A Criação da Luz escrita por André Tornado


Capítulo 36
Concentração


Notas iniciais do capítulo

"Tem dificuldade em reconhecer a cena, depois, aos poucos, orienta-se. De dia, tudo parece menos gigantesco, menos assustador."
in A Portuguesa de Nápoles, Striano, E., Quetzal Editores, 2005



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O arbusto esférico flutuava no ar, para cima e para baixo, à minha volta, desafiando-me nesse bailado errático, envolvendo-me num fio invisível que me estrangularia se perdesse o foco. Não que me pudesse fazer mal, mas imaginar que havia dor se falhasse, ajudava-me a completar aquele exercício. A planta aproximava-se zombeteira, para depois se escapulir, ao mais mínimo movimento, ficando longe do meu golpe.

Ergui o sabre de luz de Luke Skywalker que agarrava com ambas as mãos. O brilho da sua lâmina faiscou no meu olhar. O meu mestre, de braços cruzados, observava os meus esforços de tentar acertar com a lâmina no arbusto, que ele controlava com a Força, obrigando-me a prever os seus movimentos. Era como se eu, destreinada e inexperiente, estivesse a lutar contra um Jedi no plano das vontades. Acontecia, como era de esperar, que eu estava a falhar redondamente. O arbusto escapava-se sempre do sabre, que vibrava no ar quando o brandia desajeitadamente.

— Concentra-te! – exigiu-me, atento às minhas investidas. – Deixa a Força fluir através de ti. Domina o arbusto e ser-te-á mais fácil acertar-lhe. Antecipa-lhe os movimentos!

Exprimi o meu descontentamento com uma careta.

— Isso é fácil de dizer!

— Posso mostrar-te como se faz.

— Não preciso de paternalismos.

— E eu não preciso de desânimos prematuros, padawan.

O exercício da pedra tinha sido substituído por aquele, mais estimulante mas com um grau de dificuldade substancialmente mais elevado. No fundo, compreendia que se tratava do mesmo exercício, servir-me da Força para dominar objetos inertes e fazê-los meus aliados numa situação em que se me exigiria a defesa de alguém ou de alguma coisa. Perceber, no fundo, a existência dessa energia permeável essencial aos Jedi e que eu podia aniquilar. Ainda não tinha alcançado o estágio de conhecimento que me permitiria realizar essa operação extremada, anular a Força. Continuava nos primeiros passos, hesitante, cética e, tal como Luke apontara, ligeiramente desanimada.

Era tudo muito difícil…

— Concentra-te! – berrou-me.

O arbusto bateu-me na cara, desfazendo-se em folículos. Aquela espécie vegetal era de uma fragilidade inesperada. Se fossem tocados, nem que fosse ligeiramente e por acidente, desintegravam-se e espalhavam-se nas milhentas folhas em forma de saco com que desenhavam a sua forma redonda. Baixei o sabre de luz, admirada com a pancada.

— Não estás concentrada – explicou-me impaciente. – Estás demasiado dispersa, a pensar noutras coisas!

Tão dispersa como o arbusto que chovia sobre mim em leves gotas verdes.

— Concentra-te no que estás a fazer. Sente a Força fluir. Rouba-me o domínio do arbusto com a tua Força. Então, conseguirás acertar-lhe. Vamos retomar.

Levantou outro arbusto no ar fazendo um gesto seco com dois dedos. Tinha um arsenal de arbustos junto a si. Desconfiava que logo que eu conseguisse acertar num, iria enviar todos ao mesmo tempo e bombardear-me com aquelas bolas vegetais. Bem, não me acanhava perante a possibilidade de ser atacada por um exército de arbustos. Estava armada.

Ergui o sabre de luz, o arbusto voou até mim. Foquei-me na esfera bailarina. Devia fazer como com a pedra, vê-la na minha mente, percebê-la nítida numa paisagem cinzenta. Só que eu não via nada, pois dividia-me em ações que devia realizar, outras preocupações. Tinha de fazer muitas coisas ao mesmo tempo. Agarrar o sabre de luz, fazê-lo agir, perceber o arbusto, identificar a energia de Luke, roubar-lhe o controlo sobre o arbusto.

A planta estava perto, estava vulnerável. Baixei a lâmina rapidamente. Um zumbido. Tornou a escapar. Irritada com mais aquele falhanço, cerrei os dentes e atirei-me à esfera verde, agitando o sabre sem qualquer acutilância ou delicadeza.

