Dépendance escrita por KarenAC


Capítulo 20
Capítulo 20 - Febre


Notas iniciais do capítulo

Uhuuu, postando no prazo certo!
Aproveitem ♥



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Quem luta com monstros deve velar por que, ao fazê-lo, não se transforme também em monstro. E se tu olhares, durante muito tempo, para um abismo, o abismo também olha para dentro de ti.

Friedrich Nietzsche

 

Após ouvir a aceitação de Marinette, Nathanaël sentou-se ao lado dela e lhe ofereceu o braço como conforto, onde ela se encostou naquele final de tarde fria, pegando no sono logo em seguida. Ele passou a mão pela franja dela, afastando os cabelos enquanto via o perfil adormecido da garota. Seu peito pulava de ansiedade, o desejo de tomá-la nos braços e colocar os lábios sobre os dela formigavam sob sua pele, mas ele sabia que ela ainda estava vulnerável demais para que ele passasse por cima daqueles limites.

Quando notou que ela já estava com o sono mais pesado, Nathan pegou-a nos braços e subiu a escada até o quarto dela, colocando-a sobre a cama e cobrindo-a com um cobertor. Ainda ficou por mais alguns segundos observando-a dormir antes de descer as escadas novamente. Pegou a chave da casa sobre o balcão, saiu, trancou-a por fora e atirou a chave por baixo da porta. Saiu então a passos apressados em direção a seu destino. Havia mais uma coisa que precisava fazer antes que o dia terminasse, e encaminhou-se em direção à casa de Chloe.

 

●  ●  ●  ●  ●

 

Adrien caminhava enquanto esfregava as mãos nos cabelos impacientemente. Justamente quando as coisas pareciam estar dando certo, tudo lhe escorregava pelos dedos. Queria se acertar com Marinette, mas não podia deixar que a segurança dela ficasse acima dos seus sentimentos, nunca. Por causa daquilo, parecia que tudo o que havia acontecido quatro anos antes estava se repetindo. Será que aquele era o destino dele sempre? Ser o vilão da história para que ela pudesse viver em paz? Grunhiu, pensando que se aquele fosse o preço, ele não sabia quantas vezes ainda teria condições de pagá-lo e permanecer são.

Após convencer Chloe que era uma má ideia ir até à diretoria, ele voltou para a sala de aula para buscar suas coisas e recebeu um sermão de Alya, que o chamou dos piores nomes que ele já ouvira. Não tivera coragem de discutir, e sabia que tampouco adiantaria. Apenas concordou com a ruiva, pegou suas coisas e foi embora.

Por baixo de todo aquele acontecimento com Chloe existia uma verdade que não poderia compartilhar com ninguém, a de que Marinette deveria fazer das tripas coração para manter suas ações o mais discretas possíveis. Qualquer atenção que chamasse para si mesma, também chamaria para a Papillon, e o afligia imensamente que só ele se dava conta daquilo e que ela continuava tão inconsequente em seus atos. Ainda assim, refletiu nas últimas palavras que Alya dissera antes de sair da sala de aula.

 

Se você não der valor, vai aparecer alguém que dê.

 

Adrien esfregou a cabeça mais uma vez suspirando pesadamente e foi em direção à Toca do Gato, mas no caminho sentiu algo vibrar no seu bolso e puxou o celular, vendo o nome piscar na tela.

“Nino!” Adrien alegrou-se ao atender o telefone, era justamente com ele que queria falar.

Adrien conhecera Nino na Itália quando passava por seu terceiro ano na Farfalle. Após uma missão particularmente desgastante, Adrien só tinha vontade de esquecer tudo o que acontecera naquele dia, então resolveu que sairia à noite e beberia até apagar as cenas sangrentas que sua cabeça reprisava sem parar.

Ele escolhera uma boate de onde sabia que os drogados da Farfalle mantinham distância e sentou-se no bar, pedindo ao barman duas doses da bebida mais forte que ele tinha. Sentiu o liquido descer rasgando pela garganta e a leve tontura que lhe acometeu dizia que precisaria de pelo menos mais umas duas ou três pra acalmar os pensamentos a fazê-lo apagar à noite. Quando estava na segunda dose, Nino sentou ao seu lado no bar e começou a conversar com ele. Adrien achou que Nino era um infiltrado da Farfalle, e por aquele motivo a conversa inicial foi cheia de hesitação, mas conforme a noite foi passando e Nino se mostrou abertamente amigável, Adrien foi se soltando. Na manhã seguinte, Adrien acordou com uma ressaca terrível no sofá da casa de Nino, e daí em diante os dois viraram melhores amigos.

