As Caçadoras escrita por LadyWolf


Capítulo 3
Opala Preto


Notas iniciais do capítulo

Caçadores! ♥
Tudo bem com vocês?
O capítulo ficou um pouco grande por conta da parte do Geraldo (já que eu não coloquei nada sobre ele no capítulo anterior). Mas eu sei que vocês aguentam, afinal, são caçadores né?
Nos vemos nas notas finais, ok?



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 BAIRRO DA LAGOA, RIO DE JANEIRO

  Era uma noite de sábado um tanto chuvosa, por conta disso trânsito estava lento na Avenida Borges de Medeiros sentido Túnel Rebouças. Em um dos carros estavam a mãe e os dois filhos, uma de vinte e poucos anos e o mais novo de apenas dez meses. Eles voltavam da colação de grau da filha mais velha que tinha acontecido em uma casa de festas muito famosa da cidade.

— Você quer isso, é? Quer? – perguntava a garota de cabelos azuis e piercing no septo enquanto brincava com o irmão mais novo. Ela aproximava o canudo de cor azul claro do bebê e o afastava assim que tentava pegá-lo, causando um ataque de riso. – Pega, Biel! Pega!

— Que maldade com a criança, Mari. – disse a mãe com um sorriso no rosto enquanto dirigia.

— Maldade nada, mãe. – falou continuando com a brincadeira. – Estou treinando ele para a vida. Ou você acha que os professores não fizeram o mesmo comigo?

— Boba!

— Ah, me deixa ser feliz um pouco, mãe. – disse fazendo bico. – Depois de tantos anos virando a noite, aturando professor chato, sendo assaltada pelo pessoal da xerox finalmente eu consegui me formar.

— Eu sei, querida. Estou muito orgulhosa, sabia?

— Ma! Ma! Ma!

— É, e eu acho que o Biel também. – falou dando um beijo na testa da criança e o entregando o canudo. – Mas o Cláudio não parece tão orgulhoso assim, nem apareceu na formatura.

— Seu pai é muito sem noção mesmo. Não aparece na formatura da própria filha! Quando o encontrar, vamos ter uma boa conversa.

 O carro entrou no Túnel Rebouças e parece que a partir daí o trânsito começou a fluir normalmente. Eles atravessaram a primeira parte, a mais longa por sinal, e em seguida entraram no segundo túnel. A mãe estava dirigindo calmamente quando de repente avistou através do espelho um carro preto surgir atrás deles em alta velocidade. Era um Opala SS, carro muito famoso na década de setenta.

— Mas o que esse louco...?

 O veículo continuou a avançar contra eles, o que fez a mulher pisar no acelerador para que não houvesse uma colisão.

— Mãe?

— Idiota, o que tá fazendo!?

— Mãe! O que tá acontecendo?

 Mariana olhou para trás e viu o carro chegar cada vez mais perto, acertando a traseira do automóvel deles. Gabriel ficou assustado e começou a chorar.

— Merda! – exclamou a mãe aumentando a velocidade drasticamente. – Segurem-se!

— Mãe, você tá indo rápido demais! Mãe, a gente vai...

 Mariana não terminou a frase. A mulher perdeu o controle do carro e acertou a parede com tudo. A cadeirinha em que Gabriel estava sentado voou em direção ao vidro da frente acertando-o com tudo. Não houve sobreviventes.

***

 DUQUE DE CAXIAS, RIO DE JANEIRO

 Naquela manhã a mãe de Letícia chegou do trabalho e a garota finalmente pode voltar para a casa, mesmo que ainda assustada com os seus novos poderes. Ana, Rafaela e Josiane ofereceram toda a solidariedade a negra e pediram que caso acontecesse qualquer coisa para procurá-las.

 Agora sozinhas, as primas Ferraz começaram a treinar no porão sob a supervisão de Josiane. Ana, com a pistola na mão, mirou o alvo pregado na parede. Ela respirou fundo e então disparou, acertando exatamente o círculo vermelho no centro. Em seguida soprou a arma como faziam nos filmes americanos do Velho Oeste.

— Boa mira, Ana. – elogiou Josiane sentada em um banquinho.

— Valeu.

— Rafa, sua vez.

— Eu preciso mesmo? – perguntou a garota sentada a mesa, onde havia vários livros velhos que ela estava folheando.

— Não, você vai enfrentar os reptilianos dando um sorriso pra eles. – disse Ana pondo a arma na mão da prima.

— Ah-Ah! – Rafaela se assustou com a arma em suas mãos e por pouco quase a deixou cair no chão. – Ér... Está bem então.

— Você consegue. – disse Josiane com um olhar confiante para a filha.

— T-tá. – falou se levantando e ficando atrás da marcação que havia no chão com uma postura totalmente estressada por conta da arma em suas mãos. Ela apontou para o alvo e atirou, acertando a parede.

— Parabéns, Rafa! – falou Ana rindo. – Melhor tiro!

— Cala a boca! – gritou a garota irritada. Em seguida ela mirou outra vez e atirou novamente, acertando a borda do alvo de madeira. – Aff! Eu não sirvo pra essas coisas.

— Ai, minha barriga! – exclamou Ana gargalhando.

— Ana, por que ao invés de rir não ajuda a sua prima?

— Tá, tá. – disse se aproximando de Rafa e pondo as mãos nos ombros dela e massageando. – Primeiro, você tá estressada demais. A arma não vai disparar se você não quiser. Relaxa.

 Rafaela sentiu as mãos da prima apertando seus ombros e fechou os olhos tentando se acalmar. Era a primeira vez que a ruiva pegava em uma arma, então era normal estar tão insegura, afinal, é algo totalmente novo e perigoso.

— Pronta? – perguntou tirando as mãos da ruiva.

— Sim. – disse Rafaela.

