Collide I e II [Degustação] escrita por Allie Próvier


Capítulo 9
[2ªT] 4. Diga o meu nome




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4

"Tem um avião no JFK para trazer você de volta.

Por todas essas escuras e frenéticas milhas transatlânticas.

Pet Shop Boys – Home and Dry

Os outros integrantes da banda começaram a tocar os instrumentos, enquanto Daniel passava uma mão pelo cabelo escuro e sorria. Eu sentia que o meu coração poderia sair pela boca a qualquer instante.

Daniel dedilhou seu violão e fechou os olhos enquanto começava a cantar o primeiro verso da música. Logo a identifiquei como "She Is Love", da banda Parachute. Era uma música antiga, mas eu ainda a tinha em uma das minhas playlists até hoje.

Sua voz era rouca e suave, como eu ainda me lembrava. Porém, ouvi-lo cantar era algo totalmente novo. O som fluía suavemente, infiltrando-se em minha mente como um cântico. Eu não conseguia mover parte alguma do meu corpo.

Mantive-me imóvel, segurando minha margarita e olhando sem piscar para a figura de Daniel, que agora cantava o refrão com um meio sorriso nos lábios.

Eu conseguia sentir os olhos atônitos de Eve, Jack e Benjamin queimando sobre mim, mas não possuía forças para olhá-los. Como poderia? Todo o burburinho ao meu redor pareceu um suave ruído no fundo da minha mente, enquanto toda a minha atenção estava focada em Daniel Sullivan.

"Ele está aqui", a minha mente repetia incansavelmente. "Em Nova York. Ele está aqui."

As luzes amareladas — quase douradas — do pequeno palco mudaram. Ficaram mais fortes sobre Daniel, enquanto a sua voz aumentava gradativamente ao cantar o clímax da canção. As pessoas sentadas mais próximas ao palco balançavam-se levemente enquanto sorriam. Daniel manteve seus olhos fechados e, mesmo com a distância, eu conseguia ver o modo como os seus dedos longos tocavam o instrumento.

Desde quando ele toca? De onde isso surgiu? O que ele está fazendo aqui?

Quando a música chegou ao fim, o local se encheu de aplausos e Daniel abriu os olhos, parecendo acordar repentinamente. Segundos depois, ele riu fracamente e agradeceu com um aceno. Coçou a nuca, parecendo um pouco envergonhado, e os seus olhos passearam pelo local... até caírem sobre mim.

Eu vou dizer uma coisa que talvez já seja bem óbvia a essa altura do campeonato: Allison Jones não lida muito bem com surpresas.

Por isso, eu só percebi o que fazia quando senti o ar frio nova-iorquino bater contra o meu rosto e ouvi a porta da Taberna fechando atrás de mim. Tentei controlar a minha respiração apressada e os batimentos cardíacos acelerados, enquanto olhava ao redor e via apenas algumas pessoas indo e vindo pela calçada, totalmente alheias ao que acontecia comigo.

Meus lábios estavam secos. Tentei respirar fundo para voltar a mim, mas até isso era difícil. Era como se uma bomba de emoções tivesse explodido dentro de mim e eu não sabia como lidar com isso. Céus, como eu faria isso? Ele estava aqui!

Levei as mãos à cabeça e fechei os olhos. Senti um toque quente em meu ombro e me afastei automaticamente, enquanto virava para trás e via os olhos azulados de Benjamin me observando, cautelosos.

— Você...! – falei num fio de voz. Ben deu um passo em minha direção e eu dei um passo para trás, afastando-me dele. – Você sabia disso! Ainda assim me trouxe aqui e...

— Calma, Ally – disse devagar, com uma feição apreensiva. – Eu juro que não sabia que Daniel estaria aqui hoje. Falei com ele mais cedo e ele disse que não viria, por isso eu...

— Mas sabia que ele frequentava esse lugar! Você é um...!

— Opa, opa! – Eve apareceu, colocando-se entre nós dois e sorrindo duramente. – Vamos parar com o show antes que o dono do lugar nos expulse? Obrigada.

Saí de perto dos dois, grunhindo de frustração e passando as mãos em meus cabelos nervosamente. Ainda pude ouvi-la falando baixinho com Benjamin:

— Volte lá para dentro, eu cuido dela.

— Diga a ela que eu não planejei isso — ele disse. – Eu realmente não queria que...

— Vá, Benjamin.

