30 motivos para odiar Benjamin Lacerda escrita por Huntress


Capítulo 19
03 de julho (sábado) – 19º Defeito


Notas iniciais do capítulo

Olá para você que veio dar uma passadinha nas notas desse capítulo gigante. Tudo bem?

Primeiro de tudo, tenho que explicar que essa autora aqui tem duas vozes na cabeça: A Huntress “Assim está bom” e a Huntress “Ainda dá para melhorar”. Infelizmente, essa última costuma falar mais alto e foi o que aconteceu enquanto eu revisava esse capítulo. Podem começar com as palmas sarcásticas, porque essa autora aqui conseguiu passar as dez mil palavras quando falou que ia dar menos de oito. Faltava pouco mais de cem palavras para chegar em oito mil e, quando vi, já tinha adicionado mais umas coisinhas e puf! Olha só o que dá me presentearem com esses reviews maravilhosos. Espero que tenham ânimo e uma xícara de café forte para terminarem isso aqui e ainda me dizerem o que acharam.

Mas, posso garantir que esse capítulo tem de TUDO. Sério. Tem climão entre personagens, tem flashback da Lívia e do Ben, tem ataque de lerdeza e confusão de sentimentos, tem Daniel, Vinícius, Carol, Mariana... Enfim, tem bastante coisa mesmo e uns detalhes que eu considero importantes.

Teorias são sempre bem-vindas.

Lerdapqsiim, Ana Clara, Capricu, Mia, MayPotter, Coffee, Izzy, Menina Estrela, Tatá Ribeiro, Positividade, Karolayne, NKIDDO, May Winsleston, Giulianna Valadares, Lulis, Tória, Vina, Avalon, SadGirl, QUEEN e Giovanna, saibam que todas vocês tem um lugarzinho no meu coração. Obrigada mesmo ♥

E, é claro, um agradecimento mais do que especial para a lerdapqsiim que RECOMENDOU a história. Gente, já estamos com nove recomendações! Socorro ♥ Lerda, obrigada de coração, viu? Vocês está aqui no coração, garota ♥

Enfim, todo mundo preparado? Então coloquem seus vestidos, chamem seus pares e boa leitura ♥



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03 de julho (sábado) – 19º Defeito

O baile do prefeito começaria às 17h e se estenderia noite adentro. Minha mãe me acordou pouco antes do almoço e disse que marcou hora no salão e que me levaria para um dia no SPA. O que deu nela, eu não sei, mas não seria louca de perguntar e correr o risco de não ir mais.

Por isso, depois de comermos, deixamos nossa casa. Minha mãe dirigiu até o cabeleireiro que sempre frequenta e pediu para sua amiga, Karina, cuidar do meu cabelo. A mulher o elogiou e disse que eu não deveria pintar de outra cor, porque ao natural ele já era lindo. Agradeci o elogio, um tanto envergonhada, e disse que queria só desfiar minha franja e ajeitar o corte. A loira assentiu e logo começou a lavar meu cabelo, levando-me para cortá-lo depois enquanto uma jovem veio fazer minha unha.

Quando terminou, a cabeleireira disse que eu poderia admirar o resultado. Virei-me para o espelho e sorri para a Lívia refletida ali, com o cabelo penteado corretamente e solto, sem um mísero nó. As unhas, apesar de pequenas, estavam azuis para combinar com o vestido. Carla tinha arrumado o corte e refeito suas luzes, além de pintado a unha em um tom rosa claro.

Depois, ela me levou até o lugar que me interessava: o SPA. Era uma construção de três andares afastada da cidade e cercada por árvores. Suas paredes eram, em sua maioria, apenas vidro, o que me permitia ver várias pessoas usando roupão e vestes brancas indo de um lado para o outro.

Aproximamo-nos da entrada, atravessando o jardim de arbustos podados, e fomos recebidas por uma bela mulher de pele escura e olhos grandes e maquiados. Ela dirigiu minha mãe para uma sala e eu, para outra, na qual vesti o roupão azul de lá. Em seguida, a mulher me levou primeiro para a sauna, onde fiquei um bom tempo ali, sozinha, até ela me conduzir à uma sala onde uma japonesa de cabelos longos me cumprimentou e disse que faria minha massagem.

O prefeito podia fazer mais festas assim. Dessa forma, eu iria mais vezes ali.

Fiquei um bom tempo deitada, perdida naquele estado semiconsciente, sentindo minhas costas relaxarem a cada minuto. Infelizmente, depois de um bom tempo, a massagista parou. Quando me levantei, ela ainda disse que eu estava muito tensa.

— Você não faz ideia do quanto – eu comentei e a mulher riu, apesar de não saber exatamente do que eu estava falando. Fez uma reverência e logo me conduziu para pegar minhas roupas e encontrar minha mãe, que já estava sentada me esperando.

Quando cheguei em casa, Carol veio me perguntar como eu estava e se tinha chegado bem depois da festa. Respondi sua mensagem em seguida, comentando sobre algumas coisas das quais lembrava, mas decidi guardar para mim o episódio de ter dormido na mesma cama que Benjamin, começando a ponderar se contava para Carol hoje na festa ou não. Terminei dizendo que estava muito bem e pedi desculpa por qualquer coisa que tivesse feito que a deixou desconfortável. Ela riu e disse que a única coisa que fiz foi provocar uma crise de riso.

Pouco depois, enquanto estava deitada tentando me convencer a colocar mais algumas peças de roupa na mala para a viagem, Daniel me mandou uma mensagem dizendo que passaria em casa para me buscar e aproveitou para perguntar se eu ligava de ir a pé. Respondi que por mim estava bom e que se ele não chegasse atrasado já estava de bom tamanho.

Quando o horário do começo da festa já estava se aproximando, coloquei o vestido e pedi ajuda para minha mãe com a maquiagem, o que fez um brilho aparecer nos olhos de Carla. Assim que finalizou, encarei a Lívia refletida no espelho do corredor e analisei-me de cima a baixo, satisfeita com o resultado.

O vestido azul ia até o meio de minha coxa. Era justo até a cintura e sem mangas, com um singelo decote, sendo solto a partir do quadril e com detalhes em renda. Meus olhos estavam destacados, como requisitei, mas tive que deixar Carla passar batom vermelho escarlate em mim, apesar de minha implicância com cores fortes. Foi a condição dela para que me maquiasse. Quando me viu pronta, minha mãe mesmo veio admitir que eu tinha feito uma boa escolha e disse que eu seria a garota mais bonita da festa, mas opinião de mãe não conta.

Depois de pronta, sentei-me no sofá e fiquei esperando meu par. Peguei meu celular e comecei a mexer em alguns aplicativos enquanto aguardava uma mensagem do garoto ou sua chegada. Quando já havia se passado dez minutos do início da festa e Daniel ainda não tinha chegado, meu pai precisou quase arrastar minha mãe, que queria esperar pelo loiro para poder conversar, ou seja, me envergonhar. Felizmente, eles foram sozinhos depois de um tempo e eu fiquei esperando ali mesmo, estremecendo ao lembrar que em bailes as pessoas costumam dançar – e meu par era o Daniel, algo nada reconfortante.

Finalmente, depois de mais uns dez minutos, alguém tocou a campainha. Saí correndo já me preparando para brigar com Daniel e, ao abrir a porta, dei de cara com Benjamin, vestido da forma que mais lhe ajudava na imagem de Príncipe Encantado.

Por ser pega de surpresa e ainda ser obrigada a lidar com a beleza destacada de meu vizinho, meu sistema congelou por um momento. Com um terno preto que lhe caiu muito bem, cabelos parecendo ainda mais bagunçados e olhos verdes um tanto arregalados, ele me analisou de cima a baixo, estático. Assim que pousou o olhar no meu, encarei o chão, sentindo meu rosto avermelhar por lembrar da cena de ontem – e pelo simples fato de estar na frente dele. Maldito Benjamin!

— Uau – soltou. – Vo-você... – gaguejou e eu sorri, esperando que completasse a frase, erguendo o rosto. Ele se mostrou desconfortável e respirou fundo, começando de novo.

— Você está linda, Lívia.

Obriguei minhas pernas a ficarem paradas, apesar de muito tentadas a bambear. Acho que meu rosto ficou do mesmo tom de meu batom ao ouvir meu nome e a palavra “linda” saírem da boca de Benjamin na mesma sentença.

— E você está... Ajeitadinho, Benjamin – comentei, brincando, e ele se fingiu de ofendido. – Mas está faltando um detalhe – falei, apontando para a gravata cinza em sua mão.

