Filhos do Império - Chapeuzinho Vermelho(Livro Um) escrita por Ally Faro


Capítulo 5
Capítulo Cinco - Tempestade


Notas iniciais do capítulo

Espero que gostem.
Divirtam-se.



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          Por dois dias de viagem Char e Alfred não trocaram mais nenhuma palavra, mas ainda estudavam um ao outro. 
          A caravana seguia pela estrada poeirenta e a menina bufou, puxando o capuz vermelho e escondendo o máximo possível de seu rosto.
—Você poderia me ensinar aquelas canções. —Marília dizia, pela décima vez para Alfred.
—Não vou ensinar as minhas músicas. —Esclareceu. —E chega disso Marília, você tá tão cansada de tentar quanto eu de dizer não.
        A mulher bufou e Char a viu mexer no cabelo loiro.
—Você é irritante.
—Ótimo, então agora me deixa em paz.
         Charlotte prendeu o sorriso e se encostou o mais confortável que podia dentro da carroça. Estava tão acostumada nos últimos dias ao balanços, solavancos e trancos que a carroça dava que estava quase dormindo quando Alfred começou a dedilhar seu alaúde, ele não tocara nas últimas noites e ela notou que gostava da verdade que ele passava em suas canções.
         Charlotte o escutou tocar duas músicas antes da caravana parar.
—Hora de montar acampamento. —Jonas alertou, mais para esclarecer o porque haviam parado do que qualquer outro motivo. —Parece que a menina dormiu.
—Deixe. —Alfred falou e voltou a tocar.
        Charlotte percebeu que todos os outros se afastaram da carruagem, menos Alfred e sua canção.
—Você toca bem. —Disse ela, sem nem mesmo se mexer.
           Alfred ignorou o comentário e continuou a tocar aquela música até o fim, quando terminou ele a encarou.
—Me perguntava quanto tempo seu silêncio iria durar. —Falou ele e ela sorriu.
—Me perguntei o mesmo sobre o seu.
         Alfred notou o pequeno sorriso da menina.
—A diferença é que eu costumo falar com as pessoas, você só fala se não tiver jeito.
—Que absurdo. —Disse sorrindo novamente.
—Estamos a dez dias de viagem, em média, da cidade da sua avó. —Alertou, mudando de assunto.
—E a quinze da Lua Cheia. —Concordou ela e retirou o capuz, para olha-lo, ele a encarou.
—Será bom que todos tenhamos lugares seguros para passar a noite. —Ela o ouviu enquanto sentava direito.
—Segurança é relativo, principalmente onde vivemos.
         Alfred sabia que ela estava correta.
—Os Lobos não atacam tanto pra essa área, não tanto quanto na Vila.
          Charlotte assentiu e desviou os olhos para as pessoas que montavam acampamento. Quem havia pago mais, como ela e Alfred, somente aguardavam e não necessitavam ajudar.
—Eu entendo porque você prefere manter distância da Vila. —Falou ela depois de um longo tempo de silêncio e o encarou, os olhos castanhos estavam fixos nela, esperando. —E porque está sempre viajando.
—Entende mesmo? —Ele estava sério.
—A calmaria da estrada, dormir com um céu estrelado acima de sua cabeça... Manter distância de toda a cobrança de quem lhe conhece e acha que tem direito de opinar na sua vida só por isso.
—E por que você não faz isso? —Ela deu um sorriso preguiçoso.
—Minha mãe acha que eu atraio... Confusão. E que tenho uma inclinação muito grande a fazer besteira. —Ele sorriu também.
—Meu pai ainda tenta me prender cada vez que vou lá.
—Por isso sempre fica tão pouco tempo?
—Sim e por isso também que quando estou lá, fico sempre em casa.
—É esperto.
—É menos irritante. —Afirmou ele e ela sorriu.
          Os dois desceram da carroça e aguardaram o jantar, Char se sentia suja, ainda não tomara banho naquele dia e isso a enlouquecia.
—Eu preciso de um banho. —Resmungou e ele sorriu.
—Depois do jantar.
—Eu tô suja.
—E eu com fome.
          Charlotte desviou os olhos pra ele e o encarou, ele somente correspondeu ao olhar.
—Você é uma pessoa muito irritante. —Charlotte bufou, mas decidiu aguardar. —Só me diz que o jantar não vai demorar, assumo estar faminta. —Ele riu baixinho ao seu lado.
         O riso de Alfred era rouco, agradável e gostoso, Char por algum motivo comparou com riso de criança, não o som em si, mas porque as duas vezes que escutou aquele som sentiu vontade de sorrir junto, era de quem realmente se divertia, Alfred não ria só por rir, só quando achava graça real nas coisas.
—E eu achando que quando você fosse abrir a boca novamente, seria para xingar. —Char deu um sorriso de canto.
—Por que achou isso? —Ela o encarou novamente e ele correspondeu o olhar mais uma vez.
—Você gosta de me contrariar. —Respondeu ele, de modo sincero e ela sorriu.
—Ao que parece gosto de contrariar a todos.
—É o que parece. —Ele ainda sorria.
         Charlotte viu a diversão que os olhos castanhos continham.
—O jantar está servido! —Jonas anunciou, já ajudando Bernadette, uma mulher baixinha e corpulenta, que fazia a comida todos os dias.
         Charlotte não aguardou Alfred, se ergueu e foi pegar sua sopa de legumes, um pedaço de pernil e um pão, aparentemente do dia anterior. Voltou ao seu lugar e sentou, logo que começou a comer, Alfred retornou.
          O jantar foi, da parte de Alfred e Charlotte, silencioso como todas as refeições, enquanto todo o resto da caravana conversava e ria animadamente.
          Charlotte olhou as três criança correndo ali perto, o menino parecia ser pouca coisa mais novo que as outras duas meninas. Os três pareciam se divertir, pulando, correndo e rindo mesmo quando caiam, Char sorriu quando a garotinha de cabelo castanho caiu e xingou, era irônico como aquele trio a fazia lembrar da infância ao lado de Nanda e Harry.
—Ainda quer tomar seu banho? —Alfred questionou e ela sorriu.
—Aguardando ansiosamente por isso.
—Antes de irmos, é melhor guardarmos bem nossas coisas, vai chover.
         Charlotte ergueu os olhos para o céu e notou como estava com nuvens carregadas que escondiam as estrelas, sabia que podia aproveitar a água da chuva, mas a higiene não seria feita da forma certa. Alfred a levaria a algum lugar que ela pudesse realmente se limpar, ele conhecia aquela área.

