Collide I e II [Degustação] escrita por Allie Próvier


Capítulo 2
2. Píer 39




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CAPÍTULO 2

"Ela nunca se apaixonou por alguém só para se divertir."

Mumm-Ra – Lizzy Lu

Voltamos ao momento absurdamente constrangedor do início.

Você deve estar se perguntando como eu pude ser tão idiota ao descrever uma pessoa real, não é? Bem, devo usar a desculpa de que em momentos de desespero nós só fazemos besteiras. E eu sou especialista nisso, mesmo quando não estou desesperada.

Por isso, sem pensar nem um pouco no que estava fazendo, eu simplesmente segurei Daniel pelo pulso e falei:

— Venha comigo.

E ele foi, é claro, porque deve saber que com gente louca não se discute. Principalmente com uma que diz que é sua namorada, quando você provavelmente nunca a viu na vida. Eu o arrastei até o estacionamento do colégio em silêncio, mas com a mente à mil. Como eu resolveria isso de uma forma que não parecesse patética?

Continuei puxando-o até o estacionamento, em uma área próxima ao meu carro, e pude ver Eve dentro do veículo esticando o pescoço para nos enxergar melhor enquanto fazia uma expressão confusa. Ela me daria um tapa quando soubesse dessa confusão toda.

— Então... eu acho que eu te devo uma explicação – falei, parando de frente para Daniel.

Ele ainda me olhava confuso, mas não parecia que iria correr. Ele parecia ser tão tranquilo... será que não ficaria com raiva de mim? A última coisa que eu precisava era do meu namorado fictício, mas não tão fictício assim, com raiva de mim antes mesmo de saber o meu nome.

— Acho que eu mereço uma – ele respondeu.

Comecei a narrar todo o drama de minutos atrás, mas ocultei o nome de Benjamin. Falei apenas que Yui e Jane haviam descoberto a pessoa por quem eu era apaixonada e eu precisei inventar algo, porque ninguém poderia saber daquilo. Caso contrário, eu viraria motivo de piada e muito provavelmente seria caçada pela namorada do cara. E, por fim, expliquei porquê eu havia usado Daniel como modelo para o meu suposto namorado:

— Você estava bem próximo e eu só comecei a falar, então... – Suspirei pesadamente. – Me desculpe, eu não queria que tudo acabasse nessa confusão.

— Entendi – ele murmurou, olhando para o gramado abaixo de nós e com as mãos nos bolsos do casaco cinza que vestia. – Então, você precisava de um álibi?

— Sim.

Meu olhar captou Eve quase dando cambalhotas dentro do carro, com o rosto colado no vidro tentando entender o que estava acontecendo entre nós dois. Arregalei levemente os olhos para ela, tentando indicar que ficasse quieta e esperasse.

— Eu posso fingir ser o seu namorado, se você quiser – Daniel disse, fazendo-me voltar a olha-lo rapidamente. — Eu sei como Yui e Jane são insistentes. Posso fazer esse favor para você.

Arregalei os olhos, sem acreditar. Tão fácil assim? Ele sorriu levemente para mim, fazendo o cantinho dos seus olhos verdes repuxarem. Ele era mesmo bonito, como eu nunca havia reparado antes?

— Isso é sério?! – Sorri de orelha a orelha. – Seria ótimo! Quero dizer... apenas por um tempo, até elas se convencerem de que eu não estou apaixonada pelo Benj... o cara.

Acho que Daniel percebeu qual nome eu diria, mas disfarçou. Sorrimos levemente um para o outro, firmando o combinado com um aperto de mãos. De repente algo passou pelo seu olhar e sua expressão antes gentil se tornou... maliciosa? Seu sorriso definitivamente parecia diferente.

— Mas eu vou querer algo em troca, é claro – ele disse, com um tom de voz diferente de antes. — Não vou trabalhar de graça.

Um arrepio subiu pela minha espinha e não porque, de repente, sua voz dele ficou muito rouca e sexy. Definitivamente algo havia mudado em seu olhar. Mordi o lábio inferior, confusa com tudo aquilo e sem coragem de questionar do que diabos ele estava falando.

