Déjà vu escrita por Paulinha Almeida


Capítulo 51
Epílogo


Notas iniciais do capítulo

Antes de começar o epílogo, eu gostaria de agradecer a todos que acompanharam DV e dizer que já tem outra história em andamento, afinal meu vício ainda não me deixou parar!
Deem uma passadinha em Segundo ato também!
(https://fanfiction.com.br/historia/722691/Segundo_ato/)
Boa leitura, nos vemos no final!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/687490/chapter/51

Harry POV

Saí do banheiro com a calça social ainda aberta e me debrucei sobre minha esposa adormecida, de costas para mim.

—Amor, acorda. - Chamei e dei um beijo em seu rosto quando se mexeu e virou para mim. - Você vai para o trabalho agora cedo? Se não for eu deixo o James na escola.

—Vou, pode deixar que eu o levo. - Negou minha oferta e jogou o edredom para o lado. - Ontem ele já estava dormindo quando eu cheguei, nem consegui vê-lo.

—Ta bom, ele já está pronto, estava tomando café quando vim te acordar.

—Esfomeado, não pode esperar dez minutos pra comermos juntos, né? - Reclamou, me fazendo rir.

Fui até o armário e continuei a me vestir enquanto ela ia até o banheiro. Poucos minutos depois, enquanto eu terminava de arrumar a cama, Ginny passou por mim e puxou seu traje monocromático de sempre de dentro do armário.

Parei atrás dela enquanto subia o zíper da calça branca, e afundei o rosto no seu pescoço.

—Tenta chegar cedo hoje, nós dois estamos com saudade.

—Vou fazer o possível. - Prometeu, se virando para mim com os braços ao redor do meu pescoço para me dar um beijo demorado.

Me afastei e sentei a cama para  esperar que ela vestisse o resto das roupas, aproveitei para contar o que a esperava no café da manhã.

—Ontem o James me pediu para passar o feriado na casa de praia de um amigo da escola, só com ele e o irmão mais velho do menino, que tem 19 anos.

Ginny me olhou desconfiada, como se fosse um pedido absurdo, o que eu concordava.

—Sem chance.

—Pois é, eu disse não, mas você sabe que ele vai pedir pra você também.

—Menino mais insistente, parece alguém que eu conheço. - Comentou penteando os cabelos, me fazendo rir. - Ele não entendeu ainda que se um falou não, o outro não vai falar sim?

James era realmente insistente, e embora seja claro para nós dois como é bom não desistir fácil das coisas, às vezes podia ser bem cansativo ter que repetir “não” por uma semana para o mesmo pedido.

Saímos do quarto juntos e chegamos à cozinha onde ele nos esperava com a expressão de melhor filho do mundo, típico de quando queria pedir alguma coisa. Me sentei na primeira cadeira disponível, mas Gin continuou até parar atrás da cadeira dele para pregar um beijo demorado em sua bochecha e afundar o rosto em seu pescoço, prendendo-o em um abraço enquanto ela aspirava o que chamávamos de “cheiro do nosso bebê”.

—Bom dia, meu amor. - Cumprimentou, fazendo carinho nos cabelos dele e finalizando com mais um beijo antes de se sentar.

—Bom dia, mãe. - Respondeu com a atenção pregada nela, empurrando uma caneca em sua direção. - Fiz pra você.

Desviei o rosto para o lado e ri enquanto ela sorria para ele e aceitava a gentileza com um olhar desconfiado.

—Você está um amorzinho hoje, Fofuxo, obrigada.

James fez uma leve careta para o apelido que ganhou apenas de pirraça por ter rido quando ouviu a avó me chamando, mas ele estava interesseiro demais para reclamar. Começamos a comer em silêncio, assistindo ao espetáculo sempre engraçado que era vê-lo escolher as palavras quando queriam-nos convencer de algo.

—Mãe...

—Oi.

—Semana que vem tem um feriado e o Alex me chamou para ir à praia com ele e o irmão mais velho dele, ele tem dezenove anos e vamos de carro, ele me busca e me traz em casa. Posso ir também? Eu queria muito.

—Não acho uma boa ideia, Jay. - Falou tranquilamente para ele.

—Mas por quê? É na mesma praia da casa da vovó, você sabe onde é.

—Eu sei onde é, mas você é muito criança pra viajar com o irmão mais velho do amigo, que quando estiver lá não vai nem lembrar que tem você pra tomar conta.

Ele fechou a cara para o termo “criança”, mas continuou argumentando.

—O John e o Sam vão, mãe.

