Collide I e II [Degustação] escrita por Allie Próvier


Capítulo 6
[2ªT] 1. Oportunidades




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/687908/chapter/6

 1

"Eu sei que é difícil me ouvir dizendo isso, mas eu não posso suportar ficar.

Eu sei que você ficará bem de qualquer jeito."

HAIM — The Wire

Ninguém me contou sobre as decisões difíceis de serem tomadas.

Mentira, obviamente me contaram. Também disseram que na vida adulta temos uma infinidade de coisas nas mãos e temos que dar um jeito de equilibrar todas ao mesmo tempo, para que nada saia dos trilhos.

É impossível que sempre funcione, é claro. Algo sempre escapa pelos nossos dedos e o trem descarrilha em algum momento, porém, devemos manter a calma e ter tudo sob controle. Certo?

Para ser sincera, a cada dia eu tento me acostumar com o fato de ser uma adulta de vinte e quatro anos. Contas a pagar, ração do gato para comprar, uma carreira para seguir... Tudo isso é fichinha diante das escolhas. São elas que assombram os meus pensamentos.

Ainda estou me empenhando para conseguir descobrir o que é ter tudo sob controle. Porque, como de costume, sou atingida por várias coisas ao mesmo tempo.

Hoje pela manhã, eu acordei atrasada – como de costume – e corri para tomar um banho e me arrumar para o trabalho.

Gregory, meu gato recém-adotado que mais parecia uma bolinha de algodão, se embolava em minhas pernas enquanto eu corria de um lado para o outro. Hora se esfregava em mim, hora pulava em meus pés como se fossem árduos inimigos com quem ele tinha que batalhar na selva em que ele acreditava estar.

Eu vou te dizer uma coisa sobre gatos: são as coisas mais lindas que você terá na vida, mas também são ótimos caçadores. Até com o que não é, de fato, uma caça. Isso inclui os meus pés e dedos, que ardiam devido aos leves arranhões matinais de Greg.

Ainda assim, enfiei-os nos saltos altos e peguei minha bolsa apressadamente. Verifiquei se havia ração e água suficientes para o meu filhote e saí do apartamento.

O caminho até a White Horse Publishing, editora na qual eu trabalho, foi estressante. Desci do ônibus às pressas e corri pela calçada até o prédio azul e espelhado, tomando cuidado para não cair no meio da rua e arruinar todo o meu dia.

Quando finalmente me vi dentro do elevador, ofegante e com meus cabelos curtos consideravelmente desarrumados, não pude evitar suspirar aliviada. Apertei o botão do 16º andar e fiz uma careta para o meu reflexo no espelho, passando os dedos nos cabelos rapidamente em uma tentativa pífia de deixá-los no lugar.

Assim que saí do elevador, me deparei com Claire, a nova estagiária que adorava me trazer cafés em troca de atividades realmente enriquecedoras para o seu currículo, que apenas eu lhe oferecia. Através das paredes de vidro, a vi sentada em frente à minha mesa, segurando dois copos de café e com uma expressão tensa no rosto miúdo. Eu a olhei confusa, enquanto andava em sua direção.

Ela verificou o horário em seu relógio de pulso.

— Como você sempre consegue chegar na hora exata? – questionou. – Correu enlouquecidamente até aqui, não é?

— Dá para perceber?

Claire riu e ajeitou uma mecha do meu cabelo, que estava para o alto. Suspirei e deixei minha bolsa em minha mesa, vendo o seu sorriso desmanchar e dar lugar ao semblante tenso de antes. Ela me ofereceu um dos cafés e eu aceitei, já pressentindo algo.

— O Sr. White está a sua procura – ela disse. – Ele disse que é de extrema urgência, parece bem ansioso hoje.

Não pude evitar fazer uma careta, enquanto Claire me olhava preocupada. Quando Charlie White diz que algo é de "extrema urgência", é porque algo grande irá acontecer. Naquele momento, eu sabia que seria demitida ou...

Bom, eu espero que seja qualquer coisa, menos uma demissão. Ser a assistente editorial do Sr. White era o emprego que eu havia pedido aos deuses, por mais que não fosse exatamente onde eu me imaginava a essa altura da minha vida. Eu amava ajudá-lo e aprender com ele, amava a editora, amava as amizades que havia feito aqui e, definitivamente, amava o café de Claire, que eu bebericava enquanto caminhava trêmula até a sala do meu chefe.

