Torna-te Minha Rainha escrita por kalliope


Capítulo 10
CAPÍTULO IX {A Pior Morte}




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Com a calmaria do som opaco das gotas de chuva do lado de fora e com o espírito renovado. Foi assim que Aimee levantou da cama naquele dia. Ela sentia que todas as vibrações do universo estavam a seu favor. Um sentimento aprazível habitava dentro de seu ser. O funeral de Rakel foi comovente, algo que causou o choro hipócrita de Holder. A princesa havia sido enterrada já faziam seis dias e o povo ainda não sabia ao certo o que houve, porquê houve, aquela tragédia súbita.

Aimee balançava sua saia pelo corredor com um sorriso matador no rosto. Os saltos cutucando o chão. O cheiro convencional de malha e ferro da sala de costura não eram muito convidativos, mas Aimee precisava trabalhar de qualquer maneira ou, ao menos, ela precisava fingir. Desse modo, sentou-se e ajeitou a saia — que pertencia a falecida Rakel. Soltando um suspiro de frustração, ela logo se levantou. Havia esquecido sua tesoura de ferro em uma outra sala de materiais.

Pelos corredores, ela andou sem muita pressa. Estava em seus raríssimos (ilusórios) momentos de paz — quando nenhum dos fantasmas de seus assassinatos a assombrava. No entanto, aquilo não durou muito. Aimee paralisou de medo ao dobrar o último corredor. A sala de materiais estava a uns cinco passos a sua frente, Edward VIII, a uns quinze. Ele conversava com um oficial de guarda.

Aquilo foi impressionante. Como a armadura anti-sentimentos forjada pela própria Aimee Holder foi facilmente perfurada com a simples presença de um monarca. Como foi deliciosamente frustrante ver aquele muro a prova de paixão ser derribado pedra por pedra. E tudo com apenas um dos singelos olhares de Edward. Doce fragilidade. Naquele instante, Aimee sentiu uma fisgada forte no peito, algo procedido por um longo calafrio. Já Edward, mantinha seus olhos presos nos dela enquanto seu cérebro ignorava 70% do que o oficial o dizia.

Após alguns segundos, Aimee sentiu a palma de suas mãos e a superfície de seu rosto superaquecer. Para piorar, ele vestia sua farda de guerra completa, com distintivos no peito e cap na cabeça. Aimee possuía uma adoração estranha por vê-lo naquelas roupas. Estava balançada e, mesmo que odiasse admitir aquilo, não poderia negar a influência poderosa que Edward VIII possuía sobre ela.

Matando aqueles passos em direção à sala de materiais, Aimee também tentou matar os sentimentos de seu íntimo. Lá dentro, a iluminação era desfavorável, todavia, a tesoura de ferro à que Aimee procurava logo ficou à vista. Holder segurou forte aquela tesoura. Fechou os olhos. Pensou naquela ponta de ferro; pensou na garganta de Edward; pensou naquela jura de morte.

Uma vingança contra seu próprio coração.

— E se eu....

Aquele poderia ser o grande fim daquela incômoda situação.

"A paixão, assim como qualquer outro fator humano, são apenas empecilhos que nos impedem de alcançar objetivos maiores" — era um de seus pensamentos determinantes.

Aimee estava convicta de que com a morte de Edward aquelas sensações estranhas cessariam de afligir seu corpo e, principalmente, sua mente. E mesmo que aquela atitude significasse perder, para sempre, a chance de subir ao trono, ela não hesitaria. Seu orgulho era maior que sua ambição, e esse era um de seus muitos defeitos.

Edward e seu oficial haviam se despedido formalmente. O corredor de repente ficou silencioso. E, logo após o silêncio, houve o som de passos acelerados no corredor. Aimee prendeu a respiração – o medo havia voltado – e a soltou no instante em que visualizou a imagem de Edward adentrando aquela salinha pequena e mal iluminada. Ele parecia fora de si; a olhava como se fosse o artefato mais raro e valioso de toda a existência. Suas pupilas estavam dilatadas, suas mãos tremiam e sua respiração era audível. Foi assim que ele veio em direção à menina Holder.

