Estrelícia escrita por Winston


Capítulo 1
Cartas




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Era uma vez um príncipe que se apaixonou por uma plebéia.

O príncipe era gentil. Gostava de ajudar seu povo e nunca fazia pouco de ninguém.

A plebéia era uma moça simples, mas que, por culpa do destino, sabia muito sobre a vida no palácio.

E os dois se conheceram em um dia como todos os outros.

O príncipe passeava pelo povoado e a plebéia vendia suas flores em uma praça.

Trocaram vários olhares, algumas palavras e uma estrelícia.

(…)

 

— — —

 

Dia 30 de agosto.

É meu aniversário de trinta anos. E quando recebo a primeira carta.

O envelope branco apareceu na caixa de correio como quem não quer nada, em pleno domingo, me pegando de surpresa ao sair para regar as flores. Eu nem ao menos teria olhado para a caixa de correio se não fosse um pássaro verde cantando desesperado em cima dela, me chamando a atenção. Afinal, o correio não passa no domingo.

A carta não tinha remetente, o que me fez perceber que alguém havia passado por ali e a deixado para mim. Meu nome estava escrito, ou melhor, praticamente desenhado, grande e florido no envelope branco e simples. Voltei para dentro de casa com ela em mãos, curiosa para saber o que ela tinha para me contar.

Sentei-me no sofá com os olhos ainda pregados no envelope, abrindo-o com delicadeza para então tirar de lá um papel azul claro dobrado ao meio. Mal o tirei de dentro do envelope e percebi que tinha um cheiro maravilhoso. Não era bem perfume, pude constatar ao aproximá-lo para cheirar melhor, me trazia lembranças da infância e um leve sentimento de leveza que me fez sorrir sem perceber.

Comecei a ler a carta lentamente, e já havia chegado ao seu final quando minha pequena criança de seis anos pulou ao meu lado, jogando todo o peso de seu corpo contra o meu ao tentar ver o que eu tanto olhava.

— Mamãe, que isso?

— Uma carta — respondi, levantando um dos braços para passar ao redor dos pequenos ombros de Érica, passando os dedos sobre seus cabelos curtos.

— De quem? — continuou questionando, com sua curiosidade insaciável de criança.

— Hm, não sei, não veio com nome. — Virei-me para ela, que me olhava agora com os olhos arregalados.

— Ooooh, então é tipo um mistério? O que tem escrito nela? — perguntou mais uma vez, cada vez mais interessada.

Seus olhos brilhantes e curiosos me fizeram abrir um sorriso ainda maior do que já tinha no rosto, dobrando a carta com a mão que ainda a segurava.

— É uma história.

— Sobre o que? Lê pra mim? — Sua chuva de perguntas finalmente me fez soltar uma curta risada.

— Acho que é sobre um príncipe, mas não tem o final. A história parou bem no começo. — Torci o canto dos lábios, passando o polegar pela pequena folha.

— Ah, chato. — resmungou Érica, perdendo todo o entusiasmo ao ouvir que a historia não tinha um final, fazendo um bico.

Eu soltei outra risada, finalmente guardando a carta em seu envelope e deixando sobre a mesa de centro da sala antes de me levantar. Os olhos de Érica se encheram de expectativa outra vez ao ver que eu me encaminhava até a cozinha, empoleirando no sofá para pedir que fizesse lasanha para o almoço.

 

— — —

 

(…)

Alguma coisa o fez voltar.

Talvez pelas flores, talvez porque a plebéia o reconhecera como príncipe.

“Por sua forma de andar” havia dito ela, mesmo que ele não estando vestido como da realeza naquela ocasião.

Ela ofereceu outra flor ao vê-lo pela segunda vez, ele ofereceu a ela seu tempo e um sorriso.

O amor cresceu aos poucos.

Mas acabou crescendo demais.

(…)

 

— — —

 

A segunda carta veio numa tarde ensolarada, caindo sobre o parapeito da janela.

O envelope planou por alguns segundos do outro lado do meu escritório, caindo na posição perfeita para que eu esticasse o braço e o pegasse.

Estava com a carta em mãos quando alguém bateu em minha porta.

— Eleonor, a apresentação começa em quinze minutos. — Apareceu meu companheiro de trabalho pela abertura da porta, para então sumir assim que assenti com a cabeça.

Meus olhos voltaram rapidamente para o envelope em minhas mãos ao mesmo instante em que a porta se fechou, girando-o em busca de um destinatário apenas para ver que só havia meu nome escrito outra vez. Desenhado. Brilhante.

