Torna-te Minha Rainha escrita por kalliope


Capítulo 5
CAPÍTULO IV {Madrugada Perfeita}




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Todos já haviam ido embora, mas Aimee havia ficado. Aquele dia de homenagem ao rei havia liberado alguns dos empregados internos do Palácio para uma folga e ela, a camponesa de Dartmoor, aproveitou para perambular pelo centro de Londres e acabar em um Pub, passando mal de tanto beber.

Já era tarde da noite e ela ainda estava lá, debruçada de forma melancólica e patética numa mesa redonda. Um homem gentil se habilitou a leva-la de volta para casa e se surpreendeu quando ela disse que morava no Palácio, mas depois nem tanto quando ela confessou que era apenas uma faxineira de segundo escalão.

O cheiro de gasolina daquele carro ficou impregnado nos cabelos de Aimee, mas não tanto quanto o barulho do motor em sua cabeça.

Após ser deixada nos portões de Buckingham, ela cambaleou na direção oposta ao grandioso Palácio, até a Fonte que compõe o Memorial da Rainha Vitória. Teve de se segurar para não vomitar por lá mesmo. A saia listrada estava a um quarto de suas pernas mais alta, as tranças foram desmanchadas e os sapatos já estavam fazendo seus pés sangrarem.

Aimee sentou-se na borda da Fonte e levantou os olhos para o céu estrelado. Ela não conseguia dormir mesmo, então tanto faz se gastasse metade de sua noite olhando as constelações. Em sua inocente distração, um guarda real lhe apareceu, sentando-se a seu lado. Ele usava o uniforme completo e tirou aquele chapéu enorme de pele de urso para falar com ela.

— Está sozinha, senhorita? — perguntou o guarda, obviamente com más intenções.

Aimee olhou nos olhos dele e riu com desdém.

— Ora, seu pervertido filho da mãe. Você sabe que eu posso te entregar facilmente para os seus superiores, não sabe? — jogou Aimee.

Os ingleses são uma gente que busca extremamente o correto, e a honra é algo de muita valia para eles. Uma delação humilhante como aquela seria mais que uma vergonha para um guarda real, seria motivo para uma séria punição.

— Eu sei — respondeu ele, frio —, mas você não vai fazer isso, vai? — questionou, posicionando um revólver Webley na têmpora esquerda da pobre moça com uma das mãos, enquanto a outra tremia ao tentar abrir os botões da blusa dela.

— Covarde — ela sussurrou.

Os olhos do guarda lampejavam, sua garganta estava seca. Ele estava possuído de uma paixão e de um medo incontrolável. Ambos os sentimentos estavam provocando o mesmo estrago dentro de seu espírito.

Aimee deslizou sua mão vagarosamente pela manga do casaco dele. Quando encontrou uma pequena brecha de sua atenção, ela o desarmou com um gesto rápido e hábil de suas mãos. Aquilo foi vergonhoso para um homem treinado como aquele. Sem pensar muito, ela mirou o revólver na testa dele e simplesmente atirou. Ela viu os olhos dele revirarem uns segundos antes de seu corpo cair e ser encoberto pelas águas da Fonte. Ao passar a mão no próprio rosto, num gesto automático, Aimee percebeu que havia um pouco de sangue em seu rosto. Encarou a palma da mão suja por alguns longos segundos.

— Você vai ser só mais uma das minhas assombrações... — lastimou antes de jogar a arma na Fonte junto ao corpo que estava coberto por uma enorme mancha de sangue na água.

Ela andou até o Palácio numa caminhada lenta. Entrou pela porta dos fundos daquela grande construção e se guiou pelos corredores silenciosos até uma pequena lavação. Trancou a porta atrás de si e tirou as peças de roupa, a fim de lava-las. A blusa com botões tinha muito sangue, já a saia, apenas alguns respingos. Percebendo que não havia jeito de tirar aquelas manchas, Aimee desistiu e jogou aquelas roupas num cesto de lixo. Por sorte, havia um vestido de faxineira naquela lavação. Ele estava meio úmido, mas Aimee o usou para não sair seminua pelo Palácio.

Os rostos sem vida de Lizzie, Ada e aquele guarda sem nome acompanharam-na até que caísse de sono e dormisse por umas três horas. E dormiu tão profundamente que nem percebeu a movimentação gigantesca de oficiais e infantaria em frente ao Palácio. Estavam todos alarmados e preocupados com o possível ataque de um país inimigo.

O tiro disparado por Aimee na cabeça daquele servidor da Coroa havia chamado a atenção de todos num raio de uns 100 metros. Em frente ao Palácio haviam pequenas tropas de guardas, peritos e alguns curiosos da circunvizinhança. Aimee observava a tudo de sua pequena janela no quarto de empregada.

Sem se demorar muito, ela se arrumou de forma decente e se dirigiu ao saguão principal com um espanador em mãos. Antes que começasse a tirar o pó dos candelabros dourados, o mordomo a interrompeu.

— Srta. Harper, a senhorita não saberia nada sobre o assassinato, saberia? — questionou o mordomo, levantando uma das sobrancelhas castanhas.

