Collide I e II [Degustação] escrita por Allie Próvier


Capítulo 7
[2ªT] 2. New York, New York




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2

"Noites no centro, é uma nova cidade.

Mas eu continuo pensando que vejo seu rosto na multidão."

The Chainsmokers — New York City

Minha mãe me abraçou pela quarta vez, apertando-me em seus braços como se eu fosse desaparecer a qualquer instante. Eu sorri, correspondendo ao abraço e rindo de Vanessa revirando os olhos atrás de nós duas.

— A menina vai para Nova York, Danielle – Vanessa resmungou. – Não para os confins do planeta.

— Eu sei... – Minha mãe fungou, passando os dedos sobre os olhos para limpar as lágrimas e abrindo um sorriso bobo no fim. – Desculpe, querida. Sentirei tanto a sua falta.

— Eu também. – Sorri para ela e Vanessa. – Mas vejam pelo lado bom! O natal está quase chegando. Poderemos passar todos juntos em Nova York, o que acham? Eve está louca para revê-las também.

— É uma ótima ideia. – Vanessa sorriu. – Espero que dê tudo certo, Ally. Torço muito por você, querida. Mande um beijo para aquela desnaturada por mim, por favor.

Prometi que daria mil beijos babados em Eve por ela, fazendo-a rir. Em seguida peguei as mãos da minha mãe entre as minhas e a olhei com olhos suplicantes.

— Por favor — pedi. – Cuide bem do Gregory por mim. Eu prometo que voltarei para busca-lo assim que conseguir me ajeitar.

Minha mãe revirou os olhos e jurou, pela sexta vez na última hora, que cuidaria bem do meu gatinho. Eu não poderia levar Greg porque, inicialmente, ficaria no apartamento de Eve e Jack. Então, como minha mãe havia voltado a morar em São Francisco para montar seu próprio estúdio fotográfico, concordou em ficar com ele enquanto eu não encontrasse um lugar para morar.

Ouvimos o meu voo sendo chamado e peguei as minhas coisas. Abracei as duas novamente e passei pelo portão de embarque, sentindo um frio na barriga se apossar de mim. Ao mesmo tempo que pensava no quanto isso era inacreditável e incrível, uma melancolia tomou conta do meu peito.

Cameron vinha me ignorando desde aquela noite. Tentei ligar diversas vezes, mandei mensagens, mas ele não retornou. Os dias passaram e aqui estou eu, dentro do avião, indo embora. Eu não podia deixar de me sentir culpada. Cameron foi importante para mim nos últimos dois anos. Nos conhecemos pouco antes de nos formarmos na universidade e tínhamos uma relação muito boa.

Bom, talvez não tão boa assim, considerando que ele possuía alguns pontos e atitudes que me chateavam muitas vezes. Passamos por situações complicadas nos últimos tempos, muitas vezes me questionei sobre nós dois, mas... eu o amava. E sabia que ele me amava também.

Eu não queria que acabássemos dessa forma, muito menos por sentir que a culpa foi toda minha.

Porém, eu não podia deixar essa chance escapar. Não dessa vez. Eu já havia desistido de muitas coisas pelo bem do nosso relacionamento, mas dessa vez não poderia.

E quando olhei o tapete de nuvens que se formava no céu, através da janela do avião, eu sabia que havia tomado a decisão certa.

A primeira coisa que vi quando cheguei em Nova York foi um cartaz que dizia, em letras garrafais: "ANÃ JONES".

Revirei os olhos, mas não consegui me conter e pulei em Eve e Jack, que me apertaram em seus braços. Eve encheu meu rosto de beijos, enquanto eu ria eufórica. Só então percebi o quanto havia morrido de saudade deles. Nesses oito meses que eles estavam vivendo em Nova York, nos vimos apenas uma vez, quando eles foram à Califórnia em um fim de semana.