— Agora você pega a arma assim, – disse ajeitando as mãos da garota. – fecha um dos olhos, aponta bem e atira. Ok?

— Tá.

— Então vamos lá. – falou Ana ainda segurando os braços da prima. – Um, dois, três e...

 Rafaela apertou o gatilho e acertou entre o círculo do meio e o anterior.

— Boa, Rafa! – disse Ana.

— Viu como não é difícil, querida? – disse Josiane. – Basta só um pouquinho de prática.

— Ok, já tive minha dose de armas de fogo de hoje. – disse a ruiva pondo a arma sobre a mesa com todo o cuidado do mundo.

— Você é muito medrosa. – falou Ana se sentando em um dos bancos perto da mesa.

— Não, eu só não me dou bem com armas.

— Aham, vou fingir que acredito.

— Bem, garotas, – disse Josiane se levantando. – agora que sabem atirar, pelo menos na teoria, vocês tem que ir ao hospital em que a Letícia ficou e ver se encontram alguma coisa no mínimo... suspeita.

— Como assim a gente? Você não vai? – perguntou Ana.

— Não.

— Como não!? Você tem muito mais experiência! – reclamou a morena.

— Olha como fala comigo. – disse a mulher.

— Mas, mãe, a Ana tem razão. Você tem muito mais experiência em caça, precisamos de você.

— Escutem, garotas, depois que os reptilianos mataram Marcelo eu me prometi nunca mais caçar. E não vai ser duas adolescentes que vão mudar a minha decisão, ok? Eu posso até ajudá-las com alguma coisa, mas caçar jamais.

— “Pai...” – pensou Rafa ficando agora com uma expressão triste.

— Você é uma covarde. – falou Ana irritada. – Por que ao invés de se esconder você não enfrenta aquelas lagartixas do espaço e vinga o seu marido!?

— Por que? Porque as “lagartixas do espaço” podem me explodir a qualquer momento como fizeram com o meu marido. – falou a mulher se levantando. – E é por isso também não queria que a Rafa caçasse, mas acho que ela já tomou uma decisão. Não é mesmo, querida?

— Sim, mãe. – falou a ruiva. – Não posso ficar parada enquanto nossos familiares estão sofrendo. Eu quero salvá-los. E eu pensei que você também pensaria assim, mas vejo que não...

— Desculpe, meninas. – disse a mulher segurando as lágrimas. – Bem, eu vou fazer o almoço.

 Josiane deixou o porão o mais rápido possível. Em seguida correu para o banheiro e trancou-se lá desabando em lágrimas. A morte de Marcelo foi um momento trágico em sua vida e mesmo depois de todo aquele tempo ela ainda não havia superado. Agora sua filha estava seguindo no mesmo caminho e tinha medo de perdê-la da mesma forma.

 LABORATÓRIO DOS REPTILIANOS

  Geraldo e Lúcia observavam a figura deprimente de Marcelo encolhida em um canto do outro lado da sala de paredes brancas. Desde que chegaram àquele lugar não haviam conseguido uma comunicação descente, pois o irmão parecia não se lembrar deles e sempre que tentavam dizer alguma coisa eram recebidos com violência.

— Não posso ficar aqui só olhando. – disse Geraldo se levantando. – Preciso fazer alguma coisa.

— Não adianta, irmão. – interrompeu Lúcia. – Ele está assim desde que chegamos aqui. Sabe-se lá o que os malditos reptilianos fizeram com o Marcelo.

— Coisa boa que não foi. – suspirou o homem socando a parede. – Mas temos que arrumar um jeito, nosso irmão não pode ficar assim. E depois que conseguirmos vamos tentar fugir daqui o mais rápido possível. Estou preocupado com Cláudia e Ana, preciso me certificar que as duas estão bem.

— Elas com certeza devem estar bem. Cláudia é muito habilidosa, vai cuidar para que estejam seguras. E se precisarem de ajuda, também tem a Josiane e a Rafaela.

— Josiane... Rafaela... – disse Marcelo abraçando as pernas e balançando para frente e para trás. Os outros dois se assustaram ao ouvi-lo falar, mas aquilo era um bom sinal. Após uma troca de olhares, ambos foram se aproximando devagar. – Josiane e Rafaela...

— Você lembra delas duas? – perguntou Lúcia com a voz doce. Marcelo fez que sim com a cabeça com um movimento exagerado.

— Josi... Rafaela. Ruiva. Filha.

— Isso mesmo, Marcelo. – falou a mulher agachando ao lado dele.

— “Não acredito... Depois de tantos dias finalmente está funcionando.” – pensou Geraldo. – Continua, maninha.

— Tá, calma. – ela fez uma pausa e com um sorriso continuou para Marcelo. – E da gente, você se lembra?

 O homem barbudo e de feições envelhecidas e cansadas olhou os dois irmãos com uma expressão de assustado, principalmente para Geraldo. Parecia que o mesmo era um fantasma ou algo do tipo.

— Lú-Lúcia. – falou apontando para a ruiva.

— Isso! Sou eu, Lúcia, sua irmã. E desse homem, você se lembra?

 Marcelo ficou mais um tempo olhando Geraldo e logo sua expressão de medo tornou-se de raiva. Ele levantou-se de um pulo e partiu para cima do irmão.

— FILHO DA PUTA! MISERÁVEL! VOU ACABAR COM VOCÊ! – gritava dando socos em Geraldo. – CORNO! VIADO! SEU MERDA!

— Estava bom demais pra ser verdade. – disse apenas se defendendo.

— Não, Marcelo! Ele é nosso irmão Geraldo!

 De repente a porta da cela se abriu e vários guardas reptilianos entraram segurando Marcelo e o retirando do local aos berros. Lúcia tentou impedir, mas foi jogada no chão com toda a força.

— VAGABUNDO! VAI PRO INFERNO! – podia-se ouvi-lo gritar no corredor.

