Bicho-papão. escrita por Secret


Capítulo 22
Distrações.


Notas iniciais do capítulo

Praticamente um mês se passou.
Como eu queria dizer que não vou demorar tanto na próxima...
Enfim, nem foi minha maior demora!
Espero que o capítulo valha a pena!



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—Então, vamos agora? —Lucas perguntou assim que Gabriel voltou ao pátio.

Sim, ele cumpriu a promessa de esperá-lo... O que surpreendeu um pouco o mais novo. Lucas? Esperando parado em um lugar por mais de um minuto?

—Ah, tá... Mas você sabe que não precisa me acompanhar,né? Você nem almoça na casa da mãe hoje, está bem fora do seu caminho. —Gabriel tentou recusar discretamente. Ele queria um tempo sozinho para pensar.

—E quem disse que vamos almoçar em casa hoje? — Lucas riu. —Você disse para o seu... Uh... Amigo que a gente ia sair junto hoje, e eu não quero que sejamos mentirosos nessa história.

—Ah... —O garoto estranhou a afirmação. Afinal, seu irmão vivia mentindo para sair escondido para festas ou quando bebia demais e tinha que esconder da mãe, por que se preocupar com isso agora? —E qual é o motivo de verdade? —Indagou sem alterar a voz.

—... Tá, você me pegou! —O mais velho disse num tom brincalhão. —A namorada do pai vai almoçar lá na casa do pai hoje e eu não quero estar lá! Vai ser esquisito! —Fez uma careta exagerada para complementar a frase.

—Por que não vai almoçar na casa da mãe comigo? Acho que ela vai estar em casa para o almoço hoje.

—Ou podemos almoçar num restaurante aqui perto. Eu pago.

—É, acho que pode ser. —Gabriel cedeu. Primeiro porque comer fora para variar não parecia ruim, mas, principalmente, por saber que seu irmão não mudaria de ideia.

—Ótimo! Vamos!

O restaurante era do tipo “self service” e não ficava muito longe da escola, tanto que havia outros alunos por lá, mas nenhum conhecido de Gabriel. Lucas o fez colocar metade do prato de salada e arroz integral em vez do comum, e interferiu tanto que o mais novo pensou em deixá-lo montar logo seu prato. No fim, Gabriel tinha um prato com arroz integral, grão de bico, frango grelhado e salada verde com manga e Lucas pegou praticamente o mesmo, só que em menor quantidade. Os dois se sentaram para comer em silêncio... Por um ou dois minutos, depois disso o mais velho tratou de começar uma conversa.

—Então... Algum motivo para você mentir pro seu... Uh, você sabe, e dizer que íamos almoçar juntos? —Lucas forçou um tom casual, mas dava para perceber que era um assunto delicado.

—Meu namorado? —O garoto sugeriu. Ele sabia o que Lucas queria dizer, mas, se era para falar da vida pessoal de Gabriel, que falasse direito! Ele teria que se acostumar uma hora ou outra. Além do mais, assim conseguia um pouco mais de tempo para pensar na desculpa que daria.

—É, isso... —Ele concordou a contragosto.

—Acho que eu precisava de... Um tempo sozinho. Para pensar. —Gabriel se esquivou de dar uma explicação.

—Hm... Quer dar uma volta pela cidade depois do almoço? Andar um pouco? —Lucas mudou bruscamente de assunto, provavelmente por não saber lidar com o outro.

—Não, valeu. Só quero um tempo sozinho. —Gabriel disse educado, mas firme.

—Tudo bem então... Se mudar de ideia, só avisar.

—Tá.

Depois disso, a mesa ficou mais quieta. Lucas ainda fazia comentários aleatórios aqui e ali, mas nada muito animado. Quando terminaram, ele pagou e os dois saíram. Gabriel voltaria para a casa da mãe e Lucas, bem, nem ele sabia ainda, talvez tentasse convencer um de seus amigos a sair com ele ou algo assim. Antes de se separarem, porém, Gabriel o chamou:

—Ei, Lucas, espera um pouco. —Disse por impulso.

—Que foi?

—Eu... Ah... —O garoto pensou em pedir um conselho para o irmão, já que realmente não sabia o que fazer, mas agora estava reconsiderando... O clima entre eles ainda estava um pouco esquisito e, bem, os conselhos de Lucas nunca foram realmente bons. Divertidos? Claro! Bons? Não exatamente. Talvez fosse melhor não forçar seu irmão a ouvir seus problemas sem ao menos um bom motivo. —Só pensei que depois, quando eu estiver mais a fim, podemos... Não sei, ver um filme juntos?