Como a minha pequena sala era acoplada à dele — deixando-nos separados apenas por uma parede e uma porta de vidro —, não deu para prolongar o momento. Dei duas batidas na porta e ele me mandou entrar. Sorri educadamente ao vê-lo e me senti um pouquinho tranquila ao vê-lo aparentemente de bom humor. Seus olhos azuis e seus cabelos grisalhos pareciam bem amigáveis, como de costume.

— Bom dia, querida. – Sorriu amavelmente para mim. – Como você está?

— Bem – falei incerta.

Dependendo do rumo daquela conversa, eu poderia não estar bem.

— Claire disse que o senhor queria conversar comigo.

— Sim, realmente quero. – Ele suspirou, juntando as duas mãos sobre a mesa e me olhando profundamente. – Como você sabe, estamos abrindo uma nova filial da editora em Nova York. Como a sede da W. H. Publishing é aqui em Los Angeles, a filial terá um porte menor, mas ainda assim estamos selecionando alguns dos nossos melhores funcionários para irem para lá.

Senti meu coração pular dentro do peito, preparado para sair pela garganta a qualquer momento.

— Você está conosco há um bom tempo e eu gosto muito do seu trabalho, Allison. É inteligente, tem um faro excelente para bons livros e uma criatividade admirável. – Charlie sorriu. – Então, quero te propor uma promoção.

— Promoção? – Lutei para não gaguejar. – Em Nova York?

— Sim. Se aceitar, é claro, você será a nossa nova editora literária em Nova York. Richard McClean foi escalado para ser o editor-chefe, já que ele seria o meu sucessor aqui, mas ainda estamos resolvendo essa parte com mais cuidado. O que me diz?

Abri a boca diversas vezes, mas a voz não saía. Eu me sentia entorpecida. Charlie arqueou uma sobrancelha, com um leve sorriso nos lábios, como se esperasse essa reação vindo de mim.

— Digo que... – falei baixinho, tentando organizar os meus pensamentos. – Eu seria louca se não aceitasse.

Charlie riu e eu o acompanhei, ainda sentindo o meu coração bater com força dentro do peito.

— Isso é excelente! – Ele esticou suas mãos em minha direção sobre a mesa e eu as segurei, ainda sem acreditar direito no que acontecia. – Você irá adorar a mudança, Allison. Eu te passarei todas as informações necessárias e agilizarei o processo. Se tudo caminhar como planejamos, você poderá ir daqui a duas semanas.

Agradeci pela oportunidade e saí cambaleante de sua sala. Claire ainda estava sentada, folheando uma planilha que me ajudou a preparar no dia anterior enquanto bebia o seu café calmamente. Quando ouviu o tilintar dos meus saltos no chão, seus olhos castanhos encontraram os meus, cheios de curiosidade.

Eu me apoiei na mesa, me inclinando um pouco em sua direção, e sussurrei:

— Eu vou para Nova York.

Claire arregalou os olhos, ficou de pé, me segurou pelos ombros e me sacudiu, enquanto nós duas dávamos gritinhos baixos de felicidade. Ela me fez mil perguntas, mas só pude responder algumas, já que ainda não tinha certeza sobre muita coisa. Quando o Sr. White a chamou em sua sala, ela teve que voltar ao trabalho e eu também.

Sentei em minha cadeira e olhei ao redor, sentindo-me nostálgica enquanto observava a minha pequena sala e pensando que logo ela não seria mais minha. Passei a ponta dos dedos pela minha mesa e respirei fundo.

Rodei sobre as rodinhas da cadeira, girando-a e ficando de frente para a janela de vidro que havia atrás de mim. Abri as persianas, que eu sempre deixava fechadas por causa da luz forte.

A vista do centro de Los Angeles me saudou. O sol queimava quem se atrevesse a entrar em seu caminho, mas dessa vez eu me permiti sorrir, mesmo que a luz fizesse os meus olhos doerem.

Só então lembrei de algo importantíssimo: falar com Eve.

Meu coração pulou de felicidade quando eu finalmente me dei conta desse fato: Eve estava há quase um ano em Nova York, morando em um apartamento fofíssimo com Jack. Ele havia conseguido um emprego em uma empresa renomada de jogos e, quando disse que teria que se mudar, Eve largou tudo para ir com ele.