—Eu não sou a mãe do John e do Sam, se eu fosse eles não iriam também.

Eu já tinha ouvido todos esses argumentos ontem, então nem pensei em me meter e apenas continuei comendo minhas torradas e olhando de um para o outro, dividindo a atenção entre a conversa deles e o planejamento do meu dia.

—Você deixa eu viajar com o tio Ron, o tio Mike e o tio Colin, que diferença faz eu ir com o Alex? - Teimou emburrado, cruzando os braços.

Gin rolou os olhos para ele, porque o motivo era bastante óbvio.

—O irmão do Alex não é o tio Ron, nem o tio Mike, nem o tio Colin e duvido que seja tão responsável quanto eles, James, só por isso.

—Eu vou tomar cuidado, mãe.

—James, eu sei que você vai tomar cuidado, mas você só tem doze anos e isso não é idade pra se debandar daqui para a praia praticamente sozinho. - Explicou já um pouco impaciente. - Dessa vez você não vai, se quiser convidar o Alex para ir à praia conosco na próxima vez eu falo com a mãe dele e o levamos.

—Mas eu queria ir. - Choramingou.

—Eu sei que você queria, mas eu não vou deixar você sair com uma pessoa que nem conheço e não se preocupa com você só pra fazer sua vontade.

—Mas mãe, todo mundo vai.

—Você não é todo mundo, meu amor.

—Por favor, não seja chata!

—James, não! - Negou incisiva, pondo fim à conversa.

—Você não deixa eu fazer nada! - Reclamou irritado. - Vou me matar logo, assim você não precisa mais me negar nada.

Senti o clima ficando tenso de repente e levantei a cabeça para ela, que o olhava de um jeito que me fez pensar que era hoje que ele ia levar uns bons tapas. Ele deve ter tido a mesma impressão, porque se encolheu inteiro na cadeira, amedrontado.

—Então vai, James, faz o que você quiser. - Ela disse e se levantou, deixando o café da manhã inacabado.

Acompanhei com o olhar quando minha esposa saiu pisando firme e me virei para um James completamente sem graça.

—Ela deixou, né pai? - Falou tímido.

—James, você não vai e eu não quero ouvir mais uma palavra sobre essa viagem, entendeu? - Falei sério, ele olhou para baixo.

—Tchau, amor. - Ginny apoiou a mão no meu ombro, me deu um selinho rápido e saiu de novo, pegando a chave do carro no caminho.

—Tchau, mãe. - Ele tentou se despedir, vendo que ela estava triste, mas só ganhou um aceno de costas.

Olhei sério para ele mais uma vez, tentando transmitir com o olhar o recado de que ele tinha passado do limite, e fui atrás dela. A alcancei enquanto guardava a bolsa no banco de trás do veículo, ainda parada do lado de fora.

—Ratinha, você sabe que isso é só pirraça de adolescente. - Tentei apaziguar e a puxei para um abraço.

—Eu sei, mas não gosto.

Eu entendia todos os motivos que a faziam se sentir mal por ouvir aquilo, mas James não sabia de nada e não tinha como prever que a ameaça vazia dele tinha um peso muito maior e mais significativo para a mãe. Eu não gostava de vê-la triste, mas também não gostava de vê-lo perdido daquele jeito, sem saber o que fez de errado.

—Amor, conta pra ele o que aconteceu. - Sugeri e me antecipei antes que ela negasse. - Ele já é grandinho e uma hora vai saber, assim ele pára de falar essas besteiras e entende o que fez. Eu conto se você quiser.

Ela ponderou um pouco antes de se dar por vencida.

—Ta bom, conta pra ele, então. - Pediu por fim. - Leva ele pra escola hoje pra mim?

—Levo. - Confirmei e nos beijamos antes de eu abrir porta do carro pra ela entrar.

—Ah, e hoje é o dia de pagar aquela peça de teatro na escola, dá o dinheiro para ele.

—É trinta, não é?

—Sim, mas dá cinquenta e deixa o troco, ele me pediu essa semana para comprar umas figurinhas para aquele álbum que está completando.

Segurei a vontade de rir, era engraçado como ele conseguia praticamente tudo o que queria dela.

—Tá bom, eu dou.

—Obrigada. - Ganhei mais um beijo antes que ela entrasse no carro.

—Até mais tarde, bom dia no trabalho.

—Pra você também.

Esperei Ginny sair e voltei para dentro de casa, pensando em como se conta uma coisa daquela pra uma criança, se até eu já muito adulto me surpreendi quando ouvi.

—James. - O chamei quando cheguei na sala.