Quando Benjamin voltou para o interior do pub, Eve voltou a sua atenção para mim. Não consegui olhar para ela, então mantive o meu olhar focado em meus pés, forçando o meu corpo a se manter de pé contra a parede de tijolinhos aparentes da fachada do prédio.

Eu não queria voltar para lá. Realmente não queria ter de lidar com isso agora, não queria encarar o passado daquela forma tão abrupta e repentina.

— Ei – Eve sussurrou, envolvendo os seus braços ao meu redor. – Vamos lá, você consegue.

— Não consigo, não – sussurrei, afundando meu rosto em seu ombro macio e sentindo um peso desconfortável no peito.

A vontade de chorar me consumiu, mas eu me controlei ao máximo. Não queria chegar àquele ponto de forma alguma.

Eve afastou-se de mim e segurou-me pelos ombros, olhando fundo em meus olhos.

— Pare de chorar feito uma criancinha, Allison. Já se passaram seis anos. Você é uma mulher adulta, dona de si e que namora um filho da puta há dois anos. Encarar Daniel Sullivan agora é fichinha diante disso tudo – ela disse, me sacudindo levemente quando desviei o olhar do dela e fiz menção de chorar. – Olhe para mim! Me ouça!

— Eu estou ouvindo! – respondi chorosa. – Mas não quero! Você tem ideia do quanto isso dói? Eu superei a noite do baile, mas isso não significa que eu queira olhar a cara daquele idiota!

— Superou, é? – Eve arqueou uma sobrancelha, me soltando e cruzando seus braços. – Então me prove. Volte lá para dentro.

— Por que está sendo tão cruel?

— Não estou sendo cruel, só quero que você supere isso. – Ela suspirou, parecendo muito cansada. – Eu sei que foi uma merda, ok? Você pode achar que eu sou "Eveline Walker, a idiota sem coração" que não se abala com nada, mas eu me abalo, sim. Eu me abalo com cada merda que acontece com você, como se tivesse acontecido comigo. E pode acreditar, a minha vontade é de jogar aquele microfone na cabeça daquele idiota de quase trinta anos, que agora resolveu pagar de galãzinho, mas você é melhor do que tudo isso. Correr e se esconder só mostra o contrário. Você não pode se deixar abater, Ally.

Abracei a mim mesma, engolindo em seco e me sentindo uma idiota diante das palavras de Eve. Observei as luzes dos faróis dos carros que passavam na rua e as pessoas que entravam risonhas no pub. Tentei abstrair e esquecer o que estava sentindo, mas era mais difícil do que eu imaginava. Totalmente diferente do que eu esperava. Eu achei que estava pronta para esse momento, mas não estou.

Ver Daniel é como voltar a seis anos atrás, para aquela noite fatídica. Todas as lembranças e as sensações da noite do baile me assombravam: a lista dos prós e contras, a felicidade que senti ao vê-lo tão bonito ao meu lado, a felicidade por estar um vestido lindo e a convicção de que, no final da noite, sairíamos de lá juntos e com tudo resolvido entre nós.

Doía como o inferno. Vê-lo agora, seis anos depois, tão bonito quanto antes era como um castigo. Um grande tapa na cara da garota que viu toda uma história ser pisoteada por ele.

Eve estava certa, eu não havia superado. Acreditava que sim, que era tudo passado e nada mais me abalaria, mas aqui estou eu: tão patética, trêmula e medrosa quanto na noite em que Daniel Sullivan me rejeitou.

— Você é tão boba. – Eve me olhou angustiada.

— Sim – murmurei. – Me ensina a ser como você.

— É bem fácil – ela disse, me puxando para si e me abraçando. Envolvi a sua cintura com meus braços e afundei o rosto em seu ombro novamente. – Nasça de novo.

Rimos juntas baixinho. Por fim, Eve deu um beijinho no topo da minha cabeça e nos soltamos. Um vento frio passou por nós, balançando os nossos cabelos e nos fazendo tremer. Eve fechou seu sobretudo, trincando os dentes de frio, mas eu ainda vestia apenas um suéter. Havia deixado o meu sobretudo dentro do pub e apenas agora percebi o quanto meus pés estavam gelados dentro das botas.

— Vamos voltar? – perguntou. – Se você sentir que realmente não consegue, nós voltamos para casa sem demora. Ok?

Concordei, me sentindo um pouco melhor e mais tranquila. Eve estava certa, afinal. A essa altura do campeonato, eu deveria erguer a cabeça e não me deixar abalar com qualquer coisinha. Eu sou uma mulher crescida. Não posso deixar Daniel me atingir dessa forma, como se ainda fôssemos adolescentes. Eu sou melhor do que isso.

