Pela manhã senti um corpo quente embaixo do meu. Em seguida uma respiração pesarosa. E quando resolvi abrir os olhos e averiguar do que se tratava, encontrei – o que seria de hoje em diante – meu oceano particular. Seus olhos azuis pareciam cansados e mesmo assim sorriu quando o encarei.

— Bom dia, minha querida Mr. Mellark. – sua voz soou sedutoramente.

— Bom dia para você também, Mr. Mellark.

Sentei-me na cama e observei o ambiente que se encontrava na penumbra por conta das cortinas, mas sei que lá fora o sol nascia.

Senti o toque suave de sua mão acariciar meu rosto e quando meus olhos foram de encontro aos dele senti uma necessidade imensa de beijá-lo, mesmo não estando certa se era justo com ele. Seu amor por mim é forte, isso é mais do que notório, mas não tenho certeza se posso amá-lo do jeito que merece. Este pensamento é o segundo que mais tem me angustiado, porque o primeiro é a ausência de papai.

“Eu te amo, e posso amar por nós dois enquanto você não conseguir forças para isso. ”

Esta lembrança me dá a coragem para realizar minha vontade.

Aproximei meus lábios do seu e o beijei com vontade. A princípio ele pareceu surpreso, mas depois acabou correspondendo até com mais devoção.

— Temos que tomar café... preciso me preparar. – ele que quebra primeiro nosso momento.

— Eu sei... – me afasto e logo fico em pé.

Ele também levanta e envolve seus braços ao meu corpo.

— Você está bem? – era uma simples pergunta, mas não conseguia responder.

— Eu não sei.

— Eu não queria que isso acontecesse. Não queria que seu pai se fosse e também não queria me despedir de você.

— Mas você não pode desobedecer uma ordem, não é? – pergunto e ele tristemente nega com a cabeça.

Ele me abraça apertando-me ainda mais ao seu corpo. Minha cabeça encosta em seu peito e logo as batidas de seu coração retumba em meu ouvido como uma melodia há muito esquecida.

— Vou me trocar, mas se quiser já pode ir descendo para tomar seu café, não quero que fique enfraquecida. – diz segurando meu queixo e até gosto da preocupação que tem por mim, lembra o meu pai.

Assim que deixa o quarto, caminho até a penteadeira e me olho no espelho. Vejo que meus olhos estão profundos e cansados. Decido pentear meu cabelo e fazer um coque, deixando-o frouxo. Passo um pouco de pó no rosto, principalmente abaixo dos olhos. Visto um vestido confortável e de estampa leve. Desde o falecimento de papai meus vestidos eram aqueles que eu mais detestava: os de luto. Agora com algo mais em tom pastel sinto-me mais leve, apesar de uma grande tristeza se fazer presente em meu peito.

Na mesma hora que saio do quarto vejo Peeta sair do outro vestido com sua farda.

— Você está bonito. – me aproximo dele e ajeito um pouco o colarinho.

— Acho que você vai enjoar de me ver vestido assim. – ele brinca.

— Não seja tão precipitado em pensar algo desse tipo.

Peeta sorri ladeando os lábios e quando nos encaramos sem dizer nada um para o outro, lembramos que temos de nos apressar, pois logo terá de partir.

A mesa do café estava linda com arranjos de flores – acredito eu ser do jardim -, havia uma variedade de comida gostosa. Confesso que extravasei em comer e senti meu rosto se aquecer de vergonha quando Peeta limpou meu queixo – sujo de geleia - com um guardanapo. Seeder, Rue e Tresh são adoráveis, e cuidarão desta propriedade para nós. Aqui é bem gostoso, lembro de papai trazendo Dália e eu para cá. Nós caminhávamos na floresta e enquanto ele caçava com seu arco alguns animais da região, minha irmã e eu colhíamos frutas silvestres e nadávamos no lago. Lembro da bela campina que tem aqui também, mas faz muito tempo que não vinha aqui.

— Queremos agradecer a vocês pela recepção e ter cuidado tão bem de nós. – Peeta agradece aos criados que se encontram enfileirados – um ao lado do outro – Eu e minha esposa esperamos poder voltar aqui um dia. Na minha ausência deixarei Darius para atendê-los naquilo que precisarem e Dominik cuidará de vossos ordenados.