Não demorou para Adrien descobrir que além de DJ noturno, Nino trabalhava com tecnologia durante o dia. Na verdade, Nino era especialmente bom no que fazia, e a prova era que tinha um sistema de som e mixagem próprio que havia montado e que causava inveja nos outros DJs da região.

Na Itália, Nino era a única pessoa em quem Adrien podia confiar, e após muitas demonstrações disso, ele o convidara para ajudá-lo na montagem de seus aparatos tecnológicos, os quais Nino sempre fazia sem nunca perguntar para o que serviam.

Logo que soube que precisaria retornar à França, Adrien pediu a Nino para ir junto e ajudá-lo a montar a Toca do Gato, convite que o rapaz não pensou duas vezes antes de aceitar. Ele tinha um espírito aventureiro que divertia Adrien, e se pudesse, o teria convidado para ficar em Paris, porém com a Papillon em atividade, quis manter Nino em segurança onde estava.

Adrien não imaginou que precisaria novamente de Nino, mas depois de destruir praticamente todo o esconderijo, ligou em seguida para Nino, que provavelmente não pode atender no momento. Ainda assim, Adrien sabia que eventualmente ele retornaria a ligação, e foi o que aconteceu.

“E aí, mano! Como você tá?” Nino perguntou animadamente do outro lado da linha.

“Tô bem, tudo tranquilo.” Adrien mentiu sem pensar duas vezes “Cuida só, preciso que você monte aqueles terminais pra mim de novo.” perguntou enquanto caminhava pela calçada, desviando de pessoas que se movimentavam rapidamente a seus destinos.

“Ué, de novo? Quê que aconteceu com aqueles que a gente montou?” Nino perguntou desconfiadamente.

“Um acidente.” Adrien respondeu firme.

“Um acidente? Cara, você gastou uma fortuna naquilo! Que tipo de acidente destrói uma fortuna? Adrien não respondeu do outro lado, escolhendo as palavras, mas Nino foi mais rápido “Por que eu sinto cheiro de mulher nessa história?” Adrien passou a mão no rosto e gemeu “Isso tem a maior cara de ter sido treta com aquela sua gata francesa, né? Rolou um sexo selvagem?” Nino riu alto do outro lado da linha, e Adrien sentiu o rubor subir nas bochechas.

“Não fala merda, Nino.” ele bradou no meio da rua, chamando atenção de várias pessoas, e quando percebeu isso pigarreou para disfarçar, seguindo em passos mais apressados.

Nove em cada dez conversas que Adrien tinha com Nino eram sobre Marinette, e a que sobrava era sobre alguma garota que Nino pegara em uma balada. Nino devia saber tudo o que havia para saber sobre Marinette, já que Adrien não tinha mais ninguém com quem conversar, então os ouvidos de Nino eram constantemente ocupados por histórias do passado. Ainda assim, mesmo sabendo do nome dela, Nino insistia em adereçá-la com ‘a gata francesa de Adrien’, e de propósito, porque aquilo fazia Adrien se irritar toda vez.

“Tá, me diz, você anda muito ocupado por aí?” Adrien puxou o tópico principal da discussão novamente à tona.

“Não tô não, eu tenho um show amanhã de noite e final de semana estou livre como um pássaro. ‘Cê quer que eu vá quando?” Nino perguntou do outro lado da linha e Adrien sorriu com a resposta.

“Sábado mesmo então! Vou comprar a passagem e te mandar, pode ser?” Adrien estava próximo à Toca, e deu a volta por outra rua para alcançar a parte de trás do prédio.

“Perfeito! Sábado tô aí.” Nino respondeu.

“Você vem sozinho?” Adrien perguntou enquanto olhava a parte de trás do prédio do esconderijo, procurando em volta alguém que pudesse vê-lo escalar antes de subir.