Eu havia jurado para Eve que conseguiria me virar sozinha sem ela por perto, mas era difícil. Viver sem Eveline Walker era complicado. Eu sentia uma falta absurda da sua presença e conselhos.

Os dois me arrastaram para o carro, ambos tagarelando sem parar e me fazendo milhares de perguntas. Eu mal respondia uma e vinha outra. Jack colocou minhas bagagens no porta-malas e eu sentei no banco de trás.

— Jack, o que... – murmurei confusa, apontando discretamente para o seu rosto. – É isso?

Eve riu alto e Jack revirou os olhos, alisando a penugem que havia se alastrado pelo seu rosto. Parecia uma barba, mas não era. Era quase um projeto de barba. De certa forma, ficava bem nele e o fazia parecer mais velho, mas não deixava de ser esquisito e engraçado.

— Ele quer deixar a barba crescer – Eve disse, com um tom de ironia. – Eu já tentei arrancar isso enquanto ele dormia, mas ele me aplicou um golpe ninja.

— Eu fico mais másculo de barba – disse convicto. – Todo mundo no trabalho me elogiou.

— Claro, um bando de nerds como você. – Eve revirou os olhos.

Os dois ficaram discutindo divertidamente enquanto eu os observava. O cabelo loiro e escorrido de Eve havia crescido e ela parecia muito mais madura. Sorri levemente enquanto a observava, orgulhosa. Ela parecia uma mulher decidida e responsável, era lindo vê-la assim. E Jack continuava do mesmo jeito de sempre: tranquilo e divertido.

Com exceção daquele pompom despenteado em seu queixo, é claro.

Eles foram apontando e me mostrando tudo durante o caminho. Cada lugar pelo qual passávamos era me dito o nome. Esqueci o nome da maioria deles, mas era incrível estar aqui. Nova York tinha um ar realmente único.

Eve e Jack moravam no Brooklyn e eu fiquei apaixonada pelo lugar. A arquitetura do lugar era bem diferente do que eu estava acostumada, cheio de prédios antigos e ruas arborizadas. Olhei a fachada de cada prédio pelo qual passávamos e cada barzinho. Eve apontava para tudo que via e falava animadamente sobre onde queria me levar.

— Gente, eu posso ficar em algum hotel – falei preocupada. – Não quero incomodar vocês.

— Fica quieta, Ally. – Eve beliscou o meu nariz. – Você sabe que é totalmente bem-vinda em nossa casa.

— Você pode ficar pelo tempo que quiser – Jack disse, me olhando pelo espelho retrovisor. – Nossa casa é sua casa também, boba.

Suspirei e assenti. Eu sabia que seria totalmente bem recebida por eles em seu apartamento enquanto não encontrava um lugar para morar, mas ainda assim me preocupava.

Eles viviam uma vida de casados. Estavam noivos e vivendo sob o mesmo teto há meses. Eu não queria atrapalhá-los ou algo do tipo. Ainda nessa semana eu começaria a procurar por locações para alugar, aproveitaria o dinheiro que possuía guardado para começar a minha nova vida por aqui.

Quando finalmente chegamos ao prédio deles, fiquei um bom tempo admirando a sacada de tijolinhos vermelhos. Fiquei encantada com o clima do lugar e a quantidade de árvores que havia ao longo da rua.

O apartamento era simples, mas lindo e bem espaçado. Entrava muita luz pelas janelas, principalmente pela janela da sala, de onde tínhamos vista para algumas árvores da vizinhança. Eve me mostrou cada cômodo animadamente, falando sobre alguns pequenos reparos que tiveram que fazer quando se mudaram.

A cozinha era integrada a sala, sendo divididas por uma ilha bonita. A parede de tijolinhos atrás do sofá e o chão de madeira clara combinavam perfeitamente, assim como os móveis rústicos, porém lindos, que eles haviam escolhido para decorar.

