A Criação da Luz escrita por André Tornado


Capítulo 20
Na antiga base imperial


Notas iniciais do capítulo

"Sentiu-se inundado por uma vaga de desilusão capaz de o afogar, tal era o desespero. Estava perplexo."
in Os Pilares da Terra, Follett, K., Editorial Presença, 2009



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Um vento repentino levantou alguns arbustos secos que tombaram assim que perderam sustentação, rebolando pelo chão com um ruído fantasmagórico até se perderem na escuridão da orla da floresta. Contra o horizonte, diante do arvoredo silencioso, recortava-se a silhueta de numerosos edifícios imponentes. Grandes paredes lisas, torres coroadas de cúpulas, varandins de vigia, portas blindadas que as plantas trepadeiras invadiam, plataformas móveis, plataformas auxiliares, pistas de aterragem.

A antiga base militar do Império Galáctico do planeta Luyta.

Sobre uma grossa raiz que brotava do chão pavimentado, onde ainda se conseguia distinguir algumas linhas coloridas, repousava uma estranha ave de olhos brilhantes, bico comprido e plumas às riscas acinzentadas. O vento tornou a soprar e a ave levantou voo vagarosamente, batendo as suas enormes asas, desaparecendo atrás de uma das torres. Seria também um animal perigoso, outro predador, como todos os animais daquela floresta?

Morva Senthy perguntou-me:

— Como está a tua perna?

— Melhor – menti. Formigava, sangrava e continuava a doer-me demasiado. O pior era o mal-estar e as tonturas que me atacavam com persistência. Tinha a boca seca e uma vontade imensa de dormir.

— Parece-me que a ligadura que te fiz está suja. Vamos ter de mudar isso.

— Tens mais pano?

— Lá dentro, arranja-se.

— Coisas tuas?

Ele acenou que sim, uma única vez. Arrumou a bicicleta motorizada junto a uma coluna destruída, eu observava os velhos edifícios abandonados não reconhecendo o sítio. Lyle Bergh utilizara uma pista diferente para aterrar a sua nave, que não se via dali. A base era maior do que me parecera inicialmente.

Segui Morva a coxear que caminhava em direção a uma porta dupla através da qual se acedia a um longo tubo metálico que desembocava naquilo que parecia o edifício principal do complexo.

— Guardo aqui as minhas mercadorias. Tenho uma espécie de armazém secreto em Luyta – explicou-me, abrindo o painel que destrancava a porta. – Existem muitos contrabandistas que utilizam esta base, mas estão cá apenas de passagem. Eu fiz do sítio o meu entreposto comercial. É seguro. Ninguém deseja passar muito tempo no lado sombrio de um planeta habitado por tribos incivilizadas e por animais selvagens. Por isso, ninguém anda a bisbilhotar o meu negócio.

— As unhas dos vercas?

— E outros artigos valiosos.

Passámos para o tubo metálico, um extenso corredor mergulhado numa penumbra tépida, entremeada por luzes piscantes. Começava a ser difícil arrastar a perna doente e Morva adiantou-se-me no seu passo seguro.

— Então, trabalhas sozinho?

— Sim. Nem sempre foi assim, mas agora não quero mais nenhum sócio.

— O que aconteceu com esse teu sócio?

— Era o meu irmão. Morreu num ataque do Império Galáctico durante uma reunião de… digamos, negócios no sistema Zydia. Entre os contrabandistas havia um traidor que passava informações para a Aliança Rebelde. Claro que ninguém sabia de nada e mesmo que soubéssemos, ninguém se importava com a guerra. O que interessava era fazer dinheiro… Darth Vader apareceu pessoalmente, massacrou os sobreviventes após a ofensiva inicial das tropas de assalto. Lembro-me de o ver a caminhar entre as ruínas em chamas, a verificar friamente o trabalho realizado. Eu e um punhado de companheiros escapámos por pouco. E nem soubemos quem era o traidor. Foi muito triste.

— Oh… Lamento sabê-lo.

— Não lamentes. O meu irmão era um idiota. Provavelmente era ele o traidor. Nunca o perdoei por não me ter contado essa treta de andar metido com a Aliança Rebelde.