— Por isso vim aqui – disse, estendendo-a para mim. – Meus pais já foram. Preciso de alguém que saiba dar o nó.

Eu ri, balançando a cabeça para os lados. Meu vizinho tinha acabado de me revelar o defeito que precisava destacar hoje e por esse motivo eu ri ainda mais na hora, recebendo um olhar confuso dele, o que mostrava que ele não estava entendendo nada.

Pois é, Benjamin não sabe dar nó em gravata. Eu só sei porque minha mãe dizia que toda mulher tem que saber e me ensinou a fazer isso há alguns anos quando fomos no casamento de minha tia. Enquanto fazia, meu vizinho torceu o nariz, parecendo muito ofendido ao perceber que eu conseguiria de primeira. Fez uma careta quando acabei.

— Estou esperando um agradecimento – eu avisei, cruzando os braços.

— Eu já te elogiei, fui legal o suficiente por um dia – falou e eu dei um tapa em seu braço. Ele riu.

— Idiota.  

— Chata – meu vizinho disse, passando a mão na gravata, e ignorando meu torcer de nariz.

Caímos então em um silêncio desconfortável, Benjamin batendo o pé freneticamente, o que demonstrava seu nervosismo, e eu encarando o pequeno contorno arroxeado que aparecia sobre uma de suas bochechas. Ver aquilo só me fazia querer perguntar o que diabos tinha feito na festa, algo que vinha me corroendo por dentro. Consegui lembrar de algumas cenas, como o sorriso que abri ao ver Daniel se aproximando e da sensação da água do chuveiro caindo sobre minha cabeça, mas aquilo só me incentivava mais a querer lembrar de tudo, apesar de uma parte minha temer o que poderia descobrir.

— Daniel está vindo? – Benjamin perguntou, colocando as mãos no bolso, como se soubesse no que eu estava pensando e quisesse que eu mudasse de assunto. Ele olhava para qualquer direção que não fosse meu rosto.

— Está, eu espero – respondi, sorrindo.

Silêncio novamente. Apertei a maçaneta com força.

— Então... – ele começou, passando a mão pelos cabelos e os bagunçando ainda mais. Achei que ele faria algum comentário sobre a festa, sobre ontem, sobre Vinícius ou qualquer outra coisa. Mas, pelo desconforto impregnado em seu rosto, eu deveria ter previsto que não era nada disso. Ele engoliu em seco. – Eu te vejo depois.  

Eu te vejo depois? O quê?

Antes que pudesse expressar com um simples franzir de cenho o quanto aquela frase pareceu estranha saindo da boca de meu vizinho, Benjamin já havia me dado as costas e caminhava um tanto apressado até a calçada. Ainda sem entender de onde saiu aquilo, fechei a porta e voltei a me sentar, não antes de ter milhões de perguntas se formando em minha cabeça enquanto uma ponta teimava em repetir que aquilo tinha a ver com algo que fiz, o que fez meu estômago embrulhar de medo.

Pouco tempo depois, bateram na porta novamente e dessa vez, para minha alegria, era Daniel. Ele estava com gel no cabelo, mas os fios continuavam rebeldes, como se aquilo só contribuísse para embelezá-lo ainda mais. Usava um terno um pouco mais claro que o de Benjamin e segurava algo escondido atrás de suas costas. Sua gravata vermelha estava com um nó perfeito e ele sorriu assim que me viu.

— Lívia... – começou, boquiaberto. – Você não sabe como está linda – disse e eu sorri, envergonhada, retribuindo o elogio. Daniel então mostrou o que carregava, estendendo-me uma caixa com um lírio dentro. – Só porque é alérgica, não precisa ficar sem admirá-los. Esse é de mentira.

Ergui o olhar da caixinha transparente e encontrei o dele. Não disse nada, porque estava tentando entender como aquele presente podia causar um alvoroço tão grande em meu peito. Sorri abertamente para Daniel, tentando demonstrar como aquilo tinha sido simplesmente perfeito.

— Obrigada – falei finalmente e peguei a flor, envolvendo-o em um abraço sem jeito. – Entra, eu só vou colocá-la no meu quarto.

Assim que convidei, dei passagem e ele entrou, avançando pela casa e, ao passar do meu lado, deixou um rastro de seu perfume doce e agradável. Subi rapidamente e pensei em um lugar para deixa-la sempre à vista. Acabei achando um canto em minha mesa, onde sempre fazia meus deveres, e a coloquei ali. Segui até Daniel e peguei minha bolsa.

— Vamos? – ele perguntou, dando-me o braço e oferecendo-me um sorriso. Passei o meu pelo dele e assenti, trancando a casa depois de sairmos.

Fomos conversando durante todo o caminho, que pareceu bem menor do que realmente era. Apesar de aparentemente já ter falado com Daniel sobre tudo, ele ainda conseguia achar diferentes assuntos e fazer a conversa fluir. Em certo ponto, começou a falar sobre como sonhava em ser arquiteto e ter uma casa enorme para poder criar vários cachorros lá, com sua esposa e filhos. Eu ri ao escutar isso e ele me encarou.

— O que foi?

— Nada, você só não me parece do tipo que quer casar – comentei e ele franziu o cenho.

— Por quê? – perguntou, analisando-me pelo canto do olho.

— Não me leve a mal... – comecei. – Mas eu não consigo não te imaginar sendo pelo menos um pouco cafajeste. Quer dizer, olha para você. Parece aqueles caras que só de sorrirem já levam a garota para cama.

Daniel riu.

— Não vou negar que saio com muitas garotas ou que esse seu comentário conseguiu aumentar e diminuir meu ego ao mesmo tempo, mas eu não sou louco de, caso encontrar a garota certa, deixá-la escapar.

Eu assenti com a cabeça, claramente surpresa pela frase de Daniel. Claro, isso só contribuiu para a imagem que tenho do loiro melhorar, algo que parecia impossível, já que para mim ela era muito boa e parecia difícil ser impulsionada. Só sei que, quem quer que seja essa garota, ela poderá ser considerada muito sortuda.

— E ela também não vai me deixar escapar. Quer dizer, olha só para mim — comentou, apontando para seu corpo com as mãos. Revirei os olhos, mas não pude esconder um sorriso.

Quando chegamos na rua da casa do prefeito, pude ver várias faixas em tons de branco estavam presas nos postes de iluminação e mesas montadas na rua, decoradas com um vaso de flor em cada. Duas longas mesas estavam cheias de comida e bebida e, no jardim frontal do prefeito, estava um DJ, com alguns casais dançando em frente aos equipamentos.

O prefeito, Fabrício Moraes, estava próximo à sua casa, recepcionando a todos enquanto os fotógrafos piscavam aqueles flashes demoníacos a cada aperto de mão. A mulher dele, Márcia, estava ao seu lado, sorrindo. Eles nos cumprimentaram e disseram que éramos muito bem-vindos enquanto um fotógrafo quase me deixava cega com aquela foto.

Sem saber exatamente para onde ir, deixei na mão de meu acompanhante. Daniel me levou primeiro para conhecer a casa do prefeito, que estava de portas abertas e cheia de pessoas importantes da cidade e outros políticos. A música ali era ainda mais lenta que a que tocava lá fora e todos seguravam taças de champanhe. Demos uma rápida volta pelo primeiro andar e logo saímos de lá.

Daniel começou a andar por aí, cumprimentando um outro adolescente que o parava, entre eles uma garota que ele apresentou como sendo Olívia, que o envolveu com um abraço. Pelo jeito como me olhou, não estava nada contente de ter sido eu a roubar seu par. Depois de um tempo, seguimos para a mesa dos comes e bebes, onde Daniel pegou uma lata de cerveja escondida do garçom e me ofereceu.

— Não, obrigada – neguei, pegando alguns salgadinhos de carne que estavam simplesmente deliciosos. – Estou afim de lembrar dessa noite – comentei brincando e ele riu, concordando em seguida.

— Lívia? – alguém me chamou e, ao me virar, pude ver meus amigos se aproximando.

Vinícius usava um terno cinza e uma gravata creme enquanto tentava arrumar algo em seu cabelo. Carol o puxava na nossa direção. Ela usava um vestido num tom roxo quase vinho e era do estilo tomara que caia. Estava sem óculos e seu cabelo acobreado fora deixado solto.

— Finalmente te achei! – exclamou. – Você está linda!

— Valeu, Carol – abracei-a primeiro. – Você também está.

