Apesar de não ouvir daqui de dentro, sei que ainda chove.

Meu sono é leve, mas esta noite sequer apareceu. Me remexi na cama diversas vezes até desistir. Então apenas calço um par de pantufas que está disposto ao lado da cama e me encaminho para fora do quarto, esperando encontrar algo na cozinha.

Quando abro a porta, percebo que não há o silêncio que eu esperava. A sala está iluminada.

Caminho pelo corredor até me deparar com Haymitch sentado no sofá. A TV está transmitindo os jogos, onde podemos ver Katniss tentando tirar um cochilo sentada num galho de uma árvore.

Suspiro e cruzo os braços, sabendo que não precisarei me esticar para saber que há pelo menos uma garrafa de whisky em cima do centro, próxima aos seus pés.

— Você não vai dormir? - indago de onde estou. Haymitch finalmente desvia sua atenção da TV e dá de ombros.

— Estou sem sono – ele diz e se vira novamente – pra variar...

Respiro fundo e volto a caminhar, agora na sua direção. Paro atrás do sofá e ponho as minhas mãos nos seus ombros. Penso em lhe fazer uma massagem, mas log me recordo que não sei fazer isso. Mas sei que ele está tenso. E faz muito tempo que não o vejo assim: preocupado.

Eles tinham sobrevivido ao primeiro dia e isso já era muito para nós. Dessa vez estamos conseguindo um tempo maior do que o costumeiro enquanto torcemos pelos nossos tributos nos jogos.

Estamos na 74º edição dos jogos e parece que dessa vez temos uma chance. Uma ótima chance, aliás.

Haymitch segura a minha mão e me induz a sentar no sofá, ao seu lado. Olho para a TV, mas não consigo me concentrar no que está passando. Eu preciso dormir.

— Você tem que descansar – digo. Dou de ombros e vejo o cansaço estampado no seu olhar. E por mais que ele tente negar, seu semblante diz o contrário. - Nunca vi você tão envolvido assim.

Haymitch suspira, olhando para a TV.

— É que dessa vez parece fazer sentido todo esse esforço.

Minhas pálpebras estão pesadas agora. Me recosto no sofá e viro um pouco a cabeça para olhar para Haymitch. Após alguns instantes ele dá de ombros e olha para mim também. Seu braço agora está sobre meus ombros e sinto seus dedos passeando delicadamente pelo meu pescoço, o que começa a aumentar o meu sono.

— Você poderia ser carinhoso assim na frente dos outros, não é? - comento com a voz rouca e os olhos fechados. Haymitch abafa uma breve risada.

— Talvez – ele diz.

Coloco as pernas em cima do sofá e me viro um pouco, aninhando-me ao encosto do móvel. Quando abro novamente os olhos, vejo Haymitch se aproximando um pouco mais.

— É mais divertido te irritar – ele completa após um tempo e isso me faz rir um pouco.

Fecho os meus olhos, acomodando-me um pouco mais.

— Assim até parecemos um casal de namorados – comento por alto e sinto-o transferir o carinho até os meus cabelos agora soltos.

— E o que nos impede? - Haymitch indaga e eu abro os olhos. Ele está sério e há uma suavidade em seu olhar.

Sorrio e volto a fechar os olhos.

— Não acho que daria muito certo.

— Por que você acha isso?

— Nós só nos vemos nos jogos, Haymitch – minha voz sai fraca à medida que ele continua fazendo carinho nos meus cabelos. - Você mora longe... deve ter alguém no Doze.

Ouço-o emitir uma breve risada triste.

— Eu não tenho ninguém - ele diz. - A última vez que eu fiquei com alguém assim foi nos jogos do ano passado.

Abro os olhos para encará-lo e me surpreendo ao perceber que ele não está mentindo.

— Eu também - confesso.

Haymitch sorri e por um momento chego a acreditar que ele poderia estar sóbrio. Ele se inclina na minha direção e me beija. Sua mão segura a minha nuca e nossos lábios se confundem. Haymitch consegue ser totalmente o oposto do que ele se mostra diariamente.

Interrompemos o beijo e ele me envolve num abraço gostoso. Encosto minha cabeça no seu ombro e fecho os olhos, sabendo que agora o sono virá com certeza.

— Quer dormir agora? - ele indaga e eu respondo com um menear de cabeça.

Haymitch tenta me colocar no colo, mas não tem sucesso no seu feito. Me pego gargalhando junto a ele e decido ir andando mesmo, agradecendo sua tentativa de cavalheirismo. Seguro sua mão e o conduzo até o meu quarto, esperando que nossas risadas não tenham acordado Cinna ou Portia.

Não durmo de imediato. Fico deitada de frente para ele, observando sua silhueta no escuro. A mão de Haymitch afaga as minhas costas enquanto o sono não chega para ele. Minhas pálpebras querem se fechar, mas quero aproveitar um pouco mais. Talvez seja isso o que as pessoas dizem tanto ser o tão conhecido amor. Quando, involuntariamente, alguém se torna tão importante para você. Espero não estar enganada ou exagerando sobre isso, mas é assim como eu me sinto agora.

Haymitch me dá um beijo antes de cair no sono. E, dessa vez, o meu também não demora a vir. Consigo dormir tranquila.