— Mas… o teu irmão era ou não, esse informador?

Morva encolheu os ombros descontraidamente.

— Não sei, nem me interessa. Tens a certeza de que a tua perna está melhor?

Saltei apoiada na perna esquerda para encurtar a distância que me separava do contrabandista, respondi que sim mas soou a uma lamúria. Ele encarou-me, mãos na cintura.

— Antes de passarmos a essa transmissão…

Percebi a ideia dele e cortei:

— Não! Primeiro falo com Coruscant! É uma matéria de vida ou morte. – Acrescentei ansiosa: – Onde está essa sala de transmissões? Falta muito para lá chegarmos?

— Fazemos uma nova ligadura – insistiu Morva.

— Concordo, se a fizeres na sala de transmissões. Existe mesmo uma sala de transmissões operacional nesta base abandonada?

— Podes crer que existe, miúda. Se não existisse, como é que recebia a minha recompensa por te estar a ajudar?

— Ah… claro! – exclamei, percebendo o alcance da preocupação dele. Moderei a irritação no tom da minha voz. – Deves entregar-me inteira ou a recompensa será menor. Se tiver menos um braço ou uma perna poderão achar esquisito e fazer um desconto…

Ele arqueou as sobrancelhas, estranhando a minha teimosia.

— Estou apenas a zelar pela tua saúde.

— Dispenso. Não é a minha saúde que te estou a pagar. – Na verdade, não estava a pagar nada e naquele ponto começava a ter sérias dúvidas se poderia estar a assumir compromissos em nome da Nova República, quando apenas conhecia, e muito mal, Leia Organa Solo. Pedi impaciente, para evitar pensar em pormenores que me enervavam: – Podemos avançar, se não te importares.

— Essa tua mensagem é assim tão urgente?

— Não quero discutir contigo o cariz da minha mensagem.

O túnel terminava numa porta blindada que Morva abriu sem dificuldade, inserindo o código no painel lateral. Voltou-se para mim, piscou-me o olho, sorriu-me triunfante. Não entendi, não tinha feito mais do que destrancar uma porta que se recolhia verticalmente, a ranger por todos os lados, ao mesmo tempo que algumas luzes fracas se acendiam junto ao teto. Apresentou-se-nos outro corredor.

Uma ferroada na perna fez-me abrandar. Passei a mão pela ligadura molhada. Ele franzia a testa, analisando o meu estado, parado mais adiante no corredor. Endireitei-me, apagando do meu rosto qualquer indício de sofrimento apesar de o ferimento me estar a causar dores insuportáveis. Era-me impossível continuar a apoiar o pé no chão.

Morva agarrou em mim ao colo, soltei um grito.

— Ah, podes espernear à vontade! – exclamou irritado.

— Larga-me!

— Nem penses! Continuas a ser o meu investimento, miúda!

Cruzei os braços. Zangada, bufava e rangia os dentes, mas Morva Senthy prosseguiu inabalável a carregar comigo por aquele corredor afora. O gesto seria nobre se não tivesse por detrás um propósito prático e se eu não me sentisse tão vulnerável. Nem mesmo quando estivera a ser cuidada pelo cavaleiro Jedi sentira algo semelhante. A impressão de que, a qualquer momento, o estado de graça acabava e seríamos inimigos mortais. Ele haveria de me caçar, eu haveria de lutar pela sobrevivência. O contrabandista estava a ser prestável, simpático, atencioso, mas era tão perigoso como os animais da floresta de Luyta.

Ele disse, dobrando uma esquina:

— Vamos conhecer um amigo meu. Quero que te portes bem, ou ele não te vai ajudar.

— Um amigo teu? Está aqui na base? Pensava que não tinhas outros sócios.

— E não tenho. Conheço este tipo há muito tempo, é tudo. Provou ser leal e confio nele. Também vais ter de confiar, pois é ele quem opera os computadores da sala de transmissões da base.

— Esta base não está abandonada? – estranhei.

Na companhia de Lyle Bergh e de Iko vira o lugar como um dos mais desolados da galáxia. Agora classificava-o como um ponto de encontro de gente duvidosa, pois ninguém sério e que operasse legalmente baseava as suas atividades num sítio teoricamente esquecido no Universo.

