Filhos do Império - Chapeuzinho Vermelho(Livro Um) escrita por Ally Faro


Capítulo 14
Capítulo Quatorze - Sonho Estranho


Notas iniciais do capítulo

Espero que gostem.
Divirtam-se!



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            Charlotte despertou de uma vez, suando e ofegando por conta do pesadelo, mas permaneceu de olhos fechados, porém um suspiro baixo se fez ouvir, alertando que estava acordada.
—Você realmente tava tentando morrer ou o que? —A voz a pegou desprevenida.
           Charlotte abriu os olhos e sentou de uma vez, porém a rapidez do movimento repentino fez tudo girar e a respiração falhar. O que fez sua mente escurecer e ela cair de volta onde estivera deitada antes.
           Char sentia a cabeça pesada e estômago embrulhado, o que a fez recordar da infância, de quando brincava de girar, girava tanto que no final caia no chão de tão tonta e ficava enjoada. Estava se sentindo naquele mesmo estado, só que muito pior.
              A menina respirou fundo várias vezes, tentando fazer o mundo voltar a seu lugar. Rolou de lado, sentindo o tecido macio roçar seu rosto e gemeu pela dor no ombro e costela esquerda.
—Merda. —Sussurrou, a voz rouca arranhou sua garganta.
—Vá com calma, tivemos muito trabalho pra salvar você, não vamos estragar tudo isso agora, não é?
           A voz masculina trazia um misto de diversão e sarcasmo, entretanto Charlotte permanecia de olhos bem fechados, tentando controlar a respiração descompensada, fazer a cabeça parar de rodar e o estômago ficar no lugar.
            Alguns minutos se passaram e embora ela estivesse tentando fazer a cabeça parar de pesar e girar, sabia estar sendo observada por quem quer que estivesse ali. Finalmente ela abriu os olhos verdes e depois de alguns segundos tentando ajustar a visão a luz do ambiente, fitou o dono da voz grossa e debochada. Era um rapaz alto, de olhos extremamente cinza, pele clara e cabelo castanho. Ele estava encostado tranquilamente ao lado da janela fechada, com os braços fortes cruzados em frente ao peito largo.
           Ele deu um sorriso de canto, devolvendo o olhar que ela lançava.
—O que...?
—Você parecia menos óbvia. —Ele provocou, interrompendo a pergunta que ela estava prestes a fazer, o que a fez rolar os olhos.
—E você me parece um idiota. —Resmungou, pigarreando em seguida, a garganta estava absurdamente seca e ela sentia como se a língua fosse uma lixa.
            O rapaz deu outro sorriso de canto, se desencostou da janela e seguiu até uma mesa circular pequena, no canto do quarto, onde havia duas cadeiras, encheu um copo com água e caminhou até ela.
—Beba. —Mandou, estendendo o copo pra ela, que o encarou de sobrancelhas arqueadas. —Já disse que tivemos muito trabalho pra salvar você, não jogaria isso tudo fora agora. —Bufou.
—Nuca se sabe.
—Beba.
            Charlotte se irritou porque notou que ele praticamente a estava mandando, mas a sede era tanta que não conseguiu xingar ou recusar a água. A menina estendeu a mão para pegar o copo e quase o deixou cair, mas o homem o apoiou, até que ela conseguiu segurar direito.
            Ela bebeu avidamente a água deliciosamente fresca, estendendo o copo vazio de volta e o olhando fixamente. Os olhos dele eram tão cinza que a fazia recordar a prata de seu colar, que ela sentia a friagem familiar na pele.
—De nada. —Zombou ele, a fazendo rolar os olhos. —Foi um prazer de qualquer forma.
—Céus. —Resmungou ela. —Quem é você? —Exigiu saber.
—Kyle. —Disse tranquilamente, enquanto puxava uma das cadeiras da mesa e sentava, a encarando. —A seu dispor.
           Charlotte rolou os olhos e bufou, enquanto sentava calmamente na cama, o que a fez perceber várias coisas em segundos. O quarto que se encontrava tinha as paredes de pedra escura, quase como uma prisão, porém os requintes e aconchegos óbvios de um quarto. A cama que se encontrava era grande e extremamente confortável, os lençóis eram quentes e macios, assim como os travesseiros, em um dos cantos do quarto havia uma porta extra, provavelmente dando acesso a um banheiro, ou pelo menos era o que a menina desejava, sem falar das cortinas grossas de um azul claro, que começava a desbotar, na janela.