“Vou, fazer o quê. Tomei um pé acompanhado de um chifre, ‘cê nem faz ideia. Ela ficou com um cara no meio do meu show, bem na minha frente.”

“Porra, que beleza, hein?” Adrien franziu o nariz.

“Uma maravilha.” Nino suspirou “Tá, me manda a passagem que amanhã tô aí. Quem sabe eu não consigo uma gata francesa pra mim também.” ele riu “Um sexo selvagem agora não seria nada mal.”

“Tô começando a me arrepender de ter te convidado.” Adrien revirou os olhos.

“Nem tá nada.” Nino debochou “Tá, vou lá antes que ‘cê mude de ideia! Até sábado, mano!”

“Até!” Adrien desligou o celular, olhou para os lados, e quando viu que não havia ninguém em volta escalou o prédio rapidamente, entrando pela passagem na cobertura para dentro da garagem.

O cheiro de queimado ainda não havia se dissipado completamente do ar, e quando olhou pela janela, viu uma das partes quebradas em pontas irregulares. Caminhou até o vidro, sentindo os cacos crepitarem embaixo de seus passos. Levou a mão até uma das pontas de vidro, lembrando de quando havia tocado o corte no rosto de Marinette, o mesmo corte que ela tinha no rosto durante aquela manhã na escola, a fina linha que havia rasgado sua pele porque ela havia se arriscado para ajudá-lo. A frase dela ecoou dentro de sua cabeça mais uma vez, a Marinette que aparecia por baixo da máscara de Ladybug surgindo em sua mente.

 

Eu quebrei a sua janela, desculpa.

 

Ele sacudiu o cobertor cheio de cacos de vidro que estava sobre o colchão e deitou-se ali mesmo, sentindo uma dor de cabeça começar a aparecer por trás dos olhos. Apoiou a cabeça no travesseiro e fechou as pálpebras apenas para relaxar, mas o cansaço dos últimos dias lhe abateu de uma hora para outra, jogando-o em um sono profundo e pesado.

Sonhou com os pais mortos, Marinette ferida e o tempo que trabalhou na Farfalle, e tudo se misturava levando a eventos terríveis e situações dolorosas demais para ele aguentar. Em algum ponto durante o pesadelo, olhou para as próprias mãos de onde escorriam cachoeiras de sangue e acordou-se em um sobressalto, ofegante.

Passou a mão na testa enquanto tentava recuperar o fôlego, sentindo o corpo tremer e o frio penetrar até o cerne de seus ossos. O suor corria livremente pelo rosto, chegando até a ponta de seu queixo e pingando sobre os punhos fechados que agarravam o cobertor com força. A sensação de mil agulhas penetrando seus músculos pulsava sob a pele. Sabia que a maioria das vezes aquele era o efeito após os pesadelos, mas por algum motivo achou as sensações mais fortes do que o normal.

Olhou pela janela e viu a escuridão da noite tomando conta do lugar, as lâmpadas que antes forneciam luminosidade agora quebradas e o sistema de calefação estragado no meio da destruição dos terminais gelando o ar que deveria aquecer. Recriminou-se por ter pego no sono por tanto tempo, e pensou isso enquanto olhava pela janela quebrada que jogava vento e pequenos flocos de neve para dentro do quarto. Parecia que o inverno havia chegado mesmo de vez.

Precisava saber se Marinette estava bem, já era tarde e ela não lhe enviara mais mensagens. Puxou o celular do bolso e notou que as letras e números estavam embaralhados. Piscou duas vezes para focar a visão e discou o número que sabia de cor. Pôs-se de pé cambaleante e desceu até a garagem pela escada, segurando-se ao corrimão para não cair. Sentia o frio aumentar, então foi até o armário e pegou outro casaco, jogando-o sobre o de couro que já usava. Tropeçou pelo caminho até chegar ao portão da garagem, e teve que colocá-lo no manual para erguê-lo, pois o anel com o dispositivo de abertura estava na sua roupa de Chat Noir.

Adrien saiu na rua e notou a neve que caía fina sobre Paris. Sua cabeça doía como se estivesse levando marretadas, mas a cada chamada no celular que Marinette não atendia, seu coração o golpeava muito mais forte do que a cabeça. Deixara o cansaço vencer-lhe, fora descuidado, e agora não estava em plenas condições de ajudá-la caso algo acontecesse. Amaldiçoou-se mil vezes a cada passo que colocava à frente do outro.

