Olhos fechados escrita por Moonpierre


Capítulo 1
Olhos fechados




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/689822/chapter/1

Tudo começou quando você era bem pequena, lembra-se? Estava na pré-escola, tempo da inocência que vem carregado com amores puros. 

Uma garotinha com um tampão amarelado num olho te chamou para beber água junto com ela. 

Você foi. 

Quando acabaram de se hidratar, você fixou seu olhar e, como em um filme, analisou o rosto dela. Suspirou. Ela era muito fofinha.

Esse foi seu primeiro suspiro de amor. Um suspiro involuntário que saiu de seus lábios pela primeira vez. 

Sei o que estava pensando... imaginou-se dando um beijo na bochecha dela e ficou feliz temporariamente, porque momentos depois, por azar, lhe veio a mente:

"Não sou um menino, é errado eu beijar uma menina"

Afinal, todas as histórias que você via tinham príncipes e princesas, nunca princesas e princesas, essa era a razão de ter achado sua vontade errada.

Depois achou injusto e se entristeceu, pois segundo você mesma ela era muito fofinha.

E como que para lhe alegrar, um pensamento mais feliz chegou:

"Mas eu ainda posso apertar as bochechas dela"

Um sorriso se abriu em seu rosto.

Mas não tomou nenhum tipo de ação. 

Essa foi a primeira vez que você fechou os olhos para si mesma pensando primeiro na sociedade e na "normalidade". 

Quando sua mãe chegou para lhe buscar na pré-escola contou que tinha conversado com uma garota fofinha, mas omitiu o suspiro e o fato de ter desejado beijar a bochecha de sua colega de classe.

Esqueceu esse assunto, até seu quarto ano de escola.

Estava na sala de música, conversando com uma menina morena com várias sardas na bochecha.

Você achou o papo legal, porém, como que relembrando a última vez analisou o rosto dela enquanto falava, olhava fixamente para suas sardas como se estivesse hipnotizada.

Suspirou.

Novamente sem desejar suspirar.

Foi involuntário.

Quando a professora chamou todos os alunos você se sentou no chão da sala, nunca te vi tão preocupada, se encolheu toda, sua mente funcionava a todo vapor:

"Será que eu senti inveja? Será que eu queria ter as sardas dela? Será que senti ciúmes da beleza dela? Não. A pergunta então se formou melhor: Garotas podem achar meninas bonitas sem sentir inveja ou ciúmes?"

Isso era que você queria solucionar e decidiu que conversaria com sua mãe depois da escola. 

"Faremos um festival de dança em pares no final do ano" - a voz da professora te tirou da inércia.

Em pares?

Novamente você pensou na menina de sardas, queria ser seu par. Até que a professora disse que seriam pares de garotos e garotas.

Algumas meninas começaram a dizer que fariam par com fulano de tal porque estavam apaixonadas por ele. O nome dele era Fernando, era um popular.

Nesse momento seu pensamento fecha seus olhos de novo:

"Eu deveria me apaixonar por um menino", reflete você.

Acho que a professora escolheu os pares, pois você foi par de Fernando.

Naquela tarde, entretanto, resolveu retirar suas dúvidas com sua mãe. Perguntou com todas as letras e sem pudor:

"Mãe, uma menina pode achar uma menina bonita sem sentir inveja ou ciúmes?"

Ela te disse: Não, sim, não, sim. Parecia nervosa. Sem saber o que dizer. Você sabia que ela estava te escondendo algo, mas o que? Naquela época você não tinha o vocabulário atual para descrever o que era uma garota achar a outra bonita: atração, mal sabia o que era uma lésbica. Só tinha 8 anos.

No fim sua mãe te indaga:

"Por que você está perguntando isso?"

Parecia meio brava ou preocupada.

Sua resposta foi:

"Nada...é só curiosidade"

Não lhe contou o que aconteceu na aula de música e, quando saiu de perto de sua mãe, pensou que era melhor ignorar tudo aquilo.