Luke fez retroceder o arbusto.

— Não, não! – exclamou. – Com essa fúria, não. Isso vai levar-te diretamente ao lado negro.

Ofegante, desliguei o sabre de luz.

— Ao lado negro?

Já tínhamos aflorado o assunto, mas nunca tínhamos falado verdadeiramente sobre o lado negro da Força.

— O desespero, a agressão, a fúria… mesmo o próprio medo, conduzem ao lado mais sombrio da Força. Esse é um caminho maldito, sem regresso. Ao se sucumbir ao lado negro, ele vai dominar para sempre a nossa vida.

— Disseste que eu tenho medo. Isso também me pode levar ao lado negro. É um ponto fraco.

— Sim. Mas se reconhecermos os teus receios, as tuas fraquezas, podemos trabalhar neles. Aceitar o medo é o primeiro passo para enfrentá-lo.

— Enfrentar os meus medos… Não é assim tão fácil! Mais difícil do que acertar no arbusto.

— Estamos aqui para te ensinar a criar mecanismos que te permitam fazer escolhas. Nunca te esqueças desse princípio, minha jovem aprendiza. Escolhas!

Meneei a cabeça, pensando em como era irónico ensinar-me que podia escolher quando tinha sido criada com um objetivo único e inquestionável. Tinha a vantagem, porém, de ter a vontade suprema de opor-me a esse destino que me tinha sido imposto pelos meus criadores. Nem o feiticeiro de Ekatha conseguira contrariá-lo quando me apagara as memórias e me implantara outras. Fizera apenas uma inflexão na estrada, mas que me conduziria sempre à decisão de apenas seguir numa única direção.

— Tenho medo… de falhar. Prometi-te, mestre, que levaria este treino até ao fim. E se eu não conseguir manter essa promessa?

— Temos medo de falhar, eu e tu. Vamos apoiar-nos mutuamente para lutar contra esse medo.

— Então, tu também estás constantemente a fugir do lado negro.

Concordou comovido:

— Nunca paramos de fugir.

— E o que me aconselhas a fazer, mestre? Como posso saber quando devo fugir para escapar-me das trevas? Como saberei que já não fui conquistada irremediavelmente pela escuridão e que sou um agente do Mal?

— Com a Força. Deves ter a mais absoluta das confianças no seu poder e abrangência. É a maior das tuas aliadas, que nunca te vai abandonar.

— Basta a Força? – perguntei intrigada.

— É tudo o que um Jedi necessita. O amparo da Força.

— Mas eu posso destruí-la.

Notei a incredulidade horrorizada no seu rosto e apressei-me a corrigir:

— Quero dizer… Não sei como isso se faz, nem nunca tentei fazê-lo conscientemente para perceber se realmente tenho essa capacidade que tanto tu, como o mestre Eilin, me apontaram. Sei que Kram tem-na… Vi-o em ação. Assisti aos efeitos da privação da Força em ti. Quando me encontrei com Kram no salão negro, assisti à destruição de sistemas inteiros. Explosões mudas nos confins do espaço.

De algum modo consegui projetar essa imagem e Luke estremeceu ao apanhá-la na minha mente.

— Sim, podes destruir a Força – replicou, sério. – Mas primeiro deverás conseguir senti-la e usar-te dela de uma forma mais benigna. Creio que trabalhamos nesse sentido e que estamos a fazer progressos. E se não sentes a Força, não a poderás destruir.

— Estás a dizer-me que poderei, um dia, atacar-te como Kram fez?

— Teoricamente, sim.

— Oh… Por que concordaste em ensinar-me?

— Porque acredito em ti, padawan. Porque acredito que o Bem prevalece sempre sobre o Mal. Sempre. Já enfrentei o lado negro, muitas vezes.

Havia uma profundidade sofrida, particular e genuína nas suas palavras, que derivavam não apenas do que tinha aprendido com os seus mestres, Obi-Wan Kenobi e Yoda, até do que tinha ouvido no discurso desencorajador do Imperador Palpatine, mas do que tinha experimentado e sentido, na primeira pessoa. Tanta mágoa!

Movimentou dois dedos, o arbusto aproximou-se de mim.

— Estás preparada? – perguntou-me.

Voltei a ligar o sabre de luz.