Depois de ver tudo o que havia para ser visto, Eve me levou ao quarto de hóspedes que haviam organizado para mim. Coloquei as malas lado a lado em um canto e me joguei na cama. Eve se jogou ao meu lado, com um sorriso bobo no rosto. Demos gritinhos uma para a outra e nos abraçamos.

— Estou tão feliz por você estar aqui! Senti tanto a sua falta, Ally. Foi difícil recomeçar sem você, de verdade.

— E foi difícil continuar sem você em Los Angeles – lamuriei.

Sorrimos uma para a outra e nos abraçamos novamente. Logo Eve pulou da cama e mandou-me arrumar as coisas e tomar um banho enquanto ela preparava algo para comermos. Fiquei um bom tempo olhando a vista pela janela – as árvores, os carros passando, as pessoas passeando com cachorrinhos e crianças – e senti uma pontada de medo no peito.

Eu odiava essa sensação. Mesmo estando feliz e cheia de expectativas positivas, esse incômodo nunca me abandonava. Ele se manifestava sempre que eu abaixava a guarda e preenchia o meu peito, apertando-o e me deixando angustiada.

Eu sabia que seria incrível estar aqui e estava realmente feliz por isso, mas aquele medo sempre me apunhalava. Porém, eu sabia que seria questão de tempo para perdê-lo. Olhei para o meu celular sobre a cama e suspirei ao ver que não havia nenhuma mensagem ou chamada de Cameron.

Eu me pergunto o que será de nós dois, afinal.

Os dias passaram como um borrão.

Eu já estava prestes a completar 3 semanas em Nova York e mal senti. Meu celular vibrou dentro do bolso do sobretudo e o peguei rapidamente, enquanto pendurava minha bolsa no braço e caminhava tranquilamente até o elevador. O trabalho já havia terminado e tudo o que eu queria era me afundar no sofá macio de Eve.

Eve: "Onde a senhorita está? Jack comprou bolo e aqueles salgadinhos horrorosos que só você gosta (mas corra para casa antes que eu os coma também)."

Revirei os olhos e sorri, digitando uma mensagem rápida para ela enquanto entrava no elevador. Logo enviei uma súplica para que ela não comesse meus salgadinhos e apertei o botão do térreo. Fiquei alguns segundos vendo os andares passando e logo o celular vibrou novamente. Sorri, já imaginando que era outra mensagem de Eve, mas paralisei ao ver que eram duas mensagens de Cameron Hayes.

Senti meu coração acelerar e prendi a respiração automaticamente. Cheguei ao meu andar e soltei o ar lentamente, ao passo que lia as mensagens.

 

Cameron: "Ally, me desculpe.

 

Eu preciso conversar com você.

 

Vou entender se não quiser falar comigo."

 

Saí do elevador sentindo minhas pernas trêmulas. Olhei ao redor, vendo o hall de entrada do prédio cheio de pessoas passando de um lado para o outro. Me esgueirei até um canto mais tranquilo, longe da passagem das pessoas e voltei a olhar a tela do aparelho.

 

Ally: "Pode falar."

 

A resposta não demorou a chegar.

 

Cameron: "Vou tentar ser o mais direto possível. Me desculpe por aquela noite, eu não queria ter agido daquela forma. Eu pensei muito nesses últimos dias... E eu sinto a sua falta. Você é tudo o que eu tenho, Ally. Não posso te perder. Se você me perdoar e ainda me quiser, eu faço qualquer coisa pra consertar tudo isso."

 

Respirei fundo, com os dedos indecisos sobre a tela do celular, incerta sobre o que responder. Eu também sentia a falta dele. Então, sem pensar muito no que fazia, eu respondi:

 

Ally: "Também sinto a sua falta, mas como vamos resolver isso?"

 

Cameron: "Há 99% de chances de eu conseguir um emprego em um escritório de advocacia em NY. Se você disser "sim", ele é meu."