Sem poder fugir ou dizer que alguém me esperava, fui então abraçar Vinícius, algo que vinha evitando há um tempo. Não contribuindo para a situação, ele ainda depositou um demorado beijo em minha bochecha e causou aquele desconforto que eu estava odiando sentir. Afastei-me dele e me virei.

— Esse é o Daniel – apontei para o loiro, estranhando ao ver que ele agora estava com uma carranca bem diferente dos sorrisos que vinha dando. Cumprimentou-os com um aceno, sendo mais aberto com Carol, e encarou seriamente Vinícius. Franzi o cenho para Daniel, como uma forma silenciosa de perguntar o que ele estava fazendo.  

— Eu sei, já nos conhecemos – Carol falou e Vinícius assentiu, claramente ignorando o olhar quase depreciativo de Daniel em sua direção. – Foi para ele que liguei na festa à fantasia e Benjamin me reconheceu quando chegou. Aí nos apresentou – respondi um curto “Ah” para aquela informação nova e decidi chamar Carol para dançar comigo, visando escapar daquele clima pesado que surgia.

Paramos então na pista, onde logo começou a tocar uma música mais animada, atraindo mais adolescentes. Vários dançavam, mas nenhum ria tanto que nem eu e Carol. Durante esse tempo, nós inventamos várias coreografias, giramos de mãos dadas e depois ainda tínhamos que nos apoiar uma na outra porque começávamos a gargalhar.

Foi então que uma música lenta começou e, ao olhar para o lado, pude ver casais se formando e Vinícius se aproximando. Aquele desconforto voltou em meu peito enquanto eu torcia mentalmente para que ele olhasse para Carol e decidisse que seria ela quem ele convidaria. Vinícius então focou o olhar em mim e eu falei uma sequência de palavrões mentalmente.

Porém, antes que ele pudesse se aproximar, um vulto de cabelos loiros cruzou rapidamente seu caminhou, segurou minha mão e me puxou dali como se minha vida estivesse correndo perigo. Quando já havíamos nos afastado o suficiente, Daniel se colocou à minha frente e segurou minha cintura, começando a dançar praticamente sozinho e eu, a tentar entender o que fora aquilo enquanto buscava imitar seus movimentos. Eu me sentia estranhamente desconfortável, principalmente porque Daniel estava sério, com o maxilar trincado, e olhando ao redor nervosamente, como se qualquer coisinha o irritasse.

— Não faltou um convite, não? – perguntei tentando quebrar o gelo e ele olhou para mim, um tanto surpreso, como se tivesse esquecido que eu estava ali. Recolocando um sorriso no rosto, com a mão livre segurou a minha e começou a se mover lentamente para que eu pudesse aprender, sem a menor pressa do mundo, e eu pousei minha mão em seu ombro.

— Você estava me devendo – ele explicou. – Teria que dançar comigo nem que fosse amarrada – acrescentou o loiro e eu ri.

— Acho que mesmo amarrada eu me sairia melhor – comentei, com uma careta que demonstrava meu descontentamento, já que eu queria poder dançar bem. Deixei-me divagar por um momento, imaginando se, em alguma hora, eu teria um momento como esse com Benjamin, mas logo voltei a me concentrar no meu acompanhante. Depois daquela despedida na porta da minha casa, eu sabia que não teria que dançar com meu vizinho ali.

Daniel gargalhou.

— Não seja tão dura com você mesma, Lívia – falou.

Eu ergui o olhar para ele, pronta para fazer mais um comentário depreciando minhas habilidades como dançarina, mas desisti ao ver que Daniel não olhava para mim, e sim para um ponto específico à sua frente. Quando me girou, aproveitei e mirei no mesmo lugar que ele encarava antes, mas não tinha nada lá. Franzi o cenho e cerrei os olhos, observando-o de canto.

Assim que giramos novamente, pude ver a boca de Daniel se mexer, mas sem proferir nenhum som, como em uma conversa baseada na leitura labial. Querendo saber o que estava acontecendo, tomei a direção bruscamente e fiz com que girássemos e eu ocupasse seu lugar, mesmo quase tropeçando ao fazer isso. Encarei aquele ponto e pude ver Benjamin dançando com uma loira de costas para mim. Ao perceber que não era o melhor amigo a observá-lo, ele logo desviou o rosto.

— Do que estavam falando? – indaguei, na maior inocência. Daniel, porém, parecia ter sido pego em flagrante e não tinha desculpas. Engoliu em seco e abriu a boca para falar algo, mas nada saiu.

Enquanto esperava por uma justificativa, senti-me vitoriosa. Todavia, essa sensação só durou até que Daniel recuperasse o sorriso brincalhão e a segurança habitual.

— Benjamin não te contou? – perguntou e eu ergui uma sobrancelha. – Estamos apaixonados. Vamos fugir depois da festa – brincou e eu ri alto.

— E o que a Mariana vai pensar disso? – entrei no jogo.

— E desde quando você liga? – rebateu e eu franzi o cenho.

— Bom, deve ser ruim perder o garoto que você gosta – observei, sorrindo fraco, e Daniel cerrou os olhos para mim poucos antes de rir abertamente.

— Não se preocupe, Lívia – disse o loiro. – Eu não vou a lugar nenhum.

Fingi uma risada e ele me imitou.

— Então não vai mais fugir com seu amante? – indaguei e ele soltou um falso suspiro triste.

— Não ia dar certo – respondeu.

— Por quê?

— Porque eu estou divido – afirmou. – Uma parte minha quer o quarterback e a outra quer a garota com alergia à lírios.

Eu ri de novo e ele me acompanhou.

— É, você está em um impasse, Daniel.

Dançamos por mais um tempo até que começou a tocar algumas músicas dos anos 80 e Daniel aproveitou para me ensinar alguns passos. Depois, ao som de Jailhouse Rock, Carol e Vinícius se aproximaram e começaram a dançar junto com a gente. Um pouco mais tarde, já vermelha pelo cansaço, afastei-me, indo em direção à mesa. Minha garganta necessitava de uma bebida e eu aproveitaria para pegar mais dos salgados de carne.

Isso até reconhecer o casal que estava próximo dali.

Eu parei no meio do caminho, encarando Benjamin e Mariana conversando. Como se sentisse o peso de meu olhar, a loira se virou, sustentando o meu de forma surpresa e um tanto tediosa. Mariana usava um vestido vermelho lindo que, sou obrigada a admitir, deixava-a muito bonita e destacava o que tinha de melhor – seu corpo. O cabelo estava preso em um coque trabalhado e a maquiagem destacava seus olhos claros.

Encaramo-nos por um segundo até eu mandar o que pareceu um sorriso fraco, que queria dizer algo como ‘eu vim em paz’. Ela ergueu uma sobrancelha e me analisou por um momento, como se trabalhasse algo em sua cabeça, e voltou a encarar o namorado em seguida. Entendi aquilo como um “se não tivermos que conversar, tudo ficará bem”. Percebendo que aquele seria nosso limite de convivência pacífica, dei meia volta e me aproximei de Daniel novamente, pedindo para que se sentasse em alguma mesa comigo. Carol e Vinícius vieram também e, assim que meu amigo se aproximou e sorriu para mim, podia jurar ter visto Daniel torcendo o nariz.

Depois de um tempo conversando, ou melhor, eu Carol e Vinícius falando e Daniel apenas assentindo um tanto contrariado e irritadiço, disse que iria – finalmente – pegar minha bebida. Fui até a mesa e pedi para o atendente algum refrigerante, que ele trouxe em uma taça. Tomei um gole enquanto beliscava outro salgadinho e me virei.

Acabei tomando um susto involuntário como sempre acontecia quando via Benjamin sem antes preparar meu coração. Ele estava apoiado na outra mesa, com alguns botões da blusa desabotoados e a gravata afrouxada, deixando o início de sua clavícula aparecer. Estava sem o paletó e com as mangas dobradas até o cotovelo, admirando o conteúdo de uma taça em suas mãos, completamente disperso. Determinada a esquecer aquela cena estranha na minha porta e a tentar novamente, aproximei-me.

— Curtindo a festa? – perguntei e ele ergueu o olhar, dando um sorriso fraco. Diário, a parte (ou seria o todo?) apaixonada em mim pareceu murchar com essa reação. Apesar disso, mantive um sorriso no rosto.

Benjamin suspirou, algo perdido entre a melancolia e o tédio.

— Em parte, sim – respondeu. – E você?