Não questionei como ela havia parado em minha janela. Não pensei que estava no terceiro andar e que não fazia sentido que pousasse tão bem no parapeito. Apenas a abri, sorrindo novamente ao ter o cheiro familiar que a outra carta ainda possuía.

Me sentia criança outra vez sempre que o tinha por perto.

Érica concordava comigo e agora tinha a carta adornando a cabeceira de sua cama. Quando a vi ali de noite, não tive coragem de pegá-la de volta.

A cor da segunda carta era diferente. Um rosa claro, e mesmo antes de começar a ler já sabia que se trataria da continuação da história.

— Cinco minutos!

A voz conhecida outra vez conseguiu me tirar de meu foco no que lia, já que não havia ouvido o bater da porta uma segunda vez. Assenti com a cabeça novamente, mas dessa vez também me levantei, dobrando a carta e colocando-a de volta em seu envelope ao dar a volta na mesa.

— Já chegaram todos? — perguntei, passando os dedos pelo envelope ao deixá-lo sobre a superfície e caminhar até a porta.

— Quase, mas você sabe como são impacientes. — Ele revirou os olhos, soltando uma risada baixa.

Me vi sorrindo também, segurando uma risada ao fechar a porta do escritório.

 

— — —

 

(…)

A família do príncipe não o queria com uma plebéia.

Ela não ser da realeza, para ele, não significava nada. Para eles, tudo.

Resolveram então fugir juntos, se escondendo.

O que deu certo, por um tempo, pois a família do príncipe acabou por encontrá-lo depois de muita busca.

Chegaram na pequena casa onde agora o casal morava e tentaram levá-lo de volta.

Mas não sabiam eles que a plebéia estava a ponto de dar a luz naquele mesmo instante.

(…)

 

— — —

 

— Mamãe, meu amigo de escola me deu isso, é pra você!

Érica falou assim que me avistou na porta da escola, correndo com a mochila que parecia ser maior que ela, principalmente quando estava assim entusiasmada com algo, movendo a mão tão rapidamente que demorei alguns segundos a notar que tinha era uma carta nela.

Ajoelhei-me assim que ela estava próxima o suficiente, para ficarmos da mesma altura.

— Não corre assim, filha, vai acabar se machucando — avisei, apoiando minhas mãos em seus pequenos braços ao que ela tomava fôlego e colocava a carta bem perto do meu rosto.

— Mas olha! Tem seu nome e quando eu perguntei quem tinha dado isso pra ele, ele falou que encontrou perto de um gatinho na frente da casa dele! Um gatinho, mamãe! — contou ela em voz alta, voltando a abanar a carta de um lado para o outro.

A peguei gentilmente de sua mão antes que voasse, ou que acabasse batendo em mim sem querer.

— Um gatinho correio, hein? — perguntei, com um sorriso nos lábios e afastando alguns fios enrolados que saltavam de sua trança e caíam em seu rosto.

— Sim! — disse, entusiasmada, para então franzir as sobrancelhas. — Se bem que é um gatinho correio um pouco perdido, devia ter levado a carta até a nossa casa.

Uma risada escapou de meus lábios e ganhei uma expressão confusa de minha pequena.

— Sim, um gatinho perdido, mas pelo menos tudo deu certo no final, sim?

Érica assentiu energeticamente com a cabeça, os olhos brilhando. Percebi que seus pequenos olhos arregalados iam de mim até a carta que continuava entre meus dedos, e dando um beijo em sua testa, comecei a me levantar.

— Quer ler comigo?

Tomei seus pulinhos de animação ao entrar no carro como um sim.

 

— — —

 

(…)

A bebê nasceu em meio a uma briga de espadas.

O príncipe, tentando protegê-la de seu pai, esqueceu que sua mãe também estava presente.

Ela, sem tirar os olhos da neta recém-nascida, matou a plebéia com uma risada.

O príncipe, num último impulso para protegê-la, pegou a filha no colo e desapareceu.

(…)

 

— — —

 

Em um feriado qualquer, quando todas as pessoas se encolhiam em suas casas no calor de suas famílias, encontrei a quarta carta.

Jogada entre as roupas que acabara de tirar do varal, o envelope jazia enrolado em minha blusa preferida, como se sempre estivesse estado ali. O peguei sem pensar demais, já começando a ficar acostumada e até um pouco entusiasmada com o próximo lugar em que a carta apareceria.

