Collide I e II [Degustação] escrita por Allie Próvier


Capítulo 1
1. Tornado




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CAPÍTULO 1

"Era disso que Dorothy tinha medo,

o tornado traiçoeiro."

Bridgit Mendler – Hurricane

Eu criei expectativas em relação a adolescência durante muito tempo. Porém, ninguém me contou sobre as situações absurdamente constrangedoras.

Todos me falaram sobre as festas e os garotos bonitos, é claro. Também falaram que seria mais puxado e eu estaria cada vez mais próxima da decisão final, que é decidir o que eu quero ser nessa vida caótica. E, claro, eu passei todos os meus 17 anos de vida assistindo a filmes suficientes sobre o high school para saber que eu teria que aguentar os grupinhos, os populares, as líderes de torcida, o medo de ter a reputação manchada e, com certeza, um cara absurdamente lindo pelo qual todos se apaixonam. Inclusive eu.

Mas os constrangimentos causados por isso? Nada. Ninguém me disse nada, mas eu deveria imaginar. Talvez esteja confuso... Deixe-me voltar ao começo desse lindo e desastroso dia, para esclarecer o motivo de eu desejar desesperadamente cavar um buraco e sumir desse planeta.

Para começar, o sol estava radiante hoje. Estando em São Francisco, na Califórnia, isso não é algo surpreendente. Eu acordei animada, como de costume, já que havia conseguido terminar a minha coluna semanal para o jornal da escola. Na semana passada, como eu havia abordado a problemática dos grupinhos seletivos e patéticos do colégio e isso fez todos se revoltarem contra mim – como se eu tivesse dito alguma mentira –, o professor Harris, responsável pela equipe, pediu educadamente para que eu escrevesse algo mais "leve" nessa semana.

Então, eu tive que dar adeus ao meu rascunho sobre o tamanho das saias das líderes de torcida – que estavam a cada dia mais curtas, indo totalmente contra as regras do colégio e fazendo com que os garotos do time de basquete as tratassem como objetos, logo acreditando que todas as garotas do colégio poderiam ser tratadas igual – e comecei a escrever sobre as sobremesas sem graça que ofereciam no almoço. "QUEREMOS SABORES DIGNOS", o título dizia. Era quase um manifesto, mas procurei ser bem sensata e controlada como o Sr. Harris pediu.

Olhei o rascunho sobre as saias amassado no chão, ao lado da lixeira. Mordi o lábio inferior indecisa, e por fim, decidi pegar o papel de volta e guarda-lo. Logo eu teria a oportunidade de publica-lo, quando os alunos parassem de me encarar como se eu tivesse alguma anomalia genética... Ou como se tramassem me sequestrar e me jogar na baía de São Francisco com pesos amarrados nos pés.

Quando eu passei na casa de Eve — minha melhor amiga — para lhe dar carona, ela apareceu com a sua habitual expressão de sono e se jogou no banco de passageiro.

— Bom dia! – Sorri abertamente enquanto colocava o carro em movimento. – Dormiu bem?

— Ally, por favor... – ela murmurou. – Não fale comigo até a terceira aula.

Revirei os olhos e ri enquanto Eve se acomodava no banco para dormir novamente. Tive que sacudir o seu ombro algumas vezes quando chegamos ao estacionamento do colégio para que ela acordasse. Muito a contragosto ela saiu do carro e fomos para a primeira aula.

Uma vida normal, tranquila. Uma melhor amiga, uma ocupação no jornal da escola, uma mãe que mal para em casa por causa do trabalho e uma ou duas espinhas que apareciam ocasionalmente na minha testa. E, é claro, não podia faltar a razão do grande problema...

Benjamin O'Neil era o típico líder do time de basquete que fazia sucesso até mesmo entre as professoras mais velhas. Quando ele passava, era como se tudo ficasse em câmera lenta. Alto, porte atlético, sorriso fácil e contagiante, olhos verdes e brilhantes, um bom humor irresistível e cabelos loiros sempre bagunçados.

Eu não o culpo por causar problemas às pessoas. Só Deus sabe o problema no qual eu me meti por causa dele. E, claro, por causa de seu perfume inebriante que me envolveu inteira ao passar por mim no corredor naquela manhã. Suspirei ao vê-lo ir em direção à Mia Campbell, sua namorada há mais de um ano. Obviamente, ela era líder de torcida. Os dois se enroscaram um no outro sedentos e eram só mãos e línguas no meio do corredor.

— Eles me dão nojo – Eve resmungou impaciente ao meu lado, logo gritando: – Arrumem um quarto, pelo amor de Deus!