Apertou o celular com mais força no meio dos dedos, ouvindo a quinta vez que ligava para Marinette cair na caixa de mensagens. Ele precisava chegar até ela. Precisava saber se ela estava bem. Fechou o casaco em torno de si e apressou o passo o máximo que suas forças lhe permitiam. Quando viu a casa de Marinette ao longe, sorriu em reflexo, mas seus lábios racharam por causa do frio, provocando-lhe uma careta de dor. Passou a língua nos lábios, mas aquilo só piorou a sensação de ardência.

Adrien puxou novamente o celular, desejando com a força de mil sóis que ela o atendesse, que ela dissesse que estava bem, mas suas preces não foram atendidas. Os tremores de suas mãos haviam piorado, e ele já não sentia a ponta dos dedos. Seus pés alcançaram a entrada da padaria, e ele bateu na porta várias e várias vezes, mas ninguém atendeu do outro lado. Sentia suor escorrer pelo seu rosto, e não entendia como aquilo era possível considerando a temperatura que estava na rua. Com o nervosismo crescendo dentro de si, começou a golpear a porta com mais força, sentindo cada pancada bater como uma dor dentro da própria cabeça.

Ele baixou então os olhos para o telefone, tentando focar a visão, e percebeu que o relógio marcava 3h20 da manhã. Gemeu em recriminação e franziu o cenho. Com certeza ela estava dormindo, e ele havia feito todo aquele escândalo, e deixado dezenas de chamadas não atendidas no celular dela. E o pior, pelo que via, era que tinha sido descuidado o suficiente para ligar do seu número de Adrien, não de Chat Noir. Como explicaria aquilo? Olhou para cima uma última vez e viu as luzes da casa apagada. Quando estava prestes a virar nos calcanhares, ouviu um estalo atrás de si e a porta abriu, mostrando uma Marinette sonolenta ainda de pijama.

Ele a viu esfregando os olhos e piscando várias vezes para focar a visão, parada à porta de pijama, a figura frágil e desprotegida, um alvo fácil para qualquer um que quisesse machucá-la.

“Como você abre a porta a essa hora da madrugada!?” ele bradou, mas não era aquilo que queria falar.

 

Você está bem, Marinette.

Você está bem.

Meu Deus, obrigada.

 

“Adrien?” ela coçou os olhos mais uma vez, como se tentando entender o que estava acontecendo.

“Vai dormir, eu bati na porta errada.” Adrien fechou o casaco à frente do peito, sentindo as palavras saírem de seus lábios trêmulos, o ar de seus pulmões lançando uma fumaça branca no ar enquanto falava.

“Adrien, são três horas da madrugada e tá nevando! Que diabos você tá pensando? Entra logo!” Marinette puxou-o pelo casaco, e as pernas dele não foram nem minimamente fortes para resistir.

Ele deu dois passos cambaleantes para a frente, caindo nos braços dela. Marinette arregalou os olhos e abriu os olhos para apará-lo. Estava prestes a empurrá-lo quando percebeu que mesmo com a neve do lado de fora, o rosto dele queimava como fogo.

“Você tá bem.” ele murmurou próximo ao ouvido dela, as palavras ofegantes saindo com esforço enquanto apoiava a testa no ombro esquerdo dela “Graças a Deus você tá bem.”

Marinette fechou os braços nas costas de Adrien e sentiu o casaco encharcado pela neve que derretia. Ele havia caminhado até ali? Será que havia ficado assim tão preocupado com o que havia acontecido com a Chloe? Preocupado a ponto de aparecer no meio da madrugada na casa dela para saber se ela estava bem?

“Tá cinco graus negativos lá fora!” ela disse enquanto sentia o corpo trêmulo dele apoiado no seu, procurando calor, os braços enroscados no casaco.

Marinette afastou-se devagar e pousou a mão na testa dele, sentindo o suor frio e o fervor sob os dedos. Ele estava queimando de febre. Franziu a testa e sacudiu a cabeça negativamente. Ele tinha atitudes que ela não entendia, e a raiva imensa que sentia dele se desfez embaixo dessa névoa de pensamentos.