Do que eu necessitava era dessa fé inabalável na Força, malgrado os meus enormes pecados. No fim de contas, eu era uma criação da luz, seria lógico que alimentasse o meu incrível poder dessa luz que vencia sempre a escuridão. Se Luke Skywalker, que tinha olhado de frente a tentação negra, tinha conseguido afastá-la, eu também o conseguiria.

O arbusto descreveu uma curva aérea, pondo-se novamente a bailar no ar, ilusoriamente ao meu alcance, diante dos meus olhos verdes e faiscantes por causa da lâmina da arma que tinha bem segura nas duas mãos.

— Concentra-te! – insistiu ele.

Respondi, atenta às oscilações do arbusto:

— Estou a tentar.

— Não, não tentes. Faz simplesmente o que tens a fazer.

Não existem tentativas, recordei num pensamento que estabelecia uma sábia verdade, proferida entre os nevoeiros do planeta Dagobah.

— Interrogo-me como podes ter na tua cabeça ecos da voz do mestre Yoda.

A observação de Luke estilhaçou a minha segurança. Expliquei, fingindo casualidade:

— São palavras que tens dentro de ti, mestre. Consigo ouvi-las.

— Estás a mentir-me.

Inspirei profundamente. O arbusto parara.

— Sim, estou a mentir-te – concordei, petulante.

— Continua a lição – pediu-me.

Pressenti a sua apreensão e a curiosidade que decidira aplacar.

Esqueci o mundo estático que me rodeava. Fixei o arbusto, ajeitando as mãos no punho da espada brilhante. Concentrei-me, acho que pela primeira vez desde que me tinham atirado arbustos voadores para cima. Antes estivera a tentar perceber o que me era exigido e que não devia pensar demasiado. Agora percebia e não pensava. Apenas agir… A ação pura, mais nada. Agir. Procurei pela Força. Não era necessário, sempre estivera ali e identifiquei-a. Um calor súbito no coração, nos meus braços. Eu conseguia mover pedras com a mente, fazer o mesmo com aquele arbusto não seria diferente. Ainda que do outro lado dos fios estivesse um cavaleiro Jedi a manobrá-los.

Apenas diferente no teu conceito de ver o mundo como um sítio limitado.

Sim, mestre. Sim, mestre Yoda…

A lâmina fluorescente descreveu um arco. O arbusto movia-se para escapar. Mas era meu, definitivamente meu. Porque eu sentia-lhe o movimento e tornara-se previsível. Antecipei-lhe a fuga e o sabre de luz cortou-o ao meio. Desfez-se em folículos minúsculos.

— Muito bem – felicitou Luke.

Sorri triunfante, baixando o sabre de luz.

Perguntei de repente:

— Gostas de mim?

Algo nele vacilou, mas percebeu que eu começava a pressentir-lhe os sentimentos e sossegou a alma, para manter a aparência de controlo. O seu rosto não mostrava qualquer sinal da sua hesitação.

— Claro que gosto de ti, minha querida padawan. Admiro-te e, por muito que te pareça estranho, quero aprender contigo. Estamos sempre a aprender, mesmo os mais reputados mestres. Esclareço-te que não me atrevo a considerar-me reputado, não alcancei ainda esse patamar de veneranda sabedoria.

Não tínhamos discutido a questão do beijo. Eu não tivera coragem e considerava o assunto insignificante, um deslize orientado por uma quebra de disciplina que era de menosprezar. Sabia que ele tinha a mesma opinião e não forcei uma explicação inútil, pois, efetivamente, nada ficara por esclarecer. Ele não se arrependera de tê-lo feito, eu não me arrependera de ter consentido. Tudo devidamente clarificado.

— Claro – aceitei. – Eu também gosto de ti, mestre.

Outro arbusto voou na minha direção. Manobrei o sabre de luz, fazendo rodar o punho. Começava a habituar-me àquela arma magnífica, com uma precisão incrível, uma suavidade mortífera e uma leveza admirável. Um segundo arbusto surgiu, envolvendo-se com o primeiro em espirais provocatórias.

Mas, daquela vez, eu estava preparada.


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Notas finais do capítulo

Os treinos prosseguem. O beijo que Luke e Cleo trocaram parece que está explicado e tudo continua como antes... Ou será apenas aparentemente?
Uma primeira referência ao lado sombrio, o manejo de um sabre de luz e referências aos ensinamentos de Yoda.

Próximo capítulo:
Pausa.