Por isso, quando entramos no pub novamente e Eve me guiou de volta para a mesa, eu ergui o rosto e preguei um sorriso nos lábios. Ficaria tudo bem. Eu poderia fingir que nada havia acontecido e que nem me lembrava dele.

Mas vou te dizer uma coisa: é realmente foda fingir que não conhece uma pessoa, quando a sua presença parece tão marcante quanto antes.

Ele estava parado ao lado da nossa mesa e conversava com os meninos tranquilamente. O meu olhar percorreu todo o um metro e oitenta de Daniel. Desde o cabelo escuro e levemente bagunçado aos tênis pretos. Passou pela barba que crescia, os olhos verdes com cílios marcantes, os lábios bem preenchidos, a pequena pinta marrom do pescoço, a jaqueta escura de couro que contornava os seus braços e os ombros que pareciam maiores...

Estava muito diferente, mas ainda era o mesmo. Era tão ele que não havia sombra de dúvidas.

Porém, entretanto, todavia... você não o conhece, Allison. Ele é só um cara qualquer que cantou agora a pouco e que está discutindo com Benjamin na sua mesa sobre algo que você não faz ideia do que é e nem faz questão de saber. Ou seja: alguém insignificante.

Quando nos aproximamos, o olhar de Benjamin, Jack e de Daniel caíram sobre nós como grandes rochas. Eve deu um sorriso amarelo, como se nada tivesse acontecido, e eu senti o olhar esverdeado queimar sobre mim. Passei reto por ele, indo até o meu lugar e sentando-me enquanto sorria para os outros.

Infelizmente, a minha cadeira ficava praticamente ao lado de Daniel, de modo que a sua proximidade era quase sufocante. Não sei se era coisa da minha cabeça, mas eu conseguia sentir o seu calor chegar até mim.

— Nossa, está ainda mais frio lá fora! – falei, rindo pateticamente. – Esse lugar é tão legal, Ben! Devia ter me trazido aqui antes.

Todos me olhavam como se eu fosse um ser de outro planeta. Daniel me olhava como se eu fosse uma miragem. Tentei não fazer contato visual, foquei a minha atenção em minha margarita intocado, caso contrário todo o meu plano iria por água a baixo. Não havia como olhá-lo nos olhos e conseguir manter a postura.

— É, está mesmo – Eve falou lentamente, sendo uma péssima atriz. – Acho que vou pedir outra bebida.

— Eu também – Jack disse, virando o resto da bebida que estava a sua frente goela abaixo.

Jack fez um sinal para a atendente e logo fizemos os nossos pedidos. Aos poucos, todos foram se ajeitando em suas cadeiras como estivessem recobrando os sentidos. Benjamin voltou a sentar ao meu lado, totalmente sem jeito e olhando-me como se eu fosse uma bomba prestes a explodir, enquanto Eve e Jack se remexiam desconfortáveis no outro lado da mesa redonda.

Só havia uma cadeira e ela estava do meu lado esquerdo. E Daniel estava atrás dela.

— Eu acho melhor você... – Benjamin disse para o primo, meio desconcertado.

Senti o olhar de Daniel sobre mim e engoli em seco disfarçadamente, enquanto a atendente deixava as nossas bebidas sobre a mesa. Sorri para ela enquanto agradecia e pude ouvir Daniel suspirar baixinho.

— Depois nós conversamos – ele disse.

Não sei se ele falou isso para Benjamin ou para mim.

Quando ele se afastou e voltou ao palco, pude sentir o clima aliviar drasticamente na mesa. Uma das mãos de Ben tocou o meu pulso e eu beberiquei minha bebida, finalmente conseguindo respirar de verdade.

— Ally, me desculpe – ele disse. – Eu juro que não fiz isso de propósito.

— Está tudo bem. – Forcei um sorrisinho, tentando tranquilizá-lo. – Nada aconteceu.

Ele me olhou nos olhos por alguns segundos, parecendo confuso. Por fim, talvez me atestando como louca, se resumiu a assentir fracamente.

Passamos cerca de duas horas no local, bebendo e ouvindo a banda de Daniel tocar. Virei todas as bebidas que eram colocadas na minha frente, falei sem parar, prestei atenção em tudo o que Eve dizia, nas histórias que Jack contava e nas piadas ruins de Benjamin.