 

Sorri involuntariamente. Cameron sempre conseguia o que queria, independente do que fosse ou de onde estivesse. Senti aquela onda de melancolia que me assolava silenciosamente nos últimos dias se dissolver aos poucos e o respondi rapidamente.

 

Ally: "Sim."

 

Eu não conseguia tirar o sorriso do rosto quando saí para a rua, dois minutos depois. Cameron prometeu conversar melhor comigo mais tarde, pois iria agilizar as coisas. Guardei o celular na bolsa e enfiei as mãos nos bolsos do sobretudo. Nem o frio que fazia em Nova York conseguia me desanimar agora.

Seria realmente bom ter Cameron aqui. Agora poderíamos dar início ao que sempre planejamos. Talvez, longe de Los Angeles e de todas as lembranças ruins que possuíamos lá, conseguíssemos consertar muitas coisas e...

Esbarrei meu ombro fortemente em alguém e virei-me rapidamente para pedir desculpas.

— Me desculp... – o estranho começou a falar primeiro, ao mesmo tempo em que virávamos um para o outro.

Nesse momento, nós dois paralisamos no meio da calçada.

Arregalei os olhos, sentindo meu coração acelerar. Ele piscou rapidamente, claramente tão confuso quanto eu, enquanto o reconhecimento fazia um sorriso lento se formar em seus lábios.

— Allison Jones... – ele disse baixinho.

Mesmo com o formigueiro de pessoas passando ao nosso redor, eu pude ouvir suas palavras com clareza.

Benjamin O'Neil estava aqui, na minha frente, e parecia mais alto do que na última vez que o vi.

— Benjamin... – murmurei, me sentindo em choque. – O que você...?

Ele riu, balançando a cabeça levemente enquanto me envolvia em seus braços num abraço apertado. Pude ouvir alguns resmungos ao nosso redor por estarmos atrapalhando a passagem dos outros, mas Benjamin os ignorou. Plantou um beijo estalado em minha bochecha gelada enquanto eu correspondia ao abraço trêmula.

— Eu não acredito que é mesmo você! – disse, me soltando e analisando-me de cima a baixo. – Você está linda, garota. Tem tempo para um café?

— Agora?

— Agora. – Ele sorriu.

Não pude evitar rir e concordei. Benjamin segurou a minha mão e me puxou pelo mar de pessoas em direção a um café que havia no outro lado da rua. Eu apenas me deixei ser guiada por ele, ainda digerindo toda aquela situação.

Benjamin estava mesmo aqui, em Nova York, na minha frente e me puxando para tomar um café. O quão improvável isso parecia?

Após conseguirmos um lugar para sentar perto de uma das janelas do local, Benjamin trouxe os nossos pedidos e sentou na minha frente, com os olhos brilhando e um sorriso bobo no rosto. Segurei meu copo de chocolate quente com as duas mãos e o levei aos lábios, tentando acalmar os meus ânimos.

— Você parece tão madura – ele disse de repente. – Eu não acredito que você está aqui, Ally.

— Nem eu. – Sorri. – É inacreditável encontrá-lo aqui.

— Inacreditável por quê? Eu vim para a NYU, lembra? – Ele riu. – Eu até pensei em voltar para a Califórnia quando me formei, mas Nova York tem algo que te prende. Eu não me vejo mais em outro lugar. Mas me conte de você! O que faz aqui?

Comecei a resumir a minha vidam desde o fim da faculdade até o momento presente. Benjamin me ouvia com atenção e uma animação sincera. Aos poucos fui acostumando com a sua presença novamente e era como há seis anos.

Ele parecia mais alto e maduro. Porém, os cabelos loiros e um pouco bagunçados jogados para trás e os olhos azulados continuavam os mesmos. Ele parecia ainda mais bonito. Era engraçado vê-lo agora, dessa forma, vestido formalmente e com um ar tão adulto.

Quando terminei a minha história, Benjamin sorriu. Apoiou o cotovelo sobre a mesa e o queixo sobre sua mão, olhando-me com o mesmo carinho de anos atrás.