—A gente já tá indo? - Perguntou, aparecendo no topo da escada escovando os dentes.

—Ainda não. - Fechei a cara pra ele. - Já falei pra não fazer isso! Termina de escovar os dentes lá no banheiro e vem aqui.

Os poucos minutos que ele demorou pra se sentar na minha frente gastei pensando mais uma vez em como eu amava a paciência que meus pais tiveram, porque segundo eles eu também fazia todas essas coisas pelas quais hoje repreendo o meu filho a cada vinte minutos para que a casa não vire um campo de guerra.

—Senta aí. - Apontei o sofá à nossa frente.

—Pai, se a gente for conversar agora eu vou chegar atrasado. - Tentou escapar de uma possível bronca.

—Eu sei, mas senta aí.

Ele fez o que eu pedi e ficou em silêncio, esperando.

—James, eu vou te contar uma coisa que aconteceu com a mamãe e que quase ninguém sabe, só eu e o tio Ron, mas agora a gente quer contar pra você também. - Ele olhou muito mais interessado depois que eu falei que a conversa era praticamente um segredo. - Ela não gosta de falar nisso e não conta pra ninguém, mas me contou e quer que você saiba também, sabe por quê?

—Por que ela nos ama igual?

—Claro que não, ela me ama muito mais! - Afirmei convencido e ele rolou os olhos para mim, numa imitação perfeita da Ginny. - Porque nós somos uma família, e família não se magoa como você fez com ela agora há pouco.

Ele pareceu envergonhado, mas não falou nada.

—Você sabe como o vovô e a vovó morreram?

—Não foi acidente de carro?

—Não exatamente, isso é o que as pessoas sabem.

—E como foi?

—A vovó morreu num acidente de carro mesmo, faz muito tempo, mas o vovô se matou depois disso.

Os olhos dele se arregalaram de surpresa.

—Se matou mesmo?

—Sim, se matou mesmo, igual você disse que ia fazer agora a pouco só porque ela te falou não por uma coisa que você mesmo sabe que não é muito viável.

As bochechas dele coraram de vergonha com a expressão arrependida que surgiu.

—Entendeu o que você fez? - Sustentei seu olhar até que concordou com a cabeça. - Você não pode falar essas coisas pra ela, filho, porque ela não ouve isso só como uma chantagem pra você conseguir o que quer.

—Ela ficou brava comigo, né?

—Ela ficou triste, porque você é a pessoa que ela mais ama no mundo e falou o que ela menos gosta de ouvir.

—Eu não estava falando sério. - Se explicou, ressentido.

—Nós sabemos, James, mas as pessoas fazem isso de verdade, então não é coisa com que se brinque.

—Desculpa, pai.

—Você não tem que pedir desculpas pra mim, tem que pedir pra ela.

—Ta.

—E James, você só sabe disso porque ela confia em você, então faça a mesma coisa que eu fiz quando fiquei sabendo: não conte para ninguém, porque isso é um assunto da mamãe e do tio Ron, não nosso.

—Claro, pai.

Olhei no relógio quando terminei minha tarefa e vi que ele já estava muito atrasado para a aula.

—Vai pegar sua mochila pra gente sair, corre.

Ele pareceu aliviado em dar o assunto por encerrado e foi literalmente correndo até o quarto, de onde voltou segundos depois com o material escolar.

Durante o percurso ele permaneceu quieto e pensativo por alguns minutos, mas o silêncio não se estendeu até chegarmos ao nosso destino.

—Pai.

—Oi.

—Agora que vocês confiam em mim, já vão me contar como foi o primeiro encontro de vocês?

Gargalhei com isso e ele me olhou esperançoso.

—Foi num restaurante, já te contamos.

—Esse foi o que o tio Colin interrompeu, quero saber do outro.

—Não tem como ter dois primeiros encontros, James.

Ele rolou os olhos para minha tentativa de desconversar.

—Então o segundo encontro.

Estacionei em frente ao colégio e ele se inclinou para pegar a mochila no banco de trás.

—Pergunta pra sua mãe quando ela estiver num dia bom.

—Ela não vai falar.

—Então eu também não. - Afirmei e ele me olhou insatisfeito.

—Vocês dois não deveriam ter segredos para mim, somos uma família. - Argumentou com sabedoria, me fazendo rolar os olhos para ele enquanto pegava o dinheiro dentro da carteira.

—Toma, para o teatro.

—Posso ficar com o troco?

—Pode. Tchau filhote, bom dia na escola e se comporte.

Ele se inclinou para me dar um abraço e um beijo, que eu retribui feliz.