— Sim, claro que está abandonada. É por isso que esse tipo está cá, adora trabalhar sozinho e sem dar muito nas vistas. Mais ou menos como eu…

— O que faz ele para desejar tanta… discrição?

— Negoceia com códigos secretos. É útil para os contrabandistas, sem ele não haveria comércio na galáxia. Não lhe digas que sabes do segredo dele ou dá-te um tiro na cabeça.

Arregalei os olhos, surpreendida com o carácter violento do homem que íamos encontrar. Morva riu-se, mostrando os dentes bem alinhados. Desviei o olhar, senti-me a corar. Ele aconchegou-me a si, sussurrou-me ao ouvido:

— Não tenhas medo, ele não vai danificar o meu investimento.

— Estou mais descansada – observei incomodada.

Apresentou-se outra porta blindada. Morva colocou-me no chão. Apoiei-me na parede, com a perna ferida levantada e vi-o destrancá-la com a mesma ligeireza anterior. A porta recolheu-se por cima de nós e mostrou-nos um átrio redondo com vários acessos para elevadores e dois corredores, um do lado direito, outro do lado esquerdo. O contrabandista puxou-me pela capa e entrou no átrio com passos cautelosos.

— Não te posso carregar agora – sussurrou-me.

Tomou o corredor do lado direito e sacou a pistola do coldre, fazendo-me um gesto para que o seguisse.

— O que se passa? Pensei que o tipo fosse teu amigo.

— Claro que é meu amigo – replicou em voz baixa –, mas às vezes não espera visitas e reage mal.

— Também já te quis dar um tiro na cabeça?

— Várias vezes.

O meu estômago contraiu-se. Resolvi segui-lo de perto, o melhor que conseguisse com as minhas limitações. Aquela aventura estava a ser penosa e degradante. O caminho era longo, tortuoso, cheio de obstáculos. Fazia parte do meu crescimento, pensava para me consolar dos estágios daquela prova dura. No entanto, não estava arrependida de ter fugido da proteção de Iko e do mestre Eilin. Iria salvar o cavaleiro Jedi e nada mais importava. Nem a minha própria integridade física. Se para atingir O’Sen Kram teria de me massacrar, fá-lo-ia. Detestava-me, a certo ponto.

A minha visão estava condicionada pela luz pobre que iluminava aquele corredor e deixava-me guiar por Morva que claramente conhecia o local. Só alguns dos dispositivos luminosos estavam ligados, deixando muitos recantos mergulhados numa escuridão sinistra.

Morva passou por duas portas, parou junto a uma terceira, estreita e negra, com desenhos geométricos a decorar a superfície. Passou os dedos pelo teclado prateado, levantou a pistola junto à cara. Aguardou. Encostei-me à parede, a tentar regular a respiração. As picadas na perna aumentavam de intensidade.

Não aconteceu nada. Mesmo com a introdução de um suposto código, a porta negra não se abriu. Olhei para o contrabandista à espera de uma explicação, mas ele mantinha-se de costas para mim, arma pronta a disparar.

Estava prestes a perder a paciência, quando ele guardou a pistola. Olhei desconcertada para a porta fechada. Sobre o teclado acendeu-se uma luz verde que se apagou pouco depois.

— O que está a acontecer aqui?

— Ele já me reconheceu.

A porta abriu-se vagarosamente e Morva rasgou um sorriso que lhe iluminou os olhos verdes. Franqueou a entrada medindo as passadas, voltando a cabeça para todos os lados, numa atitude defensiva. Fixei o teclado. O contrabandista introduzira um código, o tal tipo das transmissões decifrara-o como seguro, senha e contrassenha, e a porta abrira-se. Uma forma simples e perfeitamente normal para dois amigos se reencontrarem, não havia dúvida. Revirei os olhos. Estava metida com piratas espaciais e seriam eles que me ajudariam a enviar uma mensagem sensível.

Devia deixar de lado os escrúpulos e as considerações morais. O objetivo estava quase alcançado, que importavam os meios? 

O contrabandista bradou, fingindo-se amigável:

— Colin, companheiro!

