Charlotte se espreguiçou e recebeu o sol de fim de tarde, a reunião durara muito mais tempo do que ela esperava, todos saíram exaustos, mas com o plano traçado e todos os passos, pelo menos os que Charlotte se importou em esclarecer, colocados a mesa. Suzana deixara a sala logo após aceitar sua missão, ficando ciente somente da parte em que ela seria necessária, nada mais que isso. A reunião possibilitou que Charlotte se tornasse conhecedora do poder de cada Feiticeiro ali e mesmo dos que estavam infiltrados em algum lugar, o que a autorizou movimentá-los da maneira mais eficaz possível e que afetasse suas posições o mínimo admissível, todavia garantisse melhor visão e segurança para todos. As cartas seriam mandadas na manhã seguinte, logo após a noite de Lua Cheia acabar.

 -Você é melhor estrategista do que eu poderia esperar. –Lira parabenizou, prendendo o cabelo em um coque delicado.

 -Obrigada pelo elogio, Princesa. –Char sorriu.

 -Estou falando isso como uma guerreira que comanda uma das melhores Brigadas de todo o Império.

 -Você já foi pra algum confronto? –Char quis saber, sentindo Connor e Emily andando atrás delas.

 -Menos do que eu gostaria, mas sim, já participei. –Admitiu. –Não que o Rei tenha ficado feliz ao descobrir.

                Char sorriu ao imaginar a mulher em uma armadura e segurando uma arma.

 -Deve ser boa, já que ainda está aqui.

                Lira riu, sem se preocupar.

 -O que me diz de comprarmos alguns doces antes de voltarmos? –Lira convidou.

 -Por que não? Afinal hoje será uma noite longa.

 -Muito. –Lira concordou. –A propósito, eu não vi Alfred hoje. –Ela fez careta. –Achei que ele não confiasse em me deixar a sós com você.

                Char riu um pouco.

 -Alfred teve uma missão especial, deve retornar em dois dias, no máximo. –Ela informou. –Só precisa deixar os Lobos se retirarem novamente.

                Lira ponderou por um momento.

 -Claro.

 -Sua mente é mais rápida do que eu poderia prever.

                Char cumprimentou, pegando a ruiva desprevenida.

 -Do que você está falando?

 -Se fazer de ingênua não é um bom papel pra você, não combina muito.

 -Oh! –Lira se fez de ofendida e depois riu. –Que insulto.

                Charlotte riu. Obviamente Lira desvendara o motivo de Alfred sair do Vale Vermelho.

 -Tem algumas pessoas que eu gostaria de apresentar pra vocês. –Charlotte informou. –Até porque são pessoas que irão nos acompanhar nessa viagem.

 -Seus irmãos?

 -Exatamente.

 -Não estava esperando por isso, mas será divertido.

 -Bem, eu não estava disposta a levá-los, mas Harry não me permitiu recusar.

 -Ele parece alguém decidido.

 -Infelizmente.

                As duas riram.

                Nanda e Harry se juntaram a eles antes do sol se pôr completamente.

 -Deixe que os apresente. –Char pediu. –Esses são meus irmãos, Fernanda e Harry. –Ela sorriu para os dois. –E esses são meus primos, Lira e Dilan.

 -É um prazer conhece-los. –Lira cumprimentou.

 -Todo nosso, majestade. –Harry sorriu, um tanto zombeteiro, o que fez Char rir e bater no braço dele.

 -E esses são Connor e Emily, da comitiva da Princesa.

 -Sejam todos bem-vindos ao que logo se tornará o Inferno. –Nanda sorriu abertamente.

 -Gosto de quão positiva você é. –Dilan lhe sorriu.

 -Eu sou a pessoa mais positiva que você conhecerá em uma noite de Lua Cheia.

 -Calada. –Char disse rindo, enquanto Harry e Nanda se jogavam ao seu lado.

                A Lua estava quase no auge, o que fazia o sangue de Charlotte gelar e um zumbido irritante ficar em seus ouvidos. Todos se encontravam na sala, com cada canto da casa bem trancado.

                A conversa fútil levou algum tempo, logo Char decidiu que precisava saber um pouco mais do que iria encontrar.

 -O que podem me falar da família Dennai Valle? –Char pediu, enquanto brincava com uma xícara de chá nas mãos e apoiava a cabeça no ombro de Harry.

 -Ambas as famílias, tanto a Dennai quanto a Valle, são bem tradicionais e ricas. –Dilan informou. –Mas você quer saber especificamente dos pais da sua mãe, correto? –Char assentiu. –Franco Valle é o duque com maior proximidade do Imperador, contudo não concorda em como o Imperador Augusto, ou Imperador de Pedra, como é conhecido, age. Franco é um homem gentil e divertido, embora possa se tornar alguém que passaria por cima de qualquer um para proteger os seus.

