teve de erguer o rosto para encarar aquele homem que era bem mais alto que ele. O temor cresceu exponencialmente até que a expressão carrancuda do príncipe se dissolveu em desolação quando envolveu Ja’far com um dos braços e o puxou para perto.

Com os olhos esverdeados arregalados, ele apoiou as mãos no peitoral de Kouen. O que estava fazendo? - Ja’far se perguntava, bastante assustado, quando sentiu a mão livre do ruivo afastar seu cabelo e os lábios dele tocando sutilmente sua fronte.

— Me perdoe.

Impossível não corar ao sentir o beijo que Kouen depositara em sua testa. Havia sido tão carinhoso. Ele, então, afagou os fios claros de Ja’far e permaneceu a abraçá-lo.

— Eu realmente não… estou sabendo como lidar com o que estou sentindo. Não estou sabendo lidar com você também… agora que está de volta aqui - não podia se entregar completamente aos sentimentos, ele sabia. - Tsc, eu realmente queria ter ido em Sindria e… te arrancar daquele homem!

O coração de Ja’far acelerava ao ouvir aquelas palavras. Por que, impregnado nas vestes do príncipe, havia um perfume tão inebriante? E por que aquele calor, ao ser envolvido pelos braços daquele homem, o fazia se sentir tão confortável? Ja’far estava, definitivamente, assustado.

— Eu tinha um objetivo… Eu pensava que tinha controle de tudo até que… Comecei a conviver com você. - as palavras saiam naturalmente e Kouen não tinha intenção de impedi-las. - E assim comecei a me ver mais… feliz? - sem querer, ele questionou em meio a sua afirmação. - Nunca tive vontade de sorrir ou… me preocupava com minha aparência mais do que o necessário. Ao seu lado eu tenho vontade de rir, de esquecer todos os problemas do Império, das guerras…

Ja’far estava completamente atônito quando Kouen, subitamente, o afastou, segurando-o pelos ombros. Rubis e esmeraldas se refletiram, fazendo com que as bochechas do alvo tomassem o escarlate dos olhos do príncipe que abria um largo sorriso.

— Eu estou apaixonado por você, Ja’far!


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Notas finais do capítulo

Confesso que esse capítulo foi bem trabalhoso! Era para ele terminar de uma forma bem diferente, mas acho que paramos no momento certo. Hahaha!
Pra variar eu sempre dou um jeitinho de colocar um flashback de Sinbad no Bouken, né, gente? Eu adoro! É onde concretizo alguns devaneios meus, que espero que a Ohtaka faça!
Espero que estejam gostando e, lembrando que comentáros, críticas, elogios sempre são bem-vindos, leio e respondo todos! ♥ Obrigada por estarem acompanhando!



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