“Vem, eu vou fazer um chá quente pra você.” ela se afastou devagar e fechou a porta da padaria, trancando-a e caminhando até a cozinha.

Ele a seguiu em passos cambaleantes e sentou-se no sofá enquanto esfregava as mãos uma na outra e soprava dentro delas, tentando se aquecer. Marinette colocou a água para ferver e preparou o chá, indo em seguida até o armário do banheiro onde seus pais guardavam a caixa de remédios e pegando dois comprimidos para febre.

“Eu preciso ir.” Adrien falou da sala, a voz pouco mais alta do que um murmúrio “Tá tarde.”

“Tá sim.” ela concordou “Mas pior do que isso é você sair lá fora no estado em que está. Você tomou alguma coisa?”

“Alguma coisa?” ele perguntou olhando na direção dela sem entender.

“Um remédio pra febre, você tomou?”

“Que febre?” ele franziu a testa, os olhos semicerrados em um estado de torpor.

Marinette suspirou pesadamente. Como ele não havia percebido que estava com febre naquele estado e ainda conseguia perguntar se ela estava bem?

“A sua febre.” Marinette andou até ele com a xícara fumegante de chá em mãos, entregando junto com dois comprimidos.

Adrien fechou as mãos ao redor da xícara, mas os tremores não o deixavam firmar o objeto, e Marinette teve medo que ele se virasse o líquido quente. Pegou então a xícara de volta, sentando-se ao lado dele.

“Deixa que eu seguro, toma os comprimidos.”

“Pra quê que é isso?” Adrien perguntou olhando os dois comprimidos brancos e redondos na palma da mão.

“Pra curar a sua idiotice.” ela respondeu e teve que conter um riso quando ele colocou os dois comprimidos na boca sem discutir.

Marinette levou a xícara até os lábios de Adrien, dando-lhe de beber devagar, enquanto via o pomo de Adão dele subir e descer durante a deglutição. Os olhos dele fecharam como se aquela fosse a bebida mais gostosa que já tomara, mas ela estava preocupada com a febre dele que parecia não parar de subir. Se continuasse naquele estado, ia acabar com uma infecção, isso se já não tinha uma. Ela levantou e colocou a xícara sobre a televisão.

“Tira esse casaco, deve estar molhado da neve.” ela ordenou enquanto tirava a mesa de centro do meio da sala.

“O que você tá fazendo?” ele abraçava o próprio corpo tentando se aquecer enquanto tremia.

“Abrindo espaço pro colchão.” ela respondeu indo até uma porta nos fundos da casa.

“Que colchão?” Adrien perguntou enquanto a via desaparecer.

“O que você vai deitar, ora bolas. Meu Deus, quanta pergunta!”

Marinette voltou para a sala arrastando o colchão de casal extra que ficava embaixo da cama de seus pais e colocou-o sobre o tapete, ajeitando lençóis e cobertores. Quando terminou, Adrien ainda estava abraçado no casaco, tremendo incontrolavelmente.

“Adrien, tira isso logo.” ela apontou para o casaco que ele ainda vestia e bateu com a mão na própria coxa em impaciência.

“Eu vou congelar.” ele sentia os dentes batendo uns nos outros, as palavras difíceis de pronunciar.

“Vai se continuar vestindo essa coisa molhada. Vamos, já liguei o lençol elétrico, vai ficar bem quentinho aqui.” Marinette colocou as mãos na cintura esperando, e com relutância Adrien abriu os braços, tirando o casaco que usava e ficando com o de couro por baixo. “Esse também. Pode ficar com a camiseta de baixo. Você não pode se abafar, isso só faz a febre subir.”

Marinette viu Adrien tremendo enquanto tirava os casacos, e franziu a testa em preocupação, mas nada se comparou a quando ele ficou apenas de camiseta e ela viu as manchas nos braços dele. Logo abaixo das dobras do cotovelos, na parte de dentro dos antebraços, várias máculas escuras se estendiam, e Marinette precisou andar até o sofá e sentar-se para não cair.

“Adrien” ela soprou o nome dele e trancou a respiração na garganta enquanto colocava a mão na boca.