— Claro, isso é mais do que justo – murmurei, estalando meus dedos das mãos uns nos outros de forma ansiosa. – O que irá querer?

— Eu vou pensar a respeito e depois te aviso.

Eu apenas assenti, desejando mentalmente que ele não pedisse para ver o meu sutiã ou qualquer coisa assim. De repente ouvimos vozes animadas atrás de nós. Eram Yui, Jane e seus outros amigos. Benjamin e Mia estavam no meio deles. Olhei para Daniel, sentindo o meu coração prestes a pular pela garganta. Ele sorriu de lado e deu um passo em minha direção, colocando as mãos em minha cintura. Tive que levantar o rosto para conseguir olhar em seus olhos, totalmente confusa com a sua atitude.

— Namorados, certo? – ele sussurrou.

Eu apenas concordei, entorpecida e confusa demais para proferir qualquer palavra. Quando eu menos esperava, os seus lábios já estavam sobre os meus. Uma de suas mãos veio ao meu rosto e ele o acariciou delicadamente. Foi um beijo singelo e rápido, mas foi suficiente para me fazer petrificar bem ali, no meio do estacionamento.

Logo ele separou os nossos lábios e deu um beijinho em minha testa, olhando sutilmente para o grupo atrás de mim.

— Até amanhã, Ally.

Eu não sei quanto tempo passou desde que ele parou de me beijar e foi para o outro lado do estacionamento, onde seu carro estava. Apenas sei que acordei do transe quando ouvi Eve berrando o meu nome com uma intensidade que me assustou.

Abracei minha mochila contra o peito e andei rapidamente até o carro, com os olhos arregalados e os lábios formigando. Me joguei atrás do volante, sentindo o meu coração prestes a sair pela boca.

— O que foi aquilo? – Eve perguntou, com seus olhos esverdeados arregalados em minha direção. – Por que você estava com o Sullivan? Por que vocês conversaram por tanto tempo? E por que ele te beijou?! – Sua voz ia ficando mais alta a cada pergunta. – Oh, meu Deus! Ele te pediu em namoro, Ally?! Oh, meu...

— Eve – eu a interrompi, levantando uma mão no ar e quase sem voz. – Em casa eu explico.

Ela me olhava totalmente confusa, mas apenas assentiu enquanto eu recuperava o ar e ligava o carro. Voltamos para a casa em silêncio, cada uma com seus próprios pensamentos.

Ah, droga, esse plano não me parecia mais uma boa ideia...

Eveline Walker não parecia nem um pouco convencida.

— Você acha mesmo que isso vai dar certo? Quero dizer... você é uma garota sensível, Ally. Se apega muito fácil às pessoas. Daniel pode parecer um cara tranquilo, mas tem algo estranho nele.

Eu fiquei apenas olhando para Eve em silêncio. Provavelmente a minha expressão não era das melhores, considerando que eu estava exausta e me empanturrando de pipoca com calda de chocolate. Estávamos deitadas no sofá da sala, assistindo a um filme qualquer na TV, ambas vestindo pijamas quentinhos e meias coloridas. Eve usava uma touca preta com grandes olhos desenhados que estavam começando a me assustar.

Porém, não me assustavam mais do que o momento atual da minha vida.

— À essa altura eu não posso reclamar, Eve. – Suspirei. – Ele aceitou me ajudar, mesmo após ser envolvido nessa história sem querer. Se ele for um babaca, eu dou um jeito de resolver a situação.

— Como se você fosse a melhor pessoa do mundo para resolver algo... — ela resmungou, levando algumas pipocas a boca.

— É sério, eu não acho que vai dar errado. – Dei de ombros. – É só por um tempo, até aquelas duas insuportáveis se convencerem disso. Depois "terminamos" porque não combinamos mais ou algo do tipo.

— E você acha mesmo que vai conseguir não se apegar? – Eve me olhou descrente. – Ainda mais considerando todo aquele "pacote".

Nos entreolhamos com um sorrisinho sugestivo e eu assenti.

— Realmente eu tenho que tomar cuidado, porque ele é... – Deixei a frase no ar, suspirando outra vez ao lembrar dos olhos verdes e o sorriso estarrecedor do Sullivan. – Mas eu estou apaixonada pelo Benjamin há dois anos, não será de uma hora para outra que eu vou gostar de outro tão facilmente.