— Eu estou.

O silêncio brotou entre nós novamente e eu me arrependi daquela tentativa. Queria perguntar o que deu nele, o que estava acontecendo, mas uma voz em minha cabeça dizia que aquilo só ia piorar tudo. Mordi meu lábio pensando no que falar enquanto lidava com a ansiedade que o nervosismo quase palpável do meu vizinho me causava.

— Sem bebida, espero – comentou depois de um tempo, tão incomodado quanto eu. Ri, nervosa.

— Só refrigerante mesmo – afirmei e, vendo que não adiantaria estender aquela vergonha, virei-me para ir em direção à mesa.

Comecei a andar, lidando com as perguntas em minha cabeça e a raiva por não entender o que estava acontecendo. Aquela pequena parte minha começou a torcer para que Benjamin me chamasse para dançar, mas, quando olhei para trás por um momento, vi que ele continuava lá, admirando sua taça. Senti então essa ponta de esperança em mim se decepcionar ao perceber que já estava na metade do caminho até a minha mesa e que meu vizinho não tinha intenções de me chamar de volta.

Até que uma mão segurou meu pulso e eu me virei.

Era Vinícius.

— Lívia Nogueira – chamou-me. – Você me daria a honra desta dança?

Mordi a parte de dentro da minha boca, vendo que dessa vez Daniel não poderia me salvar, mesmo que sem saber por que eu não queria dançar com meu amigo. Suspirei e dei um sorriso, assentindo e me deixando ser levada até a pista enquanto repetia mentalmente que logo inventaria uma desculpa para poder escapar.

Quando chegamos, ele começou bem devagar a se mover, claramente tentando achar um ritmo que eu conseguisse acompanhar. Vinícius já sabia das minhas péssimas habilidades corporais e parecia disposto a não fazer brincadeira nenhuma. A imagem de Carol então veio em minha cabeça e eu disse a mim mesma que aquilo era algo entre amigos, sem nada fluindo – pelo menos, não da minha parte.

— Você está bem? – perguntou. – Você sabe, depois do que aconteceu na festa...

— Ah, estou – respondi. – E desculpa por qualquer coisa que eu tenha dito, sabe que eu não queria magoar ninguém...

— Desculpas aceitas, apesar de eu nem ter ficado chateado – explicou. – Só estava preocupado mesmo.

Assenti e deixei com que mergulhássemos naquele silêncio. Diferente do que surgia entre eu e Benjamin, esse parecia me reconfortar, como se eu não precisasse lidar com o que aconteceu entre eu e Vinícius. A palavra ‘desconforto’, porém, não parava de girar em torno de minha cabeça e eu tentava ao máximo olhar ao redor e fingir que estava distraída observando os outros casais para que ele não tentasse iniciar uma conversa sobre assuntos que eu queria evitar. Ficamos ali mais um tempo, Vinícius comentando sobre assuntos aleatórios enquanto eu apenas assentia e dava respostas com menos de três palavras.

Foi então que, enquanto olhava os casais, vi um garoto de cabelos loiros não tão contente passando por entre as pessoas, claramente procurando por algo. Franzi o cenho e acompanhei Daniel com o olhar. Assim que me viu ali, encarou-me um tanto surpreso e veio correndo, quase desesperado.

— Lívia, preciso da sua ajuda! – falou, esbaforido, e eu me soltei de Vinícius. – A Tina se machucou e está chorando. Renata pediu para eu te chamar.

Meu instinto de irmã mais velha que só funcionava com Valentina foi acionado e eu me afastei de Vinícius já desesperada, desculpando-me por ter que interromper a dança. Segui Daniel enquanto pensava o que a loirinha podia ter feito para se meter nessa, até porque nem a tinha visto. A última vez que nos falamos foi quando...

Quando nos despedimos porque ela estava indo para a casa da tia.

Desacelerei meu passo até parar enquanto as engrenagens em meu cérebro aceleravam. Daniel pareceu perceber que corria sozinho e logo se virou, recebendo meu olhar desconfiado. Engolindo em seco, ele caminhou até mim.

— Tina nem está na festa – comentei sobre minha descoberta. – O que está acontecendo?

— Eu só quero dançar com meu par mesmo, é algum crime? – ele perguntou, tentando me convencer. Quando viu que não estava dando certo, suspirou e tentou outra coisa: – O que posso dizer? Não fui muito com a cara do seu amigo.

Revirei os olhos.

— Não precisava ir com a cara, quem estava dançando era eu – respondi, um tanto irritada. Claro, ficar à sós com Vinícius não era meu plano inicial, mas não precisava de mais alguém dizendo que não gostava dele. – Eu vou tomar alguma coisa, depois a gente se fala.

— Lívia...

Dei as costas ao loiro e segui, bufando, para a mesa de bebidas, pegando mais uma taça de refrigerante e enchendo a mão livre com os salgadinhos que eu não conseguia parar de comer. Para a sorte de Daniel, ele não me seguiu. Não estava afim de lidar com aquela crise de possessividade que estava dando nele e era provável que eu apenas ficasse mais brava se ele insistisse.

Decidi então ficar de pé, apenas assistindo os casais se moverem de um lado para o outro na pista. Mordisquei o salgadinho e fiquei me imaginando ali. Enquanto percorria o lugar com o olhar, prendi a atenção em um par em especial, no qual o garoto de brilhantes olhos verdes sorria abertamente para a loira a sua frente, que dançava graciosamente com seu acompanhante em perfeita sintonia.

Suspirei um tanto triste e lamentei que o maravilhoso salgado de carne tivesse perdido o gosto em minha boca. Dei um gole no líquido em minha taça enquanto lidava com a inveja que começava a percorrer minhas veias. A vontade de estar no lugar de Mariana preenchia cada pensamento em meu cérebro. Não seria muito mais bonito se eu soubesse me mover assim, como se previsse os passos que meu par daria, e fosse capaz de passar mais de dez segundos sem pisar no pé dele?

Será que Benjamin já teria me chamado se eu soubesse?

Deixei meu cérebro divagar para a única vez que me aproximei de algo que se assemelhava a uma dança antes dessa festa. Foi com Benjamin, quase dois meses depois de nos conhecermos. Havíamos combinado de nos ver porque eu insisti muito para que ele tentasse me explicar futebol americano, já que não é tão comum por aqui e eu fiquei curiosa por sua escola ter focado nesse esporte. Era para nos encontrarmos assim que ele chegasse da escola, porém, pouco depois do meio-dia, um temporal começou e prosseguiu incansavelmente durante a tarde.

Foi então que, enquanto estava sentada na sala mexendo no celular, escutei o soar da campainha e me coloquei de pé, seguindo até a porta da frente. Ao abrir, dei de cara com um encharcado Benjamin, seus cabelos escuros escorrendo e diminuindo um pouco a aparência de volumoso tão comum. Os lábios acompanhavam o sorriso que iniciava em seus olhos e as roupas do treino grudavam em seu corpo.

— Acho que isso é um sinal para não conversarmos hoje – comentei um pouco mais alto pelo barulho da chuva, fazendo referência à tempestade. A corrente de ar que surgiu fez os pelinhos de meus braços se arrepiarem.

— É só chuva, Lívia – comentou, um sorriso aparecendo em seu rosto, permanecendo parado ali. – Ainda posso te ensinar tudo.

— Sim, mas e a parte prática? – perguntei enquanto passava pela porta e ficava na parte coberta da varanda com ele.

— Você por acaso é feita de açúcar? – ele indagou, passando a mão pelos fios escuros para retirar o excesso de água de uma forma que deixaria os garotos-propaganda de marcas de shampoo no chinelo.

Eu revirei os olhos ao entender o que meu vizinho queria.

— Não vou sair na chuva, Benjamin – notifiquei-o, cruzando os braços para apaziguar o frio. A ideia de usar um short jeans e nenhuma jaqueta sobre a blusa com o desenho de um joystick se mostrou nada agradável.

— Para de ser chata, Nogueira – ele reclamou e eu torci o nariz para meu vizinho.

— Tchau, Lacerda – despedi-me, já caminhando em direção à porta e determinada a fechá-la quando estivesse dentro de casa.

Benjamin, porém, foi mais rápido e passou os braços por minhas pernas, erguendo-me e jogando meu corpo sobre seu ombro. Ele logo saiu da varanda e eu senti os grossos pingos de chuva atingirem minha pele. Comecei a me espernear e dar socos em suas costas, mas nada parecia atingi-lo.