—Onde estou? —Questionou, voltando os olhos para ele, que ainda a encarava.
—Em minha casa. —Respondeu vagamente e com tranquilidade.
—Que fica?
—Você pergunta demais, não é mesmo? —Ele ergueu uma vez a sobrancelha e sorriu diante do muxoxo dela.
—Não me é de grande valia, se não obtenho respostas.
—Como se sente? —Ele quis saber.
—E por que isso lhe interessa? —Revidou ela.
—Eu lhe salvei. —Ele sorriu de canto novamente e ela decidiu que Kyle a irritava.
—E isso dá o direito de saber tudo o que quer, por acaso?
—Gênio difícil o seu, em?
—Ainda não viu nada. —Respondeu e ele riu sem se importar.
—Estava tentando morrer por acaso? —Tentou de novo, após alguns instantes de silêncio.
            Charlotte desviou os olhos dos veios da parede de pedra e voltou para ele, que havia esticado as pernas em frente ao corpo e cruzado os braços sobre o peito.
—Por que acha isso? —Ela o encarava de sobrancelha arqueada, tentando ignorar as fisgadas na costela e ombro, assim como a dor de cabeça que começava a nascer.
—O estado em que apareceu, talvez?! —Ele deu de ombros.
—Não sei exatamente como apareci, mas não, não estava tentando me matar. —Esclareceu com simplicidade.
—E então o que aconteceu com você?
          Charlotte soltou uma lufada de ar e o encarou fixamente.
—Longa história. —Informou e ele sorriu de modo zombeteiro.
—Eu tenho tempo e até onde sei, você também.
           Charlotte deu de ombros, o que provocou uma dor aguda e ela se encolheu, fechando os olhos.
—Só não quero. —Disse por fim, ainda de olhos fechados e esperando a dor passar.
—Que grosseria. —Ele disse rindo.
—Ótimo, então me deixa em paz. —Alertou.
—Pra ser franco, eu não estou muito disposto a isso. —A ironia em seu tom de voz era óbvia. —Como disse, estou com tempo e sem nada pra fazer.
           Charlotte sentiu a dor dar uma trégua e abriu os olhos novamente, voltando a encara-lo e viu o sorriso que brincava em seus lábios.
—Então vá até um lago e veja por quanto tempo consegue ficar de baixo d'água sem respirar. —Mandou e ele riu de novo.
—Preocupada se vou morrer? —Zombou e Char deu um sorriso irônico em direção a ele.
—Na verdade é um desejo muito profundo nesse momento, mas se meu anfitrião morrer, o que acontecerá comigo? —Zombou e ele gargalhou.
—É uma pergunta bem interessante.
          Um barulho abafado passou por baixo da porta e ele franziu o cenho.
—Acho que alguém está tentando quebrar sua casa. —Char zombou e ele riu baixo. —Vá ver o que é e se possível fique por lá.
           Kyle riu e se colocou de pé, era um homem alto e de porte seguro e altivo.
—Acho que é Kitty, bem de qualquer forma será bom ela dar uma olhada em você, agora que acordou. —Disse ele voltando a encara-la. —Ao que parece seus machucados estão pedindo por cuidados e remédios.
—Finalmente você disse algo inteligente. —Ironizou e ele riu novamente.
—Gentileza sua. —Zombou de volta, saindo do quarto.
          Charlotte suspirou, seja lá quem ele fosse, a salvara e por mais que ela o considerasse um idiota, devia ser grata. Apesar de tudo, Char sempre soube ser grata a quem lhe ajudava, como fora com Dante. Charlotte recordou de Dante e em seguida de Alfred.
            O que acontecera a eles?
            Charlotte não tivera tempo pra pensar sobre isso, pois a porta se abriu e revelou uma senhora de olhos cor de mel e cabelo grisalho e ralo, era rechonchuda e de pele negra, o semblante sério, mas não despido de bondade e gentileza.
—Tu tá viva mermo, minina. —Falou a velha.
—Sim senhora. —Char deu um pequeno sorriso, a velha de alguma forma a fazia recordar de Sra. Ornet.
—Achava que uma hora dessa eu ia te qui abri mão e deixa tu i imbora. —O vocabulário rústico denunciava que ela jamais estivera entre as pessoas da cidade.