Eve fez uma careta para mim, fazendo-me rir. Ela nunca havia gostado de Benjamin e deixava isso bem claro.

— Que merda, Ally – ela murmurou.

Respirei fundo pesarosamente. Sim, que merda.

No dia seguinte eu cheguei no colégio totalmente tensa.

Não sei porquê, mas tentei parecer mais bonita. Talvez porque se o Daniel vai ter o trabalho de fingir ser o meu namorado então eu, ao menos, devo parecer atraente, certo? Não que eu não fosse bonita ou não me arrumasse, mas...

— Allison... – duas vozes conhecidas cantarolaram juntas.

Um frio percorreu a minha espinha e eu olhei para trás lentamente, com medo do que estava por vir. Parte do meu tronco ainda estava quase enfiado dentro do armário, tentando me esconder de mais problemas. Mas, é claro, eles me perseguem.

— Nós vimos o beijo de ontem – Yui falou, apoiando uma mão no armário ao meu lado e me encurralando enquanto sorria provocadoramente. – Logo o Daniel? Nunca imaginamos isso.

— Vocês o conhecem? – perguntei receosa.

— É óbvio – Jane disse, arqueando uma sobrancelha e me olhando como se eu fosse uma idiota. – Somos amigas de todos do time, esqueceu?

São amigas de todo do... ah, que ótimo. Daniel faz parte do time de basquete do colégio, ele é um dos Lions. Como eu nunca havia percebido isso antes? Estava tão cega assim?

— Ah, é verdade. – Sorri duramente, tentando disfarçar meu desespero interior.

— Então, já que agora todos sabem que vocês estavam namorando escondido, vocês irão se assumir? – Jane perguntou, dessa vez animada.

"Agora que todos sabem..." Eu imagino o quanto a fofoca rodou por esse colégio até agora. Qual é o problema dessas garotas? Por que toda essa animação? Olhei para elas sem entender, mantendo o sorriso forçado no rosto. Yui revirou os olhos e riu como se pensasse: "Oh, sua bobinha!".

— Vão mostrar que estão namorando, certo? Não precisam mais se esconder agora – Yui disse. – Mãos dadas, beijos, abraços, almoçar juntos... essas coisas. Vocês realmente formam um casal bem bonitinho, sabia?

Elas sabiam. Deveriam saber, ou ao menos imaginar, que havia algo errado nessa história e estavam tentando me testar com aquela falsa simpatia e aqueles sorrisos cínicos. Eu abri a boca para dar qualquer desculpa para sumir dali, mas o olhar delas desviou para o corredor atrás de mim. Elas sorriram maliciosamente e foram embora para o outro lado do corredor, me mandando beijinhos no ar. Algo não estava certo.

Senti uma mão segurar o meu pulso delicadamente e escorregar para baixo, entrelaçando seus dedos nos meus. Foquei meu olhar nas mãos unidas e o subi lentamente, me deparando com Daniel.

— Bom dia, namorada – Daniel disse com um sorriso irônico.

O olhei de forma cortante e abri a boca para responder, mas a voz não saiu. O dia já havia começado de forma excelente. Me pergunto o que mais pode acontecer para melhorar ainda mais.

— Bom dia – murmurei, virando para o meu armário novamente para procurar o livro de matemática.

Sua mão soltou a minha e ele se encostou no armário ao lado do meu, me observando com aquele sorriso irritante enquanto cruzava os braços numa postura relaxada.

— Se ficar com essa careta todos irão pensar que o novo casal já está em crise.

— Todos já sabem?

— É óbvio. Parece que Yui até tirou uma foto nossa ontem e espalhou para o colégio inteiro, falando algo sobre "o novo casal fofo e improvável".

Suspirei, começando a ficar preocupada. Isso é exposição demais. Eu não gosto desse tipo de coisa e já é constrangedor o suficiente só pelo fato de eu nem conhecer Daniel direito.

— Fique tranquila – ele falou baixinho, segurando a minha mão de forma cuidadosa novamente. – Qualquer coisa deixe comigo. É só por um tempo, de qualquer forma. Não é?