 -Como pode saber disso? –Char arqueou a sobrancelha.

 -A família Maddox ainda é muito próxima da família de sua mãe, por conta da fuga dela com seu pai, mesmo que ninguém saiba que fugiram por ela ser uma Feiticeira. Contudo as famílias se manterem unidas, sempre se comunicando e convivendo o máximo que nos é permitido.

 -Nós mesmos ficamos sabendo o motivo da fuga somente porque o pai do Dilan era muito amigo do seu pai. –Lira corroborou. –E tio Fausto nos contou, já que sabe que eu sou uma Feiticeira.

 -Compreendo.

 -Você conhecerá, na família Dennai Valle, alguns primos. –Dilan deu de ombros. –Os gêmeos, Scott e Joseth, também o William, todos guerreiros formidáveis. E duas médicas, Nichole e Eleonor...

 -O que preciso saber sobre cada um?

 -No geral nenhum é fácil de conviver. –Dilan foi bem claro. –William é o mais gentil de todos, mas não é muito... Sociável, não inicialmente. –Havia algo na escolha de palavras de Dilan que despertou a curiosidade de Charlotte. –Sobre os gêmeos, Scott é chamado de Dragão e Joseth de Geada ou Lady de Gelo.

 -Imagino o quão adoráveis são. –Char debochou, foi quando o primeiro uivo se fez ouvir.

                Lira sentiu o sangue gelar e olhou para Char, que havia travado, segurando a xícara tão forte que poderia se machucar, assim como viu Harry abrir a mão da menina e retirar a xícara, passando o braço pelos ombros dela e a puxando para o peito.

 -A Canção Maldita. –Char anunciou. –Sejam bem vindo a parte mais tenebrosa do Império, senhoras e senhores. –Ela não parecia nem um pouco animada ou confortável.

 -Quer parar a conversa por aqui? –Harry quis saber.

 -Não. –Ela foi firme. –Por favor, Dilan, continue.

 -Nichole é mais alquimista do que médica, na realidade. –Dilan esclareceu. –Uma garota jovem, extremamente inteligente e que poderia criar uma explosão pra destruir um hotel sem deixar vestígios de que não foi um acidente, as vezes gosta de causar algum caos, mas sem machucar ninguém.

 -Gosto dela. –Char puxou os joelhos para o peito e Nanda se encostou na irmã.

 -Já Eleonor é uma médica dedicada e uma mulher encantadora, contudo, na maior parte das vezes, é muito séria. –Ele ponderou. –É raro ela se soltar e se divertir realmente. E mais raro ainda é se dar bem com alguém para fazer isso.

 -Algum Feiticeiro?

 -Você vai descobrir. –Ele sorriu e Char compreendeu. Ele lhe dera a resposta sem falar.

                Char assentiu, sabia que havia muito a descobrir, mas imaginou que isso seria feito somente ao pisar no Império Central de Ilitye e conhecesse a família de sua mãe.

 -E sobre os Maddox?

                Dilan sabia que tinha muito a ser dito, contudo era complicado, então opinou pela frase mais conhecida para falar de um Maddox.

 -“Não pise no pé de um Maddox, a não ser que esteja disposto a entrar em uma batalha a qual perderá.”

                Char sorriu, tentando ignorar os uivos que se aproximavam e a sensação de que não eram poucos.

 -Pessoas adoráveis. –Harry debochou.

 -Somos uma família bem interessante, não é mesmo? –Char forçou um sorriso em direção a Dilan.

 -Somos as melhores pessoas que já pisaram em Ilitye, priminha. –O sorriso zombeteiro do rapaz a divertia de algum modo. –E sem dúvida a família mais divertida do Império Central.

                Charlotte ouviu uivos de pontos distintos, a fazendo perceber que a sensação de que não eram poucos Lobos, era muito mais que um simples sentimento, que era real. Seja o que houvesse acontecido, a Matilha não se afastara muito do Vale Vermelho e logo estariam todos no Vale e tentando se alimentar.

 -Eles estão todos vindo pra cá. –Charlotte anunciou.

 -Como? –Harry quis saber.

 -Os Lobos, todos eles estão se aproximando do Vale. –Ela respirou fundo e se concentrou nos uivos. –Grupos pequenos vindo por cada lado, mas logo estaremos cercados por todos os cantos.

 -Certeza? –Nanda estava pálida.

 -Completamente certa.

                Lira fez careta e se concentrou.

 -Char está certa, muitos Lobos vindo de direções contrárias.

 -Você os sente também? –Char ficou surpresa.

                Lira assentiu levemente.

 -Tive que aprender.

                A frase significava mais do que parecia, entretanto Charlotte não estava disposta a descobrir naquele momento.