A verdade era que agora a curiosidade de minha filha estava pegando em mim, e já não podia ver a hora em que saberia como seria o final daquela história. O remetente deixava de ser importante no momento em que eu a abria e via mais um pequeno papel, dessa vez alaranjado, e o cheiro que vinha com ele.

Érica continuava colecionando todas as cartas na cabeceira de sua cama, e eu continuava deixando que o fizesse.

Sentei-me na cama para lê-la, ouvindo ao longe o som da televisão no desenho que Érica tanto gostava. Não duvidava nada que tivesse caído no sono outra vez, por ter acordado tão cedo em um dia tranquilo como aquele. A avisaria sobre a carta quando acordasse.

As palavras eram poucas, o conto começava a chegar em seu ponto mais sombrio, e por mais que eu sonhasse com um final feliz para os personagens, parecia que tanto eles quanto eu já não viam mais saída.

Guardei a carta em seu envelope com um suspiro ao terminar de ler, levantando-me da cama para continuar a fazer meus afazeres, pensando que talvez da próxima vez aconteceria algo mais feliz.

Érica me chamou da sala logo depois pedindo companhia. Todos os pensamentos tristes voaram de minha cabeça e abri um sorriso ao respondê-la do quarto que logo estaria ao seu lado.

 

— — —

 

(…)

Com lágrimas rolando por suas bochechas, e sabendo que ainda não estavam a salvo, o príncipe deixou a filha baixo uma árvore frondosa.

Deu-lhe um beijo na testa e se separou dela com a promessa de que voltaria logo.

Ele não voltou. A promessa estava fadada a ser quebrada mesmo antes de ser feita.

A lâmina da espada de seu pai atravessou-lhe o coração no mesmo instante em que a bebê finalmente começava a chorar.

 

— — —

 

— Não gostei! — indignou-se Érica, batendo os pequenos punhos contra a cama uma última vez.

— Érica, não fique assim. — Tentei apaziguar a situação, deixando a carta sobre o criado-mudo para afastar os fios de seu cabelo de sua testa com os dedos. — É só uma história.

— Mas tem que ter um final feliz! Esse final é muito triste! — Ela me olhava com os olhos brilhantes com lágrimas tanto de tristeza pela história quanto de raiva. — E a bebê, o que aconteceu com ela?! Ela não pode ter morrido, mamãe!

Dei um sorriso triste, para logo me aproximar para dar um beijo em sua testa para tentar acalmá-la outra vez.

— Bem, esse é o final que alguém escreveu, mas não tem escrito a palavra fim — comecei, voltando a me ajeitar sentada, abrindo um sorriso mais feliz dessa vez. — Nada te impede de dar um final feliz, a história ainda pode continuar.

— Pode mesmo? — perguntou, mudando de humor tão rapidamente com a ideia que tive que segurar uma risada.

— Aham, você só precisa usar sua imaginação, o que ela te diz?

Érica parou por um instante para pensar, levando uma de suas mãos até o queixo enquanto semicerrava os olhos, concentrada. Demorou alguns longos segundos, até que de repente os arregalou novamente, soltando uma arfada de quem acabara de ter a melhor ideia de todas.

— A bebê pode ser encontrada por uma família muito boa, daí eles adotam ela, dai ela não morre, daí ela cresce feliz e os avós chatos dela nunca mais conseguem encontrar ela porque essa família é tão boazinha que afasta qualquer tipo de mal. AH! Eles podem ser protegidos por uma fada madrinha!

Suas ideias eram jogadas uma atrás da outra, mas por mais que eu adorasse vê-la entusiasmada daquele jeito, já havia passado de sua hora de dormir. Com um último sorriso, apaguei seu abajur, ganhando um resmungo indignado de minha filha, que depois de nem ao menos cinco minutos acabou por desmaiar de sono ainda murmurando alguma coisa sobre um ogro bonzinho que defendia a bebê de algum monstro.

Saí de seu quarto em silêncio, deixando a porta entreaberta e dando uma última olhada em Érica antes de caminhar até o corredor e me escorar em uma das paredes, com o sorriso gigantesco ainda pregado em meus lábios.

— Fada madrinha, hein — falei em voz baixa, lembrando-me finalmente de onde reconhecia o cheiro das cartas. Ou melhor, de quem eu reconhecia aquele cheiro.

Pensava em quando seria o melhor momento para contar a Érica que meus pais me acharam embaixo de uma árvore gigante.


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