Dépendance escrita por KarenAC


Capítulo 6
Capítulo 6 - Fúria


Notas iniciais do capítulo

Todos à bordo do trem da angústia!
Finalmente o passado começa a despontar!



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O amor pode viver de recordações; o ódio requer realidades presentes.

Miguel Unamuno

 

“Pronto, acabei” Ladybug ouviu a voz de Chat Noir ecoar pela garagem. Um som metálico indicava que ele estava guardando os instrumentos e que havia terminado de limpar e fechar o ferimento no braço dela.

“O-Obrigada.” ela ouviu a própria voz gaguejar e fechou os olhos com força, estalando a língua no céu da boca e amaldiçoando-se internamente. Quantos anos ela tinha afinal? Doze?

Chat andou até o armário de onde havia tirado a bandeja e guardou os materiais, pegando um pote branco e levando-o até ela.

“Aqui. Toma um desses a cada seis horas. É antibiótico pra evitar que isso aí infeccione.” Chat indicou o braço machucado dela com um aceno de cabeça, enquanto colocava o pote com remédios na mão dela.

Ladybug sentiu os dedos se fecharem sobre o plástico e sorriu, erguendo os olhos para fitá-lo. Ele estava preocupado de verdade com ela. Chat Noir parecia, no final das contas, alguém em quem ela podia confiar.

“Quanto tempo você ainda tem?” ele perguntou, descendo os olhos para o pulso onde ela tinha o relógio que havia despertado antes de chegarem ali.

“Uma meia hora só. Acho melhor eu ir andando.” ela levantou e sentiu as pernas falharem embaixo de seu corpo.

“Opa, cuidado!” Chat segurou-a pela cintura antes que ela caísse “Você deve ter perdido bastante sangue.”

Ladybug apoiou as mãos no peito dele e sentiu o rosto aquecer imediatamente ao perceber a musculatura definida por baixo da textura do uniforme. O coração dela pulava freneticamente dentro do peito, como um pássaro se debatendo dentro de uma gaiola. Sentiu uma ruga atravessar sua testa. Idade mental confirmada: doze anos.

“Aqui, my lady.” ele se curvou em deboche e ofereceu o braço para que ela segurasse, rindo baixinho quando viu que ela franziu o nariz, mas ainda assim aceitou o apoio.

“Olha, eu sei que prometi te explicar tudo o quanto antes, mas acho que vamos precisar de mais tempo do que a meia hora que você tem. O que acha da gente se encontrar à noite? Você pode vir até aqui e eu te explico tudo. Vai ser uma conversa meio longa, então melhor se preparar.” Chat sorriu de canto e começou a andar até o portão da garagem, vendo Ladybug lhe acompanhar.

“Pode ser sim.” ela mexia no pote de comprimidos, tentando se distrair com algo que não fosse o calor do corpo dele tão próximo do dela.

Ladybug viu Chat Noir pressionar algo no dedo e o portão da garagem abrir-se devagar. Ela olhou de soslaio e percebeu que ele usava um anel com um botão. Ergueu uma sobrancelha em curiosidade. Quanto dinheiro esse cara tinha?

“Você vai ficar bem?” ele perguntou, olhando para a noite de Paris que começava a clarear.

“Vou sim, foi só uma vertigem.” ela percebeu que quando se afastou dele seu corpo esfriou, e desejou internamente não ter rompido o contato “A gente se fala à noite.” ela sorriu sinceramente e ele franziu a testa.

Ladybug parecia-lhe familiar. Estranhamente familiar. Quase como um deja và. Até aquele ponto mal havia reparado nos traços faciais dela, e a fraca luz não ajudava, mas aquela expressão lhe provocou um frio no estômago. Uma sensação que lhe perseguira boa parte da vida após lidar com tantas perdas. Algo muito parecido com saudade.

“O que foi?” ela perguntou, imitando a expressão dele.

“Nada não, só cansaço.” Chat cruzou os braços na frente do corpo, pigarreando “A gente se vê mais tarde.” e sorriu de volta, balançando a cabeça.