Fico olhando admirada Peeta falar com tanta suavidade com os criados, papai sempre teve o mesmo zelo e educação para com eles.

— Não a de que, senhor. É uma honra servi-los e esperamos que tenha uma boa viagem e que Deus o proteja. – Seeder fala com carinho materno.

— Muito obrigado, e até mais.

— Também faço das palavras do meu marido as minhas. Eu não estarei presente enquanto ele estiver fora, mas seja qual for o problema, comuniquem ao Darius e ele passará as informações através de cartas.

Abraço Seeder e Rue, e cumprimento o Tresh. Partimos dali imediatamente para o forte. Há muitas famílias que estão presentes para se despedirem de seus maridos, filhos ou pais. Logo vejo Finnick e a família Mellark está lá também para se despedirem do filho.

Peeta me encaminha para um cantinho um pouco mais reservado.

— Eu sou péssimo com despedidas, mas já disse a você que essa será a pior...

— Estarei aguardando o seu retorno. – o corto e logo passo minhas mãos pelo seu pescoço, segurando-o firme e fico na ponta dos pés para alcançar seus lábios.

Quando percebo lágrimas escorrem pelo meu rosto, mas não são só as minhas, as dele também se misturam a elas.

— Eu te amo querida esposa. – rio entre lágrimas lembrando que, antes ele me chamava de querida noiva, mas agora é querida esposa.

— Cuide-se. – é minha última palavra já que escutamos a corneta soando para que todos estejam a bordo.

Peeta tira um lenço de seu bolso e começa a enxugar meu rosto.

— Pode ficar com ele, acho que está mais necessitada do que eu.

— Ah, e você não, né? – ironizo e logo ele me toma em seus braços para um último beijo.

Ele ajeita seu chapéu na cabeça e caminha até a rampa do navio olhando para trás e quando aceno com o lenço branco ele sorri. Meu marido já tinha se despedido da família antes de me puxar para o canto e agora ele acenava para eles também que tinham lágrimas nos olhos.

— Graças aos céus não é eu subindo naquele navio. – diz meu cunhado ao se aproximar de mim.

Finnick é Almirante há um bom tempo, sempre que alguma instrução ou ordem governamental é passada, ele tem que assumir seu posto e estar à frente de sua tripulação de marinheiros. Mas no momento ele conseguiu um afastamento – acredito que seja por minha irmã -, claro que, para isso acontecer tem que estar um tempo na função.

Olho em direção ao navio que vai se afastando aos poucos e uma sensação estranha toma conta do meu ser. Peeta ficou um bom tempo me observando enquanto se afastavam, até que a uma certa distância não podíamos mais os ver.

Seus pais – agora meus sogros – se despedem de mim.

— Querida, se precisar de qualquer coisa estaremos na Capital. Escreveremos a você assim que chegarmos lá. – minha sogra diz ao me abraçar.

— Obrigada.

— Ah, Katniss sei como deve ser difícil para você que acabou de se casar e agora vê o marido partindo para uma viagem tão longa. – essa é a Delly dizendo com sua melancolia – Mas agora que somos irmãs pode contar comigo. – ela me abraça com uma força que não imaginava que tinha.

— Sim Delly, agora somos irmãs e muito obrigada por sua companhia e carisma.

Ficamos abraçadas por um tempo até que Dália me chama para irmos, pois, as crianças ficaram com os criados.

Quando adentro a casa sinto um aperto no peito e logo as lembranças de meu pai invadem novamente minha mente.

— Você está bem, querida? – minha irmã pousa uma das mãos em meu ombro e não posso abrir minha boca senão vou desabar, então me limito em balançar a cabeça em concordância – Vou pedir a uma das garotas para fazer-te um chá.

Subo até eu quarto e deito em minha antiga cama e fico refletindo tudo o que venho sentindo desde meu retorno do Condado Four.

(...)

Meu cunhado sugeriu que ficássemos aqui pelo menos uma semana. Minha irmã perguntou como tinha sido minha noite de núpcias e contei a ela tudo o que tinha acontecido, e o que, não tinha acontecido. Ela disse que ele entenderia e que não deixaria de me amar menos por isso.