— O que vão fazer com ele!? – perguntou Geraldo.

— Não se preocupe, seu irmão vai ficar bem. – disse um dos reptilianos. – Geraldo Ferraz, a doutora Ruth deseja falar com você... A sós.

— Ah, é? Então diga pra lagartixa velha que não estou nada afim de olhar pra cara dela. – falou enquanto ia ajudar Lúcia. – Você está bem?

— Estou. – respondeu a mulher sentando-se no chão.

 Então eles ouviram um barulho estranho parecido com estalos. Quando foram ver o que era, dois guardas tinham em mãos armas de choque e exibiam a eletricidade para ambos em forma de ameaça.

— Está bem. Está bem, eu vou. – disse Geraldo se levantando. Ele deu uma última olhada em Lúcia e deixou a cela, acompanhado pelos guardas reptilianos.

 Após andar muito pelos corredores brancos, finalmente Geraldo chegou a sala de Ruth. A mulher estava sentada em sua cadeira vendo alguns arquivos no computador, mas quando viu o homem chegar parou e deu um sorriso.

 –Deixem-nos a sós. – falou para os guardas que rapidamente se retiraram do escritório.

— O que você quer, Cuca?

— Ah, Geraldo... Sempre tão amável. – falou com um sorriso malicioso. – Sente-se, por favor.

 A mulher indicou uma das cadeiras com a mão e o Ferraz se sentou, ficando a encará-la calado por alguns segundos.

— Aceita uma água? Um café? Talvez um chá?

— Não, obrigado.

— Está bem então. – disse pondo os cotovelos sobre a mesa e a cabeça apoiada nas mãos. – Creio que deva estar se perguntando o que aconteceu com seu irmão, certo? Porque até em então ele estava morto para vocês e agora parece um bicho movido por instintos.

— Você leu minha mente. – falou sério. – Desembucha.

— Sabia que você fica um fofo com essa cara de zangado? – brincou Ruth. – Pois bem, vou te contar a história verdadeira por trás da explosão no parque de diversões que na teoria deveria ter matado Marcelo. Na verdade, o seu irmão é muito mais esperto do que você imagina. Como você deve saber sua família está em confronto com o nosso povo há muito tempo e assim como você e sua irmã, foram treinados a exterminar toda e qualquer criatura que veem pela frente. Porém, depois da trágica morte de seus pais, Marcelo se viu sem chão. Se seu pai, que era o melhor caçador de sua época havia sido morto, o que seria dele? Pior, o que seria de sua esposa e sua querida filhinha? Como forma de proteger as pessoas que mais amava Marcelo resolveu fazer um trato com os reptilianos: deveríamos deixar sua família em paz e em troca tínhamos permissão para fazer qualquer coisa que quiséssemos com ele depois do prazo de um mês. Nós aceitamos, afinal, quem não quer a cabeça de um Ferraz? Depois do tempo combinado aconteceu o incidente do parque e em meio a confusão seu amado irmãozinho foi abduzido. Chegando aqui, é claro, nós fizemos várias experiências com ele, o que parece tê-lo deixado meio zureta. Enfim, o resto da história você já sabe.

— “Marcelo, seu idiota.” – pensou Geraldo. – Mas, espera, e por que ele tem tanta raiva de mim? Digo, se fosse apenas instinto ele também teria atacado Lúcia.

— Ah... É uma boa questão. Porém nem eu consigo responder essa pergunta com exatidão. – falou Ruth pensativa. – Mas acredito que ele já tivesse raiva de você, somente não demonstrava isso e os parafusos a menos só fizeram o sentimento vir à tona. Sabe como é, vocês Ferraz são muito sensíveis com esse negócio de família.

— “Ela tem razão. Se quer enfraquecer um Ferraz, ataque sua família.”

— Muito comovente a história do seu irmão. – disse Ruth. – Confesso que até eu fiquei emocionada.

— E desde quando lagartixas têm emoções?

— Ah, para, Geraldo. Nós não somos bichos sem coração e eu sei que você sabe disso. – disse Ruth debruçando-se sobre a mesa e acariciando o rosto de Geraldo enquanto fintava seus olhos verdes. O homem desviou o olhar. – E sei também que você se lembra daquela noite... Da nossa noite. Quem diria, Geraldo Ferraz deixou sua mulher grávida em casa para transar com a sexy dançarina de bar, eu.

— Eu era jovem e imaturo. – falou tirando a mão da mulher de seu rosto. – Hoje me arrependo amargamente daquela noite.

— Pois não deveria. Àquela noite gerou um fruto, Geraldo, algo que não se vê há muito tempo nesse planeta. Um híbrido entre um humano e um reptiliano.

— O QUE!?

— Exatamente, eu engravidei de você. – Ruth riu e pegou o porta-retratos que estava na cômoda atrás dela e o exibiu para o homem. – Essa é nossa filha, Luna.

— Não pode ser... – disse Geraldo olhando a foto da bela garota de cabelos loiros e sorridente.

— Ela é linda, não é? – falou toda orgulhosa, como qualquer mãe quando fala de seus filhos. – Agora ela está em uma viagem pela Europa, mas em breve vai conhecê-la.

— Eu não posso acreditar nisso...

— Imagine a cara da sua esposa se descobrisse isso. Ela ficaria louca, não é mesmo? Ah, é, esqueci que ela está morta.

— O que você disse?

— Exatamente o que você ouviu. Cláudia está morta. – respondeu pondo o porta-retratos no lugar onde estava. – Ela ajudou sua filha a fugir e causou um incêndio na própria casa para evitar que meus soldados fossem atrás dela. Mas isso infelizmente custou sua vida.

— “Cláudia...” – pensou passando as mãos na cabeça com uma expressão totalmente arrasada.

