Equinócio escrita por karoreis


Capítulo 1
Setores




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         Ainda estava escuro quando acordei pelo que pude notar, embora soubesse que já estava na hora de levantar. A noite tinha sido tranqüila, e eu tinha dormido bem, sem nenhum sonho, por sorte. Levantei da cama lentamente, e fui pro banheiro a fim de fazer minhas necessidades humanas.

         Quando desci a mesa do café já estava pronta, e eu não me espantei em ver Jacob comer tudo o que via pela frente. Era uma cena tão comum.

         - Ei, desculpa não ter te esperado para o café. – ele dizia de boca cheia, a mesma desculpa de sempre.

         - Está tudo bem Jake, desde que sobre pra mim. – eu brinquei.

         Ele riu, seu riso grave encheu a cozinha, houve um suspiro, e Rosalie bufou enquanto passava a mão pelos meus cabelos antes de seguir para a sala, arrastando Emmett junto. As coisas não haviam mudado muito com o passar do tempo, não sei por que eu ainda tinha esperança de que mudassem. Talvez fosse pelo fato de eu ver no rosto de minha mãe, os desejos que ela parecia expressar quando estreitava os olhos para Jacob.

         Eu ignorei os olhares que me seguiam e me sentei à frente de Jacob, não sentia fome de nada do que me era oferecido ali, mas meus pais insistiam em manter minha dieta equilibrada. Peguei algumas torradas e comi sem vontade enquanto estudava o apetite feroz do gigante na minha frente. Como ele conseguia comer isso?

         - Filha... – a voz de sinos não passou de um sussurro, mas foi o suficiente pra quebrar a linha do meu raciocínio, e o suficiente para me deixar irritada, mas não o bastante para deixar transparecer.

         - Eu sei pai, eu sei. Olha... – mordi a torrada e forcei um sorriso. Ele riu da minha tentativa frustrada de convencê-lo e se colocou atrás de mim, encostando minha cabeça suavemente em seu abdômen definido, tão macio pra mim. Eu fechei os olhos de imediato, o bolo que a torrada tinha virado em minha boca desceu sem que eu percebesse. Eu amava meu pai de uma maneira tão singular. Não que fosse fácil não amá-lo, considerando todos os fatos que nos cercavam os mesmos fatos que por outro lado eram motivos para pânico. Mas não pra mim. Pra mim ele era simplesmente o melhor pai do mundo.

         Ele me apertou mais, e riu vitorioso. OK. Ele era o melhor pai do mundo, tirando os inconvenientes é claro. Mas eu não ia reclamar, nem sempre era ruim, eu cresci assim, era bom estar com minha família, eu não gostava muito de falar em voz alta, só quando necessário. Era tão mais prático e normal. Normal ali, dentro de casa. Se é que se pode dizer que para nós as coisas eram de fato normais.

         - Você sabe que eu só quero seu bem. – o sino ecoava em meus ouvidos, eu adorava ouvir sua voz melodiosa. – Nós nos preocupamos com você mais do que você pode imaginar.

         Meus olhos ainda estavam fechados, mas foi fácil perceber que o barulho de comida sendo triturado pelos dentes de Jacob havia cessado e ele devia estar prestando mais atenção agora. Eu me limitei em erguer a mão, e pousar sutilmente sobre a do meu pai. Ele me apertou novamente.

         - Pai, eu prometo que nunca vou te decepcionar, nem a mamãe, nem mesmo ao vovô, ou qualquer um aqui. – meus olhos se abriram lentamente e pararam nos olhos de Jacob que me olhava concentrado. Sua pele castanho-avermelhada era visivelmente sedosa, os lábios se curvaram levemente num breve sorriso. Agora mamãe também, estava ao meu lado, uma mão em meu ombro, enquanto outro braço envolvia papai. Uma típica imagem que se coloca em um quadro. O amor fluía de todos os lados, era impossível negar, era nítido demais para não ver. Às vezes era triste ter que forjar as coisas fora dali, longe daquele nosso cantinho mágico, do outro lado das paredes de vidro.

         Ficar em casa para mim era muito vantajoso, eu podia me comunicar do meu modo, e podia ser simplesmente eu. Tratar meus parentes como deveria, como eles realmente eram e representavam pra mim. Mas fora era bem mais difícil, me comportar como uma pessoa normal. Eu era uma pessoa sim, mas jamais seria normal. Ainda que eu pudesse enganar a todos, eu sabia minha natureza, ainda que confusa e às vezes até sombria.