Arregalei os olhos quando Eve gritou a última frase e todos os olhares caíram em cima de nós duas. Eu sorri totalmente sem graça, enquanto ela revirava os olhos e ia para a sala da segunda aula. Percebi Benjamin olhando para Eve com uma expressão confusa e em seguida seu olhar cruzou com o meu. Ele deu um sorriso torto e piscou um olho para mim, logo voltando a dar atenção à sua namorada e seus amigos.

Meu coração acelerou com aquela mísera atenção e eu sorri involuntariamente. Quando percebi duas amigas de Mia me olhando de forma desconfiada, eu tentei disfarçar e fui atrás de Eve, que já estava a metros de distância.

Completaria dois anos que eu era apaixonada por Benjamin e a única pessoa que sabia disso era Eve. Se alguém mais descobrisse, bom... isso seria um problema. Minha reputação nesse lugar já estava manchada o suficiente para eu ficar conhecida como a pobre coitada que era apaixonada pelo cara mais inacessível e desejado do colégio. Eu realmente não queria dar mais motivos para apontarem o dedo para mim.

Tive uma reunião com a equipe do jornal após as aulas. Apresentei o meu manifesto contra sobremesas ruins ao Sr. Harris e ele me olhou de forma estranha depois que leu. Talvez tenha achado que os alunos haviam batido na minha cabeça para eu ter aparecido com algo como aquilo tão de repente. Ainda assim, ele aprovou o artigo. Afinal, era um assunto bem comentado entre a escola e todos concordavam que as sobremesas estavam ficando cada vez piores.

E claramente o Sr. Harris achava que uma reclamação sobre as sobremesas era melhor do que uma rebelião contra mim pelos corredores. Eu não concordo, mas não posso reclamar, então...

A reunião terminou alguns minutos depois. Quando saímos da sala, encontrei Eve sentada e ouvindo música no corredor. Ela geralmente me esperava para voltarmos juntas para casa.

— Ainda está cheio de gente aqui – falei, vendo o corredor mais cheio do que o habitual nesse horário, já que as aulas já haviam acabado.

— É porque vai ter treino do time hoje, estão todos indo para o ginásio.

Olhei para Eve com um sorrisinho, sacudindo as sobrancelhas de forma sugestiva. Ela me olhou com uma expressão entediada antes de suspirar e se render. Envolvi o meu braço no seu e fomos até o ginásio que já estava cheio. Tentei olhar a arquibancada à procura de lugares vazios, mas como não fui abençoada com longas e belas pernas — tampouco uma boa altura —, tudo o que eu via eram as cabeças das pessoas.

Eve era muito mais alta do que eu, então conseguiu achar dois lugares vazios na última fileira e corremos para lá. Não era o melhor lugar do mundo para conseguir enxergar quem eu queria, mas estava ótimo. Era melhor do que assistir de pé.

— Olhe quem está ali, Eve – sussurrei, cutucando-a com o cotovelo. – O seu maior admirador.

Eve olhou para onde eu indicava e viu Jack Smith, seu ex quase-namorado. Quando seu olhar caiu sobre ele, Eve estremeceu e fechou os olhos, balançando a cabeça negativamente. Não consegui conter a risada, nem mesmo quando ela beliscou o meu braço.

— Vocês formavam um casal lindo – cochichei contendo outra risada. – E ele ainda é louco por você...

— Ally – ela praticamente rosnou o meu nome, estreitando os olhos em minha direção e sorrindo maliciosamente. – Quer que eu diga por quem você é louca?

Revirei os olhos e bufei. Foi a vez dela de rir. Senti que estávamos sendo observadas e olhei na direção de Jack novamente, flagrando o seu olhar sobre nós. Ele sorriu simpático para mim e acenou. Acenei de volta, sorridente. Eve viu e fez uma careta para mim disfarçadamente. Passei o resto do tempo rindo dela e de seu mau-humor.

Jack Smith era um garoto legal. Ele realmente gostava de Eve, a não ser que continuar olhando para ela mesmo depois de o jogo ter começado signifique outra coisa.

Até hoje o motivo de Eve ter terminado com Jack era uma incógnita para mim. Um dia ela simplesmente virou e alegou que eles não iriam mais se falar e ponto final. Eu tentei esmiuçar o assunto para entender o que havia acontecido, mas ela começou a me empanturrar de pipoca doce e aumentou o volume do filme que estávamos assistindo. Foi então que eu entendi que aquela discussão estava fora de cogitação.