— Eu sei que é triste, Geraldão. Mas pense bem, no lugar em que ela está agora não vai mais precisar caçar nada.

— “Eu não vou chorar na frente dessa vadia.”

— Sua vida de sofrimento acabou. Isso não é bom?

— E Ana? O que aconteceu com a minha filha?

— Ana... Ana está na casa da esposa de seu irmão. – disse mexendo a cadeira de um lado para o outro. – Antes de ontem ela fez o favor de tirar o chip de uma de minhas cobaias junto com a prima, a tal Rafaela. Parece que as duas resolveram seguir o mesmo caminho que os papais.

— Ana caçando? Essa é nova. – disse Geraldo dando um sorriso, lembrando-se de que antes ela se recusava a ser uma caçadora a todo o custo.

— É novidade para mim também. – falou a loira. – E é por isso que te chamei aqui.

— O que? Você quer fazer um trato como fez com o meu irmão?

— Quase isso.

— Não, obrigado. Não vou virar uma de suas cobaias.

— Nem se isso garantir a segurança de sua filha? – Geraldo ficou em silêncio, então Ruth continuou. – Geraldo, não desejo te transformar em cobaia. Eu desejo seu conhecimento e sua experiência como caçador para domar aquelas criaturas nas celas lá fora.

— Criaturas? Eles são humanos e você destruiu suas vidas!

— Me admira você, um caçador, dizer isso. – falou Ruth irônica. – Cá entre nós, Geraldo, você acha tanto quanto eu que eles são aberrações. Mais ainda por terem sido criadas em laboratório, certo? Mas, enfim, é pegar ou largar. O que me diz? A segurança de sua filha em troca de ajuda.

— E quem me garante que você vai cumprir o trato?

— Nossa, quanta desconfiança. Desde quando eu minto pra você?

— Da última vez você mentiu e tivemos um bebê.

— Nem me fala. – disse rindo. – Mas eram outros tempos, outros interesses... Olha, eu preciso de ajuda. Prometo que não vou te enganar, ok? Palavra de Cuca. – e ergueu a mão direita em forma de juramento.

— Está bem, eu aceito. – falou Geraldo. – Mas só se garantir que Lúcia também esteja em segurança.

— Pode deixar, sua irmã vai ficar muito bem. Os guardas vão te levar de volta a cela. Mais tarde conversaremos sobre nossos planos.

— Certo. – disse o homem se levantando.

— Espera, Geraldo.

— O que foi?

— Sua bundinha continua sexy mesmo depois de todos esses anos. – o homem revirou os olhos e deixou a sala. – Esses Ferraz são umas figuras mesmo.

 POSTO DE SAÚDE PRÓXIMO AO CALÇADÃO

 O Ford Fiesta Sedan preto estava estacionado do outro lado da rua. Josiane estava dentro dele tirando uma soneca enquanto as garotas tratavam de procurar qualquer coisa estranha que houvesse no posto de saúde. Já tinha mais de uma hora que elas haviam ido, o que podia causar dois pensamentos: o primeiro é que tinham achado alguma coisa e estavam investigando e o segundo de que se meteram em confusão.

 Ana e Rafaela saíram pela porta da frente do hospital com suas blusas pretas da Polícia Federal. Afinal, era necessário um disfarce, certo? A morena bateu no vidro do carro, o que fez Josiane acordar e destravar as portas. Ambas entraram e se sentaram no banco detrás.

— Então? – perguntou a mulher?

— Não achamos nada. – respondeu Rafaela.

— Nadica de nada.

— Fizeram tudo o que eu ensinei a vocês?

— Sim. – disse Ana. – Mas não tinha nada estranho, mesmo.

— A única coisa que tinha estranha era a gente.

— Verdade, tia, eles estranharam sermos tão novas e já estar na polícia.

— Mas não descobriram o disfarce, certo?

— Não, eu acho que não. – disse Rafa.

— Ótimo. – falou a mulher se espreguiçando. – Meu conselho a vocês a partir de hoje começar a buscar casos. Se quiserem ser caçadoras, a primeira coisa a fazer é aprender a rastrear.

— E como fazemos isso, mãe?

— Pelos principais meios de comunicação. – respondeu a mulher. – Procurem notícias que parecem suspeitas e vão atrás das evidências, é só isso.

— Como se fosse tão simples. – disse Ana suspirando. – Agora vamos embora que eu tô com fome.

 Após sair dali as garotas passaram em casa para trocar de roupa e o trio Ferraz foi fazer um delicioso lanche na Casa do Alemão. Ana ficou apaixonada pelo pão com linguiça do lugar, comendo um atrás do outro.

— Acho que Caxias não é um lugar tão ruim assim. – disse mordendo um pedaço de linguiça logo em seguida.

 Mãe e filha caíram na gargalhada e ficaram observando a garota se entupir de comida. Como ela conseguia comer tanto assim? E o pior, para onde ia tanta comida? Quando terminaram o lanche, elas voltaram para casa para começar a sua primeira caça de verdade.

 Ana com o celular. Rafaela com o tablet. Ambas vasculhavam a rede feito loucas atrás de alguma notícia bizarra que pudesse virar um caso para elas. Entraram em mais de cem páginas quando finalmente a ruiva achou alguma coisa.

— Ana, olha isso aqui. – falou para a prima. – Acidente de carro no Túnel Rebouças.

— Tá, e o que tem demais?

— Parece que a mulher começou a acelerar de uma hora para a outra, aparentemente sem motivo algum.

— Suicídio?

— Não quando sua filha acaba de se formar na faculdade e seu filho de dez meses está no banco de trás.

— Foda. E o que fazemos agora?

— Temos que ir investigar.

— Mas, fia, estamos em Caxias. O Rebouças é quase do outro lado do mundo!

— E quem disse que vamos para o Rebouças?

— Então...?

