30 motivos para odiar Benjamin Lacerda escrita por Huntress


Capítulo 3
17 de junho (quinta-feira) - 3º Defeito


Notas iniciais do capítulo

Cheguei com mais um capítulo para vocês.
Fique à vontade para comentar, viu? Eu não mordo ;)
E um agradecimento especial à Olívie, que melhorou meu dia com seu comentário.
Espero que gostem!



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17 de junho (quinta-feira) – 3º Defeito

Eu não estava enganada, Diário.

A interferência na rotina começou (e começou cedo, devo destacar).

 Hoje, quando cheguei em casa, Benjamin não estava no meu quintal. Fiquei um tempo ali, atordoada, e esperei, caso ele estivesse no banheiro de sua casa ou algo do tipo, mas só se meu vizinho tivesse morrido lá para demorar o tempo em que aguardei ali. Engoli a mistura de tristeza e curiosidade que se formava em mim e segui para a cozinha.

Sabe, Diário, você vem ocupando um espaço muito grande nos meus pensamentos também. Viu que escrevi “Os motivos para odiar Benjamin Lacerda” em sua introdução? E percebeu que venho destacando os defeitos dele no final de cada dia?

Esses defeitos que parecem insignificantes à primeira vista são a forma que encontrei de mostrar para mim mesma que Benjamin não é perfeito (apesar de parecer muito). Planejo continuar escrevendo sobre eles, para ajudar a manter meu autocontrole (que já está ficando fora de controle). 

E aqui vai mais um: Benjamin não respeita minha privacidade. A minha sorte é que ele não sabe da existência desse diário, senão já teria sido descoberta (felizmente tive a decência de escrever o título na introdução e não na capa). Um claro exemplo de que ele ignora a privacidade das pessoas (principalmente a minha) é a forma como nos conhecemos – você sabe Diário, a invasão da minha sacada e as batidas no vidro da porta enquanto estava assistindo a um filme de terror.

Já o tinha visto sair pra correr à tarde e chegar da escola à noite, mas nunca tinha ido falar com ele – nem planejava. À primeira vista, Benjamin tinha cara de ser aqueles garotos festeiros que trazia uma garota diferente per noite, mas só fui saber como ele realmente era no dia da invasão.

Logo depois de presenciar o grito mais agudo de toda minha vida e uma chuva de pipoca por meu cabelo – além de um chão inundado de Pepsi –, Benjamin gargalhou fortemente e ignorou por um período a chuva que caia sobre ele. Assim que me recompus, fui até a sacada e abri a porta.

— Qual é o seu problema? – perguntei cerrando os punhos e encarando aquela montanha encharcada. Ele ainda estava rindo e demorou um tempo para se controlar e me analisar da cabeça aos pés.

— Estava se divertindo com o filme? – questionou ironicamente e voltou a rir de minha cara. Inspira, respira. Inspira, respira. Era isso que se passava pela minha cabeça. Como aquele abusado ousou fazer graça da minha situação? Ele nem me conhecia, oras.

— Quem te deu essa liberdade garoto? – retruquei e ele estendeu as mãos, fingindo surpresa.

— Eita baixinha, para uma garota do seu tamanho você é bem esquentada – calma Lívia, calma. – Quantos anos você tem? Uns doze?

— Quem está devendo explicações não sou eu, e sim você — disse, mudando de assunto. – Quem é você e o que está fazendo no meu quarto?

— Minha porta emperrou, tive que vir aqui. Era você ou a velha que mora na casa do outro lado, mas acho que fiz a escolha certa. Com certeza a Dona Marília não teria gritado e esparramado pipoca desse jeito ao me ver – explicou enquanto caminhava por meu quarto, bisbilhotando minha coleção de almanaques e jogos de videogame.

— Ainda não me disse seu nome – falei rispidamente e ele se virou para mim, com um sorriso malicioso.

— Benjamin, mas pode me chamar de Ben – voltou a olhar minha estante, tirando uns jogos e logo começou a olhar meus cadernos esparramados pela mesa.