— Sim.

Ficamos nos olhando por alguns segundos antes de eu quebrar o contato visual. Ele conteve um sorriso. Guardei o meu livro na bolsa utilizando uma mão só, já que a outra ainda era segurada por Daniel.

Ele não a soltava e eu também não o fazia, não sei porquê. Quando fechei o armário, fui surpreendida pelos braços dele ao redor dos meus ombros. Meu rosto afundou em seu peito e o seu perfume me atingiu em cheio. Ele beijou o topo da minha cabeça e sorriu, segurando minha mão novamente enquanto íamos para a aula de matemática.

Pude sentir os olhares em nossas costas.

— Tenho que te dar algumas aulas de atuação – ele sussurrou enquanto piscava um olho para mim.

Apenas balancei a cabeça, confusa e desnorteada demais com a sua atitude para conseguir responder. Mas, ainda assim, controlei um sorriso patético que quis se formar em meus lábios.

Eve colocou sua bandeja sobre a mesa do refeitório, na nossa frente, e sentou-se sem modos algum enquanto tagarelava:

— Que história é essa de que vocês foram vistos em um momento extremamente íntimo no meio do corredor, com a presença de muitas mãos em lugares inapropriados e línguas travando uma árdua batalha?

— O quê? – Eu e Daniel perguntamos juntos.

— Foi o que eu pensei. – Eve riu. – Como essas pessoas gostam de inventar coisas, não?

Ela balançou as sobrancelhas para nós sugestivamente. Daniel riu, enquanto eu me limitava a revirar os olhos.

— Como está sendo o primeiro dia de namoro? – ela continuou o assunto, dando uma mordida em sua maçã. – Deve estar indo muito bem para estarem almoçando juntos.

— Foi uma ideia da Yui, na verdade. – Bufei. – Ela começou a falar sobre agirmos como namorados agora que todos já sabem que estamos juntos. E ela está sempre por perto nos analisando como uma águia.

— Quer que eu conversa com ela? Garanto que ela vai parar com isso rapidinho. – Eve sugeriu, fazendo-me negar veemente. – Seria apenas uma conversinha...

— Eu conheço a sua "conversinha", Eve.

Ela riu e deu de ombros, com aqueles olhos brilhando diante da possibilidade de criar uma confusão e colocar medo nos dois zangões de Mia Campbell.

— Não entendo a graça em importuná-la com isso — Eve falou.

— A graça é poderem ter certeza que eu sou apaixonada por "você-sabe-quem" e sair espalhando para todo mundo. É por isso que elas estão agindo assim.

— Se você ao menos disfarçasse, Ally... – Eve revirou os olhos. – Você o olha como se ele fosse um pedaço de picanha passeando pela quadra, estou impressionada que ninguém mais tenha percebido.

— Ah, então ele faz parte do time? – Daniel perguntou, só então se manifestando na conversa e sorrindo para mim com a grande descoberta.

Merda, Eve!

Arregalei os olhos para ela, tentando parecer ameaçadora enquanto ela ria de mim.

— Você não contou para ele? – Ela continuou rindo, balançando a cabeça em descrença. – Vocês são engraçados.

— Fico feliz que sejamos o motivo de suas gargalhadas, querida. – Sorri falsamente, enquanto ela me mandava um beijinho no ar. – Mas por favor, vamos ser mais discretas, ok?

Daniel nos observava com uma expressão divertida. No fundo eu senti pena por ele estar almoçando conosco, afinal, eu e Eve não calamos a boca e os assuntos sempre são totalmente aleatórios e estranhos. Mas até que ele aguentou bem e garantiu que estava confortável ali.

Alguns de seus amigos passaram por nós e o cumprimentaram. Tive que ser apresentada como a namorada dele, sob os olhares insistentes de Yui e Jane do outro lado do refeitório.

No fim do intervalo, Eve foi a primeira a levantar e ir embora já que teria um trabalho para apresentar no próximo tempo. Eu e Daniel continuamos sentados para esperar o refeitório esvaziar. Todos queriam sair ao mesmo tempo e congestionavam a saída.

— Quer ir comer algo hoje depois das aulas? – Daniel perguntou.