— Meu pai, quando investigava casos, ele sempre começava procurando informações sobre as vítimas e depois buscava alguma pessoa próxima para entrevistar. Podemos fazer isso.

— É, até que não é má ideia.

— Vamos começar pelo Facebook.

— Ok. – concordou Ana abrindo o aplicativo no celular. – Quais os nomes?

— Mônica Corrêa Medeiros e Mariana Corrêa Queiroz.

— Você procura a mãe e eu procuro a filha.

— Tá. – disse Rafaela abrindo o Facebook no tablet. O tempo de busca foi bem curto. Em cerca de dois minutos Ana encontrou o perfil da garota.

— Achei. – falou Ana.

— Cadê? – Rafaela se aproximou para ver.

— Mariana Queiroz, estudante de Oceanografia da UERJ, quinhentos e vinte e dois amigos... Uou, a garota tem estilo.

 – Ana?

— O que? Ah, foi mal. – disse descendo a tela. – Aparentemente não tem nada demais.

— Hum... – Rafaela procurou o perfil de Mariana no Facebook e achou o perfil da mãe. – Mônica Medeiros, duzentos e setenta e um amigos, trabalha como Design Gráfica na empresa Illusion. Um bando de fotos do filho mais novo... Também não parece ter nada demais.

— Achei o perfil do pai da Mariana, Cláudio Queiroz. Trabalha na floricultura Boa Esperança, no Engenho Novo. Parece que ele e a mãe estão separados a alguns meses.

— Acha que podemos começar por ele?

— Não temos nada a perder, né? – falou Ana bloqueando o celular. Em seguida se espreguiçou. – Amanhã faremos uma visitinha ao trabalho do Cláudio. Agora vamos dormir que eu tô morta.

 As garotas tomaram banho, colocaram os pijamas e foram dormir. Antes Ana ainda passou na cozinha para uma última boquinha “porque não queria passar fome de madrugada”. Se continuasse assim ia acabar com toda a comida que tinha naquela casa em menos de uma semana.

 Na manhã seguinte elas acordaram cedo para ir ao Méier interrogar Cláudio. Elas se arrumaram e foram tomar o café da manhã na cozinha que Josiane tinha preparado. As Ferraz conversaram sobre o que tinham descoberto na noite anterior, o que fez a mulher ficar um tanto orgulhosa.

— Vocês carregam o sangue Ferraz nas veias, não tem como negar. – disse contente. Em seguida tomou o último gole de seu suco de laranja e levantou. – Vou ao cursinho cancelar a matrícula. Boa sorte na investigação, garotas.

— Valeu.

— Obrigada, mãe.

— Tomem cuidado. – falou enquanto pegava sua bolsa e acha.

— Pode deixar. – responderam juntas. E assim Josiane saiu de casa.

— Então, agora somos só nós duas. – falou Ana.

— Só uma pergunta, como vamos para o Engenho Novo? Faz muito tempo que não ando por aqueles lados.

— Deixa comigo, eu sei. – disse Ana pondo o prato vazio na pia. – Só não digo que vai ser confortável.

 Após lavar a louça e deixar a cozinha em ordem, as meninas pegaram suas coisas, inclusive as identidades falsas que Josiane havia mandado fazer para as mesmas, e saíram de casa. Havia duas opções para chegar ao Méier: a mais confortável e demorada e a menos confortável e rápida. Ana deu a opção de escolha à prima que escolheu a segunda, que era pegar um trem do ramal Saracuruna e depois outro do ramal Deodoro.

 Elas foram para a Estação Gramacho e pegaram o primeiro trem que era velho e nada confortável. O calor era infernal e os cabelos voavam para todos os lados com as janelas entreabertas – se é que pode-se chamar aquilo de janelas. Os vendedores iam de um lado para o outro vendendo de biscoitos até os mais diversos utensílios para o lar.

— Duas bananadas um real! Duas bananadas um real!

— Cara, onde é que eu vim me meter? – reclamou Rafaela prendendo o cabelo com uma xuxinha preta.

— O que? Ainda não chegou a pior parte. – disse Ana indicando com a cabeça um homem carregando uma pequena caixinha de som que tocava música gospel e vários CDs.

— Criança de Jesus tem energia pra gastar. Corre pra cá, corre pra lá. – tocava a música.

— Desculpe interromper o silêncio da sua viagem.

— Duas bananadas um real! Duas bananadas um real!

— Biscoito Globo um e cinquenta!

— ...tira frieira, micose...

— Corre pra cá, corre pra lá.

— Jornal O Globo, Meia-Hora, Expresso, Extra!

— Jesus Cristo... – foi somente o que Rafa disse enquanto ouvia aquela confusão dentro do trem. Ana não tinha outra coisa a fazer, senão rir daquela situação.

 Alguns minutos depois elas desceram na Estação Maracanã e ficaram mofando no sol esperando o próximo trem.

— Cara, o que foi aquilo? – perguntou Rafaela.

— Aquilo foi o que muita gente vive todos os dias aqui no Rio de Janeiro, minha cara dondoca. – brincou Ana passando a mão na trança que havia feito antes de sair de casa. – Ainda tivemos sorte que o trem não estava cheio.

— E o Deodoro? É assim também?

— Mais ou menos. Os trens são mais novos, tem janelas e ar-condicionado.

— Menos mal... Mas por que ele está demorando tanto? – perguntou olhando a extensão da plataforma.

— Ah, ele já deve estar chegando.

 Cerca de vinte minutos depois o trem chegou. As garotas estavam estressadíssimas, porém não podiam fazer nada. Elas simplesmente embarcaram. O trajeto completo de Caxias até o Engenho novo durou cerca de duas horas. Até que não estava tão ruim, falando do Rio de Janeiro. Se tivessem pegado um ônibus talvez tivesse demorado muito mais.