—Você está usando meu perfume de novo? - Perguntei quando o cheiro dele me chamou atenção, e não era o cheiro do meu bebê.

—É que você é super cheiroso, pai. - Justificou com um sorrisinho descarado, e eu acabei rindo. - Tchau.

—Te amo, moleque.

—Também amo você, pai. Obrigado.

Ele bateu a porta com força demais, como todas as vezes, e o esperei entrar na escola para depois ir para o trabalho.

James era minha cópia fisicamente, mas tinha todos os trejeitos e o gênio forte da mãe, até mesmo o nível avançado em sarcasmo ele herdou geneticamente, e isso o fazia dizer e fazer algumas coisas irritantes às vezes, quase sem pensar. Mas era um bom garoto e odiava a ideia de nos deixar tristes por qualquer motivo que fosse, o que me deu a certeza de que após nossa conversa ele passaria o dia todo se remoendo pelo que disse.

Como todos os dias, saí do escritório na hora do almoço, passei para buscá-lo e almoçamos em casa enquanto ele me contava tudo o que havia feito de legal na escola.

—Eu já falei pro Alex que não vou viajar com eles. - Comunicou espontaneamente quando terminamos de comer.

—Ele quis saber por quê? - Ele concordou com um aceno diante da minha pergunta. - E o que você disse?

—Que vocês não deixaram. - Deu de ombros, como se fosse a única opção fosse dizer a verdade ao amigo. - Aí ele ficou me chamando de bebê. - Informou, contrariado.

—Mas você é nosso bebê mesmo. - Provoquei e ele fechou a cara para mim.

—Pai!

—Não liga pra esses comentários, filho, é só pra encher o saco. - O tranquilizei e ele concordou com um aceno.

Tirei os pratos da mesa quando terminamos de comer e ele foi direto se jogar no sofá da sala com o controle da TV na mão.

—Acho que hoje não consigo chegar mais cedo, tudo bem ficar sozinho umas duas horinhas a mais? - Perguntei encostado ao batente da porta e os olhos dele se iluminaram com a ideia de ter a casa só pra ele por um tempo a mais, o que ele achava ser uma coisa super adulta.

Há dois meses Ginny e eu chegamos ao consenso de que James já podia ficar sozinho em casa depois de chegar da escola até que um de nós chegássemos do trabalho, e dispensamos a babá que o acompanhava nesse período, mas isso não nos impedia de ficar preocupados. Ao contrário dele, que parecia achar o máximo ter a casa toda só para ele para fazer sei lá o que que ele faz nesse tempo de liberdade completa.

—Vou ficar bem, pai, fica tranquilo. - Falou casualmente, tentando não parecer animado e se levantando do sofá para me acompanhar até a entrada.

Nos despedimos e eu o esperei trancar a porta para voltar ao trabalho, onde o resto do dia se arrastou rápido em meio ao tanto de coisas que eu tive para resolver. O toque do meu celular me interrompeu alguns minutos depois do meu horário normal de saída, mas enquanto eu ainda ocupava minha mesa.

—Oi, amor. - Atendi quando vi o nome dela no identificador de chamadas.

—Oi, você já está em casa? - Me perguntou apressada, se movimentando.

—Ainda no escritório, mas já estou indo. Tudo bem aí?

—Não, eu vou ter que fazer uma cirurgia de urgência, não tem mais ninguém disponível e você sabe como são as noites de sexta. Vou chegar mais tarde de novo, desculpa.

Depois de tantos anos eu já tinha me acostumado com esses eventos, que se tornaram muito mais raros desde que Ginny se tornou chefe de cirurgia, dois anos atrás. Embora seja muito mais legal quando ela chega cedo e fica com a gente por mais tempo antes de dormir, eu via a sua empolgação quando ela tinha algo assim para fazer.

—Ta bom, minha linda, cuidado no caminho. - Recomendei.

—Pode deixar. Falou com o James?

—Falei e ele me pareceu bem culpado, ficou um tempão pensativo depois disso e me perguntou se você está brava com ele.

Alguém chamou seu nome ao fundo, e eu a esperei responder alguns termos que apesar de já ter escutado antes, não entendi.

—Amor, tenho que ir. Até mais tarde, beijos.

Antes que eu conseguisse responder, ela desligou o telefone e eu voltei a me concentrar no que precisava terminar antes de ir para casa.

Assim que passei pela porta da sala, não precisei nem chamar para saber onde James estava, o som do videogame no quarto dele dava para ser ouvido de onde eu estava. Fui até lá e o encontrei com os olhos pregados na TV, distraído.