Ela não demorou a conseguir um emprego em uma escola. Eu não via como ela conseguiria ser delicada sendo psicóloga de uma escola cheia de crianças, mas para tudo há uma primeira vez. Quanto mais o tempo passava, mais a Eve me surpreendia.

Agarrei meu celular afoita e digitei mensagens rápidas para ela, contando tudo resumidamente. Não demorou nem dois minutos para ela me responder, tão eufórica quanto eu.

 

Eve: "Deus ouviu minhas preces! Quando você vem?"

 

Ally: "Talvez daqui a duas semanas. Vou mantê-la informada. Estou tão feliz!"

 

Eve: "Eu também!!! E o Cameron, o que ele disse? Já contou para ele?"

 

Esse é o momento em que a cena é congelada, captando a expressão chocada de Allison Jones. A pura essência de seu desespero. A expressão de quem, apenas naquele momento, lembrou que tinha um namorado e que as coisas não seriam um conto de fadas como parecia.

Essa é a parte onde a minha história termina. Quero dizer, não exatamente a história, mas a recapitulação do meu dia. E a moral de hoje é: se você não sabe como lidar com algo, então...

Eu também não sei, sou péssima com morais. A questão é: eu não sei lidar muito bem com as coisas quando elas envolvem mais alguém além de mim. E lidar com um namorado é muito, muito pior... Principalmente quando envolve você indo para outra cidade. Basicamente, no outro lado do país.

Por isso, aqui estou eu, afundada na minha poltrona, às nova horas da noite, com uma caneca de chá nas mãos e pensando em como irei contar para Cameron Hayes que irei embora.

Fui acordada dos meus devaneios quando a campainha tocou. Respirei fundo e olhei para Greg, que estava deitado no sofá se lambendo como se nada mais importasse nesse mundo.

Bom, para ele realmente não há nada mais que importe. Queria eu ser um gato.

Quando abri a porta, dei de cara com Cameron encostado no batente, exausto e afrouxando a gravata vermelha que usava. Ele sorriu para mim, do mesmo jeito que fez incansavelmente para me conquistar na universidade.

Plantou um beijo rápido nos meus lábios e entrou, retirando a gravata e o paletó preto. Fechei a porta devagar, com a mente a mil enquanto tentava encontrar uma forma de anunciar a novidade para ele.

— É ótimo estar aqui com você. – Ele suspirou, sentando-se no sofá e retirando os sapatos. – Estive em uma audiência com um casal em processo de divórcio e só tenho uma coisa para dizer: quando nos casarmos, nem pense em se separar de mim, porque é a coisa mais estressante que existe.

— Imagino. – Sorri fracamente, sem de fato prestar atenção ao que ele dizia.

Fui até a cozinha e peguei um copo de suco de laranja, que eu sabia que ele gostava. Levei a bebida até Cam e ele agradeceu, encostando-se melhor no sofá. Seus olhos escuros demonstravam cansaço e os cabelos ondulados e castanhos estavam levemente bagunçados.

Greg grunhiu baixinho ao seu lado, se preparando para sair do sofá e se afastar, como sempre fazia quando Cameron se aproximava. A relação deles eram algo que talvez nunca fosse ser construída, porque a animosidade entre os dois era cristalina.

— Esse gato é tão esquisito. – Cam torceu o nariz em desagrado, logo voltando a sua atenção para mim. – Enfim, como foi seu dia?

— Normal – murmurei remexendo-me na poltrona.

Coloquei as duas mãos sobre o colo e respirei fundo, tentando reunir toda a coragem que existia em meu corpo minúsculo e trêmulo.

— Tenho uma novidade para te contar.

— É algo que possa esperar? – Ele sorriu misterioso, enquanto levava uma mão até o bolso da calça social. – Porque tenho uma coisa para você.

— Não... — Balancei a cabeça levemente, apressando-me para falar antes que desistisse. – É algo realmente importante, Cam. Eu preciso que você me ouç...

Minha voz morreu quando Cameron saiu do sofá e ajoelhou-se à minha frente, com um sorrisinho de expectativa nos lábios. Suas mãos se reuniram em minha direção e eu arregalei os olhos.

— Espere aí, Cameron, eu...