Lembrou de quatro anos atrás, quando em uma de suas caçadas aos passos dele durante a noite o vira envolvido com uma gangue de drogados, e não conseguiu piscar enquanto o via deitar sob os cobertores e puxá-los até a cabeça, a batida dos dentes preenchendo o silêncio da sala.

 

O que aconteceu com você, Adrien?

Por que você não fala comigo?

 

Ela apertou as mãos na boca para abafar um soluço, mas não foi o suficiente para conter as lágrimas que começaram a descer silenciosamente pelo seu rosto. Fechou os olhos com força, tentando segurar o pranto que agora arrebatava seu peito em tremores silenciosos. Sentiu então algo segurar seu pulso e lhe puxar para a frente. No próximo segundo, estava nos braços de Adrien, embaixo do cobertor.

“Tá frio.” ele estava de olhos fechados, as palavras delirantes sussurradas pelos lábios trêmulos.

Marinette tentou responder, mas ao invés de palavras, um soluço saiu de seus lábios. Ela olhou para cima e viu o rosto dele com a testa franzida, a expressão de dor. Agarrou a camisa dele com as duas mãos e baixou o rosto, afundando-o no peito dele, o pranto impossível de segurar.

“Fica aqui.” Adrien sussurrou no ouvido de Marinette, o rosto aninhando no pescoço dela "Por favor."

Ela sacudiu a cabeça positivamente, mesmo sabendo que ele talvez nem fizesse ideia de onde estava, nem fizesse ideia do que estava acontecendo. Ele só estava delirando, talvez nem fosse nela que estivesse pensando. Talvez nem fosse ela que estivesse abraçando ali.

“Eu não quero ir.” ele passou os braços ao redor dela e puxou-a para mais perto do peito, o calor do corpo dele confundindo-se com o dela “Eu não quero ir.”

Ela entreabriu os lábios em choque, as mãos soltando a camisa dele de leve com as palavras que ele murmurava.

 

Por que você faz isso comigo, Adrien?

Por que eu ainda te amo tanto mesmo sentindo toda essa dor?

Por quê?

 

“Pra onde?” ela sussurrou contra o peito dele.

“Embora. Deixar a Marinette. Eu não quero ir.” ele sentiu as palavras vibrarem no peito dele, atingindo-a como flechadas.

Adrien nunca havia dito o que queria ou não queria para ela. Na verdade, ela não lembrava de ele ter dito o que queria nunca na vida desde que o conhecera. Algo ali dizia que aquela era a conversa que eles deveriam ter tido quatro anos atrás. Não aquela pilha de gritos, ofensas e dor, mas uma conversa de verdade, ainda que em meio a delírios febris.

“Então não vai.” ela agarrou a camisa dele com mais força, aproximando-se como se não quisesse largá-lo. Sabia que ele já havia ido, que o tempo já havia passado, e que era tarde demais para voltar atrás, mas fechou os olhos com força como se o apertar de suas pálpebras fosse um feitiço que poderia fazê-la voltar no tempo.

“Eu preciso.” Adrien soprou as palavras entre os lábios febris, as palavras demoradas em sílabas longas como se ele estivesse prestes a pegar no sono.

“Por quê?” os olhos dela estavam abertos de novo, o coração pulsando loucamente a ponto de senti-lo no pescoço.

“Porque eu sou um monstro.”

Marinette puxou o ar e o trancou no pulmão, afastando-se levemente de Adrien e erguendo o rosto para fitá-lo. Ele já estava de olhos fechados, os lábios entreabertos respirando mais devagar, a testa brotando suor indicando que o remédio começara a fazer efeito e a febre começava a baixar. A última frase de Adrien antes de pegar no sono pulsou nos ouvidos de Marinette por um tempo que pareceu infinito, até suas pálpebras ficarem pesadas demais para se manterem abertas.


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Notas finais do capítulo

Gente, pra quem tem perguntado, eu costumo postar capítulos novos dia sim e dia não, mas às vezes a vida não permite e eu acabo demorando um pouco mais, então pra evitarem perder, coloquem a fic na lista de acompanhamentos para receber notificações ;3

Tenho lido todos os comentários de vocês, muito obrigado por sempre lerem e comentarem, amo vocês ♥