—Oi, filhote. - Cumprimentei e ele pausou o jogo para me dar um beijo.

—Oi, pai, vou continuar jogando um pouquinho, tá?

—Fez a lição de casa?

—Fiz.

—Ta bom, daqui a pouco eu te chamo para jantar. -

Saí do quarto dele e fui até a cozinha preparar algo para comermos, porque se bem o conhecia ele estava morrendo de fome. Jay veio imediatamente quando o chamei, e se acomodou à minha frente depois de se servir.

—A gente não vai esperar a minha mãe?

—Ela não está vindo embora ainda.

—Ela vai demorar muito?

—Liga pra ela e pergunta, James. - Incentivei e ele franziu a testa, indicando que não era o que queria ouvir.

—Pensei que você fosse me ajudar.

—Eu ajudei, é muito útil na sua idade alguém dizer porque você foi um idiota. - Zombei e ele me olhou feio.

—Você perguntou se ela está brava comigo?

—Não.

—Poxa, pai. - Reclamou.

Depois de se convencer que a parte de se desculpar era só com ele e sem a minha ajuda, terminamos de comer enquanto ele falava sem parar, meu filho também era minha cópia na quantidade de palavras que diz ao dia. Fiquei na cozinha fazendo companhia até ele terminar de lavar a louça e depois fui para o meu quarto tomar banho, enquanto ele fazia o mesmo.

Saí do banheiro confortavelmente vestido apenas numa cueca boxer e deitei na minha cama para ler algumas páginas do livro que comecei duas semanas atrás, mas ainda não havia conseguido passar da metade.

Três páginas depois, uma batida na porta chamou minha atenção e James passou por ela vestindo apenas o short curto de pijama.

—Vou ficar aqui com você um pouco, tá bom? Quando a minha mãe chegar eu vou pro meu quarto. - Falou se acomodando no travesseiro dela e escorregando para baixo do edredom.

—Tá bom. - Respondi, voltando minha atenção para o livro aberto no meu colo.

Não consegui continuar minha leitura por muito tempo, porque ele começou a fazer alguns comentários que logo se transformaram numa conversa longa. Era engraçado vê-lo intercalar assuntos mais maduros, típicos de adolescente, com alguns pensamentos ainda muito infantis que surgiam no meio da conversa, e James tinha um senso de humor que prendia a atenção de todo mundo, fazendo dele o mestre do carisma e simpatia.

Interrompi o assunto tempo suficiente para ir até a cozinha e beber um copo de água, mas ele já estava dormindo quando voltei. Em meio a alguns resmungos, praticamente o carreguei para o próprio quarto e arrumei o edredom azul do Mickey em cima dele assim que se deitou.

—Eu ia esperar a minha mãe chegar.

—Deixa isso para amanhã, é sábado e vamos ficar em casa. - Ele acenou concordando e virou para outro lado. - Boa noite.

Ele respondeu sonolento enquanto eu dava um beijo em seu rosto, e dormiu de novo quase imediatamente.

Apaguei a luz, fechei a porta e voltei ao meu livro pelas próximas horas, me deixando envolver pela história empolgante. A porta do quarto se abrindo sem aviso chamou minha atenção quando Ginny passou por ela com a expressão cansada, mas sorrindo na minha direção.

—Oi, Ursinho. - Cumprimentou, se sentando do meu lado e debruçando sobre o meu peito para me dar um beijo.

—Oi. - Retribuí e coloquei o cabelo dela para trás quando nos afastamos. - Estava distraído, nem te ouvi chegar.

—Termina seu capítulo enquanto eu tomo banho, já volto.

Li as duas páginas que faltavam, deixei o livro de lado e entrei no banheiro. Encostei no armário e fiquei olhando até ela perceber minha presença ali, um tempo depois.

—Já? - Perguntou, se referindo ao livro.

—Uhum.

Ginny terminou de se enxaguar, desligou o chuveiro e se enxugou rapidamente, depois veio até mim e me deu um abraço gostoso.

—Queria que você tivesse chegado cedo, estou com saudade.

—Eu também estou. - Falou manhosa, com o rosto encostado no meu peito e de olhos fechados para aproveitar o carinho que eu estava fazendo nas suas costas. - Mas tudo resolveu acontecer com as pessoas hoje.

—Com as bolsas de valores também, até eu cheguei mais tarde.

Contei um pouco do meu dia enquanto ela escovava os dentes e me deitei na cama para esperá-la se juntar a mim depois de vestir um pijama que consistia num short curto e camiseta regata que eu achava sexy, apesar dos desenhos de porquinhos sugerirem que foi feito para ser apenas confortável.