— Tenho um presente para ti, Morva Senthy – anunciou alguém.

Entrei no compartimento, mas não me afastei da entrada. Se as coisas corressem para o torto, fugiria. Que se danasse a minha perna dilacerada!

A sala era grande e mal iluminada, tal como os corredores daquele complexo militar. As paredes enchiam-se de máquinas pejadas de botões, interruptores, alavancas, manivelas, bobinas, luzes intermitentes vermelhas, brancas e azuis. No centro estavam mesas e, junto a estas, outras máquinas, algumas desconjuntadas, um novelo emaranhado de fios coloridos saía dos seus corpos metálicos abertos. Ao fundo perfilavam-se dezenas de monitores apagados, com enormes buracos. A maioria dos aparelhos estava, portanto, desligada, mas daqueles que funcionavam soltava-se um zumbido que saturava o ambiente abafado da sala. Atrás de um móvel que se unia ao teto havia uma luz verde brilhante, proveniente de um enorme ecrã onde passavam sequências de números. Diante deste, sentado numa cadeira giratória, usando uma viseira que lhe cobria os olhos e metade da testa, estava um homem vestido com um fato-de-macaco amarelo muito sujo, ao qual tinham sido arrancadas as insígnias, restando as respetivas marcas desbotadas no tecido. Agitou uma placa transparente, enquanto dizia ao contrabandista que estava de pé, ao lado da cadeira, dedos enfiados no cinto:

— É de fonte segura. Há movimentações estranhas no sistema de Bespin. Alguém está a criar uma frota ofensiva com antigas naves do Império e não se trata da Nova República, pois os veículos que escaparam à destruição após a batalha de Endor foram desmantelados há muito tempo. Foi logo nessa altura que se definiu o que iria ser aproveitado e o que iria para a sucata. Por isso, aqui há história! As naves apareceram do nada e andam em manobras. Com que fim? Quem se está a aproveitar do antigo poderio militar do Império?

— Hum… acho que tens razão. Prepara-se alguma coisa…

— E não são apenas naves. Homens, androides, computadores, armas, uma grande mobilização de meios. Cheira-me a um exército clandestino. Cheira-me a uma nova guerra.

— Não imaginava que fosses tão dramático.

— Sou um homem prático, não confundas com dramatismo. Gosto de antecipar acontecimentos para não me apanharem desprevenido. – Abriu os braços num gesto amplo. – Estou a utilizar antigas instalações imperiais, local que certamente está catalogado como secreto, inacessível, crucial para lançamento de operações de espionagem na base de dados do Império que esses tipos andam a aproveitar. Em breve serei desalojado… Sou insignificante para esse novo senhor da guerra que ameaça a estabilidade precária da galáxia.

— Então, acreditas realmente que se avizinha uma nova guerra.

— Sem dúvida! O Novo Senado não ignorará a ameaça. – Enfiou a placa transparente numa ranhura iluminada a verde. – Não se podem dar ao luxo de partirem para uma solução diplomática quando existem fortes divisões políticas entre os senadores. Ainda há aqueles que continuam a considerar um regime imperial a melhor solução para governar tantos sistemas e tantos povos… Os ditadores do costume. Por isso, o Novo Senado vai aprovar sem hesitar o uso da força e sem que estejamos à espera… Bum! Uma declaração de guerra!

— De que naves estamos a falar?

— Das maiores, Morva! Star destroyers com poder de fogo aumentado…

Calou-se. Reparara, pelo canto do olho, que a conversa clandestina tinha uma testemunha. Fez girar a cadeira de modo a ficar de frente para mim, arrancou a viseira com um safanão, fez um esgar de desagrado, elevou a voz ao perguntar:

— E quem é esta? O que faz aqui?

— Ela está comigo – explicou Morva Senthy. – Precisa de enviar uma mensagem urgente a Coruscant e tenho o pressentimento de que se relaciona com a tua guerra.

— Será a nossa guerra se eu estiver certo. E raramente estou errado.