 As garotas desceram as escadas da estação e foram andando até o endereço da floricultura onde Cláudio trabalhava. Era um lugar não muito grande, mas tinha lá sua graça por conta dos ladrilhos floridos nas paredes. Havia vasos de barro com flores por todos os lados, cestas de diversos tamanhos penduradas no teto, samambaias nas paredes, entre muitas outras coisas. Assim que entraram um homem veio atendê-las.

— Bom dia, senhoritas. – disse educado. – O que desejam?

— Polícia Federal. – falou a morena mostrando o distintivo.

— P-Polícia?

— Sim, senhor. – disse Rafa dando um sorriso tentando não tornar a situação tão constrangedora. – Calma, não viemos prender ninguém.

— Viemos falar com Cláudio Queiroz. Ele está?

— Claro. Eu vou chamá-lo. – o homem foi para os fundos da loja e sua voz foi ouvida mais uma vez. – Cláudio!

— Hoje de madrugada houve um acidente no Túnel Rebouças. – anunciou a repórter na televisão.

— Ana, olha. – cochichou Rafaela puxando a manga da camisa da prima.

— ...Felipe Rangel Diniz, de vinte e nove anos, voltava de sua despedida de solteiro quando perdeu o controle do carro e acabou acertando outro veículo onde estavam o advogado Diego Gomes Peres e sua filha de quinze anos Brenda Silva Peres. Todos foram levados para o hospital Pedro Ernesto, no Maracanã, e passam bem. Já é o segundo acidente no Túnel Rebouças em menos de uma semana. O último foi no último sábado, quando a Mônica Medeiros...

— Caralho, não acredito... – disse Ana.

— Outra vez... Não é possível que seja só coincidência, não é?

— Bom dia. – Cláudio era um homem baixinho e barrigudo de cabelos castanhos claros e tinha uma expressão tristonha no olhar.

— Policia Federal. – disse Ana e as duas mostraram os distintivos. – Podemos fazer algumas perguntas sobre o acidente de sua ex-esposa e filhos, senhor Queiroz?

— Eu já disse tudo o que disse a policia. – falou o homem. – Estou separado da minha esposa faz três meses. A formatura de minha filha foi sábado e não pude ir porque estava trabalhando no meu outro emprego.

— Ah, e o que o senhor faz no outro emprego? – perguntou Rafaela.

— Eu trabalho com telemarketing em uma empresa que fica no centro da cidade. Entro oito e saio quatro da manhã.

— Nossa, você trabalha muito. – falou Rafa.

— Mesmo estando fora de casa ainda tinha que bancar os meus dois filhos, sem falar do aluguel de onde estou morando. É tudo tão caro...

 Rafaela e Ana se entreolharam e engoliram seco. Elas nunca haviam passado por uma situação como aquela, sempre viveram na mordomia debaixo do teto de seus pais. As palavras de Cláudio as fizeram pensar que o país em que viviam não era um mar de rosas e tinha muita gente que passava dificuldades. Diferente da maioria dos políticos, muitas daquelas pessoas eram honestas e lutavam pelo pão de cada dia arduamente.

— Obrigada, senhor Queiroz. – disse Ana dando um sorriso sincero para o mesmo.

— Bom serviço. – desejou Rafaela.

 E as duas saíram dali o mais rápido que puderam envergonhadas. Já quase na hora do almoço elas resolveram parar em uma pastelaria para comer alguma coisa. A boca de Ana encheu-se d’água ao ver tantos salgados aparentemente deliciosos expostos.

— Bom dia, esses salgados são de que? – perguntou Rafaela.

— Queso, calne seca, flango com catupily, – dizia a atendente chinesa. – queso com plesunto, peito de pelu com queso, calablesa.

— Vou querer um croissant de queijo com peito de peru. – falou a ruiva e um Ice Tea de pêssego.

— E você? – perguntou para Ana.

— Vou querer uma coxinha e uma Coca-Cola.

 Em pouco tempo a chinesa serviu as duas e as primas foram comendo devagar enquanto conversavam.

— Então, o que fazemos agora? – perguntou Rafaela.

— Vamos ao Pedro... Qual o nome do hospital mesmo?

— Pedro Ernesto, ou HUPE.

— Então vamos ao HUPE tentar falar com o Felipe e saber o que aconteceu naquele túnel. – disse dando mais uma mordida no salgado. – Cara, essa coxinha tá maravilhosa.

— Que comida você não acha maravilhosa? – brincou Rafaela.

— Não, sério, cara...

— Xô, flango! Xô flango! – gritou a chinesa espantando os pombos da pastelaria com a vassoura. Ana fechou a cara e foi colocando a coxinha lentamente no prato. Rafaela somente ria.

 Depois de pagar a conta as duas atravessaram a estação de trem e pegaram um ônibus que passasse perto do tal hospital. Cerca de vinte minutos depois elas desceram em um ponto em frente a UERJ e seguiram à pé para o HUPE.

 Elas entraram no hospital e foram até a recepção. Mostraram os distintivos e então pediram o número da enfermaria em que Felipe estava. A atendente, cheia de má vontade, procurou no sistema e as disse totalmente sem vontade alguma de estar ali. Ana queria mandá-la ir tomar naquele lugar, como fizera com a outra no hospital em Caxias, mas Rafaela a puxou e as duas foram procurar o homem.

— É aqui. – disse a ruiva olhando para o número na porta da enfermaria. As Ferraz entraram e viram diversos leitos separados apenas por cortinas por todos os lados. Foram procurando um por um até que acharam o homem no fim do grande salão.

— Felipe? – perguntou Ana vendo o jovem com a cabeça enfaixada e um colar cervical no pescoço deitado olhando para o nada.

— Hum? – e olhou para as garotas. – Quem são vocês?

— Somos da Polícia Federal e viemos te fazer algumas perguntas sobre o acidente. – falou Rafaela.