—Seu filho está desesperado querendo te ver. - Falei quando Ginny se acomodou sob as cobertas e encostou no meu peito.

—Passei no quarto dele agora pra dar um beijo, nem se mexeu.

—Ele queria te esperar chegar, mas acabou dormindo aqui comigo e eu levei ele pra lá. Ficou me perguntando se você estava brava com ele.

—Olha a mensagem que ele me mandou hoje a tarde.

Ela se inclinou para o criado mudo e me entregou o celular. Digitei a senha e procurei a conversa com ele, onde a última mensagem recebida era:

“Mãe, já fiz a lição e arrumei o meu quarto, agora vou jogar um pouquinho de vídeo game. Me chama para jantar com você quando chegar.”

Ri do conteúdo do texto e ela me acompanhou, mas vi que não tinha respondido nada.

—Você está brava com ele?

—Não, mas vou deixar ele se desculpar de verdade dessa vez. - Falou tranquila, e eu concordei com um aceno, apesar de ficar com um pouquinho de dó dele por estar triste com a situação eu também achava que ele deveria ver as consequências de falar o que vem na cabeça. - Eu estou é com saudade dele, faz dois dias que não o vejo direito.

—Faz dois dias que você também não me vê direito. - Comentei, chamando a atenção para mim.

—Esses ciúmes de vocês um com o outro faz super bem pro meu ego, sabia? - Brincou, se virando de frente.

Rolei os olhos para ela sem me preocupar em negar.

—Amanhã ele vai ficar grudado em você o dia inteiro, tenho certeza.

—Então vamos aproveitar para você ficar grudado em mim enquanto ele dorme, porque amanhã eu só vou ser mamãe. - Determinou, se deitando sobre mim.

—Hoje você é o que?

—O que você quiser. - Falou naquele tom malicioso que me tirava o fôlego.

—O que eu quiser mesmo? Qualquer coisa? - Entrei na brincadeira, deslizando as mãos pelas suas costas.

—Sim, seja criativo.

E bem, se minha esposa trabalhou até duas da manhã e ainda assim quer de se divertir um pouco antes de dormir, eu nunca iria reclamar.

Acordei um pouco perdido com o horário no dia seguinte, mas o celular me mostrou que era quase dez da manhã. Me soltei do emaranhado de pernas minhas e da Gin, e vesti a calça do pijama que eu nunca usava realmente para dormir.

—Que horas são? - Ela perguntou sonolenta, enquanto eu jogava a roupa dela de volta para cima da cama.

—Dez, dorme mais um pouco. - Sugeri, mas ela negou com um aceno e se sentou para vestir novamente o pijama.

Fomos juntos para a cozinha, aproveitar um pouco a companhia um do outro enquanto o James ainda dormia. Peguei algumas coisas para comer enquanto ela fazia café para nós e a esperei se juntar a mim, ocupando a cadeira do meu lado e descansando as pernas sobre as minhas.

—Sua mãe me ligou ontem, nos convidou para passar o feriado com eles.

—E nós vamos?

—Não sei, eu disse pra ela que ligo pra confirmar, porque queria conversar uma coisa com você antes. O que acha de levarmos o James pra praia? É perto da casa do amigo, ele ainda pode ficar junto com os meninos e estaremos lá para tomar conta.

—Acho melhor não, amor. Isso é uase o que ele quer, ele não pode achar que é só bater o pé e ficar bravo que a gente dá tudo pra ele.

Ela fez cara de pensativa por um tempo e concordou, como se já tivesse pensado nisso também.

—Eu sei, mas fico com dó de falar não pra ele. - Confessou o que nosso filho nunca poderia saber antes dos vinte e cinco anos de idade.

—Eu também, mas… - Dei de ombros indicando que era o jeito.

—Vou confirmar com a sua mãe, então.

Antes que eu pudesse dizer qualquer outra coisa, os passos nada silenciosos do nosso garoto chamaram a atenção e Ginny assumiu uma expressão mais séria que me fez ter que segurar uma risada, porque ele já estava no mesmo cômodo que nós.

—Bom dia, mãe. - Cumprimentou um pouco contido, e deu um beijo estalado no rosto dela.

—Bom dia. - Ela respondeu simplesmente, sem puxar mais assunto.

—Bom dia, pai. - Fez o mesmo comigo, mas eu o respondi de forma mais receptiva.

—Bom dia, dormiu bem?

—Sim. - Respondeu, puxando uma caneca para ele.