         Os dois cobriram suas coisas o máximo possível, onde Char enfiara sua capa vermelha, e depois ajudaram Jonas a cobrir sua carroça, quando por fim terminaram o trabalho, Alfred a chamou e começou a caminhar para a Floresta.
—Para onde vamos? —Perguntou quando o alcançou.
—Por que? Medo da Floresta, Chapeuzinho? —Char deixou um sorriso se abrir lentamente.
—E você, tem medo da Floresta, Alfred? —A voz da menina estava baixa, divertida e brincalhona.
          Algo na voz da garota o fez olha-la, Charlotte sorria tranquilamente e o verde dos olhos adensava com o verde das árvores, que ainda refletiam muita luz da fogueira ali perto.
—Vamos ver se é tão corajosa, Charlotte.
          Charlotte sentiu os cabelos da nuca se arrepiarem quando ele pronunciou seu nome daquela forma, fora charmoso de modo quase impróprio.
—Estamos esperando o que ainda?
          Alfred sorriu e começou a caminhar. Char sabia o quão bem ele conhecia aquele lugar, sua mãe mesmo havia lhe dito isso, que ele costumava viajar muito e por tanto acabava conhecendo aquela área como se vivesse ali. Ela notou somente naquele momento que ele estava usando uma capa preta mais pesada que a das noites anteriores, a qual provavelmente ficaria terrivelmente molhada se a chuva iniciasse antes que retornassem, o que provavelmente aconteceria.
          Charlotte o seguia de perto, os ombros de Alfred se moviam de forma quase predatória, isso a fez recordar, por algum motivo, de ver o gato de Nanda caçando, o que a fez rir.
—Que foi? —Alfred parou e se virou para encara-la.
—Só lembrei de algo. —Deu de ombros e ele ergueu uma sobrancelha de modo inquisitivo. —Nada que tenha que se preocupar.
         Alfred continuou a encarando, como se fosse falar algo, mas virou e voltou a caminhar.
—Você costuma andar sempre de vagar assim? —Zombou ele e ela bufou.
—É você quem está na frente. —Ele sorriu.
—Estou andando de acordo com como a vi andar de noite.
—Em qual das que me seguiu? —Char notou que ele não ficou sem graça e se colocou ao seu lado.
—Você sabia o tempo todo, não é mesmo?
—Desde a noite em que saímos de casa. —Assumiu ela.
—E por que não falou nada?
—Como disse, estava me perguntando o momento que se juntaria a mim. —Ele sorriu e assentiu. —A propósito, onde estamos indo?
—Vou mostrar pra você onde passaremos a noite sem congelarmos na chuva.
          Charlotte parou e o encarou de sobrancelha erguida.
—Espera aí. —Ele se virou e a olhou.
—Que?
—Tem um lugar desses aqui?
—Não ficaremos completamente secos, mas vai ser mil vezes melhor que pegar toda a chuva que vai cair. —Deu de ombros com tranquilidade.
—Por que não avisou antes?
—Pra que ninguém escutasse. —Bufou ele.
—Eu poderia ter pego minha capa. —Ele sorriu e os olhos brilharam.
—Medo de uma noite fria?
—Não. —Ela balançou a cabeça de vagar e sorriu. —Mas se eu poderia ficar o mais aquecida possível, seria bom ter minha capa. —Ele sorriu.
—Vamos.
         Os dois aceleraram os passos, Char ainda não esquecera o quão suja da poeira da estrada estava, mas sabia que naquela noite não conseguiria um banho.
         Seguiram silenciosamente e Char notou a subida que faziam, não era a mais difícil das subidas, porém isso não poupou seus pés de baterem em algumas raízes. Antes de chegarem a seu destino, a chuva começou a cair, aumentando gradativamente. Finalmente, após trinta minutos de caminhada depois de deixarem o acampamento, ela viu a entrada da caverna na montanha íngreme a frente.
—Chegamos. —Anunciou ele.
—Como diabos sabia disso?
