Torna-te Minha Rainha escrita por kalliope


Capítulo 4
CAPÍTULO III {Prazer em Conhecê-lo, Majestade}




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Eram 04am quando Aimee foi despertada subitamente de seu sono. Pensou ter ouvidos passos em seu quarto e logo retratou em sua mente o último estado de sua amiga Liz: olhos esvanecidos, palidez e sangue. Sentou-se na cama abraçando os próprios joelhos e dali em diante começou a relutar a voz doce de Lizzie Harper sussurrando em seus ouvidos. Aimee estava completamente sozinha em seu quartinho de empregada, mas ela jurava que não.

A partir deste episódio macabro, Aimee não foi mais capaz de dormir uma noite inteira nas semanas que se seguiram naquele Palácio. Tudo isso unido a exaustão de um trabalho pesado e rotineiro de faxina quase a fizeram desistir e voltar para Dartmoor. A única coisa que a mantinha nos trilhos era seu foco no objetivo principal. "Me tornar rainha, a todo custo" — virou seu lema. Não importa quantas pessoas ela tivesse de matar, ou a quanto esforço braçal teria de se submeter, tudo valeria a pena.

Certa noite, na ausência de sono, Aimee se retirou e foi se aconchegar no jardim do Palácio, aquele que fica escancarado na frente do lugar, marcando um bonito cartão postal juntamente com a escultura de um anjo dourado — o memorial da ilustre rainha Vitória. O que deu mais sabor àquele jardim foi o fato de aquela ser uma madrugada morna e de céu quase aberto, o que é bem típico do verão inglês, com um vento corpulento que sopra de vez em quando nos corações ociosos. E achando um pedaço de grama para sentar-se, Aimee parou por lá mesmo. Lá, perto das rosas e das lavandas. Daquele espacinho na grama, a vista da garota era a majestosa parte da frente do Palácio. Sacadas; detalhes antigos esculpidos em ouro, sobressaindo o cinza; janelas, umas acesas, outras não; e mais sacadas.

Quando o dia amanhecesse, ou seja, em algumas horas, aconteceria a marcha em homenagem ao rei, e uma ansiedade boa tomou o peito de Aimee quando ela se lembrou disso. Seria a segunda vez que ela teria a chance de ver o grande rei de perto; a primeira vez fora naquele corredor, quando ela pode encara-lo nos olhos e se dar ao luxo de não se curvar à sua presença.

Tomando consciência do quão importante poderia ser essa nova aproximação, Aimee foi até seu quarto e abriu seu guarda-roupas velho, ignorou os uniformes de faxineira e foi direto à mala de roupas que havia trazido de Dartmoor. Tirou da mala uma saia listrada que ia até os joelhos, uma blusa meia manga de botões na cor vinho e um par de sapatos pretos. É óbvio que ela adoraria usar uma meia calça por baixo da saia, mas a mesma havia sido humilhantemente desgastada pelo tempo; estava feia e cheia de pequenos buracos. Um par de pérolas falsas como brincos coroou sua vestimenta. O tempo que usou fazendo um penteado com tranças simplesmente voou, logo se era possível ouvir o barulho da multidão começando a se aglomerar em frente ao Palácio, esperando pela marcha comemorativa. Àquela altura, o rei provavelmente já havia sido escoltado até seu palanque, onde o hino da Inglaterra seria cantado, algumas palavras ditas e a multidão estaria, enfim, dispersa.

Com pressa, Aimee corou os lábios com um batom rosa floral e saiu do Palácio pela porta dos fundos — a única a que tinha acesso — deixando o som marcante de seus sapatos no piso de mármore daqueles corredores. Do lado de fora, mais de mil pessoas, era o que se podia contabilizar. O sol se escondia e aparecia de vez em quando, isso dependia das nuvens que rolavam com o vento.

Haviam sido longos dois meses sem ver a face de seu rei, mas Aimee, determinada, andava ligeiramente por entre as pessoas que estavam paradas dos dois lados da rua. Ela quase acompanhava o ritmo da marcha dos soldados; seus pés se moviam conforme a música da banda. O hino passou a ser cantado, e ela era a única desrespeitosa que não estava parada numa posição de sentido. Mais alguns metros e os pulmões de Aimee já estavam pedindo por alento, e como se não fosse o suficiente, aqueles benditos sapatos haviam lhe causado alguns calos. Para lhe dar alguma esperança em meio àquela bagunça Aimee viu, por entre os uniformes vermelhos dos soldados, o jovem rei em seu palanque, acima de todos. Ele estava organizando as folhas de seu discurso. Ao seu lado, um homem de terno preto cochichava alguma coisa ao seu ouvido.