            Charlotte sabia que mesmo as pessoas menos estudadas na Vila e nas Cidades, tinham um vocabulário menos caipira, sempre achara intrigante conversar com as pessoas que falavam daquele jeito. Sua mãe costumava dizer que eram alguns dos menos privilegiados, Char achava que entre esses estavam alguns dos mais sábios, geralmente eram eles a saber a arte das ervas e da cura, podiam falar rusticamente, mas sabiam manusear tudo o que a natureza lhes oferecia.
—Agradeço por não ter desistido mais cedo. —Char lhe sorriu educadamente e ela assentiu, vindo sentar na ponta da cama da menina.
—Num sô di disisti não. —A menina assentiu. —I comu tu tá?
—Viva, é o que importa. —Disse erguendo as sobrancelhas e a mulher assentiu, dando um sorrisinho.
—I comu tá os machucado?
—O ombro dói um pouco quando movimento, nada muito sério. —Informou, embora a dor fosse agonizante, Char sempre odiara se sentir inválida. —E as costelas devem sarar logo.
—Num quebro, isso eu digo. —Falou a velha, se colocando de pé e seguindo até um pequeno armário próximo a porta, onde haviam alguns pequenos vidros. —A do tu vai senti, mas sem osso quebrado.
—Isso é bom. —Disse a menina, enquanto a velha voltava com um copo cheio de água e remédio.
—Bebe.
         Char suspirou e virou o conteúdo de um só fôlego. O remédio era adocicado inicialmente, mas no final se tornava amargo e enjoativo, porém Char se obrigou a ficar quieta e sem reclamar.
—Obrigada. —Devolveu o copo.
—Ali tem um banhero, lá tem ropa também. —Alertou, indicando a porta que Char vira mais cedo, agradecendo silenciosamente por realmente ter estado certa e aquilo ser um banheiro. —Vo manda traze cumida pra ti.
—Obrigada.
—I toma cuidado com os machucado.
—Tomarei.
              A velha a analisou por um tempo.
—E esse curdão aí? —Indicou a medalha que estava a mostra.
             Char levou a mão ao medalhão imediatamente, a prata estava gelada como sempre, mas ainda assim parecia lhe passar uma sensação quente, pela primeira vez, o que a fez franzir o cenho, não tinha notado aquilo desde que acordara.
—Qual o interesse? —Perguntou de modo brusco, sem mais sutileza e sorrisos, não sabia porque, mas sentiu sua privacidade invadida pela curiosidade em seu colar.
            Char a encarava e notou os olhos da mulher brilharem com intensidade e a velha sorrir. A mulher devia ter por volta de seus setenta anos, mas estava conservada para a idade.
—Mi diz o qui perguntei e tu vai tê tua resposta.
—Um dedinho de prosa aqui, um dedinho de prosa ali. —Char usou o vocabulário semelhante ao da mulher e sorriu de canto, de forma irônica e olhar duro. —Então você consegue o que deseja e eu fico sem saber nada? Não, agradeço a gentileza, mas dispenso.
—Tua temosia num vai ti ajudá, minina.
—Ser completamente solidária também não. —Rebateu.
—E pur que? —Char rolou os olhos.
—Ao que parece e Kyle disse, fizeram muito pra me ajudar e salvar minha vida, fico grata a isso, entretanto não me vejo obrigada a dizer nada que eu não deseje. —Esclareceu. —Então não estou disposta a ser útil, se assim for.
—Tu é temosa qui nem ele.
—Sinto se magoei seu coração. —Char sabia que era uma afronta, porém aquele olhar investigativo a irritava profundamente e a deixava mais irritada estar sendo comparada a Kyle.
—É melhô tu durmi di novo. —Falou começando a ir para a porta. —Vo manda alguém ti da cumida.
—Obrigada. —Debochou.
—Esse debochi num vai ti leva a luga nem um. 
—A falta dele também não, ao que parece. —Revidou.
             A mulher a olhou antes de se retirar e deixá-la sozinha novamente.
            Char bufou, se deitou novamente e fechou os olhos, ainda estava exausta e sentia o corpo todo reclamar. Ouviu quando alguém entrou no quarto, mas fingiu estar dormindo, não estava disposta a falar com Kyle e aturar sua ironia e nem entrar em mais uma conversa com Kitty, logo realmente fora puxada para o mundo dos sonhos.