— Você vai gostar daqui, Jones – ele disse. – Essa cidade é incrível. Caramba, eu estou tão feliz por reencontrar você! Poderíamos marcar alguma coisa. Eu conheço alguns lugares muito bons por aqui. Você disse que está morando com a Eve e o Jack, certo? – perguntou e eu assenti, enquanto bebia mais um gole da minha bebida. – Em qual parte da cidade?

— Brooklyn – respondi, vendo um sorriso satisfeito se formar em seus lábios.

— Estou morando em Chinatown, não é tão longe.

Benjamin parecia tão feliz com tudo o que estava acontecendo, que eu me peguei ficando animada junto com ele. Trocamos nossos números de celular enquanto saíamos do café e nos abraçamos apertado na despedida. Enquanto ele se afastava pela calçada, em direção ao final da rua, eu observei as suas costas por um tempo enquanto sorria.

Então, num estalo, aquela sensação veio como um raio me atingindo.

Todas as lembranças de seis anos atrás, que eu empurrei para o fundo da minha mente durante todo esse tempo, tomaram conta dos meus pensamentos.

Benjamin já havia sumido da minha vista quando senti minhas pernas tremeres e engoli em seco. Minha mente nublou e eu andei a passos rápidos até o estacionamento onde havia deixado o meu carro, que havia sido transportado até aqui há alguns dias. Tentei me distrair com tudo o que eu via pelo caminho: os arranha—céus, os carros, as buzinas, as pessoas, as vozes. Olhos verdes.

Quando entrei em meu carro e joguei a bolsa no banco de passageiro, soltei todo o ar que havia prendido sem perceber. Respirei fundo, apoiando minha testa no volante e abraçando a mim mesma.

— Esqueça, Allison – sussurrei para mim mesma.

Ver Benjamin havia sido reconfortante e infernal ao mesmo tempo. A vontade de lhe perguntar sobre tudo o que eu queria esquecer era quase sufocante, mas eu não poderia. Pensar em tudo aquilo novamente, cogitar a ideia de trazer todas as lembranças à tona, era enlouquecedor.

Meu celular tocou indicando novas mensagens. Peguei o aparelho com mãos trêmulas e suspirei ao ver que eram mensagens de Cameron.

Era nele que eu tinha que focar agora. Apenas Cameron importava.

Eve ria de mim enquanto jogava alguns legumes dentro da panela. Revirei os olhos, bebendo um gole do meu vinho e olhando-a sobre o balcão da cozinha.

— Eu sabia que isso poderia acontecer! – disse risonha. – Admito que foi a primeira coisa que passou pela minha cabeça quando você avisou que viria.

— E eu admito que isso nem se passou pela minha cabeça – resmunguei. – A vida é uma cretina.

— Mas olhe pelo lado bom... – Ela sorriu para mim enquanto cozinhava. – Benjamin é um cara legal.

— Uau. – Arqueei uma sobrancelha, desacreditada. – Há seis anos não era isso que Eveline Walker dizia sobre Benjamin O'Neil.

— Isso foi antes do posto de "babaca da história" ser passado para o Daniel – ela falou automaticamente, em seguida me olhando em alerta.

Desviei o olhar do dela, sentindo meu peito apertar com a menção do nome que eu mais tentava evitar, mas disfarcei. Bebi mais um gole do vinho, desviando o olhar para um ponto qualquer da cozinha.

— Enfim, de qualquer forma pode ser bom para você ter a presença de Benjamin aqui. Vocês se tornaram amigos, no fim das contas, não é?

— Sim – respondi baixinho. – Eu gosto dele. Fiquei feliz por vê-lo outra vez.

— Agora, sobre o Cameron... – Eve começou e eu suspirei. – Por que eu sinto que você está em cima do muro?

— O que? – Balancei a cabeça automaticamente. – Não estou em cima do muro, eu apenas...