Dulce me ajudava com as malas, afinal passaria dois meses e quatro semanas fora daqui.

— Obrigada, Dulce.

— Que isso menina estou aqui para ajudá-la.

Dulce Maria tem sido como uma mãe para mim. Sempre tem um conselho e uma palavra amiga a me oferecer.

Catharina me avisa que tenho uma visita e para minha surpresa quando chego a sala dou de cara com minha querida amiga Madge.

— Boa tarde Mr. Mellark. Como estas? – ela se inclina fazendo graça como nos velhos tempos e faço o mesmo.

— Boa tarde, futura Mr. Hutcherson Everdeen. Estou bem na medida do possível e vós como estas?

Uso os sobrenomes do meu primo para lhe cumprimentar. A mãe de Josh era sobrinha da minha mãe, mas nunca foi próxima de nós, nem por isso Josh deixou de frequentar mais nossa casa.

— Estou feliz e bem.

Convido ela para o chá-da-tarde. Conversamos sobre esse tempo que não nos falamos e quando toco no assunto de seu noivado não parece ter dificuldade em falar.

— E, como isso aconteceu? – pergunto.

— Você tinha toda a razão sobre o comandante Hawthorne, Katniss. – respira fundo e prossegue – Ele não pediu permissão a mim para fazer a corte. E, quando disse a você sobre as promessas que tinha me feito era verdade. Ele dizia que me faria sua esposa. Que eu era a única dama da vida dele, mas descobri a verdade. Ele é o pior dos libertinos. – fala com indignação – Eu vi com meus próprios olhos quando passei um tempo na casa da tia Mayselee, na Capital. Gale é sujo. O vi se agarrando com uma daquelas mulheres da vida sabe... e no outro dia quando contestei com ele, me agarrou e queria me forçar a ser dele. Foi quando Josh apareceu e deu uma lição nele. Um soco no olho e outro no queixo.

Fico admirada com seu relato.

— Eu sinto muito, Madge.

— Não sinta, Katniss. Ainda bem que consegui enxergar o que realmente Gale Hawthorne é. Josh me levou até a casa da tia May e contou a ela o que tinha acontecido. Titia quase morreu do coração e disse que não pronunciaria isto ao meu pai. Então no outro dia Josh foi tomar chá conosco e conversamos por um longo tempo. E daí, fomos nos tornando mais próximos, e tia May deixava eu caminhar com ele pela praça perto de sua casa.

Minha amiga estava feliz e eu não poderia deixar de participar desta alegria.

— Oh, Madge estou realmente contente por você. Espero que seja muito feliz.

— Com toda certeza eu serei amiga. Meu pai ofereceu-lhe um ótimo dote e ele não aceitou. E, na semana antes de você se casar me levou até ao nosso futuro lar. Um lugar ao qual não poderia imaginar naquela imensa Capital de Barem.

— Vocês vão morar na Capital?

— Sim, nós iremos, mas não se preocupe, papai disse ao Josh que se ele não puder me trazer sempre que for possível para visita-lo, não permitiria que se casasse comigo. – ela ri na última parte de sua sentença e não tem como eu não rir junto.

Josh é tão emproado que nunca imaginei ele apaixonado, ainda mais por minha amiga.

Após o chá nos despedimos com um forte abraço e um até logo.

O dia de irmos para o Condado Four havia chegado e ter que me despedir de todos os criados dali foi como me despedir de papai mais uma vez. No caminho quase não comi nada. Meus sobrinhos tentavam me animar, mas Dália os repreendia para que me deixassem quieta.

Depois que chegamos a propriedade Odair senti como se tivessem apunhalado meu coração. A angustia tomou conta dos meus dias ali o que só fazia Finnick e Dália se preocuparem mais comigo.

— Deixe ela descansar querida, acho que Katniss não está preparada para tantas despedidas assim.

Foi o que ouvi Finnick sussurrar a minha irmã quando eu já me encontrava na escuridão do quarto, no quinto dia de estadia ali. Quem diria o que aconteceria comigo nas próximas semanas.