—Quem você acha que programou todas as paradas? —Ele sorriu, já na entrada do lugar, onde ela parou a sua frente.
—Deveria ter desconfiado, você sempre conhece os lugares em que páramos. Mas como achou esse lugar?
—Em uma das minhas viagens de volta pra Vila, a comida tinha acabado...
—Você foi caçar? —Ele deu de ombros.
—Aí eu achei esse lugar e ironicamente logo depois começou a chover.
—Então você o toma como abrigo quando está aqui. —Não fora uma pergunta, mas ainda assim ele confirmou.
         A luz dentro da caverna era fraca e estava ficando cada vez mais difícil de ver algo, a lua começava a ficar encoberta graças as nuvens de chuva. Char sentou na parede mais afastada da entrada da caverna, lá a iluminação era tão fraca que ela só notou Alfred por conta do som quando ele se colocou ao seu lado e o viu quando deu um forte relâmpago que clareou tudo ao redor.
—Você conhece mais lugares assim?
—Em quase todas nossas paradas tem onde se esconder. —Ele concordou.
          Char encostou a cabeça na pedra fria da caverna e suspirou.
—Nem todas as noites de viagem poderiam ser com um céu estrelado. —Disse mais pra si.
—Infelizmente temos algumas tempestades bem severas. —Ele pausou. —Porém gosto das tempestades.
—Não vou dizer que elas me são reconfortantes, porém gosto do som da chuva e da beleza dos raios.
—Você parece gostar da natureza.
—Sim. —Admitiu.
         A chuva do lado de fora ficava cada vez mais forte, assim como o vento que soprava e fazia som, como de um animal feroz tentando escapar de uma prisão, na entrada da caverna, em determinados momentos o vento soprava em direção a eles e parte da água da chuva o acompanhava e molhava aos dois, que tentavam se esconder sem muito sucesso. Char puxou os joelhos para o peito e se abraçou, suas botas estavam molhadas já e ela começara a bater os dentes, mesmo tentando evitar.
—Aqui está. —Alfred falou e ela sentiu algo quente tocar seus ombros antes de perguntar do que ele falava.
         Alfred cobrira seus ombros com sua capa negra de viagem.
—E você? —Quis saber.
—Eu não pareço que estou a ponto de congelar. —Zombou ele.
—Só não vou xinga-lo porque você tá certo. —Ela se encolheu o máximo que pode e puxou a capa a seu redor, só deixando os pés calçados com as botas molhadas de fora.
          A chuva acalmou após algumas horas, Char mesmo com a capa, sentia como se estivesse congelando, então puxou a capa da costa e se aproximou um pouco de Alfred, até sentir seu braço tocar o dele.
—O que você quer? —Questionou ele.
          Char não respondeu, mas estendeu a capa pra ele também.
—Você não tem que morrer congelado só para pagar de cavalheiro. —Disse ela e o ouviu rir, muito baixo.
—E você de moça boazinha. —Char riu também.
—Dessa vez não precisei forçar ou fingir. —Esclareceu.
—Então quer dizer que essa Charlotte boazinha existe mesmo?
—Cala a boca. —Disse ela sorrindo. —Se não pegarei de volta só pra mim.
          Charlotte não viu o sorriso de Alfred na penumbra da caverna, mas ele se divertiu com a ameaça.
—Se quiser dormir, vai em frente. —Anunciou ele. —Ainda ficaremos por muito tempo aqui.
—E você? —Não que ela estivesse realmente preocupada, só questionara por reflexo.
—O máximo que pode acontecer é eu dormir também e a caverna desabar sobre nós dois. —Char bufou, mas sorriu.
—Você me deixou muito tranquila.
—Que bom. —Char quase não percebeu o tom de diversão antes de se aconchegar para dormir.


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Notas finais do capítulo

E ai?
Curtiram?
Beijos e até o próximo capítulo.



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