— Então Benjamin — disse, fazendo questão de enfatizar seu nome, coisa que ele percebeu e virou para me encarar. –, meu coração sangra por sua história de vida, mas agora pode ir embora – apontei para a porta de meu quarto.

Ele olhou rapidamente na direção em que apontei, mas logo voltou os olhos para mim, aproximando-se de onde eu estava e ficando a poucos centímetros de distância. Benjamin olhou em meus olhos (sendo que eu tive que olhar para cima e ele, para baixo), aproximou a mão de meu rosto e disse:

— Tem pipoca no seu cabelo.

Arregalei os olhos, tirei as pipocas e encarei o garoto a minha frente, com um olhar cheio de raiva... que só durou poucos segundos até eu começar a gargalhar e Benjamin me acompanhar. Ficamos assim por um bom tempo, com meu rosto ficando mais vermelho a cada minuto.

— E você? Não vai me dizer seu nome? – perguntou. 

— Não fui eu que invadi seu quarto, Benjamin – ele sorriu e foi se afastando, indo em direção à porta. Estava quase saindo quando parou e se virou uma última vez.

— Tudo bem, Lívia Campos Nogueira.

Benjamin passou reto e pude escutar uma porta distante sendo fechada. Fiquei imóvel por um período, analisando o conteúdo da minha lata de Pepsi ocupando um espaço cada vez maior no chão, a pipoca espalhada por minha cama, os jogos em minha mesa e meus cadernos, entendendo como ele descobriu meu nome.

 

Voltando ao dia de hoje, terminei de almoçar e subi para meu quarto, onde fui fazer lição de matemática, mas estava sem paciência para encontrar o valor de X e o  do cateto oposto ao ângulo de 30º. Minha cabeça girava entorno de Benjamin (‘caramba, que novidade Lívia!’ Eu sei, Diário, eu sei) e onde ele poderia estar. Por fim, deixei minha curiosidade vencer e mandei uma mensagem.

Eu: Onde você está?

Bloqueei a tela do celular enquanto esperava uma resposta, que veio treze minutos depois, de acordo com meu relógio de cabeceira.

Cabeça de Estrume: Desculpa, estou estudando na casa da Mari.

Sim, esse é o nome dele atualmente no meu contato, não me julgue. Se você conhecesse Benjamin, saberia que o apelido se encaixa perfeitamente.

Segundos depois de essa mensagem chegar, veio outra, mas essa era uma foto de Benjamin fazendo careta e uma loira ao fundo, tampando o rosto com a mão enquanto escrevia algo em um caderno. Sorri fracamente como resposta, como se meu vizinho pudesse ver minha reação e não escrevi mais nada.

Sério, de todos os garotos do mundo, eu tinha que gostar justamente dele? Por que não, por exemplo, do Vinícius, meu amigo da escola? Até ouvi comentários dizendo que ele gosta de mim, por que não retribuir o sentimento? Já conheço sua mãe, sua irmã e até seu pai (quando veio buscar os filhos para passar o feriado com sua nova família). Passamos o dia inteiro juntos no colégio – eu, ele e Carol, minha melhor amiga – e sempre que podemos, fazemos trabalhos juntos.

Por que não ele?

Porque o coração gosta de brincar com você, fazendo com que se apaixone pela pessoa errada (não que Benjamin seja uma péssima influência, é só que nunca iria dar certo) e sofra por isso. Esse é o motivo por meu ódio por Benjamin: logo ele conseguiu perfurar a armadura de ferro que cobria meu coração.

Desculpe pela melação, Diário.

Eu costumava me vangloriar para Carol, dizendo que não poderia entender como ela estava se sentindo durante o período em que fora apaixonada por Pedro, um garoto da escola. Ela passava a aula encarando o nada, com um sorriso bobo na cara, suas pernas tremiam quando o via passar pelos corredores e ela o olhava com certa admiração ou algo do tipo. Eu apenas encarava aquelas cenas com um enorme ponto de interrogação invisível flutuando por minha cabeça e ainda fazia brincadeiras sobre a situação de Carol.