“Até mais então!” Ladybug disse enquanto lançava o ioiô para o alto e se afastava.

Chat Noir ficou olhando para o céu por mais alguns minutos e suspirou. Aquela havia sido uma noite longa. Longa até demais. Andou garagem adentro enquanto fechava o portão atrás de si.

“Dia difícil, hein?” Chat ouviu a voz retumbar pela garagem e correu até a mesa mais próxima, pegando a primeira ferramenta que alcançou “O que você vai fazer com isso, me consertar?” o dono da voz saiu para a luz e Chat relaxou, olhando para a chave de fenda que tinha entre os dedos e sorrindo envergonhado.

Adrien viu o rapaz do outro lado da garagem atravessar o lugar com passos largos e preguiçosos. Vestia uma calça e camiseta surradas, ambas pretas. Os cabelos negros estavam bagunçados, como alguém que recém havia saído do banho e apenas agitara os dedos sobre a cabeça. No rosto, um piercing em formato de anel adornava o supercílio esquerdo e outro envolvia o canto direito do lábio inferior. Tudo nele exalava rebeldia. Chat sentiu o sorriso fácil chegar nos lábios ao ver a figura andar em sua direção.

“Acho que nem um milhão dessas conseguiria te consertar, Plagg.” Chat sorriu e andou até o banco alto onde Ladybug sentara anteriormente, largando a chave de fenda sobre a mesa e indicando o outro para Plagg.

“Acho que não.” Plagg riu de volta e jogou o braço no pescoço de Adrien antes de sentar “E aí, como foi lá?”

“Por que tá me perguntando se eu aposto que você ficou o tempo todo aí no canto ouvindo a conversa?” Chat olhou para cima com uma sobrancelha levantada.

“Tá, você me pegou!” ele levantou as mãos em sinal de derrota e sentou no banco à frente de Chat “Vem cá, vai ficar usando esse treco? Tira isso!” Plagg apontou para o capuz de Chat.

“Eu tô tão acostumado que às vezes até esqueço.” Chat Noir puxou o capuz da cabeça dando lugar à imagem de Adrien Agreste. Em seguida, levou a mão até o rosto e tirou o óculos, piscando várias vezes para reacostumar a visão à luz ambiente.

“Mas sério mesmo, me conta como foi lá.” Plagg abriu as pernas sobre o banco e apoiou as duas mãos entre elas, inclinando-se na direção de Adrien.

“Foi um desastre!” Adrien levantou-se do banco e começou a caminhar pelo local “Eu avisei que vocês deveriam ter conversado com ela antes! A garota surtou completamente! Um pouco mais e era o meu pescoço que ia pagar o preço!” Adrien lembrava da expressão de Ladybug quando ele lhe contara sobre a missão. Não a culpava de ter se sentido daquela forma depois de tantas coisas acontecendo ao mesmo tempo. Suspirou fundo e sentou no banco novamente.

“Ela não tá pronta, Adrien.” Plagg falou, mexendo no piercing do canto da boca com os dentes “Tem muita coisa acontecendo na vida dela agora.” Adrien viu Plagg baixar a cabeça.

“Não me vem com essa, Plagg. Eu vi a garota em ação. Ela é incrível! Vocês estão superprotegendo ela.” ele cruzou os braços e inclinou o corpo na direção de Plagg, murmurando com os olhos semicerrados “Eu vou contar tudo pra ela. Ela merece saber.”

Plagg inclinou o corpo para trás, agarrando o banco com as mãos em forma de garras no meio das pernas. Adrien nunca conseguira entender o que se passava na cabeça de Plagg. Ele agia feito uma criança e pensava como um velho. Aquilo somado ao fato de que Adrien não fazia ideia da idade do moreno só tornava tudo mais misterioso.