Aimee chegou o mais perto que pode — até onde os guardas barravam a multidão — e passou a apreciar seu rei, tal como uma obra de arte magnífica.

— Laudável povo da Inglaterra...

Quando ele começou a falar de seu palanque, a garota na rua, rodeada por uma multidão de ingleses, sentiu seu coração saltar. Edward fitava a multidão enquanto suas palavras, muito bem escolhidas, eram modeladas pelo vento de verão e pelo silencio respeitoso que reinava naquele lugar.

Não muitos minutos depois, o discurso fora brilhantemente finalizado. O discurso. Aimee havia guardado cada palavra daquele discurso; cada vírgula, cada respiração. Para sua sorte, ou para seu terror, Aimee conseguiu, de algum modo, os olhos penetrantes do rei sobre si durante toda a salva de palmas final.

Era sua roupa? Seu cabelo? Ou fato de ela estar fazendo o mesmo?!

Assim que tudo acabou e as pessoas começaram a tomar de volta seus rumos, Aimee sentiu uma necessidade devoradora de ir falar com o rei. Os guardas estavam alertas, mas não estavam barrando a passagem dele. Com sua típica ousadia, ela simplesmente andou até ele, que havia acabado de despedir algum ministro, e, por incrível que pareça, ela se curvou assim que ganhou sua atenção.

— Vossa Majestade — debruçou as palavras.

— Senhorita — ele, singelamente, beijou a mão dela.

Aquele era um ato galante, realizado somente entre pessoas de altíssimo nível social, o que surpreendeu a moça do campo que era Aimee Holder.

— Diga-me seu nome — pediu ele, logo em seguida.

— Aim... quer dizer, Harper, Lizzie Harper — deslizou, quase revelando sua verdadeira identidade por trás do assassinato de Liz.

— Bom, senhorita Harper, a que devo este prazer?

Os músculos do rosto de Aimee estavam contraídos e ela engolia em seco quase o tempo todo. Edward VIII era uma figura extremamente elegante e que sabia como se portar e ser carismático em qualquer situação. Ela simplesmente não sabia como agir na presença de um monarca.

— Eu... só queria parabeniza-lo pelo belo discurso. — Edward sorriu e acenou com a cabeça. — Tenho plena certeza de que falo por todo o povo inglês quando digo que o senhor, meu rei, acrescentará de forma formidável ao nosso amado reino — afirmou Aimee, bajuladora.

O rei ouviu cada palavra com uma meticulosidade estranha em seu olhar, parecia algo aprazível para ele ouvir o som da voz daquela jovem a quem ele já estava observando a algum tempo. 

— Tens uma boa fala, senhorita — elogiou. — É uma pena que trabalhe como uma simples faxineira em Buckigham.

Os pensamentos na cabeça de Aimee voaram da seguinte forma naquele momento:

"O rei da Inglaterra acabou de me lisonjear"

"Ele já me viu limpar o Palácio e eu nem o percebi"

"Eu não faço ideia do que dizer e ele está bem na minha frente"

— Vejo-a nas proximidades do Palácio, minha nobre trabalhadora. Saiba que sua contribuição para a Inglaterra é tão importante quanto a minha — garantiu ele, de forma muito sincera, tal como um dos melhores reis da história. E depois ele se foi, de volta para o seu carro escoltado.

Aimee permaneceu naquele mesmo lugar, imóvel, enquanto via o rei ser guiado de volta ao Palácio. Seu peito estava inflamado de um sentimento a que ela não conseguia adaptar-se. Era algo extraordinariamente novo. Podia ser qualquer coisa, menos amor. Não, amor ela não aceitava que fosse. Preferia, antes, a morte.

"Conseguir algum contato com ele me fez estar muito mais perto de me tornar rainha. Estou me saindo bem até aqui" — disse a si mesma em pensamento, como um consolo, ou uma distração.


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