— Não precisa me aturar fora daqui, Daniel.

— Eu sei, mas seria bom ter companhia. – Ele deu de ombros. — E precisamos nos conhecer melhor também.

Fiquei observando-o por alguns segundos, em dúvida se aceitava ou não o convite. Eu não sei se ele está me chamando porque realmente quer sair comigo ou por educação. De qualquer forma não seria nenhum sacrifício. Eu estava aprendendo a gostar dele... ele se mostrou bem mais legal do que eu imaginava.

— Tudo bem – falei. – Mas vamos no seu carro ou no meu?

— Podemos ir no meu.

Concordei enquanto nos levantávamos e pegávamos as nossas mochilas. A quantidade de pessoas saindo do refeitório já havia diminuído.

Eu teria que lembrar de mandar uma mensagem para Eve para perguntar se ela gostaria de ir comer algo conosco, ou se preferiria voltar para a minha casa e levar meu carro para mim.

— Tem certeza de que não quer ir conosco? – eu perguntei pela quarta vez, ainda segurando as chaves do carro fortemente entre os meus dedos.

Eve me olhava com uma expressão entediada enquanto mantinha a sua mão estendida para eu lhe entregar as chaves.

— Está com medo de ficar sozinha com ele?

— Não é isso... – murmurei. – Mas...

Eve revirou os olhos e pegou as chaves da minha mão rapidamente, me dando um beijinho na bochecha em seguida.

— Se divirta! – ela cantarolou enquanto caminhava em direção ao meu carro. – E lembre-se de usar camisinha!

Passei as mãos no rosto, torcendo para que Daniel não tivesse escutado aquilo. Mas quando algum desejo meu se realiza? Assim que virei, vi o mesmo encostado no capô de seu carro com os braços cruzados e um sorriso idiota no rosto. Ele balançou as sobrancelhas para mim, enquanto eu passava por ele e me enfiava no banco de passageiro. Logo ele sentou atrás do volante e colocou seus óculos escuros. Fiquei observando-o quando ele distraidamente começava a dirigir.

Ele era mesmo bonito. Perigosamente bonito.

Na hora de olhar para os dois lados da rua para ver se não vinha carros, o seu olhar acabou cruzando com o meu. Fui pega no flagra. Tentei disfarçar olhando para o teto e depois para alguns chaveiros que estavam pendurados no espelho retrovisor. Pude perceber ele sorrindo pela minha visão periférica.

— Estou apaixonada – falei, olhando cada bonequinho que havia pendurado no espelho.

— Por mim?

— Não, por ele. – Mostrei o chaveiro de extraterrestre, todo verdinho, magro e com grandes olhos escuros. – Onde comprou?

— Em alguma loja perto da baía. Pode ficar para você, se quiser.

Larguei os chaveiros e neguei com a cabeça. Talvez eu fosse até a tal loja procurar por um igual. Eu acho que já sabia qual era, provavelmente era a mesma onde eu sempre comprava presentes para a Eve em seus aniversários.

Não demorou até chegarmos ao nosso destino final. Eu pensei que ele iria me levar em alguma das lanchonetes que haviam perto do colégio, onde os alunos costumam ir sempre, principalmente o pessoal do time e seus seguidores.

Porém, Daniel dirigiu até o Píer 39, um complexo onde haviam várias lojinhas e restaurantes de frente para a baía.

— Abriu um lugar legal aqui e eu gostaria de conhecer, pode ser? – ele perguntou.

Agora que já estamos aqui é que ele me pergunta? Sorri e apenas assenti. Saímos do carro e caminhamos pelo Píer à procura do lugar ao qual ele se referia. Já fazia um tempo que eu não vinha ao Píer, desde que uma sorveteria que eu e Eve adorávamos fechou. Havia alguns estabelecimentos novos, mas a melhor parte ainda estava por vir.

Eu pude ouvir o barulho e sentir o cheiro se longe.

— Meu Deus, como eles fedem – Daniel resmungou ao meu lado.