Semanas depois, contudo, você anda pela cozinha e conta para sua mãe e seu pai que está apaixonada pelo Fernando (seu par de dança). Era uma mentira e você sabia, pois o que queria era parecer normal para si própria.

O que me leva a lhe dizer que você fechou os olhos para o que era, mesmo quando pequena, porque sabia que havia algo muito estranho acontecendo.

Entretanto, finalmente, com 12 anos você já sabia o que significava a palavra gay, porém continuava negando: seus colegas começam a fazer uma brincadeira perguntando para todos se eles eram héteros.

Você responde que é.

Mas sabe que talvez não seja.

A dúvida inconsciente estava sempre te assolando.... 

Com 13 anos uma menina falou que queria lhe dar um selinho. Você negou, porque segundo sua mente deturpada você não queria saber se era bissexual agora.

Mas depois pensou que entre ela e um outro garoto escolheria ela e a elogiou muito mentalmente.... "ela é mais bonita, mais inteligente, mais fofa que esse cara".

Com 15 anos você estava estudando sociologia com seu pai, gênero e sexualidade, não estava entendendo algumas coisas por isso resolveu estudar com ele. 

Estudaram.

Foi legal até o momento em que você estava saindo e seus pais começaram a te zoar perguntando se você era "sapatão".

Você se sentiu constrangida e disse que não.

Dentro de sua cabeça, todavia, você pensava: "Por que eu gosto de olhar para meninas, mas me apaixono por meninos?"

Agora tudo faz mais sentido, talvez você tivesse se forçado a gostar daqueles garotos, imaginava tantas histórias com eles que acabava por se apaixonar por uma ficção, faz sentido? Talvez ainda não faça.

Um dia, quando você estava nessa mesma faixa etária, olhava o corpo de uma garota de um banco, e de novo pregou peças em si própria:

"Sou lésbica?" - se indagou mentalmente.

"Não posso ser! Eu nunca me apaixonei por uma menina" - foi sua resposta a si mesma, estava desesperada.

"Só acho garotas bonitas"

Você ignorou que garotas lésbicas também acham meninas bonitas.

Fechou os olhos.

Aos 16, porém,  se apaixonou por alguém do sexo feminino. 

E seu terceiro suspiro aconteceu.

Involuntário.

Enquanto olhava os lábios dela, imaginou-se beijando-a.

Você não queria ter suspirado.

Sabia que gostava dela, mas resolveu ignorar todas as pistas que sua mente e seu corpo lhe ofereciam.

Foi somente aos 17 anos que começou a duvidar racionalmente e não subconscientemente de você mesma.

"Você já pensou em namorar mulher? Eu não iria gostar de namorar uma... mas já imaginei como seria.", uma amiga sua te perguntou.

"Não, claro que não, isso é pergunta que se faça?"

Você quis que ela passasse vergonha.

Mas foi somente nesse momento que começou a realmente refletir: o que era, afinal? Era hétero? Talvez não fosse.

Graças a uma pergunta parou de fechar os olhos a si mesma e começou a tentar buscar respostas para seu comportamento, confrontando fantasmas que ainda lhe assombravam.

Você ainda busca suas respostas, embora tenha certeza que não é hétero e nunca foi.

O melhor conselho que posso dar a todos os seres-humanos é: Parem de jogar a poeira para debaixo do tapete, é melhor confrontar suas questões antes que elas lhes persigam.

Pare de fechar os olhos.

Comece a se entender.

Auto-conhecimento pode não ser a melhor maravilha do universo, mas com certeza é muito bom. 

Abra os olhos e sem pressa comece a ver seu reflexo no espelho da maneira que realmente é e não da maneira que a sociedade te disse que deveria ser ou que era o "correto".

O primeiro passo para ser feliz é abrir os olhos para seu coração e seguir o que ele manda.

 

 

 

 

 

 


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!