— Pra quê? Ninguém acredita em mim...

— Nós acreditamos. – disse a ruiva.

— Duvido...

— Que tal tentar? – perguntou Ana.

— Aff... Tá. – disse olhando as duas. – Eu vi um carro, um carro preto... Era um Opala, se não me engano. Ele veio atrás de mim e eu acelerei o máximo que podia para que não batesse no meu carro. Então eu acabei batendo no carro de outra pessoa e vim parar aqui. Só que o problema foi que ninguém mais viu esse Opala além de mim. – Ana e Rafa se entreolharam e assentiram.

  – Nós acreditamos em você. – disse Rafaela.

— Milagre. – falou olhando para as duas. – Vocês não são policiais, né?

— Por que diz isso? – perguntou Ana.

— Tá tão na cara. Vocês são muito novinhas.

— Nós somos policiais sim, ok? E estamos trabalhando. – reclamou Ana emburrada.

— Felipe, hora do remédio. – disse a enfermeira chegando. – Desculpe, eu não sabia que tinha visitas.

— Nós já estamos de saída. – falou Rafaela empurrando a prima pelos ombros. – Obrigada pelas informações, Felipe.

 As duas saíram do hospital discutindo sobre o tal Opala preto e chegaram a conclusão de que poderia ser um fantasma ou algo do tipo. Mas precisavam voltar para casa e pesquisar sobre aquilo. Elas pegaram um táxi por insistência da ruiva que não queria passar pelo pesadelo do trem novamente e em cerca de quarenta minutos já estavam em casa.

— Chegamos! – disse Rafaela para a mãe, subindo as escadas correndo para o quarto.

— Então, garotas, como foi? – perguntou Josiane enquanto preparava o jantar.

— Foi foda, tia! Foda! – falou Ana correndo indo atrás da prima.

 Elas passaram alguns minutos pesquisando na internet e chegaram a um site onde havia uma lenda urbana sobre um tal Opala que se espalhou pelo Rio de Janeiro na década de setenta.

— Ahn, então, a lenda fala sobre um bandido muito famoso aqui no Rio nos anos setenta conhecido como João da Baixada. Parece que ele roubou um Opala SS de cor preta e em meio a fuga, no Rebouças, acabou sofrendo um acidente. Ele bateu no carro de uma família que voltava de uma festa e ninguém, nem mesmo o João sobreviveu. O que acha? – resumiu a ruiva.

— Um fantasma?

— Provavelmente.

— Espera, você disse que a família voltava de uma festa né? – disse Ana pensativa.

— Sim, e...?

— Você não percebe? Tá na cara! A família da Mariana voltava de sua cerimônia de formatura, já o Felipe voltava da despedida de solteiro. Entende? É um padrão.

— É isso mesmo, Ana! Você tem razão! E o que fazemos agora?

— Fazer o que meu pai sempre dizia em casos de fantasma: salgar e tacar fogo. Temos que achar os ossos do João ou seja lá como se chama.

 Mais uma vez as garotas voltaram a pesquisar, dessa vez em sites de registro de cemitérios. Foram achar seus ossos em um cemitério localizado em Nilópolis, município que ficava logo depois de São João de Meriti. Mas havia um porém: teriam que colocar o plano em prática tarde da noite para que não fossem vistas por ninguém.

— E como vamos fazer isso? – perguntou Rafaela.

— Sua mãe tem um carro, né.

— Mas ela não vai quer levar a gente.

— E quem disse que ela vai levar?

— Ana, o que você tá tramando? – perguntou desconfiada.

— Depois que sua mãe dormir nós pegamos o carro dela e vamos.

— Tá doida? Você nem tem carteira de motorista!

— Rafa, a rua vai estar deserta. Ninguém vai ver a gente. – disse Ana deitando sobre a cama da prima. – Será que não dá pra confiar em mim?

— Não sei não... Parece meio arriscado...

— Ótimo, então arrume outro plano. – falou a morena pegando no celular e começando a mexer no mesmo. Rafaela estava confusa, e olhava para a prima tentando chegar a uma resposta, mas nada vinha a sua cabeça além de um táxi ou algo do tipo, porém naquele horário era bastante difícil achar alguém trabalhando.

— Está bem. – cedeu a ruiva. – Mas se a gente se meter em confusão meto a culpa toda em você! – Ana riu.

 O dia de folga de Josiane chegava ao fim e ela teve que dormir cedo para aguentar um dia de trabalho. Por volta das dez horas da noite ela já estava adormecida em sua cama. As primas ficaram conversando e planejando rotas até por volta de meia-noite, quando tomaram coragem e foram para a garagem.

— Tem certeza que sabe dirigir? – perguntou Rafaela.

— Já vi meu pai fazer isso milhares de vezes, não deve ser tão difícil.

 Um vento frio soprava arrepiando as garotas, mas aquilo não as intimidou. Elas foram até o carro de Josiane e entraram no mesmo. Ana sentou-se no banco do motorista e Rafaela no do passageiro, ambas colocando os cintos de segurança. Foi só então que perceberam que faltava alguma coisa.

— Ana, não tem que abrir o portão primeiro?

— É...

— Ai, Jesus, aonde é que isso vai dar? – disse Rafaela saindo do carro e indo abrir o portão. Ana parou na porta da casa enquanto esperava a ruiva fechar a mesma. Em seguida ela entrou no carro e se acomodou.

— Pronto. Agora vamos. – disse Rafaela.

— Nilópolis, aí vamos nós!

 A morena acelerou e deu uma freada brusca, fazendo as duas ficarem com o coração na boca.

— Hehe, foi mal.