— Ally, por favor. – Eve suspirou, tapando as panelas e cruzando os braços, enquanto se apoiava na bancada do outro lado da cozinha e me olhava com uma sobrancelha arqueada. – Vamos ser sinceras, tudo bem?

— Sua sinceridade machuca. – Fiz uma careta e ela revirou os olhos. 

— Se machuca, é porque a minha sinceridade está correta – ela disse. – Você não o quer aqui.

— É claro que quero! – Ralhei. – Estamos juntos há dois anos, Eve. É de se esperar que fiquemos juntos, apesar de qualquer coisa.

— Apesar de qualquer coisa? – Ela riu sem humor. – Você não é obrigada a aturar as atitudes dele só porque estão juntos há algum tempo, Allison.

— Ele não é ruim, Eve – falei, suspirando. – Você não o conhece como eu.

— Conheço o suficiente para saber que ele é um idiota e não a merece. – Ela andou até a bancada e pegou uma das minhas mãos, enquanto abaixava o tom de voz. – Ally, por favor, pense direito. Depois do que ele fez com você, quer mesmo aceitá-lo de volta?

— Eu fui uma idiota, fui embora logo após ele me pedir em casamento – falei enquanto levava a taça aos lábios. – Fui insensível, deveria ter...

— Você sabe que não estou falando disso.

Fiquei com a borda fria da taça encostada em meus lábios, enquanto eu e Eve nos olhávamos profundamente. Ela parecia me analisar minuciosamente e eu comecei a ficar estressada. Eu odiava isso, odiava essas conversas.

— Já faz um ano, Eve – resmunguei, bebendo um pouco do vinho. – Ele prometeu que não faria novamente, eu o perdoei e tudo voltou a ficar bem. Fim da história.

— É claro. – Ela revirou os olhos, soltando minha mão e voltando às panelas. – Porque a promessa de um traidor é, definitivamente, muito confiável.

— Ele estava confuso...

— Allison... – Eve me olhou impaciente. – Antes uma traição fosse o maior dos problemas. Ele já fez coisa muito pior. Pelo amor de Deus, pare de defendê-lo! Você é melhor do que isso.

— Você arruma um jeito de ofendê-lo sempre que é possível! – Reclamei, largando a taça sobre a bancada e ficando de pé. – Eu sei as merdas que ele fez, Eveline! Fui eu que aturei cada uma delas, mas eu sei que ele me ama e sei que posso ser feliz com ele! Por que você insiste que não?!

Eve ficou apenas me observando em silêncio, enquanto eu bufava e saía às pressas da cozinha. Esbarrei em Jack no caminho, que vinha ver o que estava acontecendo com uma expressão assustada.

Entrei no quarto e tranquei a porta atrás de mim. Fui até o banheiro e lavei o rosto. Minhas mãos tremiam. Sequei o rosto e olhei meu reflexo. Meus olhos estavam vermelhos e o lábio inferior tremia um pouco.

Minha respiração irregular e o coração acelerado só comprovavam o quanto aquele assunto me atormentava.

Eu não poderia chorar. Se o fizesse, só iria confirmar tudo o que Eve dizia. Respirei fundo e deitei na cama, sentindo tudo rodar ao meu redor. Duas taças de vinho eram o suficiente para me deixar tonta.

O silêncio tomou conta do quarto. Tudo o que eu ouvia era o barulho baixinho da comida sendo feita, do jogo de basquete que passava na TV da sala e dos carros passando na rua, a quatro andares abaixo de nós.

Fiquei observando o teto branco acima de mim, tentando voltar à sobriedade. Joguei todas as lembranças ruins para o fundo da mente, tentando me poupar de tudo aquilo. Da dor, da decepção e do medo que eu ainda sentia.

Minutos depois, caí no sono e sonhei com as luzes da cidade e com uma mão quente e familiar segurando a minha.


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