“Tá pra chegar o dia que eu vou conseguir te convencer de alguma coisa, Agreste.” Plagg olhou para Adrien de lado e o loiro franziu a testa. Odiava quando Plagg lhe chamava pelo sobrenome. Odiava quando todo mundo lhe chamava pelo sobrenome. E o fato de agora também estar sendo endereçado por Marinette daquela forma não tornava as coisas mais fáceis.

“Tá sim. E corta o Agreste, tá legal?”

“Tá legal, Agreste.” Plagg respondeu, sorrindo entre dentes. Sabia que Adrien odiava aquilo, e fazia mais ainda para provocá-lo “Faz o que você quiser. Você vai fazer mesmo.” Plagg sacudiu os ombros “Mas não diz que eu não te avisei.”

Plagg levantou do banco e se dirigiu até o portão da garagem, fazendo sinal para que Adrien abrisse pra ele sair.

Adrien bufou e levantou do banco, indo até onde Plagg estava e pressionando o botão no anel que acionava a entrada da Toca. Em todos aqueles anos que se conheciam, Plagg nunca havia mudado. Tratava Adrien com a intimidade de um irmão, e o loiro não tinha do que se queixar. Sentia como se ali estivesse a única família que tinha.

“Ah, Adrien” Plagg começou “Nós conversamos com o cara que vocês neutralizaram.” enfiou as mãos no bolso enquanto via o portão erguer-se à frente dos dois e dar lugar ao início da manhã parisiense “Ele conseguiu várias informações úteis pra gente...” Plagg olhou por cima do ombro e viu Adrien prestando atenção, então adicionou em um tom sério “Inclusive sobre o seu pai.”

Adrien sentiu os punhos fecharem com força. Há anos ele corria pelo mundo limpando toda a sujeira que seu pai havia causado, tentando de alguma forma colar pedaços de algo que fora quebrado por sua família, mas parecia que aquilo não tinha fim.

“O que ele disse?” Adrien franzia a testa furiosamente e sentiu Plagg colocar a mão no seu ombro, pressionando-o com os dedos de leve.

“Passa lá na Miraculous quando tiver tempo. Acho que você vai querer saber.” o moreno falou seriamente e inclinou a cabeça na direção de Adrien como uma despedida, saindo a passos lentos com as mãos no bolso.

Adrien ouviu o portão da garagem fechar-se à sua frente, mas não se moveu. As palavras de Plagg ecoavam na sua cabeça e sentia o sangue correr pelas veias como fogo. Anos infindáveis de luta e aquilo não terminava. Nunca. Era um poço sem fundo, no qual ele caía e caía, sem achar onde se segurar. Sem achar onde se apoiar. Sem conseguir ver a luz do dia.

Adrien virou o corpo em um pulo e correu até uma mesa, chutando-a com força. O estouro retumbando pela garagem apenas fez com que ele ficasse com mais raiva. Agarrou uma caixa de ferramentas que estava sobre a bancada e atirou-a contra a parede com força, causando uma explosão de sons e peças que voaram por toda a parte. Adrien caiu sobre os joelhos e cerrou os punhos com força sobre as pernas, sentindo os dentes rangerem e algo apertar-lhe o peito. Viu as ferramentas espalhadas pelo chão e gemeu. Ele era como aquela caixa. Estava prestes a explodir. E quando aquilo acontecesse, seria tarde demais para qualquer pessoa juntar seus pedaços.

 

●  ●  ●  ●  ●

 

Marinette chegou em casa e foi direto para o banho. Demorou mais do que o normal porque o efeito da anestesia havia passado e o braço começara a arder novamente, mas quando olhava para a linha escura cuidadosamente atravessada sobre a pele, juntando bordas do corte, lembrava do toque de Chat Noir e era como se a dor amenizasse.

Ela fechou os olhos com força e apoiou as mãos espalmadas na parede enquanto sentia a água quente do chuveiro correr por suas costas. Ela estava confundindo sentimentos. Ele a havia ajudado, mesmo ela sendo uma estranha, e ela estava confundindo gratidão com paixão. Amaldiçoou-se internamente. Dentre todas as horas que aquilo podia acontecer, tinha que ser justamente no momento em que Adrien tinha voltado.