— E o quarterback avança, entrando no território adversário – começou a narrar enquanto corria por meu quintal. – O fullback abre caminho...

— Benjamin, me solta! – gritei, minhas roupas já ficando encharcadas e grudando em meu corpo. Minha pele estava gelada.

— O número 22 desvia de um offensive guard — continuou, mudando bruscamente de posição e jogando seu corpo para a esquerda. – Um offensive tackle tenta intercepta-lo, mas ele escapa... – fala e logo se abaixa.

Eu já não aguentava e ria abertamente. Havia parado de me espernear.

— O número 22 continua avançando e logo se vê frente à frente com outro offensive guard... — prosseguiu com sua narração, avançando pelo seu próprio quintal antes de dar meia volta. – Eles estão prestes a dar um encontrão, mas o quarterback muda de última hora, abre vantagem e... – seguiu bruscamente para a direita e me tirou do ombro, segurando-me no colo. – Touchdown!

Assim que falou isso, deitou-me gentilmente na grama e abriu os braços, correndo de um lado para o outro. Eu continuava rindo enquanto Benjamin fingia comemorar o ganho de um campeonato. Ele usava sua bermuda branca dos treinos e a blusa azul e branca do time do seu colégio, o que apenas contribuiu para a cena.

— Viu? É fácil – falou, parando à minha frente, o peito subindo e descendo depois de ter corrido comigo em seus ombros. – E muito divertido.

— Não é nenhum dos dois – afirmei. – Eu não entendi metade do que você falou e, do ângulo que eu estava, pareceu tudo, menos divertido!

— Isso é porque você é chata, Lívia.

— Engraçado você – comentei, sem humor. –Só te pedi para me ensinar isso porque fiquei curiosa. Não sou fã de atividades físicas.

— Nenhuma? – perguntou. – Nem dança?

— Nem saber dançar eu sei, Benjamin – confessei, um tanto impaciente.

Fechei os olhos em seguida e Benjamin não falou mais nada. Acabei ficando um tempo sentindo as gotas de chuva atingirem meu rosto e quando abri os olhos novamente, meu vizinho estava com uma mão estendida e com um sorriso no rosto.

— Eu te ensino.

Eu ri.

— Você só pode estar brincando, Lacerda – comentei. – Não vou dançar com você, muito menos aqui fora.

— Por quê?

— Porque nós temos vizinhos – respondi.

— E a rua tem asfalto – complementou o óbvio, brincando. – Você acha mesmo que eles ficam olhando pela janela durante uma tempestade?

— E se estiverem?

— Se estiverem, você ignora – disse para mim. – O que acha que eles podem fazer? No máximo, vai ser fofoca por dois dias.

— Já conheceu a Dona Catarina? – perguntei, rindo, referindo-me a velha da casa 57, capaz de transformar um simples abraço entre dois vizinhos em caso de fofoca pelas próximas duas semanas. 

— Já, sim – respondeu. – Acho que ela tem uma queda por mim.

Eu gargalhei.

— Benjamin, você acha que todo mundo tem uma queda por você!

— Não acho que todo mundo tem uma queda por mim. Algumas pessoas eu sei que tem uma queda por mim – explicou.

— Ah, é? Tipo quem?

— Tipo você.

Olhei para ele, colocando minha melhor cara de tédio em prática, como sempre acontecia quando meu vizinho fazia comentários desse tipo na época que eu ainda não era apaixonada por ele. Benjamin, diferente de mim, abriu um sorriso de ponta a ponta, contente por estar conseguindo me provocar.

Ri novamente.  

— Acho que seu egocentrismo afetou o já não tão bom funcionamento do seu cérebro – brinquei e ele torceu o nariz.

— Eu acho que não – rebateu. – Que outro motivo você teria para não querer dançar comigo que não fosse seus sentimentos confusos?

— Já disse que é porque não sei dançar!

— E eu já disse que quero te ensinar – comentou.

Revirei os olhos.

— Não quero ser assunto de fofoca por duas semanas.

Foi a vez de Benjamin revirar os olhos. Ele já estava irritado. 

— Sabe qual seu problema, Nogueira? – começou, bufando. – Você liga tanto para a opinião dos outros que esquece de considerar a que mais importa: a sua.

Encarei-o na mesma intensidade que Benjamin fazia, sem abrir a boca, absorvendo suas palavras. Se havia uma coisa que eu odiava em meu vizinho, era como ele percebia essas coisas em mim e não tinha vergonha de falar na minha cara. Foi uma das coisas que Carol adorou ficar sabendo.

— Você quer dançar comigo?

Por que eu sentia como se aquela falta de ar em meus pulmões estivesse relacionada com aquela voz na minha cabeça gritando para que eu dissesse ‘sim’?

— Nós nem temos música, Benjamin – justifiquei, fugindo de sua pergunta.

— E daí? – questionou-me. – Em metade dos filmes eles dançam sem música – complementou. – E, se isso for um problema, nós cantamos, que nem em High School Musical.

Eu ri e revirei os olhos. Voltei a encará-lo em seguida.

— Eu não sei dançar.

Benjamin bufou.

— Já disse que estou inclinado a te ensinar – comentou, estendendo novamente a mão. – Deixa eu ser seu Troy Bolton por um momento.

— Na verdade, é a Gabriela que dança bem – corrigi-o e ele sorriu.

— Tudo bem – respondeu. – Uma parte minha sempre quis um Zac Efron – disse ele. – E a Vanessa Hudgens é muito gostosa, então temos algo em comum.

Gargalhei abertamente e balancei negativamente a cabeça. Rendendo-me, segurei em sua mão e ele me puxou, ajudando-me a levantar.

— Não acredito que me convenceu usando High School Musical! – exclamei. – E desde quando você conhece o filme?

— É o que dá deixar Tina controlando a televisão por muito tempo – explicou. – Ela colocou o primeiro filme enquanto eu estava na sala e me convidou para assistir. Quem diria que o maldito musical era uma trilogia? – contou-me, estremecendo. – E algumas daquelas músicas simplesmente grudam na cabeça. Cantei Bet on it o dia inteiro.

Ei ri alto.

— O que a gente faz agora? – perguntei.

— Vou providenciar a música – falou, passando por mim e seguindo para a minha casa. – Onde está seu celular? – perguntou.

— Na sala – respondi. Ele sumiu dentro de minha casa, encharcando o chão que pisava. Quando voltou, já digitava algo no aparelho e o deixou na varanda em seguida.

— Pronto, a gente dança perto daqui para poder escutar.

Ele se aproximou e parou à minha frente, esperando. Escutei um som fraco e forcei minha audição para tentar reconhecer a música. Quando uma garota começou a cantar, achei-a familiar. Assim que entendi que música era, já reconhecendo a voz da garota, virei-me para Benjamin, já rindo.

— Essa música toca em qual dos filmes?

— No terceiro – ele respondeu. – Foi com essa que Gabriela ensinou o Troy a dançar, pensei que seria um bom incentivo.

Benjamin então segurou uma de minhas mãos e a posicionou sobre seu ombro, onde a deixei, enquanto uma das suas pousava em minha cintura. Meu vizinho então aproveitou para me puxar para mais perto, o que apenas me deu a chance de sentir seu cheiro quase sufocante pela proximidade, que parecia melhor naquele momento. Benjamin já tem um perfume bom, mas ali, misturado com o cheiro de grama molhada, pareceu causar pane no meu sistema nervoso. Ele então segurou minha mão com a sua que estava livre e um calor surgiu em meu corpo, o que eu apenas encarei como algo que expressava meu desconforto ou alguma reação por conta do frio.

— Agora, dois passos para a direita – direcionou-me e logo fez o que disse, eu tentando acompanhá-lo, mas me atrasando. A chuva que caia sobre nós fazia com que a música parecesse abafada e ainda fazia pequenos gomos em meu cabelo grudarem em minha testa. O mesmo acontecia com meu vizinho, só que de uma forma bem mais atraente. – Dois para trás...

Continuou indicando e eu olhei para seus pés, tentando imitar a leveza com a qual ele fazia o movimento. Porém, senti sua mão soltar minha cintura e segundos depois ele ergueu meu rosto com os dedos, o que causou uma liberação de adrenalina em mim semelhante ao que acontecia quando eu tomava um susto durante a cena de algum filme de terror, só que mais agradável. Os olhos verdes dele pareciam fincados nos meus, o que me fez engolir em seco, mas ainda continuei encarando-o.