—Claro, só avisar. —Lucas sorriu, como sempre, e eles se despediram.

*

Quando Gabriel chegou em casa, teve logo que dar explicações à mãe do porquê de ter demorado, onde almoçou e se Lucas se comportou nesse meio tempo e não deu nenhum “mal exemplo”. Depois daquele episódio da balada, quando Lucas o levou para uma festa “adulta” até a madrugada e ainda o viciou em cafeína, a confiança que a mulher tinha no mais velho, que já não era tanta, sumiu de vez.

 Com a desculpa de a aula ter sido cansativa, Gabriel conseguiu se esquivar das demais perguntas da mãe e foi direto para o quarto, realmente cogitando ignorar essa história toda e simplesmente tirar um cochilo. Afinal, pensar mais sobre o problema não o resolveria, certo? Não é como se uma ideia genial fosse surgir de repente. Com isso em mente, ele se fechou as cortinas, se deitou e tentou relaxar e pensar em coisas boas.

Seja lá o motivo de Daniel ter escondido que André era seu irmão, não podia ser tão ruim, podia? Afinal, Daniel era um amor de pessoa, gentil, educado, carinhoso e seu melhor desde sempre... Desde sempre. Ele estava lá quando Gabriel era só o garoto novo querendo fazer amigos, mesmo que nem ele se lembrasse direito dessa época. Ele estava lá quando seus pais estavam se divorciando e ele precisava de apoio. Ele estava lá quando ele e Lucas brigaram ou quando ele e Vanessa ficaram sem se falar, e sempre o apoiou e disse que tudo ficaria bem. Ele estava lá todas as vezes que André o maltratou ou humilhou, e não fez nada... Esse último apenas não encaixava. Havia algo errado.

O garoto continuou com esses pensamentos e nem percebeu quando pegou no sono até que foi acordado por sua mãe na hora do lanche. Ela pediu para Gabriel se arrumar porque eles iriam comer fora, porque ela queria apresentá-lo a uma pessoa.  Ele fez como foi dito e, em menos de meia hora, se encontrou sentado no banco de uma lanchonete encarando um completo estranho.

—Então, querido, esse é o Carlos, um amigo da mamãe. —Ela explicou e gesticulou em direção ao homem, que acenou e sorriu.

—Prazer em conhecer. —Carlos estendeu a mão para cumprimentá-lo e Gabriel retribuiu automaticamente.

Eles comeram hambúrguer, batata frita e refrigerante e Carlos ofereceu um sorvete para o garoto como um gesto de amizade, mas ele recusou. Quanto às conversas, nada muito animado, a mulher tentou manter um diálogo com assuntos como o trabalho ou como eles se conheceram e Gabriel, como sempre, se limitava a respostas superficiais e não prestava realmente tanta atenção na conversa. Sua atenção estava nas mãos de sua mãe, entrelaçadas casualmente com a de Carlos, um gesto tão natural que pareceu nem ser notado por ambos. Com certeza havia algo a mais, até porque Gabriel sabia que sua mãe não o apresentaria se ele fosse “apenas um amigo”... Há quanto tempo será que estavam juntos? Será que era por isso que sua mãe ficava tanto tempo fora de casa?

—Eu vou ao banheiro rapidinho, meninos, não demoro. —A mulher avisou antes de se retirar da mesa, interrompendo os pensamentos de Gabriel.

Assim que ela saiu, a mesa caiu num silêncio esquisito.

—Então, Gabriel... Certeza que não quer um sorvete? Qualquer um, eu pago. —Ele tentou retomar algum assunto, qualquer um! Aparentemente, Carlos sabia o que fazer tanto quanto ele...

—Não, obrigado.

—Ah... Você e sua mãe costumam sair muito juntos? —Ele começou a batucar os dedos na mesa e olhar em direção ao banheiro, de certa forma, Gabriel pensou, ele lembrava Lucas. De uma forma bastante amenizada, claro.

—É, de vez em quando...

—Legal, talvez possamos sair juntos? Nós três? Podíamos ir ao zoológico ou algo assim... Eu gostaria de te conhecer melhor.

—Claro, seria legal...