Ela girou o registro do chuveiro e pegou a toalha, enrolando-se e saindo do box. À frente do espelho embaçado via seu reflexo sem conseguir definir a imagem. Ela sempre enxergara sua vida de Ladybug como um trabalho. Uma função que cumpria para ganhar dinheiro e ajudar sua família, impulsionando o próprio futuro quando chegasse a hora, mas com todas aquelas coisas acontecendo, parecia que era cada vez mais um caminho sem volta. E agora, tinha gente atrás dela também. E ela nem sabia porquê. Sentiu-se suspirar. Ela deveria saber que uma hora aquilo ia acontecer. Que ia acabar se envolvendo tão profundamente naquela vida que não seria mais só uma escolha dela usar a máscara ou não.

Levou a mão até o espelho e arrastou-a sobre a superfície gelada, vendo o próprio reflexo surgir. Marinette tinha olheiras irrompendo sob os olhos e a ruga na testa que antes aparecia apenas quando estava preocupada começava a ser marcada permanentemente no seu rosto. Ela fechou os olhos e se inclinou até o espelho, encostando a testa nele e sentindo a temperatura fria invadir seus sentidos. Não tinha mais volta. Ela havia fundido suas duas personalidades e era tarde demais para desistir.

 

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“Um!” Marinette ouviu o grito e pulou assustada “Eu quero saber porquê você não me ligou ontem!” Alya estava sentada ao seu lado na sala de aula e a voz penetrava os ouvidos de Marinette como uma martelada “Dois! Eu quero saber em que balada você foi sem me convidar pra estar com essa cara de ressaca!” Alya apontava para o rosto de Marinette que fechava os olhos com força, tentando evitar a dor de cabeça lancinante que surgia atrás de seus olhos. Tinha ido direto de casa para o colégio e não conseguira tirar nem meia hora de sono “E três!” a ruiva baixou o tom de voz e Marinette agradeceu mentalmente por aquilo “Quero saber o que aconteceu com o Adrien que ele ainda não apareceu na aula.” Alya se manteve inclinada, com os olhos brilhantes em ansiedade pelas respostas.

Marinette suspirou, sentindo-se exausta. Obviamente teria que lidar com a Alya, e tinha esquecido absolutamente que a amiga podia ser pior do que um furacão quando não sabia o que estava acontecendo.

“Um” Marinette começou a responder “Eu fiquei enfiada no trabalho sobre a Revolução Francesa e não tive nem tempo de respirar. Dois: Vide item um. E três...” Marinette inclinou o corpo para trás e falou alto “Eu não tenho nada a ver com o Adrien, problema é dele se ele não vem pra aula.” Marinette viu o olhar divertido de Alya olhar para algum ponto atrás de si e gemeu, sentindo os ombros caírem e se virando devagar para já saber quem estava atrás de si.

Para a surpresa de Marinette, Adrien não tinha no rosto a expressão arrogante do dia anterior ou o sorriso debochado. Ele parecia cansado. Exausto. Viu ele baixar o olhar para a própria classe e sentar-se em silêncio, sem fazer contato visual. Marinette virou-se para Alya, que sacudiu os ombros indicando que também não sabia a razão do comportamento do loiro. Marinette quase se sentiu mal por ele. Quase.

A aula correu tranquilamente. Adrien erguia os olhos apenas para olhar para o quadro e os baixava novamente. Marinette sabia porque o espiara por boa parte da aula. Era quase como se o antigo Adrien tivesse voltado. Quase como se...

Ela sacudiu a cabeça, espantando os pensamentos. Ela nunca teria o antigo Adrien de volta. Ele não existia mais. Conforme sua cabeça funcionava, a conversa que tivera com Adrien antes de ele ir embora começou a retornar pouco a pouco. Cada palavra. Cada sensação.

 

######### QUATRO ANOS ANTES #########

 

“Adrien, o que você pensa que está fazendo!?” Marinette sentia o corpo tremer em raiva e preocupação, olhando para o garoto que estava sentado no banco da praça perto da escola.