 

            Char sentou na beira do riacho, ao lado de Alfred, que a encarou e riu.
—Que foi? —Questionou o rapaz, os olhos brilhando de diversão.
—Vim ouvir você tocar, não pode mais?
—Ainda me pergunto desde quando você se interessa tanto em música?! —Zombou e ela riu.
—Deixa de ser irritante. —Bateu com o ombro contra o dele, o fazendo sorrir.
—Como sabia onde me encontrar? —Ele a encarou e ela sorriu abertamente.
—Você deixou um rastro. —Brincou.
—Até parece.
—Acha que estou mentindo por acaso? —Ela se fez de ofendida, o que o fez rir baixinho.
—Está me seguindo, Chapeuzinho? —Zombou.
—Não está se achando muito, Alfred?
—É que de você pode se esperar tudo. —Ele disse rindo e ela rolou os olhos.
—Idiota.
—Menos que você.
            Charlotte riu e ele dedilhou o alaúde, era um som agradável e conhecido, o que a fez sorrir e fechar os olhos, sentindo o vento e ouvindo a música. Porém de repente o ar ficou mais frio e o som silenciou, a menina fez careta e abriu os olhos, Alfred não estava mais ali e ela se encontrava no meio da Floresta e a lua estava quase no auge.
—Mas que... —Um galho quebrou e ela soube o que acontecera. —O que você tá fazendo aqui? —Quis saber.
—Eu tô sempre por aqui. —Respondeu levemente, mas havia um toque irritadiço na voz dele.
—Mas nunca quando preciso.
—Você realmente está irritada hoje.
—Não, não estou irritada. —Cortou e olhou na direção que sua voz vinha, vendo somente uma silhueta alta e forte. —Estou furiosa, é bem diferente.
—E por que? —Ele quis saber.
—Porque você me fez acreditar que apesar de tudo, iria me salvar, mas o Lobo sempre me pega. —Acusou e o viu enrijecer.
—Char...
—Não, não quero saber. —Decidiu. —Não preciso de desculpas. —Alertou e ergueu o queixo. —Você nunca está quando preciso e nem sei quem é você. E a pessoa que estava tentando me salvar, agora deve estar morta.
—Eu...
             Charlotte então ouviu, alto e em bom som, o uivo feroz e faminto, dando início a Canção Selvagem dos Lobos.
—Vá, se esconda enquanto Ele me devora. —Mandou ela.
              Antes que ele tivesse qualquer reação, Char estava correndo por entre as árvores e saltando todos os obstáculos que apareciam em seu caminho, mas conhecia bem o fim daquela corrida.
               O Lobo surgiu a sua frente, os olhos dourados fixos em seu rosto, os dentes a mostra de forma ameaçadora, a menina parou e sentiu o mundo ao redor se fechar sobre ela, logo estava no chão e o Lobo rosnando contra seu rosto, a saliva pingou em sua bochecha e ela soluçou.

 

            Char se ergueu, as mãos sobre a boca, abafando o grito. Aquele fora um sonho diferente de todos os que já tivera.
—O que houve? —Kyle quis saber, estava entrando no quarto e olhou ao redor.
—Pesadelo. —Informou simplesmente, sendo clara pela primeira vez, tudo devido ao impacto do sonho. —Nada que tenha que se preocupar.
—Achei que estavam matando você. —Zombou e ela deu de ombros, passando a mão no cabelo bagunçado.
—Quase isso. —Sussurrou pra si mesma.
—Fiquei sabendo que você e a Velha se estranharam. —Comentou ele, se sentando na cadeira de mais cedo.
             Charlotte franziu o cenho e levou um segundo para processar o que ele dissera.
—Não creio que tenhamos chego a isso.
—Não? —Ele parecia entretido, enquanto a encarava.
—Não. —Negou, tentando sentar. —Só não dei a ela as respostas que ela quer.
—E por que não? —Ele sorria, enquanto a observava sentar e o encarar.
—Porque não costumo das respostas sem ter nada em troca, se sua... Velha, quer algo, terá que me dar algumas informações também. —Esclareceu com simplicidade.
—Acho que tá explicado porque ela chegou dizendo que você era teimosa como uma mula. —Bufou ele e riu, vendo a menina rolar os olhos. —Acho que devia comer. —Apontou para a comida, que estava na mesa, com total tranquilidade.


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Notas finais do capítulo

E ai? Curtiram?
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Beijos e até o próximo capítulo.



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