Depois disso, felizmente, a mulher voltou do banheiro e o clima estranho passou. Carlos pareceu relaxar e a leve semelhança dele com Lucas desapareceu. Logo uma nova conversa foi iniciada e, depois de certo tempo, veio a despedida, o que, de certo modo, aliviou Gabriel. Ele e sua mãe voltaram juntos para casa num silêncio confortável, o qual era quebrado ocasionalmente por comentários da última sobre como Carlos era gentil, como ele e Gabriel tinham coisas em comum e iam se dar bem e que talvez ela o convidasse para jantar em casa algum dia.

De volta em casa, Gabriel decidiu aproveitar o resto da tarde para arrumar o quarto e adiantar os deveres de casa, o que surpreendeu sua mãe de um jeito positivo e rendeu alguns comentários de “meu menininho amadureceu”. O garoto não se importou tanto com os comentários, afinal já estava acostumado e, se aquilo alegrava sua mãe, tudo bem. Na verdade, ele só queria algo para distrair a cabeça e não ter que pensar no que faria quando chegasse à escola... Quando a vida ficou tão complicada?

As distrações funcionaram tão bem que Gabriel se surpreendeu quando sua mãe o chamou para jantar. Realmente havia passado tanto tempo? Organização com certeza dava trabalho! Pelo lado bom, seu quarto estava apresentável pela primeira vez em bastante tempo e ele não teria que se preocupar com deveres atrasados por alguns dias.

O jantar foi tranquilo e, como sempre, silencioso, mas Gabriel já estava feliz simplesmente por sua mãe estar em casa para comerem juntos. Após a refeição, o garoto tentou fazer algumas perguntas, começar uma conversa ou mesmo convidar a mãe para jogar algum jogo de tabuleiro ou ver um filme, em parte pelo interesse de passar mais tempo com ela, em parte, a maior parte, na verdade, por querer ir para a cama tarde.

Em meio a conversas nas quais não prestava tanta atenção quanto devia e jogos de cartas que entendia mais ou menos as regras, Gabriel acabou ganhando meia hora a mais. Infelizmente, assim que a mulher se deu conta das horas, o mandou para a cama porque “tinha aula amanhã e precisava de uma boa noite de sono”. O garoto pensou em discutir, mas desistiu da ideia, afinal, sua mãe sempre o trataria como criança mesmo... E uma hora ele precisaria dormir, essa lição Gabriel aprendeu do pior jeito!

*

Gabriel rolava de um lado para o outro na cama sem sono. Seu desejo era pular da cama e fazer qualquer coisa — qualquer coisa mesmo — exceto ficar parado naquele quarto. Estava sufocante. Ele queria sair, andar, correr, jogar algum daqueles jogos chatos de baralho... Tudo, menos isso! E, surpreendentemente, dessa vez o problema não era o bicho-papão. Por ironia do destino, o garoto até sentia falta disso, de ter uma criatura sobrenatural como motivo de seus problemas... Dessa vez, o motivo não desapareceria com a luz do dia. Seus pensamentos. Quando não estava ocupado com distrações, eles rondavam incessantemente a questão de Daniel e André e, de verdade, Gabriel preferiria nunca ter lido aquela lista de chamada e nem suspeitar do parentesco. Ignorância dá menos dor de cabeça!

—Problemas para dormir? —A voz sarcástica surgiu de repente e, logo, o dono da voz se revelou.

—É, mais ou menos. —Normalmente, a aparição irritaria ou preocuparia Gabriel, entretanto, dessa vez ela era até bem vinda. —Então... Teve um bom dia? —Tentou uma das perguntas genéricas que rendiam conversas longas e, de preferência, monólogos.

—Hm, nada mal. Se ignorar a parte que eu não tenho dias. —O tom irônico permaneceu. —Por que a tentativa de conversa? Você nunca quis falar comigo...

—Uh... As pessoas mudam, não é? E achei que seria legal conversar para variar... —Enrolou. —Hm... O que você faz durante o dia, então?

—Nada, eu não tenho dias. —Repetiu e se aproximou da cama, sentando-se ao lado do garoto. —Eu sou as trevas, sem trevas, sem mim. Eu apenas... Não existo de dia.

—Ah, é como se você dormisse de dia ou algo assim? —Gabriel indagou com meio interesse, mesmo que seu principal objetivo fosse a distração, essa conversa estava tomando um rumo interessante.

—Não exatamente... Mas chega de falar de mim, por que tantas perguntas? — De repente, o garoto começou a gostar menos do rumo da conversa.