“O que você está fazendo aqui?” ele levantou o olhar cheio de descaso na direção dela e Marinette sentiu-se engolir a seco. Adrien nunca a tinha olhado daquele jeito.

“São dez horas da noite, Adrien. O que você tá fazendo aqui sozinho?” Marinette olhou em volta e não viu ninguém. A praça era bem iluminada, mas ainda assim era uma área perigosa. Alya havia lhe mandado uma mensagem avisando que vira o garoto sentado ali e, como sempre, ela correra para convencê-lo a voltar para casa.

Adrien começara a se comportar estranho desde o acidente que envolvera a morte dos pais e, com o passar do tempo, as coisas foram só piorando. Marinette o considerava uma das pessoas mais importantes de sua vida, e se preocupava com ele. Tentara entender as razões dele. Relevara uma porção de coisas, acreditando que talvez aquilo tudo fosse apenas um período de rebeldia por causa da dor da perda, mas as atitudes de Adrien começavam a sair de controle.

“Para de agir assim, Adrien. Tá todo mundo preocupado com você. Eu tô preocupada com você.” Marinette cerrou os punhos.

“Me deixa em paz, Marinette. Eu só quero ficar sozinho.” a voz dele era baixa e triste, e ela sentiu a testa franzir.

“São os pesadelos de novo? Porque se forem, a gente pode-” ela perguntou, começando a se aproximar.

“Cala a boca!” ele gritou, interrompendo-a, e ela parou abruptamente, abalada pelo tom da voz dele, sentindo algo gelar dentro de seu peito.

“Por que você tá fazendo isso?” ela sentia as palavras começarem a tremular e a visão ficar turva com as lágrimas se acumulando.

“O que você quer, Marinette!?” ele levantou do banco e deu passos largos na direção dela, falando alto com os braços para cima “Me diz, o que você quer de mim!? O que todo mundo quer de mim!? Porque eu tô de saco cheio de ser o que todo mundo quer que eu seja! Eu cansei disso, Marinette! EU CANSEI DESSA VIDA!” ele gritou próximo ao rosto dela e Marinette, em um impulso, ergueu a mão e atirou-a contra o rosto dele.

O estalo foi seguido por vários segundos de silêncio. Adrien girou o rosto de volta para olhar Marinette em espanto, e ela viu um fino fio de sangue descer pelo lábio inferior dele. Sentiu arrependimento e raiva se misturarem em um furacão de emoções, seguido pela dormência na palma da mão direita, e todo o auto-controle que tinha desapareceu.

“Você acha que só você tá sofrendo!?” ela cuspiu as palavras no rosto dele “Você acha que só você sente, Adrien!? Que só você tem um coração nesse peito!?” ela apertou o indicador no tórax dele enquanto falava “Você não tá vendo as pessoas à sua volta sofrendo!? Você não tá me vendo sofrer!?” ela só enxergava vermelho à sua frente e sentia o corpo tremer violentamente, como se algo tivesse se apossado dela.

“Eu nunca te pedi pra ficar, Marinette. Você tá aqui porque quer.” ele respondeu, secando o sangue que escorria queixo abaixo com as costas da mão, e a maneira indiferente com que ele fez aquilo ferveu o sangue dela.

“Eu tô aqui porque eu quero, sim! Eu tô do teu lado porque eu quero! Porque você é importante pra mim, seu idiota.” algo no jeito com que ele olhava para ela só alimentava a raiva que ela sentia, lembrando todos os últimos meses de preocupação constante “Você chega quase todos os dias atrasado pra aula, Adrien! Isso quando vai! Pelo amor de Deus, cada vez que eu olho pra você tem um hematoma diferente no seu rosto! E agora essa história de gangues e traficantes e drogas!” Marinette segurou a camisa dele com os punhos cerrados, aproximando o rosto do dele e segurando as lágrimas “Eu tô te perdendo, Adrien. Eu não te conheço mais.”