— Não olhe para o chão, Lívia – Benjamin pediu e fez uma careta logo depois que tropecei e esmaguei acidentalmente seus dedos.

— Por quê? – indaguei.

— Porque gosto de me ver no reflexo dos seus olhos – comentou e eu ri, revirando os olhos para seu comentário narcisista. Pisei novamente em seu pé e ele tentou não rir.

— Espera, sobe nos meus pés.

Assim que pediu isso, coloquei cada pé meu em cima de um dos dele e Benjamin começou a dançar praticamente sozinho, ainda não me deixando abaixar a cabeça e parar de encará-lo. Isso, porém, só parecia de alguma forma estar acabando com o meu oxigênio ou apenas comprimindo meus pulmões. Claro que a Lívia daquele tempo considerou aquilo como uma resposta pela forma quase intimidadora que Benjamin a encarava.

Comecei a rir. Benjamin franziu o cenho.

— Meu Deus, isso é tão clichê! – exclamei.

— O quê? Por quê? – indagou. – Quantas pessoas já dançaram na chuva ao som de High School Musical?

— Mas elas já dançaram na chuva – comentei. – Parece uma cena de algum filme de princesas da Disney... Ou de um livro do Nicholas Sparks.

— Nenhum desses tem “Can I have this dance?” como trilha sonora – justificou. – Então me dê um pouco de crédito.

— Quando fizer algo original, eu te parabenizarei – comentei. – Por enquanto, lembre-se que nós temos que fugir dos clichês, Benjamin.

Ele sorriu. Eu também.

Continuamos assim, mas não falamos mais nada, o que durou por um tempo. Desci de seus pés e logo voltei a dançar com os meus. Infelizmente, diferente os filmes, eu não aprendi instantaneamente os passos, muito pelo contrário. Eu continuei pisando no pé de Benjamin e rindo de suas caretas. 

— Eu vou te girar – notificou.

Infelizmente, esse aviso prévio não adiantou nada, pois ele o fez em seguida. O passo não aconteceu sem que eu me atrapalhasse toda e tropeçasse em mim mesma. Benjamin, porém, conseguiu me segurar pelo braço na cintura, inclinando-me e deixando meu tronco quase paralelo ao chão. Prosseguiu então, como se aquilo fizesse parte da dança.

— Sabe o que seria ainda mais clichê? – indagou, ainda me deixando naquela posição.

— O quê? – perguntei, quase não escutando minha própria voz pelo barulho da chuva e pelo o que pareceu ser o som de batimentos cardíacos acelerados. De onde vinha aquilo, eu não sabia.

— Um beijo.

Benjamin falou aquilo com uma naturalidade tão grande que não coincidia com o estado de agitação que se iniciou no meu interior. Foi como se, por um milésimo de segundo, todos os sinais elétricos do meu cérebro ficassem presos nas sinapses e a temperatura do meu corpo se elevasse a ponto de eu não sentir mais frio. Ele não podia estar falando sério.

As gotas de chuva nem me incomodavam de tão absorta eu estava. Olhando atualmente, posso perceber que foi um dos primeiros sinais que uma parte minha gostava dele de forma diferente, mas a Lívia naquele momento não entendia o que era aquele alvoroço no seu interior, acreditando que o motivo da aceleração anormal de seu coração era sua estranheza com aquele momento embaraçoso.

O rosto já próximo do meu vizinho só piorou a situação e eu soube havia corado quase instantaneamente, sem ainda compreender o que era aquele aperto na boca do meu estômago. Engoli em seco e Benjamin sorriu abertamente, aproximando-se do meu ouvido.

— Mas, para sua sorte, nós estamos fugindo dos clichês, certo? – indagou e me ergueu, voltando às nossas posições iniciais.

Havia uma parte do meu cérebro com uma resposta sarcástica pronta para ser solta. Porém, nada saiu porque o lado que parecia estar gostando da direção daquela conversa apenas perguntava repetidamente:

Sorte?

Enquanto meu organismo parecia tentar inutilmente voltar ao normal, minha respiração continuava acelerada e entrecortada. Era como se a grande máquina que era o meu corpo tivesse entrado em curto-circuito e tentassem usá-la ainda assim. Benjamin tinha um sorriso um tanto malicioso no rosto, mas não fez nenhum comentário, mantendo o olhar preso no nada. Depois de um bom tempo, em silêncio, comecei a me sentir normal novamente.

— Sabe o que fugiria dos clichês também? – perguntei ao me recuperar e ele me encarou. – Se eu pisasse em seu pé e saísse correndo.

— O quê? – questionou-me, franzindo o cenho, mas nem precisei explicar de novo, porque logo fiz o que disse. Enquanto ele fazia mais uma careta de dor, eu corri em direção à rua.

— Sabe o que seria mais inesperado ainda, Lívia? – ele perguntou, a voz sobressaindo à chuva. Quando olhei para trás, pude vê-lo ao meu encalce. Poucos segundos depois, ele passou os braços por minha cintura, abraçando-me pelas costas e girando-me no ar. – Se o Príncipe não deixasse a Cinderela escapar dessa vez.

Eu nem tenho certeza do motivo, já que a situação nem era tão engraçada, mas havia um sorriso colado em meu rosto que fazia minhas bochechas doerem e, ao mesmo tempo, não se cansarem. Benjamin conseguia jogar esse jogo melhor do que ninguém e aquilo só fez um riso gostoso escapar de mim. Ele continuou me girando por mais um tempo antes de parar e me colocar no chão, segurando minha mão, caso eu estivesse muito tonta e pudesse cair. Quando me recuperei, ainda rindo, virei-me para ir em direção à calçada, mas meu vizinho puxou minha mão e segurou-me novamente perto de si, voltando a dançar.

— Benjamin, nós estamos no meio da rua! – exclamei.

Algumas gotas pingavam de seu cabelo e caíam sobre minha testa enquanto eu questionava como alguém assim podia sequer existir, indagando também porque os pensamentos em minha mente se misturavam e confundiam só porque aquelas esmeraldas que Benjamin chamava de olhos pareciam penetrar minha alma. Ele abaixou o olhar, encarando-me com a perfeita mistura de tédio e confiança.

— E daí? Eu pago impostos – comentou e eu ri, balançando negativamente a cabeça e aproveitando para desviar de seu olhar.

— Essa sua justificativa nem plausível é! – comentei e ele me fez uma careta.

— Lívia, por favor, não estrague o momento usando palavras como essa, ok?

Eu ri de novo, apoiando a cabeça em seu peito. Estávamos longe demais da varanda e a força da chuva contribuía para que não escutássemos mais a música, mas era como se ela ainda tocasse em minha cabeça, e Benjamin continuava a dançar, claramente ignorando o fato de não ouvir nenhuma melodia que desse ritmo. O asfalto pinicava meu pé e a água incomodava minha visão, mas tudo parecia obsoleto naquele momento.

— Benjamin, é sério, vamos para a calçada – pedi depois de um tempo.

— Oh... – fingiu surpresa e começou a olhar para todos os lados, claramente procurando algo. – Desculpe, você está vendo alguma placa dizendo “é proibido dançar na rua”? A única que encontrei foi aquela com o “Pare” ali na frente.

Revirei os olhos.

— Você é impossível, Benjamin.

— E você é uma péssima dançarina, Lívia – rebateu, tendo a ousadia de piscar para mim.

— Ah, é? – indaguei. – Você vai ver. Na próxima vez que dançarmos, eu já vou ter me tornado melhor que você!

Ele riu, passando a língua pelos lábios, sem esconder que duvidava completamente de minhas palavras. Seus olhos contavam tudo. Benjamin, porém, apenas me encarou.

— Isso é uma promessa, Lívia?

— Está mais para uma aposta, eu acho – brinquei e seus olhos brilharam.

Continuamos por um tempo, rindo e dançando sem música no meio da rua. Ali, naquele momento, nem lembrei da existência de vizinhos e das possíveis espiadas por entre as cortinas ou da falta de música e da possível bronca de minha mãe.

Eu estava dançando na chuva com Benjamin Lacerda.

E isso era a única coisa que importava.

Não me lembro quanto tempo ficamos, apenas que ele não desistia apesar de todas as pisadas em seu pé. Quando, porém, senti minhas pernas cansarem, comecei a diminuir o ritmo, parando em seguida. Desvencilhei-me dele logo após.

— Obrigada pela dança, Majestade – agradeci, fazendo uma reverência de mentira, e ele sorriu. – Mas minha carruagem já está me aguardando.