Nós dois conversamos enquanto ele comia, mas Ginny não falou nada. Eu sabia que era de propósito, mas o James já estava desconfortável e sem graça. Quando ele terminou seu café da manhã, eu me levantei e tirei a louça da mesa enquanto ela voltava as demais coisas para o armário.

—Mãe… - Ele chamou com a voz suave enquanto ela estava de costas para ele.

—Oi.

—Desculpa pelo que eu falei ontem. - Falou e a olhou com expectativa.

Ginny terminou o que estava fazendo, se encostou no balcão de frente para ele e cruzou os braços, esperando. Enquanto eu olhava, pensei que se James estava pensando que aquilo era suficiente para se desculpar com a mãe, precisaria de muitos anos de treino na convivência dela ainda para descobrir como as coisas funcionavam com ela.

—Depois que o meu pai me contou o que aconteceu com o vovô eu entendi que não devo falar essas coisas sérias. - Continuou e fez uma pausa, mas viu que não era o bastante. - E eu não estava falando sério, era só porque eu queria ir viajar com o Alex, mas eu já falei pra ele que não vou porque vocês não deixaram.

Ela sustentou com firmeza seu olhar, até que ele desviou o rosto para baixo, constrangido.

—Você me desculpa?

—Desculpo, James. - Falou séria, e ele olhou para ela de novo.

Ginny estendeu a mão e ele cruzou a cozinha, enlaçando sua cintura num abraço. Ele tinha mais ou menos a altura dos ombros dela, então ainda conseguia encostar a cabeça em seu peito como fazia desde bebê.

—Você está brava comigo? - Perguntou um tempo depois, olhando para cima.

—Não estou brava com você, mas se eu te ver repetindo aquilo de novo quebro seus dois braços. - Ameaçou séria, mas ele riu.

—E depois conserta? - Arriscou o complemento padrão daquela ameaça.

—Não, dessa vez eu os deixo quebrados.

Ela o apertou mais e deu uma sequência de beijos em seu rosto.

—Amor, o James tinha uma coisa pra te perguntar também. - Encostei do lado dela e ele me olhou com repreensão.

—Não tinha não, mãe. - Negou antes que ela perguntasse, aumentando sua desconfiança.

—Agora eu quero saber, o que era?

Ele tentou se afastar, mas ela o prendeu com os braços e impediu. Ele suspirou, vendo que não tinha jeito.

—Você já vai me contar como foi o segundo encontro de vocês?

—Pergunta para o seu pai quando ele estiver num dia bom. - Respondeu a mesma coisa que eu.

—Vocês sempre respondem isso e nunca contam.

—Você vai contar, amor? - Ela me perguntou, rindo.

—Eu não, e você?

—Também não.

Ele rolou os olhos para nós dois, contrariado.

—Eu nunca vou saber?

—Talvez quando você tiver uns vinte anos.

—O que vamos fazer hoje? - Perguntei, e ele me olhou empolgado.

Sábado era o dia dele, quando ele escolhia os passeios, o cardápio e, nas ocasiões em que não saía com os tios ou com algum amiguinho cujos pais fossem responsáveis o suficiente para confiarmos, decidia o que faríamos durante todo o dia.

—Vamos almoçar fora, naquele hambúrguer legal?

—Já é quase hora do almoço e acabamos de tomar café, por quê a gente não almoça lá amanhã? - Ginny sugeriu.

—Por que não jantamos lá hoje a noite?

—Hoje temos um churrasco na casa do tio Mike, lembra? - Respondi por ela.

—Ah, verdade. - Os olhos dele brilharam por um segundo, e ele fez o melhor que pôde para esconder a empolgação ao perguntar: - A Meg vai estar lá?

Eu adorava ver as caras que a Gin fazia toda vez que ele falava da Meg assim, encantado. Eu achava engraçado ele ter uma paixonite, mas a mamãe ciumenta não via tanta diversão nisso.

—Sim, ela vai estar lá. - Confirmei, e ele mal conseguiu conter o sorriso.

—Então almoçamos hambúrguer amanhã, tudo bem? - Ginny interrompeu nosso assunto, voltando ao tópico anterior.

—Pode ser. - Acatou, e pareceu pensativo por um momento. - Vamos assistir o filme do Capitão América, então.

Eu adorei a ideia, mas minha esposa precisou esconder a maior expressão de decepção do mundo, porque muito diferente de mim, que assistia quieto enquanto ela dormia ou deixava os pensamentos voarem, James fazia comentários durante todo o filme e depois ficava perguntando o que ela achou de cada uma das cenas.