Ah, se eu soubesse o que iria acontecer comigo...

Eu passei a viver e passar pelas mesmas coisas que Carol, só que com um garoto que passa o dia em minha casa e que nunca olharia para mim da forma que eu olhava para ele. Eu estava condenada a amar um garoto que não esperava nada além de amizade.

 

Algumas horas mais tarde, um pouco antes do jantar, eu estava ainda em meus exercícios de matemática quando ouvi um barulho vindo da sacada. Benjamin estava entrando em meu quarto.

— Hoje foi a melhor tarde da minha vida, Lívia – disse, jogando-se em minha cama. Ignorei a pontada que senti no peito e apertei minha lapiseira. – Descobri que fazer exercícios de geometria enquanto se beija a Mari é extremamente produtivo – completou e riu, provavelmente lembrando-se de algo que aconteceu à tarde.

Benjamin continuou tagarelando enquanto eu cantarolava mentalmente a Fórmula de Bhaskara, como se fosse um mantra. Não aguentava mais ouvir falar sobre como ela beijava bem e outras coisas desnecessárias. Explodi.

—Legal Benjamin, mas você não pode falar isso para alguém que se importe? – perguntei cinicamente enquanto fechava o caderno com força e saia do quarto, deixando um atônito Benjamin sozinho. Desci as escadas e sai de casa, buscando me afastar o máximo de lá por um período, o tempo suficiente para pensar em uma desculpa para isso.

 

Fiquei pouco mais de uma hora dando voltas pelo bairro, passando pelo café de Dona Helena e, no final, pela casa de Dona Marília, a vizinha do lado esquerdo de Benjamin – a vizinha do lado direito é esta que vos fala. Dona Marília é uma senhora viúva baixinha e de cabelos grisalhos. Costuma passar o dia aprendendo receitas culinárias em um programa de TV ou cuidando de suas tulipas no jardim frontal – e era isso que estava fazendo no momento que passei.

— Lívia, como vai? – chamou-me e fui obrigada a sorrir. Não que não gostasse dela, mas desde o ano passado, toda vez que me vê, faz a mesma pergunta, que viria a seguir: – Como está Benjamin?

— Está ótimo, Dona Marília. Ele ficará feliz em saber que a senhora perguntou – respondi da forma mais bondosa que pude. Lembrar do meu vizinho era a última coisa que eu queria.

Despedi-me e entrei em casa. Fui em silencio até meu quarto, temendo que, por algum motivo, Benjamin ainda estivesse lá.

Abri a porta e espiei, mas, para meu alívio, o quarto estava vazio. Soltei o ar que nem percebi estar prendendo e fui até minha mesa, conferindo se este diário estava ainda no lugar em que escondi – no vão entre minha estante e a parede – e felizmente, estava.

Chequei meu celular. Tinha três mensagens de Benjamin.

Cabeça de Estrume: Vai me explicar o que diabos deu em você?

Tá de TPM?

Visualize e me responda, Lívia.

Respirei fundo e abri a conversa.

Eu: Desculpa, é que estava realmente estressada com uns exercícios e você tagarelando no meu ouvido não ajudou em nada.

Não deu nem um minuto e a resposta chegou.

Cabeça de Estrume: Por um momento achei que estava com ciúmes de mim.

Sorri. Foi exatamente isso que aconteceu, mas nunca admitiria – especialmente para Benjamin. Por isso minha resposta foi essa:

 Benjamin, para ter ciúmes, é necessário gostar da pessoa primeiro.

Ele visualizou logo em seguida, mas demorou um tempo para escrever sua resposta.

Cabeça de Estrume: Eu sei que você me ama, Lívia Nogueira.

Respondi:

 Nos seus sonhos, Benjamin Lacerda.

Mas na minha mente, eu escrevia algo bem diferente (vou deixar por conta da sua imaginação).

Lívia.

3º Defeito: Benjamin não sabe o significado de “privacidade”.


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Notas finais do capítulo

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