— E ela virará abóbora se não for agora? – perguntou.

Ah, eu estava amando aquele jogo.

E um dos motivos era porque o jogador à minha frente era Benjamin.

— Não, mas eu virarei uma estátua de gelo, provavelmente, se continuar aqui – brinquei e comecei a me afastar, ainda de frente para ele.

— Espere, donzela. Quando nos veremos novamente? – indagou, colocando em prática suas habilidades de atuação.

— Logo – respondi. – Tenho a sensação que moramos próximo um do outro e que não tardaremos a nos encontrar novamente – expliquei, mostrando que havia uma atriz em mim também, e caminhei para longe, mas sem quebrar o contato visual.

Benjamin fingiu surpresa.

— Mal posso esperar para ver o que o destino planejou para nós – disse por fim e eu sorri, dando-lhe às costas.

Já longe dele, meu corpo parecia sucumbir ao frio novamente e meu interior sentia falta daquele aroma único que ele exalava na chuva. Não aguentando a curiosidade que fazia meu cérebro parecer coçar, virei-me para trás uma última vez, encontrando Benjamin ainda no meio da rua.

— Espero que cumpra a promessa, Nogueira – gritou lá de longe.

Sorri, mesmo sabendo que ele não veria.

— E eu espero que você pegue um resfriado, Lacerda – rebati e peguei meu celular, entrando em casa logo depois.

— Eu acho que alguém aqui não cumpriu uma certa promessa – uma voz falou ao meu lado e eu tomei um susto, sendo trazida para a realidade, lembrando que eu estava na festa do prefeito.

Assim que me virei, dei de cara com um garoto de olhos verdes intensos e cintilantes. Meu vizinho tinha um sorriso genuíno em seu rosto e parecia aguardar minha resposta, encarando-me de forma divertida.

— O-o quê? – indaguei, não contendo o gaguejar, já nem lembrando do que ele perguntara.

— Aquele dia na chuva, lembra? – perguntou-me. – Você disse que iria aprender a dançar.

Ele virou o rosto para mim e pareceu estranhar minha reação, erguendo uma sobrancelha. Eu não o culpava, é claro, até porque minha cara de choque não era esperada. Eu estava surpresa demais para proferir qualquer coisa, tentando entender se eu havia comentado algo ou se ele apenas conseguiu ler minha mente e perceber que era nesse dia que eu pensava.

Engoli em seco, recuperando-me.

— E por que acha que eu quebrei minha promessa?

— Porque eu vi você dançando – esclareceu e riu ao ver minha cara de incredulidade.

— Não foi tão mal assim! – tentei me defender.

— Quer tentar provar que está melhor do que eu?

Espiei-o pelo canto do olho, vendo se eu tinha entendido certo e ele realmente estava me convidando para dançar ou não. Quando encontrei sua mão estendida, meu coração deu uma guinada tão forte que eu não sabia nem o que dizer como resposta. Quase que inconsciente, estendi minha mão. Meu corpo, que parecia estar no automático, foi deixando ele me conduzir até a pista de dança. Enquanto meu vizinho olhava para frente, abaixei o rosto e encarei o chão, tentando endireitar minha respiração que teimava em desregular toda vez que eu lembrava que quem segurava minha mão era ninguém menos que Benjamin Lacerda.

Ele logo se colocou à minha frente e pousou as duas mãos em minha cintura, sendo que passei meus braços por seus ombros logo depois. Estremeci com seu toque e me xinguei mentalmente por essa reação, torcendo para que ele não tivesse percebido.

Às vezes, a lerdeza do meu vizinho é útil.

Mal começamos a nos movimentar ao som da música e eu já pisava no pé de Benjamin. Ele sempre soltava um baixo resmungo, mas não tirava aquele sorriso presunçoso da cara, comemorando aquela vitória como se tivesse acabado de ganhar a final de um campeonato.

Não sei nem se preciso destacar, mas deu para perceber que Lívia é péssima em dança e qualquer coisa que envolva movimentos corporais. Pronto, Benjamin teve sua vingança sem nem saber que eu escrevo sobre seus defeitos.

— Desculpa por isso – pedi, olhando para cima, encarando o rosto do meu vizinho. Ele não parou de olhar para frente.

— Desculpa pelo que, exatamente? – indagou, claramente brincando com a minha cara.

— Por não saber dançar – expliquei em um resmungo e ele soltou um riso, demonstrando que se divertia muito com aquilo.

— Algum dia você aprende a ser tão boa quanto eu – disse, estufando o peito. – A ser melhor... Aí já é impossível.

Revirei os olhos.

— Benjamin, você não cansa de ser tão convencido assim? – perguntei.

— Não sou convencido. – respondeu, elevando a voz em um tom mais agudo, como se eu tivesse dito algo ultrajante. – Sou realista.

Bufei e ele sorriu, olhando para mim de canto e fitando-me por um segundo com seus olhos verdes que, naquele momento, pareciam intimidadores. Voltei a encarar meus pés, tentando entender como as pessoas pareciam dar uma de cartomante e prever o futuro, vendo para que direção seu par quer ir durante uma dança, enquanto lidava em dar ordens para meu corpo, pedindo para que não me envergonhasse mais.

— Lívia, olha para mim.

Oh, por favor, não.

Só de escutar a voz do meu vizinho naquele tom, toda compostura que meu corpo parecia estar aderindo foi abandonada. Impressionante como minutos de concentração são perdidos só de escutar Benjamin pronunciar meu nome e pedir para que eu encare seus olhos. Ele poderia ter pena e não me pedir para sucumbir à maior das tentações para mim: observar aquelas orbes verdes tão intensas por poucos segundos e que, ainda assim, pareciam capazes de me fazer perder a sanidade pelo dobro do tempo.

Rendi-me. Ergui a cabeça.

— O quê? – perguntei.

— Você está dançando com Benjamin Lacerda e, em vez de olhar para mim, fica encarando meus sapatos? Jura? Com tanta coisa linda para olhar aqui em cima...

Revirei os olhos exageradamente dessa vez. Ele sorriu de canto.

— Por que eu sou sua amiga mesmo, Lacerda? – questionei-o e, pela primeira vez, meu vizinho baixou o rosto e me olhou nos olhos.

— Porque você me ama, Nogueira – afirmou.

Por um momento, eu esqueci como se respira. Aquela imensidão verde estava tão próxima que eu conseguia ver uma pequena Lívia refletida. Vencendo aquela atração magnética, desviei de seu olhar para que meu cérebro voltasse a funcionar normalmente e supri a falta de ar que começava a me atingir. Abri então a boca para rebater, mas fui interrompida por uma figura de vermelho que se aproximava na minha diagonal.

— Ben! – gritou, mesmo já estando quase do meu lado. – Estava te procurando – falou, ignorando minha presença ali naquele momento. Porém, logo depois se virou.

Mariana abriu a boca, já pronta para prosseguir com as grosserias enquanto eu pensava em como rebatê-las, mas algo passou por sua cabeça e a fez fechar a boca e ponderar o que diria. Baixou o olhar por um segundo e, quando levantou novamente, continuava séria, porém havia se recomposto.

— Posso dançar com o meu namorado agora? – perguntou em um tom que quase saiu gentil, mas que ainda transparecia um pouco de impaciência e descaso.

Ela estava fazendo aquilo para agradar o namorado, é claro, mostrando que era capaz de conviver com a melhor amiga de Benjamin, apesar de ser a garota com quem brigara no parque há um tempo. Não pude deixar de invejá-la pela capacidade de me suportar para fazer meu vizinho feliz e sucumbi à vontade daquela parte minha que queria ver a reação dele. Encarei Benjamin pelo canto do olho, que variava entre observar a namorada e a mim, esperando minha possível reação.

Ele não ia se meter.

Quando lembrei que pessoas normais respondiam às perguntas, assenti com a cabeça e Mariana logo puxou Benjamin dali. Eu fiquei parada por um momento, tentando processar aquele momento de convivência quase pacífica com a loira, mas logo senti uma mão se enlaçando na minha e me puxando.  

— Vem, Lívia – Daniel chamou e se posicionou à minha frente, afastando-me de onde eu estava. Começamos então a dançar, nenhum dos dois tão animados. Suspirei e apoiei a cabeça em seu ombro. – Ainda está brava?

— Com você? Impossível – respondi e ele sorriu.

— Que tal a gente pegar dois garfos e arrancar as Trombas de Falópio dela? – perguntou, referindo-se à Mariana, e eu ri alto.