Os olhos de Colin baixaram até às minhas pernas. Apoiava a direita na ponta do pé, equilibrava-me apoiando-me num dos bastidores desligados, tentava disfarçar as dores com uma expressão controlada. Morva puxou-me por um braço, no mesmo movimento desalojou Colin da cadeira giratória e fez-me sentar. Pediu de seguida o estojo de primeiros socorros e começou a retirar a primeira ligadura que fizera sobre o meu ferimento. O outro trouxe uma caixa prateada que Morva lhe arrancou das mãos. Abriu a tampa, retirou uma pequena seringa e espetou-me a agulha na coxa direita. Soltei um grito.

— Por causa da infeção. Uma dose pequena de antibiótico para uma situação de emergência como esta. Continuas a precisar de um androide médico e de cuidados específicos.

Enfiou a ligadura suja num saco que selou, enfaixou-me novamente a perna, desta vez criando um penso mais apertado que me estrangulou a circulação sanguínea. Apertei os dentes para evitar um segundo grito. No entanto, a pressão excessiva nos golpes do tuyaq diminuiu as minhas dores. Colin observava boquiaberto a operação, braços pendurados ao longo do corpo. Morva limpou as mãos com um líquido de odor forte que me fez espirrar ao penetrar-me pelas narinas até ao cérebro. Limpei o nariz com os dedos.

— Pronto, terminado. Sentes-te melhor, de certeza.

— Já me sentia antes – resmunguei.

— Esse é o último estojo de primeiros socorros – informou Colin num tom casual. Não era uma verdadeira censura, apenas algo que lhe apeteceu dizer para que nos recordássemos que ainda estava ali.

— Trago-te mais da próxima vez que te vier visitar.

A cabeça de Colin oscilou levemente.

— Uma mensagem… dizes tu?

— Sim… Para Coruscant. Consegues fazer a ligação?

— Não me ofendas, Morva Senthy! – indignou-se e acenou com a mão para que eu desocupasse a sua cadeira. Obedeci num salto, apoiando totalmente o pé direito no soalho manchado da sala. Não me doeu nada.

A cadeira giratória chiou com o peso de Colin. Afastou a viseira com o cotovelo, passou os dedos por algumas teclas apagando os cálculos do ecrã verde, fazendo surgir pequenas caixas que se sobrepunham enquanto soltavam pequenos bipes.

— Ela está a pagar-te o resgate de um rei – acrescentou o pirata mordaz. – Nunca te vi tão interessado… num trabalho. Até inclui cuidados pessoais!

Morva Senthy não acusou a piada, limitou-se a cruzar os braços, imitando-me na expressão controlada. Nem sequer considerou explicar que era tudo muito simples, que ele estava apenas a cuidar do seu investimento. O mais provável era que queria manter em segredo que ainda não tinha recebido qualquer dinheiro e que estava a agir com base num palpite que nascera da confiança que depositava em Lyle Bergh. Até que ponto essa atitude se inseria no código dos contrabandistas, era outro segredo. Até que ponto tudo não passava de um esquema para não partilhar qualquer lucro com Colin, seria o terceiro segredo e ali, naquela sala, já eram demasiados segredos entre pessoas que precisavam umas das outras.

— Coruscant é muito grande, miúda – começou Colin e contive-me para não mostrar o meu desagrado com o tratamento condescendente. Outro que se achava no direito de me julgar uma jovem indefesa. – Essa tua mensagem deverá ser enviada para onde?

— Para o Novo Senado – respondi.

O pirata assobiou.

— Esta história está cada vez mais interessante… O que sabes tu, miúda?

Ignorei a pergunta. Fez-me outra:

— Qual o senador que queres contactar?

No ecrã as caixas tinham estabilizado e enchiam-se de caracteres que não conseguia identificar. Seria uma linguagem universal para comunicações, mas eu não sabia como iria descodificar os sinais, ou sequer como faria para enviar o aviso a Leia Organa Solo. Mesmo que a confidencialidade se perdesse, desejava uma transmissão com voz, em que pudesse falar com a senadora. Naquele estágio, não me importava se Morva ou Colin escutassem a mensagem. De resto já conheciam as estranhas movimentações de antigas naves imperiais em Bespin…

Respondi:

— Põe-me em contacto com o Novo Senado em Coruscant. Eu depois falo.