Como se já soubesse o que iria fazer, Edward foi ágil e tirou o cap da cabeça para poder alcançar mais facilmente os lábios da moça e beija-la sem reservas. Com uma mão na nuca e a outra em suas costas, ele a trouxe para mais perto e a segurou firme para si. Foi como êxtase para ambos, aquele contato físico tão inimaginável àquela altura. Ao findar daquele beijo, Edward puxou com seus dentes o lábio inferior dela, num apelo de não solta-la, ou de fazer aquele momento durar para sempre. Antes que ela hesitasse, ele a envolveu com ditoso sentimento.

O rei tinha a garota em seus braços; a garota, uma tesoura afiada.

O corredor pareceu ainda mais silencioso.

— Pensei em você o tempo todo. Seu rosto me perturbou e a sua voz me amaldiçoou desde o momento em que embarquei no avião até a poucos segundos atrás — ele confessou, ofegante, sobre sua viagem a Nova Iorque.

— E isso é uma coisa boa? — perguntou Aimee, na debilidade de sua voz. Ela estava tentando esconder o quanto estava adorando sentir o perfume dele novamente.

— Não, não é — Edward foi categórico, e desfez-se daquele abraço culposamente bom. — Eu fiquei querendo tocar sua pele em cada um dos quinze dias em que estive fora do país — explicou. — Isso é ruim. É doentio! Você é só uma garota... por Deus!

Edward não era tão mais velho. Havia seis anos e uns meses de diferença entre os dois. Não existia motivo para nenhuma acusação aparente. Ali, ficou claro que Edward VIII era um genuíno cavalheiro. Um homem de valores, porém sem controle nenhum sobre seus impulsos.

Os dois ficaram ali por um tempo, sem pronunciar nenhuma palavra. O olhar do rei já dizia tudo. Existia o fogo da paixão e o ardor da culpa naqueles sinceros olhos azuis. A culpa de, talvez, amar a pobre costureira de dezenove anos com todo seu coração e nunca poder desposá-la por questões políticas.

Assim que, na sua covardia, o rei a deixou sozinha naquela sala, Aimee imediatamente deitou-se no chão frio, lidando com o pequeno caos que se formou dentro de si. Seu extremo perfeccionismo não a permitia aceitar que seu coração, de fato, afundou enquanto Edward a beijava apaixonadamente. Lá mesmo, ela se derramou em choro. Com sorte, parte daquela agonia escoaria através de seus olhos. Ela só percebeu que estava furando a própria mão com a ponta da tesoura quando o sangue apareceu. Aimee Holder estava em seu limite.

"Mas como assim? Eu consigo, facilmente, lidar com as mortes. Não há absolutamente nada nesse mundo que me abale. Eu costumava me machucar feio nas montanhas rochosas só por diversão. Não há dor que eu não possa aguentar. Mas o amor... deve ser algum tipo de tortura mais eficiente" — raciocinou consigo mesma enquanto as lágrimas secavam em seu rosto.

Ela queria de volta o calor o calor daquele abraço. O apreço com que Edward a observava. Ela queria de volta.

Num determinado momento ela juntou forças, apoiou os cotovelos no chão e se levantou. Andou até o corredor dos retratos e foi encontrar o de Edward. Precisava vê-lo naquele instante, nem que fosse somente numa gravura.

O semblante de Aimee estava péssimo; a maquiagem arruinada e o espírito tal qual a de uma vítima da grande guerra.

Após alguns minutos fixando a pintura de Edward, Aimee finalmente caiu de joelhos perante aquele quadro. Permitiu-se derramar mais algumas lágrimas.

— Se você soubesse o que faz comigo talvez, por gentileza, deixaria de existir — ela lamuriou para o quadro na parede. — Eu não posso fazer isso porque sou uma fraca. Sou incapaz de te matar e me odeio por isso.

Ao fim daquele drama, ela escolheu voltar à sala de costura e encher sua mente com trabalho.

"Essa é a escalada para o topo, Aimee. Nem tudo vai ser assim tão fácil quanto assassinar pessoas" — consolava-se.

E foi perdida nesses e em outros pensamentos que ela acabou se machucando com a própria agulha por diversas vezes, manchando sua mão com sangue mais uma vez, porém de um jeito diferente.

Antes de ir dormir, ela fez questão de queimar o cachecol de Edward. Queimou aquele tecido com o isqueiro de seu avô, da primeira guerra mundial. Os restos mortais, ou seja, as cinzas do bonito cachecol, ficaram a descansar em paz, bem embaixo da cama de Aimee Holder.


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