Ele me interrompeu, totalmente alheio ao meu desespero. Seus olhos escuros brilhavam e seu sorriso se abriu em expectativa.

— Allison Jones, você me daria a honra...

— Cameron, pelo amor de Deus, o quê...?

— ... de se casar comigo?

A caixinha de veludo azul foi aberta na minha frente, exibindo um anel que com certeza havia custado uma fortuna. Senti o ar faltar e meu coração bater descompassado. Meu olhar oscilou entre Cameron e o anel brilhante, em ouro branco, com um pequeno diamante solitário.

Cameron me observava com um ar divertido, talvez se perguntando porque a sua namorada estava quase hiper ventilando e demorando tanto para responder. E quando eu abri a boca para responder à sua pergunta, tudo o que consegui dizer foi:

— Eu vou para Nova York.

Talvez, nesse momento, você ache que eu sou uma idiota. Porque eu deveria ter pedido para o Sr. White esperar, certo? Eu poderia ter dito algo do tipo: "Eu poderia ter um tempo para pensar nessa proposta?" e correr para conversar com Cameron.

Estamos juntos há dois anos e meio, afinal. É de se esperar que lhe contasse as coisas antes de ele preparar algo absurdo... Como me pedir em casamento.

Por isso, eu compreendi a sua frustração perfeitamente. Eu compreendi a sua revolta quando ele fechou a caixinha de veludo bruscamente e me olhou em um misto de confusão e raiva. Sua frustração ficou mais nítida e alarmante quando ele ficou de pé, andou de um lado a outro e gritou:

— Você enlouqueceu?!

Não respondi. Fiquei quieta onde estava, com as mãos juntas sobre o colo e mordendo o lábio inferior, enquanto esperava a tempestade passar. Ele bufou diversas vezes, resmungou coisas desconexas e, por fim, sentou no sofá e colocou a cabeça nas mãos.

— Me explique isso direito. – Ele parecia mais recomposto, mas sua feição estava claramente irritada. – Que merda é essa, Allison?

— Eu recebi uma promoção – falei com cuidado, observando-o. – Fui promovida a editora na nova filial que será aberta em Nova York e...

— E você vai? – Ele me olhou raivoso. – Simples assim?!

— Era irrecusável – tentei explicar, com o coração a mil. – É uma oportunidade maravilhosa, Cam. Me desculpe se te chateei.

— Eu pensei que significássemos algo. – Ele desviou o olhar de mim, passando a mão sobre os lábios. – Achei que levaríamos isso para frente.

— Mas não estamos terminando! – Senti uma pontada de irritação. – Apenas vou me mudar para outra cidade.

— E como vamos continuar juntos? – Ele sorriu sem humor, me olhando com escárnio. – Por cartas?

— O mundo já avançou o suficiente para cartas não serem mais necessárias, você sabe. Existe Facebook, WhatsApp, Skype...

Eu mal havia terminado de listar as diversas formas de comunicação quando ele ficou de pé, pegando suas coisas e calçando os sapatos de forma raivosa. Suspirei, passando as mãos no rosto.

Ele era tão temperamental e explosivo. Isso me cansava em um nível surreal, eu sempre sabia o que esperar dele, mas ainda assim era exaustivo. Cameron me exauria nas mínimas coisas.

— Espere, Cameron – pedi, cansada de todo aquele show. – Nós precisamos conversar.

— Não precisamos conversar quando você aceitou essa oferta – ele praticamente rosnou, me dando as costas e indo a passos duros até a porta. – Boa sorte em Nova York.

Tentei ir atrás dele para insistir, mas ele já havia entrado no elevador quando cheguei no corredor. Respirei fundo, voltando para dentro do apartamento me sentindo um lixo. Tranquei a porta e me joguei no sofá, usando o gato branco como travesseiro. Levantei os olhos para Greg, que mal se mexeu.

— Você tem sorte por ser um gato... – murmurei, ouvindo o seu ronronar baixinho. – Não precisa lidar com pedidos de casamento e tudo caindo sobre a sua cabeça.

Fiquei um bom tempo deitada pensando no que faria para ajeitar as coisas com Cameron, até adormecer.

Sonhei com uma cidade gigante, com arranha-céus impressionantes, luzes noturnas... E com um par de olhos verdes inconfundíveis que eu não via há muito, muito tempo.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Collide I e II [Degustação]" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.