Colin virou-se para mim, espantado:

— Tu aqui não dás ordens! Sou eu que faço a ligação e esta é feita com dados concretos. Dizes-me qual o senador que queres contactar ou então, nada feito! Não me vou pôr a apalpar o terreno e deixar rastos por todo o lado. Vão encontrar o emissor e acabam com o meu refúgio.

— Colin, faz o que ela quer – disse Morva impaciente. – Tu sabes apagar qualquer vestígio. Não te tens mantido aqui por pura sorte.

— Ah!

Contrariado, Colin levantou-se tempestuosamente da cadeira e atirou-se a uma coluna pejada de botões, puxando por duas alavancas prateadas. Premiu alguns interruptores.

— Isto vai-te custar caro, Morva Senthy! Ninguém me dá ordens na minha estação de trabalho. Ninguém! Nem tu e muito menos uma miúda estranha com aspeto de que andou a lutar contra um tuyaq.

O contrabandista e eu entreolhámo-nos. Disfarcei um sorriso perante a cara ligeiramente divertida de Morva. Colin não estava longe da verdade, embora fosse ligeiramente impossível lutar contra um daqueles animais vorazes do lago, pois em caso de ataque não se conseguia ripostar e encetar uma luta digna desse nome.

— Bem, vamos lá piratear o sistema de telecomunicações do Novo Senado em Coruscant! Como se fosse tão fácil como dizê-lo. O que nos vale, meus queridos amigos, é que estamos a operar com a tecnologia do Império e estas máquinas fizeram-se para durar. Talvez porque julgaram que o Império iria durar para sempre… Erro de cálculo, caro Imperador Palpatine! Não duraste para sempre! Voltando ao que estou a fazer… Se me enganar agora…

Passou para um segundo aparelho, arrancou um painel, torceu alguns fios coloridos.

— Se me enganar agora, é melhor que saia de Luyta no minuto seguinte porque este lugar vai ser confiscado e ocupado pela Nova República. E depois, Morva Senthy, vou exigir-te uma nova estação de trabalho. – Sorriu-nos maquiavelicamente. – E claro, os meus honorários!

— Nunca estiveram em causa – replicou o contrabandista aborrecido.

Não olhou para mim, a buscar confirmação daquele pagamento adicional. Portanto, Morva não contava pagar-lhe nada. Suspirei, era assunto que não me dizia respeito e não me preocupei mais com ele.

Colin apontou para o ecrã verde.

— Estamos ligados. Atenção ao processador holográfico… Não respondam ao pedido inicial de identificação. O computador ainda está a calcular as coordenadas de um sistema diferente de Luyta, para que não consigam perceber onde estamos. Vamos criar alguma interferência…

Morva olhou para o ecrã, eu fiz o mesmo. Apertei os punhos, ansiosa. Colin atirou-se para a cadeira giratória, pressionou dois botões em simultâneo, inseriu vários códigos num teclado que surgiu sobre a mesa. As ranhuras da máquina que se erguia verticalmente junto ao ecrã emitiram três cartões transparentes riscados por linhas douradas. Colin arrancou os três cartões, levantou-se, inseriu-os noutra máquina.

— Então? – indaguei impaciente. – Já estabelecemos ligação?

— Nada de pressas ou não vais conseguir falar com o teu precioso senador, miúda. As medidas de segurança que estou a anular são muito sensíveis. Um passo em falso e… Bum! Não temos mensagem!

Sustive a respiração.

De repente, por toda a sala ecoou um estrondo pavoroso e o chão tremeu. Agarrei-me à mesa para não cair, dobrando as costas. Um raio luminoso renteou-me os cabelos. E vi, quando me virei, o corpo de Colin cair desamparado, varado pelo raio luminoso. Esbugalhei os olhos. Vi Colin atingir o soalho manchado com um baque, calado, hirto, morto. No fato de macaco amarelo, no lugar do peito, estava um buraco escuro, onde o raio luminoso queimara. Foi apenas um instante, mas toda a cena passou devagar, para que pudesse reter todos os pormenores da morte de Colin. A seguir, desabou sobre mim uma chuva de outros raios luminosos. Abaixei-me, uma mão sobre os cabelos ainda quentes.