—Só curiosidade, por quê? São só perguntas!— Ele soou mais defensivo do que pretendia.

—Calma... Falando assim até parece que fez algo errado. —Acusou sutilmente, um sorriso sarcástico crescendo em sua face.

—... —Gabriel decidiu ficar calado para evitar dizer algo suspeito, o que só serviu para aumentar a desconfiança do outro.

—Então, vai me contar agora o que houve ou vamos ficar rodeando o assunto até que eu consiga arrancá-lo de você? —Apesar do tom casual, Gabriel sabia que a ameaça era séria.

—... Tudo bem se não falarmos disso? Já estou ficando com dor de cabeça. —Ele suspirou.

—Você pensa demais. —De novo essa frase. —Acho que deveria falar sobre isso.

—Não é nada demais, é só que... —O garoto hesitou perante o olhar ávido do Bicho-papão, cogitando se era melhor mentir ou dizer a verdade. —Eu descobri que o Daniel escondeu um segredo de mim. Algo meio importante.

—Seu namorado? —Ele sequer tentou esconder o sorriso de satisfação. —E o que vai fazer sobre isso?

—Não sei. —Gabriel admitiu. —O que acha que eu devo fazer? —Perguntou já preparado para respostas como “termine com ele” ou “nunca mais o veja”. Por isso, a resposta o surpreendeu:

—Você decide. —A criatura disse simplista.

—Quê? —Ele decidiu confirmar. O Bicho-papão, o mesmo que tentou jogar André em cacos de vidro e praticamente o ameaçou para voltar a dormir, simplesmente deixou passar uma chance para fazê-lo desmanchar seu namoro?

—Você decide. —Repetiu. —Mais cedo ou mais tarde, vai descobrir o que fazer. E eu não estou preocupado, como eu já disse, você é meu. —Completou com seu largo sorriso e se inclinou para selar seus lábios aos de Gabriel.

O garoto se esquivou.

—Deixa eu adivinhar, ainda comprometido. —O ser suspirou resignado. —Tudo bem, eu posso esperar. Agora devia dormir. —Se despediu e fez menção de desaparecer, mas Gabriel o impediu.

—Espera! —Exclamou sem pensar. —Você pode... Hm... Passar a noite aqui?

—Então me beijar é traição, mas dividir a cama comigo é aceitável? —Ele zombou, mas seu tom deixava claro que aceitaria. Como resistir a um pedido desses?

—Desde que você só fique na ponta. —O garoto salientou, frustrando a tentativa do Bicho-papão de se deitar ao seu lado. Gabriel tinha defeitos, mas infiel não era um deles.

A criatura aceitou a condição, mesmo que a contragosto e, em seu íntimo, mal via a hora que o outro estaria livre e ele poderia fazer o que bem entendesse. Esperava que não demorasse muito, pois mesmo sendo relativamente paciente e tendo, literalmente, todo tempo do mundo, era uma tentação ficar tão perto de Gabriel sem poder tocá-lo.

Já Gabriel ficou mais tranquilo depois dessa conversa. Mesmo que nada tivesse sido resolvido ou mesmo esclarecido, ele estava aliviado e conseguiu adormecer sem tantos pensamentos o perturbando. Ele ainda não fazia ideia do que faria quando encarasse Daniel ou André de novo, mas, por hora, tudo bem. Um lampejo de otimismo o dizia que ele daria um jeito em tudo. De um jeito ou de outro.

 


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Notas finais do capítulo

Fanart da Glyph!
Leitora nova, mas chegou com tudo! Comentário ótimo (com direito a teorias) e fanart!
Nunca pensei que diria isso, mas: recebi tanta fanart, tenho tão pouco capítulo...
Mesmo assim, quem tiver pode mandar!
A história ainda tem um bom bocado pela frente.

Enfim, agradeço a todo mundo que ainda não desistiu de mim!

Voltei às aulas, estou no terceiro ano, as coisas vão apertar... Mas não pretendo parar a história.
Ver se atualizo pelo menos uma vez por mês!

Espero que tenham curtido o capítulo. Não é exatamente emocionante, mas é necessário. E eu fiz o melhor que pude para não ficar maçante.
Se acha que pode melhorar, só avisar.

Então, curtiram as férias? Eu curti!
Curti tanto que comecei a escrever só no final!
Teve até parque de diversões!

Enfim, acho que é isso. Valeu mesmo por ler até aqui!

Bye!



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