Tudo para que a minha mente esquecesse da existência dele. Dos malditos olhos, cabelos e lábios. Porém, a todo momento ele estava ali, à alguns metros, sua presença tão forte quanto as batidas desenfreadas do meu coração estúpido. Sua voz rouca e aveludada entrava na minha cabeça como um cântico mágico.

Mesmo com o rosto virado e tentando a todo custo não me render à tentação de olhá-lo, eu sentia os seus olhos sobre mim. Queimavam a minha pele como brasa e todo aquele maldito arrepio subia pelas minhas costas como no passado.

A presença de Daniel tinha muita força sobre mim e talvez isso nunca mudasse.

Houve uma pausa de cinco minutos e logo a banda voltou a tocar. As batidas conhecidas reverberaram por todo o local.

Dessa vez, diante de uma das minhas músicas preferidas, eu não pude evitar olhar. Fui atraída automaticamente. A voz de Daniel preencheu todo o local ao cantar o primeiro trecho de "Home and Dry", do Pet Shop Boys.

Dessa vez, os seus olhos não estavam fechados enquanto ele cantava, como se a música fosse tudo o que houvesse em sua mente. Dessa vez, os seus olhos estavam abertos e totalmente focados em mim. Senti um formigamento na nuca e engoli em seco, vendo-o sorrir de lado. Aquele sorriso poderia passar despercebido por todos ali, mas não por mim.

Se eu tinha dúvidas de que odiava Daniel Sullivan, todas elas acabaram de ser totalmente aniquiladas. Sim, eu o odeio. Porque não é normal ele ainda causar todas essas sensações desenfreadas em mim, após tanto tempo.

"Tem um avião no JFK para trazer você de volta. Por todas essas escuras e frenéticas milhas transatlânticas...", a canção dizia. "Hoje à noite, eu sinto a sua falta. Hoje à noite, eu queria que você estivesse aqui comigo, mas não te verei até que você esteja de volta novamente. Segura em casa."

Em certo momento, eu finalmente consegui desviar o olhar. Voltei a prestar atenção aos meus amigos, mas a vontade excruciante de voltar a olhar Daniel ainda estava ali, me atormentando. Jack e Eve contavam uma história juntos, enquanto eu e Benjamin ríamos. E entre uma risada e outra, eu percorri meu olhar pelo local.

Eu vi as palmas, os gritinhos e as mulheres. Loiras, morenas, ruivas e platinadas. Altas, baixas, jovens e maduras. Aplaudiam, sorriam e não tiravam seus olhos dele. Haviam muitos homens no local também e todos aplaudiam, gostavam da apresentação, mas a presença feminina ainda era maior.

E quando os meus olhos me traíram e caíram sobre ele, era como voltar para o ginásio do colégio. A única diferença era que, ao invés do uniforme vermelho, agora Daniel usava jeans e jaqueta de couro.

"Quase trinta anos e quer pagar de galãzinho"— as palavras de Eve fizeram eco dentro da minha cabeça.

Torci o nariz, contraí os lábios e suspirei, sentindo uma leve vertigem. A bebida já tomava o meu corpo inteiro e talvez fosse a hora de parar.

Olhei para Daniel, ignorando o bolo que se formava em minha garganta e o meu coração estupidamente acelerado ao ver o modo como ele fechava os olhos para cantar. Seus lábios estavam levemente repuxados nos cantos, em um sorrisinho que eu conhecia tão bem.

Eu não iria deixá-lo me envolver dessa forma novamente. Eu o reencontrei e estava tudo bem, em algum momento isso aconteceria, mas agora eu sou uma adulta, Sullivan.

Tenho 24 anos, tenho um emprego, tenho um (quase) noivo. Não sou mais uma adolescente boba que vai cair nas suas palavras bonitinhas, no seu cabelo macio, na barba convidativa ou nessa coisa toda de cantor. Eu sou melhor do que isso. Não serei mais atingida. Nunca mais.

Foi então que ele abriu os olhos e o seu olhar me atingiu diretamente. Era como se eles estivessem mirando-me desde antes de serem fechados e não mudaram de direção. Meus dedos apertaram o copo de vidro com mais força e eu me vi presa naquele momento.

Apesar da distância e da minha visão turva, pude ver os seus olhos escurecerem. Sua voz diminuiu um pouco o tom e se tornou mais rouca, enquanto ele mantinha a sua atenção totalmente em mim.

Nesse momento, enquanto eu me via enlaçada e sem conseguir desviar o olhar, eu soube. Veio bem do fundo, me atingindo como um soco e destroçando toda a minha confiança e determinação: nada havia mudado.

E eu também me odiava por isso.


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