O treino foi divertido, como sempre. Os meninos mais brincavam entre si enquanto faziam todos aqueles arremessos e roubavam a bola uns dos outros. Meu olhar ficou todo o tempo cravado em Benjamin e na forma como o seu cabelo rebelde caía levemente sobre a testa suada, enquanto ele sorria pela quadra. Era o melhor jogador de todos, sempre acertando a cesta e sendo muito rápido.

Suspirei, me sentindo um pouco cansada. Gostar da mesma pessoa por tanto tempo e nem ao menos conseguir se aproximar dela era cansativo. Eu sempre falava com Benjamin, na verdade. Como eu era do jornal estava sempre em contato com ele, principalmente na época dos campeonatos. Eu também o entrevistei uma vez logo após ele ser nomeado o capitão do time. Se não fosse por Mia e sua carência que fizeram a entrevista acabar mais cedo, quem sabe eu não teria conseguido conquistá-lo com meu ótimo bom humor e inteligência?

Ah, Allison Jones... sonhar é tão bom, não?

— Qual o problema daquelas garotas? – Eve perguntou, me acordando dos meus devaneios e me fazendo desviar o olhar de Benjamin. – Elas não param de olhar para você.

Segui seu olhar irritado e vi que ela se referia às amigas de Mia, as mesmas que me observavam hoje no corredor. Eu não lembrava o nome delas... Yui e Jane, talvez? Era algo assim. Elas continuavam me olhando desconfiadas e, quando perceberam que eu olhava para elas também, ambas deram risadinhas uma para a outra e sorriram de um jeito esquisito.

Eve cruzou os braços ao meu lado, encarando-as com a sua expressão fechada. Eve poderia parecer inofensiva com seus cabelos loiros e escorridos, mas tinha sobrancelhas marcantes que a faziam parecer realmente ameaçadora quando estava irritada.

Yui e Jane logo pararam de me encarar e voltaram sua atenção ao jogo, talvez assustadas por causa da minha melhor amiga protetora. Eu fiquei sem entender o que estava acontecendo realmente.

— Será que elas ainda estão irritadas por causa da sua matéria sobre os grupos? – Eve perguntou.

Eu apenas neguei com a cabeça e dei de ombros, indicando que não imaginava um motivo para aquele comportamento, mas no fundo era mentira. Eu tinha certeza de que elas já haviam percebido o meu olhar de peixe morto para Benjamin. Eu só esperava que elas ignorassem.

Se tratando de mim, até parece que isso aconteceria.

Logo após o treino acabar eu fui ao banheiro. Eve foi direto para o carro me esperar porque já estava cansada. Eu estava lavando as minhas mãos quando Yui e Jane entraram no banheiro lado a lado. Elas pararam entre mim e a porta, acabando com as minhas chances de sair correndo naquele momento. Me olhavam de cima – o que não era difícil, pela minha altura – com um sorrisinho irritante cravado no rosto.

— Nós percebemos, Allison – Yui foi a primeira a se manifestar, com um tom ácido. Aquela carinha dócil de japonesa não enganava ninguém. – Logo o Benjamin, hm?

— Acho que a Mia não iria gostar de saber disso... – Jane disse, fazendo uma falsa expressão preocupada.

— Do que vocês estão falando?

Tentei fazer a minha voz parecer mais normal e tranquila possível, mas não tive sucesso. Eu era uma péssima mentirosa. Meu Deus, no que eu fui me meter?

Yui revirou os olhos, colocando as mãos na cintura e dando dois passos em minha direção enquanto eu dava dois passos para trás. Os olhos puxados e escuros me olhando de forma assustadora e o sorriso de escárnio voltando aos lábios vermelhos.

— Nós já percebemos que você está apaixonada pelo Benjamin.

Eu fiquei cerca de cinco segundos em estado de choque, apenas olhando para as duas com os olhos arregalados, até a minha mente processar a informação e começar a funcionar novamente.

— O quê?! – Eu ri, tentando transparecer uma tranquilidade que não existia dentro de mim. – De onde vocês tiraram isso? Enlouqueceram?

— Pode mentir o quanto quiser, Allison. Você não conseguirá nos enganar, está muito claro – Jane falou, revirando os olhos de forma entediada.

Balancei a cabeça fracamente, em choque, e passei reto por elas. Saí do banheiro apressadamente, mas as duas me seguiram. O corredor ainda estava cheio de gente, todos indo vagarosamente em direção à saída. Parei abruptamente ao ver a quantidade de pessoas e senti as duas esbarrarem atrás de mim. Yui puxou meu braço para que eu as olhasse.