— Trompas, Daniel – corrigi-o. – Com P.

Ele torceu o nariz para minha correção.

— E, de qualquer forma, nem adianta – comentei depois de uns segundos. – Acho que Barbies são plastificadas por dentro também.

Foi a vez dele de rir. Puxou-me mais para perto e me deu um abraço, ao qual retribui. Olhei por cima de seu ombro em um momento e pude ver Mariana e Benjamin rindo poucos segundos antes de ela se aproximar e tocar levemente seus lábios.

Odiei a sensação do vazio em meu estômago ser preenchido por uma onda de tristeza. Desviei os olhos, sabendo que naquele momento eu era a encarnação da derrota e do ciúme, e foquei nos postes de iluminação próximos à rua como se minha vida dependesse deles.

— Que tal sairmos daqui? – perguntei para o loiro.

— O que você quiser.

Assim que respondeu, Daniel segurou na minha mão, puxando-me para longe dali. Deixei que me guiasse e nós logo entramos na casa do prefeito, passando por todas as pessoas importantes que conversavam, sem que ninguém nos notasse. Quando viu que não havia ninguém próximo às escadas, ele me puxou e fomos para o segundo andar, onde tivemos que entrar em um quarto quando encontramos um segurança cruzando o corredor.

— Daniel, você é maluco? – indaguei em um sussurro, sem segurar um sorriso.

— Ah, qual é, vai dizer que nunca quis conhecer a cara desse cara? – questionou-me.

— Claro que quis, mas nós estamos invadindo.

O quarto era o triplo, quase o quádruplo do meu. Possuía um enorme closet no canto com portas espelhadas, uma cama de casal com um lençol que pareceu muito confortável, e uma parte com poltronas vermelhas e uma enorme televisão. Quando vi, Daniel já avançava para uma outra porta, que descobrimos levar para uma sacada.

Ele então passou e avançou pelo grande espaço, aproximando-se do fim da sacada. Apoiou-se nela, admirando a vista da cidade à noite. Eu, por outro lado, fiquei observando-o naquela serenidade que eu queria muito ter dentro de mim. Sem pernas bambeando, coração pulando ou pulmão falhando.

— Como está a vista, Liv? – perguntou e se virou, os olhos castanhos emitindo um brilho. Assim que entendi que ele havia percebido que eu o encarava, agradeci mentalmente por estar escuro e Daniel não poder me ver enrubescer.

O loiro então me puxou e ficou de frente para mim, passando os braços por minha cintura. Daniel ficou olhando para acima, observando o céu, algumas estrelas refletidas em seus olhos nada intimidadores como os verdes de Benjamin. Sem que eu percebesse, já havíamos começado uma dança sem jeito. Eu o encarei de sobrancelhas erguidas e ri.

— O que está fazendo?

— Estou tentando dançar – respondeu, voltando a me encarar.

— É sério? Aqui?

— Lívia, quantas pessoas tem a honra de dizer que dançaram na varanda da casa do prefeito depois de invadi-la durante a festa? – indagou, apontando com o olhar para aquele longo e escuro espaço no qual estávamos, do qual uma bela vista dos pontinhos iluminados da cidade podia ser admirada.

— Ninguém com sanidade, com certeza – comentei e ele revirou os olhos. – Sério, nós parecemos dois malucos dançando sem música.

— O quê? Você não está escutando essa fraca melodia tocada só para nós dois? – perguntou e eu ri, balançando a cabeça e sinalizando que não ia entrar naquela brincadeira. Ele revirou os olhos. – Cante alguma coisa então.

— Eu não canto bem – esclareci.

— Claro que canta! – Daniel disse. – Benjamin já te gravou uma vez.

Arregalei os olhos.

— O quê?

— Ele gravou um áudio quando você estava cantarolando aquela música... – deu uma pausa, tentando lembrar. – Billionaire. Você tem uma voz bonita, Lívia.

— Obrigada – agradeci. – Mas não. Não canto tão bem assim a ponto de dependerem de mim para dançar. Vou me arriscar sem a música mesmo, apesar de apenas contribuir para essa enorme cena clichê.

— Do jeito que você fala, parece que clichês são abomináveis – observou, um tanto contrariado.

— E não são?

— É porque você olha para o lado da repetição – explicou. – Mas veja por outro ângulo: Se é um clichê, tem um motivo para ser.

— E qual seria?

— Todo mundo gosta de se imaginar em uma cena assim – explicou. – E aqui está você, vivendo uma. Considere-se sortuda.

Ergui o olhar e o prendi no de Daniel, sem saber o que dizer sobre essa forma de ver os clichês que ele tinha. Nós paramos de dançar quase que ao mesmo tempo e eu engoli em seco quando um calor anormal tomou conta de meu corpo. Franzi o cenho, estranhando minha própria reação.

Afastei o pensamento que teimava em dizer que isso tinha a ver com o que Daniel acabara de falar, que conseguiu causar um estranhamento em meu peito. Pisquei algumas vezes sem desviar o olhar do loiro, que ainda me encarava, parecendo tão confuso quanto eu.

Antes que pudesse acontecer qualquer coisa (não que fosse acontecer alguma coisa), escutamos a porta sendo aberta violentamente e nos escondemos atrás de um enorme vaso de planta ali na sacada. Tampamos nossas bocas, segurando o riso que queria escapar de nossas gargantas. Quando tivemos certeza que quem quer que fosse que passou por ali já tivesse ido embora, começamos a rir e Daniel me ergueu.

— Acho que já estou farto da vida de invasor, e você? – perguntou e eu assenti. – Ótimo, porque me bateu uma fome do cão e eu ainda não consegui provar aquele maldito salgadinho de camarão.

Feliz por ele ter mudado para um assunto que não envolvesse o que quer que tivesse sido aquilo na sacada, segui-o para fora do quarto, não sem reparar que suas bochechas pareciam um pouco mais rosadas que antes, em um tom parecido com o que predominava nas minhas. Ele começou a conversar comigo e eu assentia, ainda esperando uma resposta do meu cérebro que explicasse o que foram aquelas sensações.

Quando estávamos no pé da escada, porém, um segurança apareceu.

— O que estavam fazendo lá em cima? – indagou o homem de terno escuro, mandando-nos um olhar ameaçador. Virei-me para Daniel, que engoliu em seco e, antes que pudesse responder qualquer coisa, o loiro segurou minha mão e começou a correr, o segurança gritando enquanto ficava para trás.

Estramos no que pareceu ser a cozinha, um cômodo do tamanho da minha casa, que tinha uma mesa cheia dos mais variados salgadinhos. Enquanto ele olhava ao redor procurando uma saída, foquei minha atenção no que reconheci como sendo o salgado de camarão e peguei para Daniel, que pareceu não dar atenção àquela mesa cheia de comida.

Ele logo me chamou, apontando para o que parecia ser a porta dos fundos. Passamos e saímos em um enorme jardim, ainda escutando as vozes dos seguranças. Contornamos a casa por fora e só fomos parar de correr quando já estávamos misturados entre as pessoas da festa. Ficamos rindo sem motivo por um tempo.

— Aqui, para você.

Estendi então o salgadinho e olhei para Daniel, que já me encarava sem proferir nenhuma palavra, enquanto seu cérebro parecia trabalhar loucamente. Estendeu a mão que estava escondida atrás de suas costas e mostrou que também havia pegado um dos petiscos.

Porém, mesmo tendo a chance de pegar o que queria, Daniel optou por aquele de carne que eu comi a noite inteira. Fitei-o por um momento e nós dois sorrimos ao mesmo tempo, trocando as comidas.

— Nós fazemos uma boa dupla, Lívia – falou e ergueu seu salgado, como se fizesse um brinde.

Ri logo antes de morder, observando Daniel sem suprimir o sorriso em meu rosto. Senti como se o olhasse de uma forma completamente nova. E, por um momento, achei que ele havia feito o mesmo.

Lívia.

19º Defeito: Benjamin não sabe dar nó em gravata.


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Notas finais do capítulo

1. Alguém aí confuso com o Benjamin?

2. Isso que eu vi foi uma pitada de Team Daniel aparecendo? É isso mesmo, produção?

E alguém aí esperava um beijo? Desculpa decepcionar...
Mas eu seria uma autora má se dissesse que tem beijo se aproximando? Espero que não ;)

Então, depois desse capítulo gigante eu mereço alguma coisinha? Só um review de vocês já melhora meu dia ;)

Até o próximo ♥



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