Andei rapidamente até a orla do Píer e me apoiei na cerca de proteção, olhando para os leões-marinhos aglomerados na água abaixo de nós. Sorri animada. Sim, eles fediam um pouco, mas não me impedia de amá-los. Desde que eu era pequena a minha maior diversão era assisti-los, tão livres na natureza e tão pertinho de mim.

Um deles deu uma patada na cara do outro, grunhindo incomodado com a invasão de seu espaço. Depois ele rolou na pedra e ficou com a barriga para cima pegando sol.

— Aquele ali é igualzinho a você. – Daniel apontou para o que eu observava, que estava com a barriga para o sol. – Parece seu irmão gêmeo.

Revirei os olhos e apontei para um leão-marinho irritado que empurrava o outro.

— E aquele é você – falei. – Adora implicar com os outros à toa.

Daniel sorriu para mim, todo descontraído com os cotovelos apoiados na cerca de madeira.

— Só você tem esse privilégio. – Ele piscou.

— Eu me sinto honrada – falei, forçando um sorriso e colocando uma mão sobre o peito esquerdo. – Obrigada!

Ele riu e então resolvemos andar entre as lojas. Ele me levou até uma sorveteria e eu pude imaginar meus olhos brilhando. Meu Deus, eu não sabia que haviam aberto outra. O lugar estava realmente novo e era todo decorado em tons pastéis. Eve adoraria esse lugar.

No balcão havia uma vitrine com diversas opções de sorvete e Daniel também parecia entusiasmado. Escolhemos os sabores que queríamos, com biscoitos, caldas e tudo a que tínhamos direito, e sentamos em uma mesa do lado de fora sob a sombra. O dia estava bem fresco, como de costume, e mesmo fazendo sol eu não me senti incomodada por usar casaco. Essa era uma das melhores coisas em São Francisco.

Havia muitas pessoas passeando pelo Píer nesse dia, mas não tantas quanto costumava haver nos finais de semana. Fiquei observando distraidamente os rostos desconhecidos passarem, até que ouvi Daniel chamar meu nome.

— Vamos jogar – ele disse. – Jogo de perguntas, que tal?

— Para nos conhecermos?

— Sim, afinal, agora você é minha namorada. – Um sorrisinho se formou em seus lábios.

Ele realmente gostava de ficar repetindo isso. Talvez fosse como eu: não teve uma namorada até hoje e esse namoro de mentira está fazendo-o se sentir realizado. Se for isso eu me sentiria menos idiota com essa situação, com certeza. Seria bom sentir que estava ao menos fazendo uma boa ação ou algo do tipo.

— Certo – murmurei. – Qual é a sua cor preferida?

— Branco. E a sua?

— Azul. Comida preferida?

— Hambúrguer. E a sua?

Revirei os olhos, tentando conter um sorriso. Hambúrguer nem pode ser considerado comida, mas deixei passar.

— Eu amo macarrão – respondi. – Agora é a sua vez de fazer uma pergunta de verdade, você só replicou as minhas até agora.

Ele sorriu como se tivesse sido pego. Olhou para as pessoas que passavam por alguns instantes, enquanto comia mais uma colher de sorvete.

— Qual é o seu sonho? – ele perguntou.

— Viajar o mundo – respondi prontamente. – Conhecer as diversas faces do planeta, essas coisas. E o seu?

Ele pareceu pensar um pouco e, por fim, sorriu levemente enquanto olhava para o céu.

— Ser abduzido por extraterrestres – ele respondeu.

Eu gargalhei e ele me acompanhou. Joguei um pedaço do meu biscoito mordido na direção do seu rosto e ele pegou no ar, mastigando-o em seguida.

— Esse é um dos meus sonhos também. – Sorri. – Seria um resgate incrível. Com certeza eles são melhores do que as pessoas daqui.

— Agora a pergunta de um milhão de dólares... – ele disse de repente, ajeitando sua postura na cadeira e apoiando os cotovelos na mesa, deixando o sorvete de lado.

Seu rosto ficou mais próximo do meu. Eu arqueei uma sobrancelha, rindo do mistério que ele fazia, mas sentindo o meu corpo inteiro se arrepiar como se pressentisse o perigo. Então, como uma bomba sendo jogada sobre mim, a pergunta veio:

— O cara por quem você é apaixonada é Benjamin O'Neil?


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