—Vai colocando o filme, vou fazer pipoca pra gente. - Ofereceu como uma saída para chegar quinze minutos depois.

—O meu pai faz, né, pai? - Se virou para mim.

—Claro que faço. - Confirmei, e ele logo agarrou a mão dela e a arrastou para a sala.

Não dava pra negar que tinha o lado muito cansativo e às vezes estressante de ter um filho, mas era muito mais legal e gratificante na maior parte do tempo. E nos força a fazer coisas meio inimagináveis, como Ginny ler um livro inteirinho apenas para ajudá-lo num trabalho da escola, e eu levá-lo para torcer para um time que não era o mesmo que o meu. Até hoje não sei como isso aconteceu, mas ainda tenho esperanças de que mude.

Enchi duas tigelas com a pipoca recém saída da panela e fui até a sala me juntar a eles. Gin estava deitada de lado no sofá maior e ele acomodado confortavelmente na frente dela, preso em um abraço e recebendo cafuné, prestando atenção na TV.

—Mãe, essa parte é muito legal, olha. - Cutucou a coxa dela sem desviar os olhos da tela, me fazendo rir.

Entreguei uma das vasilhas para eles e me deitei com a outra no sofá em frente, porque aquela parte era muito boa mesmo e eu nunca me cansava de assistir. O mais legal é que para poder comentar com ele depois, Ginny realmente prestava atenção, mesmo mantendo uma expressão que dizia claramente que estava vendo as cenas mais chatas da vida na tela.

Assim que a minha parte preferida acabou, virei para eles e fiquei observando enquanto ambos estavam concentrados no filme. James estava segurando a vasilha em frente ao corpo, e Gin se revezava entre comer e colocar pipocas na boca dele, nenhum dos dois prestando a menor atenção em mim.

Era impossível olhar para eles e não se sentir o cara mais sortudo do mundo, não sentir como se eu tivesse tudo o que poderia querer, porque com os dois nada mais me faltava. James e Ginny Potter são minha vida, e não há nada no mundo que eu ame mais do que eles.

Dias como esse, em que estávamos juntos e nossa maior preocupação era um filme bobo na TV, me davam a certeza de que fiz todas as escolhas certas para chegar até momentos assim, em que o mundo ficava da porta para fora e nós estávamos completos sendo apenas nós três. Saber que essas duas pessoas maravilhosas à minha frente são minha família, me enchia de um orgulho sem tamanho.

Como se meu olhar a tivesse atraído de alguma forma, Gin desviou os olhos da TV por um momento e piscou para mim num gesto cúmplice antes de desviar o rosto de novo. Eu sabia que ela concordava com tudo isso. E ela sabia que essas piscadinhas ainda faziam meu estômago dar cambalhotas.

Se me perguntassem hoje o que eu aconselho para alguém que está levando uma vida pacata em que nada de diferente acontece e tudo se resume sempre aos mesmos lugares, mesmas pessoas e ninguém interessante o suficiente, minha resposta certamente seria: quebre o braço. Dói pra caramba, mas pode mudar sua vida.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Olá pessoal!
Antes das minhas notas: vocês também acharam que o James ia levar um tapa? Eu sim hahaha
DV já está toda escrita há alguns meses, mas chegou a hora de oficialmente me despedir dessa história que eu gostei e me envolvi tanto ao escrever.
Acho que esse epílogo, alguns anos depois e pelo POV do Harry fecha muito bem esse ciclo do qual você, que leu até aqui, também faz parte.
Eu "meço" as minhas histórias por quanto eu fiquei satisfeita ao escrevê-la, e nesse quesito DV me surpreendeu muito positivamente. São ao todo quase 600 páginas no word, e eu amei escrever cada palavra, me envolvi em cada cena, pensei cada ação e realmente me doei para que tudo isso tomasse forma.
Postar, então, foi extremamente gratificante! Em números, até agora foram 727 comentários, 165 pessoas acompanhando, 34 leitores que marcaram como favorito e 35.135 visualizações apenas no Nyah. O que me faz pensar que vocês gostaram tanto quanto eu de tudo o que aconteceu com esse casal.
A quem fez parte dessa estatística de alguma forma, muito obrigada! Escrever é um prazer, mas não dá pra negar que receber esse retorno é tão compensador quanto ver as minhas ideias todas no papel.
Em DV nos despedimos agora, mas desse mundo eu espero não me despedir nunca!
Espero vê-los nas próximas histórias e no meu grupo no Facebook (https://www.facebook.com/groups/1104653872914067/), porque é lá que eu posto sempre que tenho alguma novidade.
Beijos ♥