Aimee largou o espanador em cima da bancada e se virou para ele com um rosto confuso.

— Perdão?

— Falo do homem morto na Fonte da rainha Vitória, não se faça de desentendida, Aimee Holder — provocou.

Colocando as mãos na cintura, Aimee suspirou pesado.

— Desde quando você sabe? — perguntou, simplesmente.

— Desde a morte de Ada — respondeu o mordomo, no mesmo instante. — Eu percebi como você olhava para ela. Olhos de serial killer. — Ele abriu um meio sorriso. — Assim que ela morreu, pesquisei a fundo sobre essa tal de Lizzie Harper e, com meus contatos, eu cheguei até você, Aimee Holder.

Então Aimee o encarou, com os “olhos de serial killer” que ele mesmo havia mencionado, só por diversão.

— E porque você seria estúpido o bastante para me revelar tudo isso? — ela perguntou, curiosa para ver o que ele iria propor.

— Sei dos teus objetivos, não vou te entregar a ninguém — simplificou. — Só peço para que lembre-se de mim quando alcançar tudo o que quer. Thaddeus, é o meu nome — mencionou a si mesmo e logo saiu por um corredor, antes que levantasse qualquer suspeita.

Aimee, por sua vez, continuou a limpar. Sua mente estava naquilo e em reiterar a imagem a imagem de Thaddeus, o mordomo. Era estranho como as expressões de seu rosto e os olhos grandes se assemelhavam aos de Oliver, seu antigo amigo. Se eles fossem parentes, então Aimee não se surpreenderia pelo turbilhão de informações que aquele homem detinha sobre ela. Oliver era tão próximo quanto um irmão para ela.

Já era quase meia-noite quando Aimee havia terminado todas as suas obrigações. Ao invés de ir dormir, ela optou por colocar um vestido leve e sair para tomar um ar nas redondezas. Não havia ninguém do lado de fora, exceto os guardas reais. De forma natural e pacífica, sem chamar nenhuma atenção especial, ela andou pelo pátio e saiu do Palácio pelo portão lateral.

Enquanto se dirigia ao jardim, olhou para a Fonte de relance, lembrou-se do momento em que apertou o gatilho. Tudo o que sentiu foi, no fundo, um prazer diabólico. Antes de invadir a cerca para entrar no jardim, ela hesitou. Uma mão enluvada pousou sob seu ombro. Assim que se virou, foi ao rei Edward que ela pôde contemplar. Naquele momento, tudo se apagou, deixando uma confusa névoa em sua mente.

— Senhorita Harper?! O que fazes aqui sozinha? — perguntou ele, parecia um tanto preocupado.

Ninguém jamais havia se preocupado com Aimee, quem dirá um sangue azul como ele, um rei! Ela sentiu-se, naquele momento, a pessoa mais especial da humanidade.

— Eu ia perguntar a mesma coisa — retrucou, com um sorriso discreto.

Aimee precisou ser muito forte para não transparecer seu nervosismo ridículo de menina. Aquilo foi difícil.

— Vim ver o jardim, assim como você — explicou, calmo. — É uma pena que ele seja proibido para mim — lamentou e sua expressão logo ficou carregada.

— Proibido? — questionou Aimee, inocente. Como algo seria proibido a um homem que reina?

— Muitas decisões a tomar, tarefas diplomáticas e outras obrigações reais — respondeu, com um ar cansado em sua voz. — A madrugada é o único espaço de tempo livre que eu tenho para vir admirar esse jardim.

— É um belo jardim... — comentou Aimee, voltando seus olhos para as flores e folhagens.

O rei viu como ela olhou para o jardim. Pensou por alguns segundos, e anunciou.

— Você pode cuidar do jardim. Quer dizer, se quiser — propôs.

— Seria uma honra, meu rei — respondeu ela, com uma doçura que nunca havia existido em seus olhos.

— Ótimo! — celebrou. — Agora, se me permite...

Aimee ficou sem entender quando Edward segurou seu queixo com a ponta dos dedos e a fitou com algo enigmático em seus olhos cor de céu — que pareciam quase esverdeados à luz fraca dos postes naquela noite. Foi quando ele encostou seus lábios nos dela que tudo ficou mais claro. O rei, calma e apaixonadamente, fechou os olhos, a moça, assustada, os arregalou. O arrepio em sua pele se confundia entre um sentimento e o frio da madrugada. Não sabia mais encontrar o ritmo certo de sua respiração. E quanto mais ela respirava, mais daquele perfume amadeirado do rei invadia seus pulmões.

— Estive desejando fazer isso desde que coloquei meus olhos em você — Edward confessou. Seu rosto estava ainda a poucos centímetros do dela. Sua voz masculina sussurrava.

E depois disso, ele simplesmente virou as costas e caminhou de volta ao Palácio.

Aimee ficou paralisada no mesmo lugar, sem reação. Seus olhos, banhados pela luz do luar, se fecharam assim que ela sentou-se em um banco de madeira ali por perto.

E assim ela permaneceu, por uns quatorze minutos consecutivos.


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