         Eu não podia negar minhas origens, nem minha família. E mesmo se pudesse, eu jamais me permitiria fazer isso. Eles eram tudo o que eu tinha na minha vida. Na minha vida não, na minha existência. Isso bastava. Meu pai não precisava falar nada, embora eu não fosse igual a ele nesse aspecto eu sabia o que ele estava pensando. Peguei mais uma torrada sem desencostar dele. Era muito bom ficar ali, eu sabia que pra ele era muito mais importante ainda. Eu sabia que deixava feliz cada batida do meu coração, cada molécula humana do meu corpo, o sangue fluindo, a respiração. Eu sempre soube que pra ele isso tudo era como se ele pudesse viver através de mim, das minhas necessidades. Do mesmo modo como ele se sentia com mamãe antes de tudo. Não que ele não a amasse de uma forma incondicional e talvez até inexistente. Mas o elo que nos prendia, nós três, éramos como contos de fadas. Eles fariam qualquer coisa por mim, assim como eu faria qualquer coisa por eles, mas eu sabia que meu pai nunca deixaria chegar a esse ponto, eu era prioridade, se dependesse dele, o mundo se moldava ao meu redor, tudo para me poupar. Eu não podia negar que gostava disso.

         Jacob voltou a comer, e isso me fez concluir que o dialogo já não era mais tão interessante, ou que a cena já estava afetando os ânimos dele. Às vezes ele revirava os olhos com nossas demonstrações de carinho. Visto aos olhos normais devia ser muito mais enjoativo. Mas ele também não era normal e já estava acostumado.

         Eu costumava fazer um mapa mental e organizar as pessoas ao meu redor, como setores. No primeiro setor sempre estavam meus pais ao meu lado, no segundo setor estavam meus tios, Rosalie, Emmett, Alice, Jasper, meus avos Carlisle, Esme, Charlie e Renée e Phill. Num terceiro setor estavam os amigos de Jacob de La Push e alguns dos meus colegas da escola. O quarto setor guardava pessoas que eu gostava, mas que não via com freqüência, ou ainda algumas que conheci ainda no inicio da minha vida e que haviam me agradado desde então, embora não estivéssemos sempre em contato, eram o tipo de gente com quem poderíamos contar se precisássemos, como já foi o caso um dia, quando os conheci. Num ultimo setor estavam o restante dos meus conhecidos, não tão importantes, mas que me valiam para alguma coisa.

         No entanto, mesmo organizando mentalmente, nunca havia um setor em que Jacob se encaixasse. Era como se ele com todo aquele tamanho não coubesse em setor nenhum, sempre querendo se ocupar de todo o espaço, se esparramando preguiçoso onde cabia como ele sempre costumava fazer irritando algumas pessoas. Tia Rose mais precisamente.

         Ele realmente era terrivelmente irritante às vezes, mas fazia parte da família de uma maneira quase inexplicável. Minha mãe me contara muitas histórias e eu estava tremendamente feliz, me sentia aliviada toda vez que olhava para meu pai e Jacob brincando às vezes. Como irmãos, apesar de tudo o que já havia se passado, de todo o amor que ele sentira por minha mãe, ter vencido todas as barreiras, ter vencido esse amor, e melhor ainda, transformado em fraternidade. Meu pai devia muito a Jacob, por sempre estar com minha mãe quando ela precisou, e mesmo sabendo tudo o que havia acontecido, meu pai era perfeitamente altruísta para perdoar Jacob por coisas que poderiam ser facilmente imperdoáveis. E Jacob também superara tudo com muita força. Eu ficava absolutamente encantada com a relação dos dois. Apesar de Jacob forçar a amizade certas vezes, abusando da paciência de meu pai. Mesmo assim, eles nunca brigavam.

         Eu terminei de comer ali, encostada em meus pais completamente inconsciente, mergulhada em pensamentos, quando meu pai enfim resolveu se afastar, eu me apressei em mudar os pensamentos com medo de que isto estivesse deixando-o chateado, e fitei depressa seu rosto angelical, seu cabelo com um tom de bronze inconfundível, no seu penteado bagunçado, tão charmoso, tão novo. Meu pai.

         -Sabe, eu pensei que Jacob seria o suficiente para destruir com o estoque da casa sozinho, mas acho que daqui a pouco posso apostar uma luta entre vocês para ver quem fica com a ultima bolacha do pacote. Jasper e Emmett iam gostar de apostar. – ele disse com um tom de zombaria.

         Eu realmente não tinha percebido que acabara comendo mais do que esperava e que o tempo tinha passado com uma rapidez inesperada. Já devíamos estar atrasados eu concluí.

         Meu pai apenas me entregou minha bolsa com um sorriso encantador no rosto, os dentes afiados e brancos, cintilando, expostos, me convidando a sorrir junto. Inevitável. Pulei em seus braços e ele me deu um beijo carinhoso na testa. Minha mãe já esperava de braços abertos, me beijando as bochechas. Jacob deu um soco no braço de meu pai e bagunçou o cabelo da minha mãe. Diferentes formas de carinho, demonstrando os mais diferentes e sinceros tipo de amor. 

 


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Notas finais do capítulo

Essa fic já era postada em outro site assim como minha outra fic "Sorte no Jogo, Azar no Amor", resolvi postar aqui tbm Espero que gostem