 Então ela acelerou novamente e foi andando em zig zag pela rua até conseguir estabilizar o carro em linha reta. Não se sabe quantas orações Rafaela fez no caminho até o cemitério, mas foram muitas. A ruiva estava morrendo de medo do estrago que sua prima mata-gato pudesse fazer com aquele carro. Esperava não ter nenhuma velhinha na rua àquela hora.

 Cerca de uma hora depois elas finalmente chegaram e Ana estacionou em uma das vagas do cemitério. As garotas saíram do carro, pegaram suas mochilas na mala e partiram para dentro do local. Rafaela estava extremamente assustada com aquela situação, já a morena também tinha um pouco de receio, mas não demonstrava aquilo para a prima.

 Por mais incrível que pareça elas não estavam sozinhas, o que acabou as dando uma sensação de conforto, ou não. Um pequeno grupo de pessoas estava a poucos metros de distância delas fazendo seus rituais religiosos. As Ferraz apertaram o passo e rapidamente chegaram à área das gavetas.

 Quem foi responsável por achar a gaveta do bandido foi Ana, já que a prima estava morrendo de medo do lugar. Um morcego passou voando perto dela e Rafa deu um grito e sair pulando, tentando espantar algo que já deveria estar longe há muito tempo. A morena tomou um susto, mas depois começou a rir da prima.

— Medrosa! – exclamando Ana rindo da situação.

 A filha de Geraldo balançou a cabeça negativamente com um sorriso no rosto e voltou a procurar a numeração. Estava escuro e a única iluminação descente que tinha era da lanterna, já que o poste da rua não dava vazão. Foi então que Ana achou a gaveta e sem perder tempo começou a tirá-la do lugar.

— Achei! – disse para a prima.

— Anda logo, Rafa. Alguém pode chegar aqui.

— Um fantasma? – disse rindo da prima. Em seguida ela desceu as escadas carregando a gaveta de madeira e a jogou no chão. – Pesadinha. Bem, vamos logo ao que interessa.

— T-Tá. – falou Rafaela observando enojada os ossos velhos. Em seguida tirou a bolsa das costas e começou a pegar tudo o que seria necessário para finalmente dar um fim no maldito fantasma que estava causando acidentes no Túnel Rebouças.

 A primeira coisa a ser jogada foi sal, para purificar os ossos. A segunda foi álcool, para que os ossos pegassem fogo mais fácil. E, por último, Ana riscou o palito de fósforo na caixinha.

— Bye bye, baby. – e o palito caiu dentro da gaveta de madeira, fazendo com que um fogaréu subisse.

— Pronto. Podemos ir? – perguntou Rafaela.

— Nossa, tu é muito medrosa mesmo, hein. – disse Ana jogando a caixa de fósforos para o alto.

— Ei, vocês aí! – uma voz masculina foi ouvida e as garotas olharam. Deram de cara com uma dupla de policiais. – O que estão fazendo?

— Fodeu. – disse Ana.

 As Ferraz foram levadas para a delegacia de polícia e tiveram que se explicar. Certamente elas não disseram que estavam queimando ossos para que os acidentes em um túnel do outro lado da cidade parassem, mas Ana foi bastante convincente em sua versão de que elas estavam fazendo um ritual religioso.

 Após dar seus depoimentos, as duas ficaram sentadas durante algum tempo em um tipo de sala de espera enquanto aguardavam Josiane depor. Rafaela estava de cabeça baixa já imaginando a bronca que elas iriam levar da mãe quando ela chegasse naquela delegacia. Ficariam, sem dúvidas, semanas trancadas em casa.

— Que azar que nós demos, hein. – falou Ana.

— Nem me fala...

— Por que está triste? Deveria estar feliz, terminamos uma caça.

— Estou com medo da bronca que a minha mãe vai dar.

— Ei, ela mesma meteu a gente nessa, ok? Se tivesse vindo com a gente nada disso deveria ter acontecido.

— Mas, Ana, mesmo assim...

— Que prima frouxa que eu tenho. – disse passando o braço sobre os ombros da ruiva. – Não precisa se preocupar, ok? Vai dar tudo certo.

 Rafaela olhou para Ana. Ela não sabia o porquê, mas conseguia sentir segurança na garota. Um sentimento que ela nunca teve, mas que sempre desejou ter. Os olhos verdes da garota encheram-se de lágrimas e ela começou a chorar, abraçando a prima com força.

— Obrigada, Ana! Obrigada!

— Estamos juntas nessa. – ela retribuiu o abraço com um leve sorriso no rosto.

— Não se preocupe, policial, vou dar um jeito nessas duas. – disse Josiane com a voz firme olhando as garotas. – Vamos!

 As garotas se levantaram, pegaram suas mochilas e saíram da delegacia acompanhada de Josiane que mantinha uma expressão séria. Mas só foi colocarem o pé para o lado de fora que a mulher deu um pulo para a frente delas com um sorriso no rosto.

— E aí? Como foi? Conseguiram queimar os ossos? – as garotas ficaram de queixo no chão. – O que foi?

— Pensei que você fosse comer nós duas vivas. – respondeu Ana.

— É claro que não vou, se for para uma caça está tudo bem roubar um carro, invadir um cemitério ou serem presas. O importante é o resultado final.

— Já volto, vou ali me matar. – disse Rafaela se afastando, se sentindo uma idiota.

— O que deu nela?

— Acho que foram emoções demais pra uma noite.

— Entendi.

— Tia, eu tô com fome.

— Quando você não tá com fome?

— Quando estou comendo.

— Você não presta mesmo, Ana! – e as três foram para casa para uma ótima noite de descanso, afinal, elas mereciam.


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Notas finais do capítulo

Então, caçadores? Vocês gostaram do capítulo? Qual parte acharam mais engraçada? O que pode ser melhorado? ♥
Ah, pra quem tiver curiosidade, aqui a lenda urbana original: http://www.sobrenatural.org/lenda_urbana/detalhar/16037/lenda_do_opala_preto/



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