Marinette conseguia ver Adrien, mas não o sentia ali. Ele estava se isolando e se perdendo em um mundo desconhecido e perigoso. Via uma dor, um sofrimento profundo, algo muito mais escuro do que ela jamais havia percebido no olhar dele, e ela só conseguia pensar que queria enfiar a mão dentro do peito dele e arrancar tudo aquilo de lá. Queria o Adrien que conhecia de volta.

“O que você quer de mim, Marinette?” ele suspirou, murmurando passando as mãos nos cabelos.

“Eu quero você.” ela ouviu as palavras deslizarem de seus lábios como um murmúrio, e Adrien deu um passo para trás como se tivesse levado um soco “Eu quero quem você costumava ser, quem você é aí dentro.” Marinette ergueu os olhos e sentiu a voz hesitar em nervosismo, mas não parou “Eu quero o Adrien que eu perdi. Eu te quero do meu lado.” ela sentiu o rosto corar e a respiração falhar no momento em que um soluço chegou aos seus lábios, mas engoliu o choro. Não cairia na frente dele. Não ali.

“O que tinha dentro de mim não existe mais, Marinette.” ela conseguia ouvir a dor na voz dele e um sorriso triste deformou os lábios do garoto “O que você quer não existe mais. Eu sou só uma casca vazia.” ele baixou a cabeça e Marinette sentiu o peito rasgar em desespero enquanto dava dois passos cambaleantes para trás.

“Não diz isso, Adrien!” ela sentiu o tom da própria voz levantar e correu até ele, abraçando-o com força como se quisesse acordá-lo daquele pesadelo horrível que se desenrolava “Não diz essas coisas pra mim.” ela sentiu o soluço que segurava desprender da garganta e lágrimas começarem a rolar pelo rosto. Ela precisava alcançá-lo. Precisava achá-lo no meio daquela escuridão onde ele se enfiava e, sentindo a esperança morrer, deixou palavras que não pretendia pronunciar vazarem do meio dos seus lábios.

“Eu te amo.”

Pronto, era tarde demais para voltar atrás. O estrago estava feito. Ela fechou os olhos com força tentando conter as lágrimas que não paravam de rolar. Tentando conter os pensamentos de arrependimento que eram atirados contra o seu cérebro pela carga de adrenalina. Ela queria Adrien de volta. Queria vê-lo bem e feliz. Queria vê-lo sorrindo como costumava sorrir. Não importava o tempo. Não importava o preço.

“Você não vale nada pra mim, Marinette.” Marinette sentiu-se congelar com as palavras murmuradas por Adrien em seu ouvido no meio do abraço. Ela sentiu o coração parar no peito. “Nunca mais chega perto de mim.” ela relaxou os braços, afastando-se com os olhos arregalados que corriam lágrimas silenciosas.

Quando Marinette se afastou, Adrien semicerrou os olhos na direção do chão e passou a mão nos cabelos. Ele sequer olhou nos olhos dela.

“Se cuida, Marinette.”

E assim, Adrien girou nos calcanhares e foi embora.

Marinette viu as costas dele se afastarem até serem engolidas pela escuridão da noite. Ela não conseguia respirar. Não conseguia pensar. Não conseguia piscar. Seus sentidos estavam todos anestesiados, e por um segundo ela achou que seu coração havia desaparecido do peito, apagado pelas palavras de Adrien. Mas no segundo seguinte, quando todas as percepções voltaram ao mesmo tempo, Marinette caiu de joelhos sentindo a pior dor que já experimentara na vida.

E aquela dor lhe acompanharia por anos a fio, até que algo no seu coração finalmente desistiria e a transformaria em algo com que poderia lidar. Fúria. Rancor. Aversão. Até que, finalmente, causasse aquele buraco enorme chamado ódio.


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Notas finais do capítulo

Que fique bem claro que não era meu objetivo fazer ninguém sofrer.
Ou era. Um pouco.
Mas eu ainda amo vocês ♥