Habituado a situações extremas de perigo, em que a rapidez de reflexos e um raciocínio imediato ditavam a diferença, Morva Senthy não perdeu tempo. Sacou da sua arma e despejou uma saraivada de tiros laser na direção da porta da sala. Agarrou-me no braço, puxou-me para trás de uma máquina alta e escondemo-nos aí, enquanto os raios voavam imparáveis pelo compartimento.

— O que se passa? – perguntei assustada. – Retaliação do Novo Senado por estarmos a penetrar no seu sistema de telecomunicações?

— Não pode ser – respondeu Morva atarantado. – Demasiado rápido e uma reação atípica de uma organização que se afirma pacífica. Isto é outra coisa, com alguma preparação. O ataque não é aleatório, têm um alvo fixo. Estiveram a seguir-nos…

Encolhi-me, começando a compreender. O contrabandista disparou mais tiros. O barulho era infernal e a sala enchia-se de fumo. Não tínhamos como escapar, estávamos encurralados. Os atacantes cobriam com uma barragem de fogo a única porta da sala e à frente da máquina que nos servia de escudo, que balançava sempre que era atingida, havia mais máquinas, monitores, novelos de fio, uma parede preta sem fim.

— Prepara-te para fugir.

— Fugir? – admirei-me. – Para onde? Eles estão a cortar a nossa única via de fuga!

— Aquela porta não é o único acesso a esta sala. Existe uma passagem secreta. Ideia do Colin… Quando fosse surpreendido, conseguiria sempre fugir. Acho que até existe um botão que faz explodir a sala se fosse invadida por gente indesejável. Chegou o momento de saber se o Colin falava verdade. Não concordas?

Engoli em seco, recordando que o pirata estava morto.

— Não teve tempo… de usar essa passagem secreta – apontei. – E hoje era um dia excelente! Quer dizer que nunca viste essa passagem?

— Não. De qualquer modo, não temos outra opção.

— Pois não.

Morva desatou a correr, puxando-me com ele. Os tiros redobraram de intensidade quando saímos do nosso esconderijo, saturando a sala com um nevoeiro denso e quente com um incomodativo cheiro a queimado. Chegámos a um dos cantos, Morva afastou uma mesa pejada de lixo eletrónico e descobriu uma chapa descolorada. Desferiu-lhe um par de pontapés. Os tiros estralejavam sobre nós criando uma chuva de faíscas escaldantes. O painel dobrou-se e com outro par de golpes caiu, desvendando um corredor estreito onde cabia uma pessoa agachada.

— Entra, depressa! – ordenou-me.

Virou-se de costas e começou a disparar para cobrir a minha fuga, segurando a arma com as duas mãos, pernas afastadas. Admirei-lhe a intrepidez. Todos os segundos eram preciosos e não quis empatar mais, pois o contrabandista deveria seguir-me pela passagem secreta. Que deixava de ser secreta pois os nossos atacantes já tinham percebido que estaríamos prestes a abandonar a sala. A minha perna direita latejou ligeiramente. Franzi a sobrancelha, julgava que a ligadura estaria suficientemente apertada para evitar que me lembrasse de que estava seriamente ferida.

Olhei por cima do ombro, um único relance. Entre a névoa reconheci os uniformes negros e vermelhos dos homens de O’Sen Kram.

Estremeci apavorada quando passei pela abertura e entrei no corredor, o sangue gelou-se-me nas veias. O senhor do trono negro tinha-me encontrado na antiga base imperial. A mão do contrabandista pressionou entre as minhas omoplatas, empurrando-me para me obrigar a correr. Morva Senthy não seria suficiente, todavia, para frustrar os desejos de Kram de me recuperar.

Fugimos sem olhar para trás. Aos poucos, o ruído dos disparos laser desvaneceu-se até sumir-se por completo. O que significava que os soldados tinham cessado fogo e estariam a reagrupar-se para seguirem no nosso encalço pela passagem secreta. O contrabandista parou, chamou-me com um assobio. Com outro pontapé abriu uma segunda abertura através de outro painel camuflado.