— Eu já disse que vocês estão enganadas! – falei nervosa, tentando não gritar enquanto meu coração batia descompassado no peito. – Podem me deixar em paz?

— Não até você admitir. – Jane cruzou os braços.

Meu Deus, elas eram mais irritantes do que eu imaginava. O que elas queriam era uma fofoca, um assunto para espalhar sobre mim. Um motivo para continuarem com a raiva desnecessária após eu ter dito que as panelinhas eram ridículas e que sim, as pessoas sem personalidade própria que perseguiam os populares eram ainda mais patéticas.

Será que haviam percebido que foi uma indireta para elas também? Se sim, elas realmente eram bem mais espertas do que eu imaginava.

Mas não tanto a ponto de me fazer confessar uma coisa daquelas, não mesmo. Minha mente tinha que agir... e rápido. Um garoto passou por nós na mesma hora, rindo ao lado de um amigo. Eu o conhecia, fizemos algumas aulas juntos nos últimos anos, mas eu não lembrava o nome dele...

— Vai nos fazer esperar até quando, Allison? – Jane resmungou.

— Tudo bem, tudo bem... – Suspirei, tentando organizar os meus pensamentos. Eu já sabia o que fazer. – Eu vou contar a verdade.

Ambas me encaravam com expectativa. O olhar ansioso delas chegava a ser cômico. Me senti ridícula pelo o que estava prestes a fazer, mas não havia outra alternativa. Eu teria que apelar para uma mentirinha.

— A verdade é que já estou namorando alguém – falei baixinho, como se estivesse confessando algo enquanto as puxava para o canto da parede de forma que eu ficasse de frente para o restante do corredor, podendo ver todos que estavam ali, e elas ficavam de costas. – Mas é segredo.

As duas se entreolharam com uma expressão cética e voltaram a olhar para mim.

— Espera mesmo que a gente acredite nisso? – Yui perguntou.

— Claro, por que eu mentiria?

— E por que é segredo?

— Porque é recente. Não queremos apressar as coisas, entendem? É complicado.

As duas ficaram me olhando com o mesmo olhar desconfiado de antes e eu engoli em seco, tentando manter uma expressão neutra, confiante e sincera.

Tudo o que eu não era no momento.

Entretanto, surpreendentemente elas pareceram acreditar e me olharam com um sorrisinho sugestivo e os olhos brilhando de curiosidade. Deram leves cutucadas no meu ombro, sacudindo-se dentro de suas roupas caras e sorrindo para mim como duas menininhas de treze anos falando sobre os primeiros namoradinhos.

— E como ele é? – Jane perguntou. – É bonito? Descreva-o para a gente!

— Ah, ele... – Meu olhar captou o garoto de antes involuntariamente, que agora estava parado a alguns metros. – Ele é alto, tem cabelos escuros, olhos muito verdes, um sorriso de matar... é lindo.

Terminei a descrição com um falso sorriso animado, voltando meu olhar para elas e torcendo internamente para o garoto ir embora daquele corredor o quanto antes. Talvez eu não devesse me preocupar. Apesar de ter várias aulas com ele, eu nem ao menos lembrava o seu nome. E se eu não lembrava, Yui e Jane nem deveriam imaginar que ele existia.

A julgar pelo estilo despojado e o amigo nerd ao seu lado, ele não parecia ser do tipo que andaria com o grupinho delas. Mia, Yui e Jane eram bem específicas com as pessoas que elas tinham ao seu redor.

— Eu conheço alguém assim... – Jane murmurou pensativa.

— Não conhece, não – falei rapidamente, forçando uma risadinha. – Ele não é muito... popular.

Jane ia falar mais alguma coisa, mas eu fingi olhar a hora em meu relógio de pulso e fingi estar surpresa. Fingir, fingir, fingir. E depois fugir.

— Foi ótimo conversar com vocês, mas eu preciso ir embora agora. – Dei as costas para elas e andei rapidamente pelo corredor, sem dar tempo de me responderem.

Porém, quando eu cheguei no final do corredor, bem antes de virar para a saída e fugir daquele lugar, elas gritaram:

— Espere aí, Allison! – a voz de Yui soou como um tiro às minhas costas. – Você está namorando o Daniel Sullivan?!

Céus, quem é Daniel Sullivan? Olhei para trás confusa e logo obtive a resposta. Daniel Sullivan, o garoto que eu havia descrito para elas, me olhava assustado e confuso. Assim como todos os presentes no corredor... e não eram poucos.

Terra, por favor, me engula.

 


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