— Por aqui! Se continuarmos neste tubo seremos apanhados.

Saímos para uma das galerias da base. Após alguns passos estávamos num patamar que dava acesso aos elevadores. Pressionou um botão.

— Deves ser muito importante para teres uma comissão destas à tua procura.

— Não sei do que estás a falar – desconversei, tentando distraí-lo daquela ideia.

— Vamos lá, miúda! Achas que nasci ontem?! – exclamou zangado. – Queres contactar urgentemente Coruscant, andam naves imperiais em manobras em Bespin e o meu amigo Lyle Bergh salvou-te de um antigo star destroyer operacional. Quem é o louco que anda atrás de ti e por que razão és assim tão importante? – Esmurrou os botões. – Maldição! O código dos elevadores foi alterado. Sabem trabalhar bem, não são novatos nisto. Antigas tropas imperiais! Mudaram a farda, mas não enganam ninguém.

Passou-me a pistola para as mãos. Era volumosa, pesada e quente. Por detrás das pálpebras vi-me a empunhar um sabre de luz faiscante, uma arma mais elegante para tempos mais civilizados. Kenobi…

— Segura nisto e dispara quando eles aparecerem. – A voz de Morva Senthy estilhaçou-me aquele pensamento intruso. – Vou tentar ligar diretamente os fios da porta para sairmos daqui por este elevador.

Preferia um sabre de luz… Sacudi a cabeça, tonta com aquela minha vontade. Apontei a pistola para o fim do corredor da esquerda, escondi-me atrás de uma das colunas que ladeavam as entradas para os elevadores e coloquei o dedo sobre o gatilho. O mais provável seria os soldados terem vindo pelo mesmo caminho que tínhamos tomado. Seriam alvos fáceis pois eu tinha uma posição de tiro mais favorável, de frente para o grupo de assalto. Conseguiriam evitar o meu fogo se procurassem proteção nas barras laterais da estrutura metálica que alicerçava o corredor, mas, nesse caso, não nos conseguiriam atingir e a nossa fuga prosseguiria.

Morva enrolava fios uns nos outros. Estava tenso, suava, resmungava.

Um zumbido cruzou o ar e um raio vermelho rebentou sobre a cabeça do contrabandista que, num reflexo, se encolheu e se colou à porta fechada para se proteger. Eu comecei a disparar para a penumbra do corredor, de onde provinham os raios vermelhos. O meu dedo pressionava o gatilho sem parar, com firmeza, sem fazer pontaria. Disparar era o que me era exigido e era o que fazia. Como esperava, os raios vermelhos deixaram de vir do centro do corredor para virem das paredes. Os soldados abrigavam-se.

Infelizmente, não conseguia perceber se estava a causar danos. A escuridão era total, nem sequer vislumbrava os vultos que disparavam contra nós. A coluna que me servia de escudo ficou esventrada pela explosão de um tiro certeiro.

— Depressa! Não conseguimos aguentar por muito mais tempo! – avisei.

— Está quase! – berrou-me Morva.

A porta do elevador estalou e abriu-se ligeiramente. O contrabandista empurrou a abertura com a mão para fazê-la suficientemente grande para que conseguisse passar por esta, puxou-me pela capa e entrámos no cilindro, comigo ainda a disparar, raios laser inimigos a destruir o revestimento exterior da porta meio aberta. Morva socou o painel lateral e o elevador começou a descer. Arrancou-me a pistola fervente das mãos.

— Para a minha nave!

Ia sair de Luyta. Encostei-me à parede redonda, uma mão sobre o peito arfante.

Não sabia se seria uma boa ideia, mas naquele momento não tinha ânimo para realizar elaboradas dissertações sobre o futuro da galáxia se fugisse daquele planeta. Só me importava, egoísta, com a minha própria sobrevivência.


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Notas finais do capítulo

As coisas continuam difíceis para a Cleo. Esteve quase a enviar a mensagem para Coruscant mas um ataque de Kram surpreendeu-os a todos.
Agora, ela está definitivamente dependente de Morva Senthy... Deverá sair do planeta na companhia desse homem de carácter duvidoso?

Próximo capítulo:
Imagens que enganam.



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